Resenhas

Breves pontuações sobre a obra Políticas Públicas: questões e dilemas

Jociane Marthendal Oliveira Santos
Universidade Federal de São Carlos – Campus Sorocaba , Brasil

Breves pontuações sobre a obra Políticas Públicas: questões e dilemas

Laplage em Revista, vol. 3, núm. 2, pp. 230-233, 2017

Universidade Federal de São Carlos

Atribuição não comercial internacional. Direitos de compartilhar igual e dar crédito aos autores e periódico.
BALL J. S., MAINARDES J.. Cortez. 2011. São Paulo. Cortez,

Recepção: 10 Maio 2017

Aprovação: 10 Junho 2019

O livro é resultado da cooperação e esforço coletivo de pesquisadores que se dedicaram à tradução e revisão de textos internacionais e que acreditam no avanço das pesquisas do campo das políticas educacionais. Políticas Educacionais: questões e dilemas tem como foco ampliar as discussões teórico-metodológicas sobre a pesquisa em políticas educacionais e curriculares. Publicado pela Editora Cortez em 2011, tem 288 páginas, sendo constituído por sumário, introdução, dez capítulos, referências bibliográficas, apresentação dos autores e fonte dos textos originais traduzidos, sendo sete no total. A obra está dividida em duas partes. A primeira parte é composta por seis textos que apresentam discussões teórico-metodológicas quanto à pesquisa sobre políticas educacionais. A segunda parte é composta por quatro textos que apresentam investigações em políticas educacionais e curriculares.

A obra tem como organizadores Stephen J. Ball e Jefferson Mainardes, o primeiro é professor do Institute of Education – University of London, autor de vários livros e artigos sobre as seguintes temáticas: políticas e reformas educacionais, consequências das políticas para as classes sociais e performatividade, entre outras. É considerado na atualidade um preeminente pesquisador do campo de políticas educacionais. Jefferson Mainardes é professor da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), doutor pelo Institute of Education – University of London, publicou vários trabalhos com as temáticas Políticas Educacionais e Escola em Ciclo.

Introduzindo o conteúdo da obra, os organizadores mostram que nos últimos anos as pesquisas sobre políticas educacionais no Brasil vêm se consolidando como um campo rico em investigações e observam o aumento significativo de pesquisas e publicações. Porém, mesmo tendo um cenário promissor para pesquisas na área de políticas educacionais, salientam a necessidade de fazer interlocuções com a literatura internacional e utilizar referenciais teóricos mais consistentes. Para atender às presentes necessidades, a obra traz um conjunto de textos nacionais e internacionais, a fim de contribuir com o avanço qualitativo do panorama teórico e empírico da análise de políticas.

A fim de guiar melhor a leitura, na introdução (p.11-18) encontramos informações importantes a respeito dos sete textos traduzidos, pois são uma amostra significativa das discussões que estão sendo desenvolvidas no Reino Unido em torno das políticas educacionais. Os demais textos que compõem a obra são de autores brasileiros e um argentino. Esses elaboram pesquisas que têm interlocuções com trabalhos de autores britânicos que também estão na obra. Os textos internacionais têm como fundamento para a análise de políticas educacionais os conceitos, pesquisas e ideias do campo da Sociologia.

Por isso, o termo constante na obra policy sociology, que pode ser traduzido como a “sociologia das políticas”. A razão pela qual as análises das políticas estão pautadas nessa perspectiva sociológica é a criticidade nas interrogações, análises e avaliações sobre elas. Outro aspecto importante é que as políticas não podem mais ser pensadas nos limites de fronteiras nacionais. Por isso, o uso do termo commodity, devido à circulação incalculável e transnacional das políticas como mercadoria ou oportunidade de lucro.

Os estudos sobre políticas educacionais do Reino Unido possuem as seguintes características e que estarão presentes nos textos traduzidos: aniquilamento das relações de classes, a reprodução da desigualdade social, as relações entre políticas e justiça social, e a preocupação de estabelecer interconexões entre as perspectivas macro e microcontextuais. As metalinguagens, que seriam os fluxos da política como discurso, aparecem na leitura trazendo a compreensão das políticas como orientadoras das pessoas e de como essas devem viver. Por isso, a criticidade quanto à análise das práticas e dos discursos das políticas. Portanto, os organizadores defendem uma linguagem crítica e não linear que permita lidar com novas formas de política.

O primeiro capítulo, escrito por Stephen Ball (p.21-53), é uma revisão pessoal das políticas educacionais e da pesquisa em política educacional. Ball discorre na primeira parte do texto sobre as mudanças nas formas de provisão no setor público e na sociedade civil, e sobre as novas formas de regulação social. A segunda parte é uma reflexão a respeito da evolução dos estudos educacionais, mais precisamente sobre as pesquisas em políticas educacionais. Nessa segunda parte, Ball questiona desenhos e focos de estudos e políticas e a relação das demandas interpretativas. Argumenta que há muitas tensões básicas ao fazer a pesquisa em política educacional devido ao compromisso com a busca da eficiência e da justiça social.

No capítulo dois, “O detalhe e o macrocontexto: o uso da teoria centrada no Estado para explicar práticas e políticas educacionais” (p.54-77), Sally Power apresenta mudanças ocorridas em escolas inglesas tendo como referência uma estrutura macroanalítica de Jenny Ozga. A autora apresenta a relação macro e micro na pesquisa de políticas educacionais e sugere a utilização de referenciais macroanalíticos, argumentando que outras teorizações centradas no Estado oferecem pouco entendimento a respeito daquilo que ocorre nas escolas.

No terceiro capítulo, “Intelectuais ou técnicos? O papel indispensável da teoria nos estudos educacionais” (p.78-99), Stephen J. Ball apresenta algumas considerações sobre o estado atual dos estudos educacionais. Para o autor, os estudos estão em estado desolador, apresentando vários problemas em relação a conceitos, procedimentos e “gramática fraca”, que seria uma sintaxe conceitual incapaz de promover descrições empíricas precisas e sem ambiguidades. O autor discorre sobre o caminho da sociologia da educação britânica e suas mudanças dos anos 30 até os anos 90, que resultaria numa significativa substituição das temáticas de pesquisas. O autor explora problemas no campo dos estudos educacionais advindos do gerenciamento educacional devido à utilização da abordagem racionalista-técnica, e aponta o papel da teoria pós-estruturalista como uma nova perspectiva de conhecimento intelectual e uma opção para o afastamento dessas outras perspectivas. Cabe ressaltar a importância dada à teoria nesse capítulo e notar que essa deve propor novas perspectivas, deve ser crítica e não estar comprometida, sendo fornecedora da verdade.

O quarto capítulo, “O que fazer a respeito de valores na pesquisa social: o caso da reflexividade ética na Sociologia da Educação” (p.100-122), escrito por Sharon Gewirtz e Alan Cribb, discorre sobre a melhor forma de lidar com os julgamentos de valor na pesquisa social. Os autores apresentam no texto o conceito de reflexividade ética na Sociologia da Educação e exploram a importância do rigor na descrição e na explicação, e o rigor no tratamento dos julgamentos de valor e políticos na pesquisa. A maior preocupação dos autores nesse capítulo foi mostrar que pesquisadores não estão suficientemente atentos quanto à questão dos valores e que esse posicionamento aparece como ingênua neutralidade que resulta em tomada de partido de modo irrefletido dentro da pesquisa. O posicionamento do pesquisador social deve ser cauteloso, a fim de não comprometer o rigor e a independência do trabalho. Para os autores, esse tipo de postura gera muitos desafios. Por isso, refletem sobre a temática ao final do capítulo.

Sharon Gewirtz e Alan Cribb também contribuem com o quinto capítulo da obra, “Concepções plurais de justiça social: implicações para a sociologia das políticas” (p.123-142). Nesse capítulo, os autores começam explicando a natureza pluralista da justiça social. Depois indicam três implicações das concepções pluralistas para a análise sociológica: os modelos plurais de justiça aumentam a abrangência de avaliação de políticas; as tensões existentes dentro e entre as diferentes facetas da justiça precisam ser reconhecidas e encaradas; e a distinção, valoração e ação supõem colapso. Os autores apontam que essas duas últimas implicações têm sido negligenciadas na sociologia das políticas principalmente quando as pesquisas tratam a realidade como algo acima da prática. Os autores propõem a “prática justa da sociologia” e revelam que é necessário o monitoramento étnico do ponto de vista da justiça (distributiva, cultural e associacional), e indicam o equilíbrio reflexivo como meio de desenvolver tal prática.

O sexto capítulo, “Análise de políticas: fundamentos e principais debates teóricos-metodológicos” (p.143-172), é escrito por dois autores brasileiros, Jefferson Mainardes e Marcia dos Santos Ferreira, e um argentino, César Tello. O objetivo dos autores é apresentar um panorama dos principais debates teórico-metodológicos em análise de políticas, ressaltando os limites e contribuições dos referenciais pós-estruturalista e pluralista. O debate e as discussões são relevantes devido aos poucos trabalhos encontrados no Brasil que enfocam aspectos teóricos e metodológicos das pesquisas desse campo. Nesse capítulo, é indicada a importância do posicionamento epistemológico dos pesquisadores de políticas fundamentando suas análises.

Abrindo a segunda parte da obra que se inclina às investigações, no sétimo capítulo, “Discursos da reforma educacional no Reino Unido e nos Estados Unidos e o trabalho dos professores (p.175-192), Meg Maguire e Stephen J. Ball apresentam as diferenças dos discursos e das reformas educacionais no Reino Unido e nos Estados Unidos. Os autores utilizam o conceito de discurso de Foucault e analisam as posições que o professor ocupa dentro das reformas propostas. Nos Estados Unidos, os professores são chamados a ser “reformadores”, e no Reino Unido a ser “reformados”. As propostas de reformar e reestruturar as ofertas educacionais são respostas às demandas atuais, porém, como o papel e o propósito do professor são articulados de modo diferente? E quais são as implicações dessas diferentes articulações para as relações de trabalho, auto percepção e efetividade do professor? Essas questões os autores buscam responder nesse capítulo.

No oitavo capítulo, “Do modelo de Gestão do ‘Bem-Estar Social’ ao ‘novo gerencialismo’” (p.193-221), de Sharon Gewirtz e Stephen J. Ball, encontra-se a discussão sobre a mudança discursiva de “Bem-estar social” para o “novo gerencialismo” no contexto da gestão escolar. O capítulo está fundamentado em dados e em entrevistas realizados no período de 1994 a 1996 na escola da região central de Londres chamada Beatrice Webb. A mudança discursiva em larga escala no setor público do Reino Unido era evidente nessa época, mas no percurso das investigações, após seis meses de pesquisa, os pesquisadores se deparam com a mudança de gestor da escola já citada. Através das entrevistas fica clara a mudança discursiva e o que compõe cada discurso a partir da fala de cada gestor. Os autores discorrem a respeito dessas mudanças discursivas, não somente de estrutura e de incentivos, mas de como o ambiente moral é modificado e como surgem novas subjetividades e novos conjuntos de valores.

O capítulo nove, “Conversão das “almas” pela liturgia da palavra: uma análise do discurso do movimento Todos pela Educação” (p.222-248), analisa o documento intitulado Todos pela educação: rumo a 2022, produzido no âmbito empresarial como expressão de pacto social. As autoras brasileiras Eneida Oto Shiroma, Rosalba Maria Cardoso Garcia e Roselaine Fátima Campos analisam os contextos que influenciaram a produção desse documento e as indicações dos empresários para a educação. Elas descrevem alguns elementos e caminhos investigativos percorridos que orientam suas análises de política educacional. Consideram que o pedido de mudança social pretendida com o discurso Todos pela educação comporta um caráter prescritivo e doutrinador com objetivos somente políticos, operando no plano coletivo ao propor o pacto social em virtude da educação, mas que visa exigir de todos na esfera da subjetividade buscando mudança de perfil do cidadão. Portanto, o pensamento hegemônico do empresariado estaria relacionado ao Estado através da educação.

O último capítulo, “Contribuições de Stephen Ball para o Estudo de políticas de currículo” (p.249-284), também das autoras brasileiras Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo, tem como objetivo apresentar de forma abrangente as contribuições de Stephen J. Ball para o estudo das políticas de currículo. As autoras destacam os trabalhos que vêm sendo desenvolvidos na Universidade Estadual do Rio de Janeiro, mais precisamente no Grupo de Pesquisa Currículo, Conhecimento e Cultura, que analisa as políticas de currículos segundo a “abordagem do ciclo de políticas”, de Stephen J. Ball e seus colaboradores. Ao final do capitulo, há a proposta de uma reflexão para além da mesma abordagem utilizada.

Finalizando as breves pontuações, é importante destacar que essa obra contribui para a formação de pesquisadores das políticas educacionais, uma vez que apresenta informações relevantes quanto à pesquisa qualitativa, porém, ela também traz orientações a respeito da postura do pesquisador, podendo assim contribuir com diversas áreas do saber.

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[Artigo corrigido , vol. 3, 230-233] http://www.laplageemrevista.ufscar.br/index.php/lpg/article/view/337/498

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