Resumo: O artigo objetiva contribuir com a reflexão da vivência das pesquisadoras na educação, em diferentes modalidades (presencial e a distância) aliada a elementos teóricos, para compreender o processo de inserção do professor universitário nas aulas de modalidade a distância (EaD), no período de expansão (2010-2016) dos cursos totalmente EaD ou semi-presenciais, em Instituições de Ensino Superior. A questão problematizadora é até que ponto a nossa prática docente, na educação a distância, provoca o distanciamento do professor da sua práxis? Partimos do pressuposto de que é necessário entendermos a dimensão do processo de proletarização, alienação, distanciando do professor de sua práxis, ou seja, de sua autonomia na criação de aulas, gestão do conteúdo e na relação humana com seus alunos para avaliar as consequências para o educador. Discute-se, por fim, o contexto da cibercultura que exige uma nova prática em espaço e tempo virtual para a educação on line.
Palavras-chave:PráxisPráxis,AlienaçãoAlienação,Formação de professorFormação de professor,Educação a distânciaEducação a distância.
Abstract: The article aims to contribute to the reflection on the researchers’s education experience in different modalities (onsite and distance) allied to theoretical elements, to understand the insertion process of the university professor in the distance mode classes (EaD, in portuguese), during the expansion period of the fully e-learning or semi-distance higher education courses (2010-2016). The problematizing question is to what extent our teaching practice in distance education distracts the teacher from his praxis? We start from the assumption that it is necessary to understand the dimension of the process of proletarianization, alienation, wich distances the teacher from his praxis, that is, from his autonomy in class preparation, from content management and also human relations with his students, in order to evaluate the consequences for the educator. After all. it is discussed the context of cyberculture, wich requires a new practice in virtual space and time for online education.
Keywords: Praxis, Alienation, Teacher training, Distance education.
Resumen: El artículo busca contribuir a la reflexión de la experiencia de los investigadores en la educación, en diferentes modalidades (presenciales y a distancia) asociada con elementos teóricos para entender el proceso de inserción del profesor universitario en las clases de modalidad a distancia, en el período de expansión (2010-2016) de todos los cursos de educación a distancia o semi-presenciales en instituciones de educación superior. La pregunta de investigación es ¿en qué medida nuestra práctica docente, en la educación a distancia, provoca el distanciamiento del profesor de su praxis? Se parte del presupuesto de que es necesario entender la dimensión del proceso de proletarización, alienación, distanciamiento del profesor de su praxis, es decir, de su autonomía en la creación de clases, gestión de contenidos y en la relación humana con sus estudiantes para evaluar las consecuencias para el educador. Este trabajo, con enfoque cualitativo, discute finalmente el cambio del lugar de trabajo físico en el contexto de la cibercultura que requiere una nueva práctica en espacio y tiempo virtual para la educación en línea.
Palabras clave: Praxis, Alienación, La formación del profesorado, La Educación a distancia.
Dossiê Temático
(De) formando o educador: uma discussão teórica acerca do professor e tutor na EaD
(De)forming the educator: a theoretical discussion about the teacher and tutor in EaD
(De)formación del educador: una discusión teórica sobre el profesor y tutor en la educación a distancia

Recepción: 10 Mayo 2017
Aprobación: 10 Junio 2017
Mobilidade, ubiquidade e interatividade são conceitos que nos acompanham em nosso cotidiano de trabalho, assim como lazer, comunicação e acesso à informação. O cenário social e cultural alterou-se nestes últimos anos, gerando novas possiblidades de trabalho e negócios. Os escritórios podem ser virtuais, as mochilas com tablets ou notebooks representam o executivo de uma Startup. Esse é um recorte do cenário em que a tecnologia computacional dinamizou a vida contemporânea. Entretanto, não podemos fazer uma análise ingênua e míope desta sociedade em que a produção e a comunicação são transformadas pela revolução tecnológica computacional que trouxe a Internet e a WEB 2.0, amparadas pelos tablets, smartphones e notebooks.
Nesse cenário, nossa questão norteadora é entender em que medida estas transformações atingiram a profissão do professor universitário, a partir da expansão dos cursos na modalidade a distância. O estudo realizado tem como objetivo trazer à discussão o professor, denominado de tutor e o uso da tecnologia computacional na educação superior no Brasil, nos últimos cinco anos. Consideramos este período pelo crescimento acelerado de cursos totalmente, ou parcialmente na modalidade, oficialmente denominada de educação a distância (EaD). Por questão conceitual utilizaremos também educação online, pois o termo a distância para a cibercultura, em pleno século XXI, desconsidera que o paradigma de espaço, tempo e comunicação mudaram. Por educação online, entendemos, assim como Silva (2000, p. 83):
A educação online não é uma evolução da EAD feita à base de mídia de massa (impresso, rádio e TV). Ela emerge como um fenômeno da cibercultura, portanto em outro paradigma comunicacional. Compreendida como modalidade educacional potencializada pelas tecnologias digitais (SILVA, 2006) ou ainda como o conjunto de ações de ensino e aprendizagem que são desenvolvidas através de meios telemáticos, como a internet, a especificidade da educação online encontra-se no fato de utilizar tecnologias que permitem novas formas de interação tanto com conteúdos informativos quanto entre as pessoas. Assim, à medida que se conhecem ambientes online de aprendizagem, percebe-se que, além da informação, existem à disposição recursos que possibilitam a interlocução entre seus frequentadores. A educação online traz desafios específicos para docentes e discentes, pois demanda uma formação voltada para um novo indivíduo.
A modalidade de ensino mediada pela tecnologia computacional possibilita o acesso de muitas pessoas à formação profissional e formação continuada em Instituições de Ensino Superior. Podemos ter informação rápida, comunicação em rede, compartilhar experiências, entrar em contato com pessoas do mundo todo e conteúdos via redes educacionais abertas (REA), Massive Open Online Course (MOOCs) e outras plataformas e recursos educacionais. Esse cenário é animador e com possibilidades positivas que poderiam sanar muitos problemas em um país, com a dimensão territorial do Brasil. O recorte temporal (2010-2015) que trazemos é necessário para mostrar que, no curto espaço de tempo pesquisado, o crescimento da modalidade, aqui em pauta, acentuou-se em consonância ao fortalecimento de empresas educacionais de capital nacional, estrangeiro e misto.
Oficialmente, os sindicatos dos professores de instituições privadas, o Ministério de Educação (MEC) e Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) não divulgam o número de professores que trabalham na modalidade a distância. Isso porque o registro em carteira de trabalho não diferencia as formas de trabalho e não há como investigar sem o acesso a documentos internos das Instituições de Ensino Superior (IES). Como, no caso deste estudo, estamos tratando de IES privadas, não teríamos como trazer este dado preciso. Outro dado, deveras importante em nosso país, é a atuação do tutor, profissão questionável sob o ponto de vista jurídico e regulamentada pelo MEC, nos instrumentos de avaliação dos cursos EaD pela CEB – CNE no. 41/02. Este tem o contato direto com o aluno, resolvendo questões administrativas e pedagógicas:
Estes diferentes níveis (interações eletrônicas) de presencialidade introduzem no sistema um personagem novo, conhecido por denominações como tutor, facilitador de aprendizagem, orientador de aprendizagem. Sua função é atender o aluno em suas dificuldades, motivá-lo, orientar suas atividades, supervisionar suas tarefas. O orientador atua, em geral, nas telessalas, nas reuniões programadas, nos plantões de atendimento. É também o orientador de aprendizagem responsável pela avaliação do progresso dos alunos.(CEB-CNE n.41/02, 2002, p.19).
O profissional tutor que atua, em Instituições de Ensino Superior (IES), no ensino online, suportando praticamente a demanda da ação pedagógica, tem por prática remeter-se ao professor especialista, apenas quando há algo mais específico e que solitariamente não poderia solucionar. Remete-se ao professor especialista, para resolver a dúvida do aluno. Vale lembrar que este tutor em muitas instituições pode ser professor titulado (especialista, mestre ou doutor), pode ser estagiário ou graduado não titulado, até mesmo porque o MEC exige titulação e/ou aderência ao curso.
Apesar de o universo ser heterógeno e de determinada complexidade, devendo ser estudado com maior profundidade, no campo das políticas educacionais, o objetivo geral do presente artigo é analisar o professor universitário e o processo de passagem para o trabalho dos cursos presenciais para o de professor com carga horária parcial de aulas virtuais medidas por computador ou atuando em cursos totalmente a distância. São aspectos importantes na formação do professor e, é necessário também entender, o processo de apropriação da didática, própria para a modalidade de ensino mediada por computador, as mudanças na atuação do professor, nas plataformas de aprendizagem virtual e outros recursos oferecidos pelas Instituições de Ensino Superior (IES).
Ao pensarmos no ambiente de trabalho, tomemos o número de horas à frente de um computador, o profissional não mais em sala de aula com diálogo direto com alunos e colegas de trabalho. Passamos a pensar em como essa situação afeta o professor na sua práxis e na sua identidade profissional. Como Pimenta e Anastasiou (2002) defendem a respeito da mediação do professor na faculdade:
O ensino na universidade caracteriza-se comum ao processo de busca e de construção científica e crítica de conhecimentos. (...)
a) pressupor o domínio de um conjunto de conhecimentos, métodos e técnicas científicas que devem ser ensinados criticamente (isto é, em seus nexos com a produção sócia e histórica da sociedade);
b) a condução progressiva do aluno na busca de conhecimentos; o desenvolvimento da capacidade de reflexão;
c) a habilidade de usar documentação; o domínio científico e profissional do campo específico (...),
d) propor a substituição do ensino que se limita a transmissão de conteúdos teórico por um ensino constituido por um processo de investigação do conhecimento;
e) buscar criar e recriar situações de aprendizagem;
f) valorizar a avaliação diagnóstica e compreensiva da atividade mais do que a avaliação como controle;
g) procurar conhecer o universo cognitivo e cultural dos alunos e, com base nisso, desenvolver processos de ensino e aprendizagem interativos e participativos
Essas características do ensinar requerem, além de preparação nas áreas dos conhecimentos específicos e pedagógicos, opções éticas, compromissos com os resultados do ensino, sensibilidade e sabedoria dos professores.(PIMENTA e ANASTASIOU, 2002, p.5)
As autoras colocam essas condições como imperativos na educação superior contemporânea. Neste sentido, torna-se também necessário refletirmos como o professor online pode atingir tais competências dentro do modelo hegemônico de educação online, no qual predomina a mecanização da prática docente, à frente do computador, utilizando o conteúdo feito por outro professor especialista e um ambiente virtual, muitas vezes, com poucas ferramentas interativas, quantidade média de alunos de 100 a 200 por turma e sem possibilidade de marcar sua identidade nas estratégias pedagógicas e avaliativas. Traremos o conceito de práxis para podermos entender a dimensão do processo de expropriação do exercício da docencia, que nos últimos anos, vem gradualmente crescendo, nos cursos da modalidade EaD, assim como nos cursos cujo projeto pedagôgico estabeleceram a possibilidade, dado por lei, de carga horária na modalidade EaD nos cursos presenciais.
As mudanças na legislação educacional, assim como a política de financiamento para o crescimento de vagas e matrículas no Ensino Superior, acompanharam a disseminação do uso da comunicação mediada pelo computador para atingir o maior número de estados e municípios. Participando daquilo que alguns insistem em chamar de universalização do ensino superior, com o custo de, pela falta de esclarecimentos e formação para a EaD, um ensino de segunda categoria ou subensino. Algumas Instituições privadas de Educação Superior, como setor produtivo da sociedade, fizeram investimentos financeiros altos para trazer inovações tecnológicas que pudessem ampliar o acesso aos cursos de graduação e pós-graduação. Presenciamos o anúncio de fusões empresariais, investimentos na bolsa de valores de empresas educacionais transnacionais, que se tornaram as maiores do mundo em capital e unidades, espalhando-se por todo território nacional, levando, assim, polos de cursos a distância a, praticamente, todos os rincões deste país.
O Censo EAD.BR: Relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil (2015), nos traz enquanto dados, que as IES com fins lucrativos aumentaram em “(98,28% de aumento) e as instituições formadoras que passaram a ser fornecedoras (de 17, em 2014, para 40, em 2015 – um aumento de mais de 100%) (p. 7)”. Na síntese inicial do mesmo relatório, temos que a EAD, atualmente está em todo o território nacional. Notamos que:
Somente 79 das 368 instituições que responderam o Censo EAD.BR 2015 têm atuação fora do seu estado de origem, com uma concentração média de mais de 59 polos por instituição. Os cursos são oferecidos em todos os níveis e áreas de conhecimento, com destaque para 1.079 ofertas de cursos de extensão e para as áreas de Ciências Sociais Aplicadas, com 608 ofertas de cursos regulamentados totalmente a distância. Entre os semipresenciais, a preferência é pelas Ciências Humanas, com 1.389 ofertas registradas (CENSO EADBR, 2015, p. 7).
Portanto, observa-se que as Ciências Humanas ocupam papel central na escolha de cursos, e, portanto, entendemos este tutor é de extrema importância. O mesmo censo nos traz que os alunos e alunas, são trabalhadores e tem em média 30 – 40 anos de idade. A grande maioria busca realizar licenciaturas “[...] com 148.222 alunos matriculados em licenciaturas propriamente ditas, 134.262 em habilitações mistas (licenciatura e bacharelado) e 410.470 em licenciaturas semipresenciais” (CENSO EADBR, 2015, p. 7). E além destes, percebesse que é um campo de atuação promissor com os números que o censo constata, cursos livres com 1.880.165 alunos em cursos de iniciação profissional, “137.092 alunos em cursos corporativos da mesma categoria; 1.001.819 estudantes em treinamento operacional e 137.092 em cursos corporativos da mesma modalidade” (idem, p. 7).
A EaD pode-se dizer representa um mercado barato, muitas vezes e, portanto, promissor no campo econômico, já que em 2015, “[...] contabilizou 5.048.912 alunos, sendo 1.108.021 em cursos regulamentados totalmente a distância e semipresenciais e 3.940.891 em cursos livres corporativos ou não corporativos” (idem, p. 7). Portanto, a EaD alcançou, em 2015, 1.180.296 alunos matriculados em IES a mais do que em 2014. Os números que apresentamos ratificam nossas reflexões, e nos convidam a também pensarmos mais profundamente sobre a qualidade dos serviços oferecidos pelas IES, o trabalho do professor, que pode ser o autor do conteúdo utilizado no curso ou o consumidor do material no seu trabalho didático, voltado para a aprendizagem e construção do conhecimento.
Para fundamentar, teoricamente, estabeleceremos o diálogo dos conceitos sociológicos: alienação, práxis e mercadoria à luz da Teoria Crítica com os estudos acerca da formação e identidade do professor universitário.
As pesquisas sobre formação do professor universitário apontam, ao longo dos anos, a necessidade de valorizar a didática nos cursos de latu-sensu ou strictu-sensu para melhoria da qualidade do Ensino Superior. Estas questões estão presentes nos grupos de pesquisa, na literatura nacional e internacional (FRANCO, 2015; VASQUEZ, 1968; SUOJANEN, 1999; SANTOS, 2002; PIMENTA, 2002; IMBERT, 2003). Com o computador, o acesso à internet e as mídias a demanda do trabalho do professor universitário, por entender questões voltadas a aprendizagem e didática, fizeram-se urgentes e explícitas, pois a implantação destas, nas salas de aula, ocorreu rapidamente.
Tais aquisições e a apropriação das tecnologias como ferramentas de trabalho trouxeram uma nova configuração no mercado de trabalho, empregabilidade, nova metodologia de aula, passando a exigir o ressignificar a identidade do professor universitário que estava em processo de construção, no Brasil, devido a sua história recente. Pimenta (2002) ao analisar os efeitos dos computadores, na profissão de docentes universitários, apontava que “os computadores poderiam transformar as aulas e converter os professores em, ‘suportes e ajudantes da aprendizagem’, isso seria um “exagero” (GARRIDO, 2010, p. 39). Entretanto, ao presenciarmos nas instituições em que trabalhamos e, portanto, conhecemos tal processo; assim como ao termos contato com diversos professores tutores ao iniciarmos nosso estudo exploratório acerca do tema, pudemos, sem exagero nenhum, contrariando assim Garrido (2010), afirmar que a previsão de Pimenta (2004) se sustenta na atualidade.
Experienciamos ao longo de nossas trajetórias profissionais as mudanças provocadas pelas Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDIC). Nestes últimos 15 anos, enquanto professoras, pudemos atuar ora como conteudistas, produtoras de videoaulas, videoconferências, professoras online, tutoras, coordenadoras de cursos a distância, e, sobretudo pesquisadoras de tecnologia educacional.
Nossa própria trajetória no Ensino Superior, no tocante ao nos apropriarmos das TDIC, formando professores e pensando em desenhos para a educação a distância, tornaram-nos ainda mais críticas e com olhar sistêmico ao pesquisar sobre o tema formação de professores e a atuação destes em plataformas virtuais de aprendizagem (AVA), com turmas de 100 a 300 alunos e conteúdos terceirizados utilizados de forma pasteurizada por um professor que foi destituído de seu papel de educador e produtor de suas aulas, pelo próprio sistema educacional e aceitação da política institucionalizada, em nosso país.
Esta é a justificativa para tratar desta questão de forma interdisciplinar, trazendo um conceito que é caro neste artigo, práxis, entendido por nós enquanto a ação do homem provocada pelo conhecimento que transforma a sua realidade e a do outro, pois é motivada pelo seu comprometimento político e ideológico. Esta ação é a que entendemos como a integridade do trabalho de um professor. “Os homens são seres da práxis (ação e reflexão), diferente dos animais que são seres do puro fazer” (FREIRE, 1996, p.15).
Portanto, entendemos, assim como Franco (2015), que a prática pedagógica, necessária ao professor em EaD, entendida pelo próprio processo de ensinar e aprender, anto pelo professor quanto pelo aluno, dá-se pela “prática pedagógica”, que, segundo Franco (2015, p. 605), “são vivas, existenciais, por natureza, interativas e impactantes” e, nos revela que essa prática deve se organizar de modo a “concretizar determinadas expectativas educacionais” (idem, p. 605). Portanto, deve-se entender que ‘o próprio sentido de práxis se configura através do estabelecimento de uma intencionalidade, que dirige e dá sentido à ação’” (idem). O que deveria nos levar a entender que a ação pedagógica do professor se dá pelo planejamento e pela ciência daquilo que trata de modo a poder, como a autora se refere, a “transformação da realidade social” (Idem).
Sabemos que a aprendizagem não é linear e não depende apenas de um professor. Ela é decorrendo de diferentes fatores que não são controlados pelo profissional professor, como Franco (2015) bem nos lembra, “Tais práticas, por mais planejadas que sejam, são imprevisíveis porque nelas “nem a teoria, nem a prática tem anterioridade, cada uma modifica e revisa continuamente a outra” (CARR, 1996, p. 101).” (2015, p. 605). Neste sentido, ao pensarmos o professor, denominado tutor em EaD, temos o que outrora já determinava o perigo da profissão e do próprio processo de ensino que é a formatação de cursos “excessivamente técnico, planejado e avaliado apenas em seus produtos finais” (FRANCO, 2015, p. 606). E, elucidando os fatos, concordamos que pensar em educação é apropriar-se de processos, de “diálogos, nas múltiplas contradições que são inexoráveis entre sujeitos e natureza, que mutuamente se transformam”(Idem, 2015).
Quando a educação se pauta em medições, tendo como único processo produtos e resultados pode representar a ilusão de uma sociedade que não se transforma e não se empoderará da práxis. Portanto, entendemos que:
A ação educativa verdadeira só pode ser vista como práxis que integra, conforme Kosik (1995), dois aspectos - o laborativo e o existencial - e se manifesta tanto na ação transformadora do homem, como na formação da subjetividade humana. Quando se deixa de considerar o lado existencial, a práxis se perde como significado e permite ser utilizada como manipulação. (FRANCO, 2015, p. 606).
Desta forma, observamos em nossa prática que ao professor, tutor, tem-se negado, em muitas situações tanto a situação laborativa, posto que apenas tem a função de estar em sala enquanto animador da situação imposta e, nega-se sua ação existencial, enquanto prática pedagógica da mudança do homem.
Temos observado que o processo de produção de cursos na modalidade EaD, tem-se atualmente produzido em escala industrial. Com equipes fragmentadas que entregam em série partes do produto final: as aulas virtuais. Fazendo a analogia com a produção industrial, estas equipes da indústria educativa, desenvolvem seu produto sem levar em conta o consumidor (cidadão-aluno) e até mesmo a região em que estes cursos, em forma de polos se instalam.
Observamos que há como que um pensamento de que um curso ou disciplina se pode produzir em massa e o consumidor adequar a seu gosto, sua estética ao produto comprado. Não importando o perfil do aluno que comprará o pacote vendido, as suas necessidades e até mesmo o curso que ele faz. Temos inclusive vivenciado o mercado de mesmos conteudos iguais para áreas do conhecimento diferentes.
Estas aulas antes eram criadas integralmente pelo professor, dono de sua capacidade intelectual, física e espiritual de trabalho. Com valores ideológicos e teóricos que eram expressados pela práxis, na sala de aula, pressupondo-se a apropriação da didática que deveria se adequar aos alunos, ao curso e ao projeto pedagógico. Todo esse processo criativo tem-se terceirizado, entra na escala da produção industrial para atender a demanda de mercado.
O cenário descrito superficialmente é o local no qual o educador do ensino superior atua e este é o nosso foco de pesquisa: o professor que trabalha na educação a distância e que por intenções, talvez nada neutras (FREIRE, 1996 ) assume impositivamente o papel de tutor, como aquele que obedientemente se torna o profissional que tutelará 300 adultos em ambientes virtuais, que não necessitam de amparo, mas sim de arquitetura de aprendizagem, coisa que dificilmente se dará em situações com 100 ou 300 alunos ao mesmo tempo escrevendo e desejando respostas. Diante disto, a práxis transformadora no ato pedagógico pode se perder e ao invés de empoderar sujeitos reflexivos, transforma-os em conformados repetidores de informações alheias a ele. Como, Franco (2015) bem demonstra:
Realce-se, portanto, que a práxis permite ao homem conformar suas condições de existência, transcendê-las e reorganizá-las. Só a dialética do próprio movimento transforma o futuro e essa dialética carrega a essencialidade do ato educativo: intencionalidade coletivamente organizada e em contínuo ajuste de caminhos e práticas. Talvez o termo mais adequado seja o da insistência. O professor não pode desistir do aluno. Há que insistir, ouvir, refazer, fazer de outro jeito, acompanhar a lógica do aluno, descobrir e compreender as relações que ele estabelece com o saber, mudar o enfoque didático, as abordagens de interação e os caminhos do diálogo. (FRANCO, 2015, p. 607).
A reflexão necessária que trazemos aqui se dá a partir da pesquisa, em andamento, que estamos desenvolvendo a partir dos dados publicizados e oficiais do Censo EAD BR (2015). Pudemos observar que as instituições privadas atuam em cursos de áreas variadas, presencial e EaD. A média das mensalidades varia de R$ 170,00 a R$ 500,00 reais, em 2016. Optamos por este recorte, com padrão econômico voltado para o público “C” e “D”, pelo número de polos e cursos abertos que representam o padrão seguido pela maioria das IES dos grandes grupos econômicos. Implantaram-se a partir do início do século XXI e, por sua importância econômica, tornaram-se modelo para os Centros Universitários e Faculdades menores. Como nos aponta Silva (2010):
[...] de olho nessa considerável fatia do mercado, grandes grupos investem pesado na educação privada. Segundo dados do jornal Valor Econômico, dez instituições privadas de ensino superior encontravam-se, em 2005, entre as mil maiores empresas do Brasil. Segundo artigo da diretora da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (CONTEE), Clotilde Lemos, publicado na edição nº 56 da revista Debate Sindical, até o Banco Mundial (Bird) investiu numa universidade privada brasileira. O Grupo Anhanguera Educacional (Valinhos–SP) recebeu 12 milhões de dólares da Internacional Finance Corporation (braço financeiro do Bird) e, em março deste ano, lançou suas ações na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Ainda de acordo com o artigo, a Laureate Educacion Inc (segundo maior grupo educacional dos EUA) negocia a compra de mais cinco instituições no Brasil; o Whitney Internacional University System (Dallas - EUA) investiu 23 milhões na compra das Faculdades Jorge Amado, de Salvador; o Apollo Group, que atua com educação a distância na University of Phoenix, sonda o mercado brasileiro e estaria em negociação com a Estácio de Sá; tudo isso além de outras instituições que se enveredam por esse caminho da internacionalização e que as negociações ainda não foram divulgadas (SILVA, 2010, s.p).
Entendemos, portanto, a importância e a dimensão deste processo de distanciamento do professor de sua práxis, criando um novo cenário profissional que acaba por provocar a construção de uma nova identidade que ainda não está realmente definida e, portanto, pode trazer sérios riscos à educação em nome da economia de mercado. E, ao tentarmos investigar a identidade construída destes profissionais de nosso século, somos impedidos pela própria máquina econômica da educação.
O Ensino Superior no Brasil é peculiar pela sua pouca idade e pertencer a um território multicultural e marcado pela desigualdade econômica, em que a graduação sempre pertenceu a minoria da população concentrada nas regiões economicamente mais ricas, regiões Sul e Sudeste. Aos poucos fomos tentando aparar essas arestas e colocar metas para acompanhar o crescimento econômico da última década. A Educação a Distância está neste contexto, é uma mudança provocada pelas transformações tecnológicas que deveriam vislumbram atingir a população excluída da formação superior. Entretanto, o que se tem observado, na última década de 2016, com o barateamento dos cursos e o financiamento do governo federal para alunos de baixa renda, acabaram por beneficiar e proporcionar o crescimento dos grupos econômicos, alguns internacionais, com investimento na educação, tornando-a, algumas vezes, num mercado educacional.
Começamos a desenhar o quadro de inserção de uma modalidade de educação que exige alto investimento inicial, baixo valor de mensalidade, atendimento em larga escala e baixos salários dos professores e profissionais que nela atuam. Não entraremos, neste momento, em questões relacionadas à qualidade educacional, proposta pedagógica e aprendizagem, vamos nos deter para entender o trabalho do professor neste sistema de produção de curso, a distorção de seu papel, onde sua força de trabalho é aproveitada e de que forma é exercido seu trabalho pedagógico. A construção da identidade do professor universitário percorre caminhos variados que vão desde a referência efetiva de professores que passaram por sua trajetória, pela sua formação mais recente nos cursos de especialização e pós-graduação e na formação que, por vezes, a IES promove para conseguir um nivelamento de ações que ratifiquem a sua proposta pedagógica.
Consideramos que a práxis, para Marx (2001), se estabelece com a atividade humana articulada pela teoria e prática, numa relação dialética que é a responsável pela transformação da natureza e da sociedade na qual os sujeitos envolvidos vivem. A práxis pressupõe a interação homem-natureza mediatizada pelo trabalho, essa experiência é que faz com que este homem se construa culturalmente e se diferencie entre si.
Antes de tudo, o trabalho é um processo de que participam o homem e a natureza, processos de que participam o homem e a natureza, processo em que o ser humano com sua própria ação impulsiona, regula e controla seu intercambio material com a natureza. (...)atuando, assim, sobre a natureza externa e modificando-a, ao mesmo tempo modifica sua própria natureza. (MARX, 2001, p. 82)
O professor exerce sua práxis no diálogo entre seus conhecimentos teóricos específicos de sua formação e a prática pedagógica, o processo criativo de produção de aula, escola de autores, de linha teórica, de temas, discussão do currículo, entender o aluno com o qual está trabalhando são ações vivas do trabalho do professor. A práxis faz com que o sujeito tenha uma ação reflexiva, é a prática que articula a teoria, as decisões tomadas com fundamento consciente, escolhas são justificadas teoricamente. Este é o exercício do professor ao preparar sua aula. Quando se coloca na práxis, o professor projeta seus objetivos assumindo os riscos de seus conhecimentos não transformarem a realidade pelos seus alunos, essa é sua ação política.
Temos um modelo predominante de cursos a distância, no Brasil, que leva em conta para ser concebido, o modelo de negócios e não um modelo que esteja preocupado com o processo de ensino e aprendizagem dos pares educacionais, que são aluno e professor. A prioridade é a expansão de polos distribuídos por todo território nacional e até mesmo para o exterior, com limite de vagas muito alto, abrigando em média 300 a 500 alunos por turma.
Percebe-se que o plano de negócio que minimiza a ocupação de espaço físico nas universidades, dobra o número de alunos em cada turma e enxuga o quadro de professores. Desta forma, podemos afirmar que essa lógica vem ao encontro do modelo capitalista, neoliberal, de concorrência no mercado, visando lucro, expansão de negócios e de desencontro, em grande parte de instituições, com a qualidade do próprio processo de ensino e aprendizagem.
Nos dados levantados pelo último Censo EAD (2015) temos que a grande maioria dos alunos adultos, buscam formar-se em licenciaturas, portanto, buscam ser professores. Numa formação que não prima pela práxis, o que teremos enquanto professores? Talvez já tenhamos a resposta:
A grande dificuldade em relação à formação de professores é que, se quisermos ter bons professores, teremos de formá-los como sujeitos capazes de produzir conhecimentos, ações e saberes sobre a prática. Não basta fazer uma aula; é preciso saber porque tal aula se desenvolveu daquele jeito e naquelas condições: ou seja, é preciso a compreensão e leitura da práxis. Quando um professor é formado de modo não reflexivo, não dialógico, desconhecendo os mecanismos e movimentos da práxis, ele não saberá potencializar as circunstâncias que estão postas à prática. Ele desistirá e replicará fazeres. O sujeito professor precisa ser dialogante, crítico e reflexivo. Ter consciência das intencionalidades que presidem sua prática. Sintetizando com a afirmativa de Imbert (2003, p. 27): “o movimento em direção ao saber e à consciência do formador não é outro senão o movimento de apropriação de si mesmo” (FRANCO, 2015, p. 608).
Observamos, a partir do simples acesso em sites de algumas IES brasileiras, que muitas se pautam em um modelo fabril de produção. Há uma equipe que produz conteúdos (material didático, que seria a aula do professor e vídeos). Isso é produzido por um professor contratado ou empresa terceirizada especializada na venda de conteúdos, como produto, não tendo qualquer proximidade com o professor/tutor ou com o aluno.
Portanto, temos hoje a fábrica de Educação Superior apostilada do país, que na sua maioria forma futuros professores, uma formação que nem sempre visa a criação, o saber lidar com as diferenças, o pensar do futuro profissional, mas a formação em massa que possivelmente pouco agregará ao desenvolvimento do país. Como comprova em seus estudos:
Trata-se da enorme gama de serviços, produtos, acessórios que são comercializados de maneira associada às modalidades educação-mercadoria e mercadoria-educação. Nesse sentido, já existem no mundo e no Brasil verdadeiros conglomerados do setor educacional, que para além da atuação no mercado da educação-mercadoria, têm expandido seus negócios na comercialização de serviços (assessoria pedagógica; implantação de redes de ensino à distância; marketing e publicidade educacional); venda de material pedagógico (livros, apostilas, computadores, material escolar de toda espécie), além de muitas outras transações comerciais (OYAMA, 2015, p.2).
Nesta mercantilização da educação, as empresas têm equipe de rádio e TV que dirige a gravação das aulas, geralmente em padrão jornalístico, tornando o professor um personagem dele mesmo. A equipe de design instrucional responsável pelo desenho pedagógico do curso no ambiente virtual de aprendizagem (AVA). O design instrucional seleciona as ferramentas que serão usadas de acordo com o plano de negócios da Instituição privada, ou seja, ferramentas com mais ou menos interação com conteúdo de leitura textual e audiovisual.
A organização da equipe é de produção, em escala industrial, para atender a um mercado na mesma proporção e as empresas que operam neste setor empresarial tem todas as características de empresas do mercado financeiro com aplicação na bolsa de valores, compra de instituições pequenas em lugares distantes, expansão de negócios, distribuição de material, enfim estamos diante de uma lógica educacional que, ao longo da linha de montagem, o professor universitário, em um processo de deformação de sua identidade profissional e colaborador de um modelo de educação, no qual a assepsia didática e ideológica são predominantes. Tanto o professor como o aluno recebem, prontas, aulas pasteurizadas em que a didática se homogeneíza diante de sujeitos que perderam suas características individuais e coletivas.
Mostramos sucintamente o processo de produção dos cursos na modalidade a distância e como o professor se distancia da sua práxis e caminha estreitamente à alienação de seu trabalho sem ter noção do todo, apenas de um recorte do curso, do currículo e do conteúdo curricular. Observamos, neste momento de nossa pesquisa, que temos a divisão explícita do trabalho intelectual, que antes era do professor e agora é terceirizado, do trabalho manual, agora desempenhado pelo professor como operador de máquina, pois para ser professor na modalidade EaD é fundamental operar o computador e as plataformas dos Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA) sem que tenha, na maior parte das vezes, recebido formação específica para entender as propriedades pedagógicas de cada uma das ferramentas virtuais disponíveis no AVA.
Há visivelmente uma precarização da práxis docente que afeta a essência do trabalho criativo e intelectual do professor e, diretamente, afeta a qualidade da ação pedagógica.
Retomando a organização da produção dos cursos EaD, em sua complexidade de realização, a equipe, além de ser numerosa, deve, obrigatoriamente, ser multidisciplinar. Conta com profissionais de rádio e TV para as aulas gravadas, designer instrucionais para o desenho das aulas com texto e vídeo dentro de uma plataforma virtual que abriga todo o curso e garante a interface e comunicação entre professor/tutor e aluno. No modelo hegemônico de EaD o professor conteudista (criador da aula) não é obrigatoriamente o responsável pela mediação da aula a distância. Podem ser contratados professores como tutores ou os professores dos cursos presenciais assumem turmas a distância, isso ocorre, muitas vezes, sem qualquer tipo de formação específica para a docência on line.
A estrutura de montagem de aulas para cursos EaD criou um novo processo de trabalho, a práxis do professor, o processo de criação das aulas, da concepção do Plano de curso, escolha das bibliografias, das estratégias de aprendizagem, recursos e avaliação não pertence mais ao professor, ele recebe um pacote pronto de aulas para as quais tem que aparecer diante do aluno protagonista, mas de fato, sua participação é de figurante. A função de orientador do processo de aprendizagem fica comprometida devido ao número de alunos e ao distanciamento do conteúdo aplicado e da falta de interatividade com os alunos. Sabemos que a aceitação de perder o papel de professor pode representar a alienação dos sujeitos naquilo que deveria ser sua prática pedagógica, o que Marx (2001) já explicava:
É exatamente na atuação sobre o mundo objetivo que o homem se manifesta como verdadeiro ser genérico. Esta produção é a sua vida genérica ativa. Por meio dela, a natureza nasce como sua obra e a sua realidade. Em consequência, o elemento do trabalho é a objetivação da vida genérica do homem: ao não se reproduzir somente intelectualmente, como na consciência, mas, ativamente, ele se duplica de modo real, e percebe a sua própria imagem num mundo por ele criado. Na medida em que o trabalho alienado tira do homem o elemento de sua produção, rouba-lhe do mesmo modo a sua vida genérica, a sua objetividade real como ser genérico [...]. De forma geral, a afirmação de que o homem se encontra alienado da sua vida genérica, significa que um homem está alienado dos outros, e que cada um dos outros se encontra do mesmo modo alienado da vida humana (MARX, 2001, p.117 - 118).
O processo de alienação do professor de seu trabalho criativo e intelectual acaba por distanciá-lo, também, do aluno e de seu objetivo como professor, formador e educador. Obviamente, isso compromete a qualidade da aprendizagem do aluno e do próprio professor, além de prejudicar a cumplicidade de ambos neste processo de ensinar e aprender. Há claramente mudanças no mundo do trabalho, globalmente, como afirma Castells (1999), em que nos deixa claro que “as transformações tecnológicas e administrativas do trabalho e das relações produtivas dentro e em torno da empresa emergente em rede é o principal instrumento por meio do qual o paradigma informacional e o processo de globalização afetam a sociedade em geral” (CASTELLS, 1999, p. 265).
A constatação de Castells (1999) se aplica perfeitamente as transformações mostradas, temos as “transformações tecnológicas e administrativas do trabalho e das relações produtivas”(idem, p. 265) que atendem ao mercado da educação e colocam o professor no final da linha de montagem sem saber exatamente o que foi produzido.
[...] os saberes do professor dependem intimamente das condições sociais e históricas nas quais ele exerce seu ofício, e mais concretamente das condições que estruturam seu próprio trabalho num lugar social determinado. Nesse sentido, para nós, a questão dos saberes está intimamente ligada à questão do trabalho docente no ambiente escolar, à sua organização, à sua diferenciação, à sua especialização, aos condicionantes objetivos e subjetivos com os quais os professores têm que lidar etc. Ela também está ligada a todo o contexto social no qual a profissão docente está inserida e que determina, de diversas maneiras, os saberes exigidos e adquiridos no exercício da profissão (TARDIF, 2002, p. 217-218).
Concordamos com Tardif (2002), para nós o professor, denominado tutor, é a representação histórica do contexto social que vivenciamos, que já se sustenta por quase vinte anos de existência oficial da EaD no Brasil. Se tiramos a responsabilidade profissional de um professor adentrar nos espaços de troca de informação e de aprendizagem em que ele e o aluno perdem o protagonismo, independente da modalidade, passam a ter apenas a função de consumidor de informação, corremos o grande risco de servirmos à economia e não elevarmos o nível cultural e profissional do país. É urgente nos aprofundarmos nesta questão, enquanto pesquisadores para podermos apontar mudanças necessárias no mundo do ciber trabalham de professor. Isso poderá representar num futuro próximo a nossa omissão ou concordância com um sistema que representa mais a exploração mercantilista da educação, sem a preocupação de formação dialógica no ser.
Infelizmente, temos na primeira quinzena do século XXI, problemas de acessos à Internet nas regiões que antes não tinham acesso à escola e professores, principalmente norte e nordeste. Programas bem desenhados das Universidades públicas que ficam comprometidos devido ao problema de banda larga. Queremos mostrar que o quadro da EaD nas Instituições privadas, no Brasil, atende , em grande número, ao mercado e não à democratização da educação buscando, a equidade social e cultural.
A preocupação das IES como empresas educacionais fica centrada no lucro e economia dos gastos com professor, com espaço físico e colocar um grande número de alunos sob a responsabilidade de um único tutor. Não se leva em conta as especificidades culturais, o conteúdo é igual em todas as regiões do país, ou seja, o modelo de ensino, via de regra, é econômico e não atenta, na maioria das vezes, para a aprendizagem e qualidade da formação dos alunos e respeito à formação acadêmica do professor.
As pesquisadoras autoras deste artigo não se posicionam contra a Educação a Distância (EaD) e uso de tecnologia computacional como ferramentas de comunicação ou com relação as plataformas de ensino, pelo contrário, acreditam que há propostas de qualidade com a hibridização do ensino que valoriza a aprendizagem nos cursos de graduação e pós-graduação, inclusive os cursos de treinamento que podem ser totalmente a distância e instrucional.
O que não podemos é compactuar e valorizar a disseminação da EaD para alunos que não desenvolveram autonomia para estudar, refletir e se aprofundar em saberes complexos e são colocados, sem escolha, em disciplinas totalmente EaD. Podemos exemplificar com as disciplinas que são as primeiras a fazer parte do currículo EaD, pois são comuns a todos os cursos como metodologia científica, sociologia, filosofia, cálculo, gestão, projetos e outras.
Essa discussão precisa ser aprofundada para reformular as políticas públicas para o ensino superior, propor novas metodologias e estratégias que estejam voltadas para a aprendizagem e não apenas para o ensino. Valorizar o profissional da educação como o criador de seus conteúdos que são trabalhados com ferramentas que potencializem a comunicação com os alunos e, com isso, ele realmente seja mediador da aprendizagem.
Acreditamos que a imaturidade deste modelo de ensino, que se efetivou na década de noventa, mas foi disseminado no começo do século XXI, encontra-se em plena transformação. Esperamos que novas propostas venham com o comprometimento de não focar apenas na questão empresarial-lucro, mas perceba que educação voltada para a aprendizagem precisa valorizar o profissional da educação e sua formação.
A escola, porém, não pode colocar-se à margem do processo social, sob pena de perder a oportunidade de participar e influenciar na construção do conhecimento social, e ainda de democratizar informação e conhecimento. Hoje, ela precisa trabalhar de acordo com uma perspectiva multi e intercultural e autônoma para adequar-se ao momento pós-moderno que vivemos, como lembra Gadotti (SAMPAIO E LEITE, 1999, p.17).
O pensamento de Gadotti (apud Sampaio e Leite, 1999) se alinha ao que defendemos, ou seja, não podemos concordar com o modelo hegemônico de EaD, baseado em conteúdos homogêneos para todos os cursos, alunos, regiões e professores. Democratização na perspectiva multi e intercultural exige levar em conta e valorizar a diversidade de público, interesses locais e globais voltados para a profissionalização, cultura e especificidades de cursos.
Defender acesso à informação sem pensar quem tem este acesso e qual informação está sendo disponibilizada, é acreditar na consciência ingênua de todos os envolvidos e ir à contra mão da possibilidade de construção do conhecimento social que ocorre em ambientes digitais ou presenciais em que há interação, compartilhamento de sabres, experiências e diálogos. A cibereducação pode potencializar a atuação do aluno como autônomo, autor e colaborador do professor. A justificativa, pouco convincente, de acesso de todos à educação, índices de aumento das classes “C” e “D” aos cursos superiores que são propagadas por meio de gráficos com a quantificação dos dados, mas sem uma avaliação qualitativa e com métodos científicos que analisam a formação destes alunos é parte do pacto neoliberal da privatização crescente do ensino superior.
Os ciberespaços para educação, apesar de terem origens diferentes, possuem as mesmas ferramentas de trabalho, com design educacional que segue o padrão hegemônico da EaD brasileira com conteúdos em PDF, vídeo aula, fórum, e-mail e chat, nem todos usados com propostas pedagógicas adequadas a educação on line. Essas ferramentas se diferenciam pelo seu grau de interação, sendo o fórum um local importante de troca de informações e possibilidade de formação de comunidade de aprendizagem. O que temos encontrado como professoras, pesquisadoras e avaliadoras do MEC-INEP são AVAS com salas de aula que abrigam um número elevado com mais de 100 alunos para um professor interagir. A proporção de professor, alunos e conteúdos torna inadequado o uso das ferramentas com grau de interação alto, pois não há como um professor mediar tantos alunos com informações e dúvidas dentro do tempo que lhe é demandado, pois apesar da modalidade ser EaD toda a organização do tempo escolar está baseada na educação presencial, outro equívoco que não vamos entrar nesse artigo.
Finalizamos a presente reflexão com o pensamento de Paulo Freire (1996) para enfatizar a importância dos professores como produtores e construtores do conhecimento junto com os alunos. Esse processo somente ocorre se o professor e o aluno não se reduzem à condição de objeto um do outro e que o conhecimento precisa ser vivido e testemunhado pelo agente pedagógico. O respeito à autonomia e à dignidade de cada indivíduo é um imperativo e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros.
http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/download/344/501 (pdf)
[Artículo corregido , vol. 3, 94-108] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/344/501