RAÍZES NEFASTAS DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO NO BRASIL: MEIO, RAÇA E NAÇÃO EM OLIVEIRA VIANNA (1920-1933)

NEFARIOUS ROOTS OF GEOGRAPHICAL THOUGHT IN BRAZIL: ENVIRONMENT, RACE AND NATION IN OLIVEIRA VIANNA (1920-1933)

RAÍCES INFAMES DEL PENSAMIENTO GEOGRÁFICO EN BRASIL: MEDIO, RAZA Y NACIÓN EN OLIVEIRA VIANNA (1920-1933)

DIOGO MARÇAL CIRQUEIRA
Departamento de Geografia e Polítcias Públicas da Universidade Federal Fluminense (UFF), Brasil

RAÍZES NEFASTAS DO PENSAMENTO GEOGRÁFICO NO BRASIL: MEIO, RAÇA E NAÇÃO EM OLIVEIRA VIANNA (1920-1933)

GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 9, núm. 19, 2018

Universidade Federal do Ceará

Recepção: 07 Maio 2018

Aprovação: 02 Agosto 2018

Resumo: O objetivo desse texto é analisar as discussões do pensador brasileiro Oliveira Vianna (1883-1951) sobre raça e meio na sociedade brasileira. Busca-se compreender como esse autor tenta equacionar os dois problemas que envolviam a formação de uma nação brasileira “desenvolvida” e “civilizada” no início do séc. XX; a população composta majoritariamente por “raça inferior” (leia-se, negros, indígenas e mestiços) e as determinações impostas pelo meio tropical tórrido e degenerador. Seguindo uma série de debates sobre um projeto de nação para o Brasil, que se inicia na formação da Primeira República e no pós-abolição e que chega até o Estado Novo, Vianna enxergava na resolução dos problemas da raça e do meio – pela “ciência moderna” – a única saída viável para o país. Acreditando na superioridade “ariana”, o autor enfatiza a necessidade de inserir no território brasileiro população proveniente da Europa. Produzindo um discurso geográfico, o autor estabelece discussões sobre a relação homem-meio e apresenta uma proposta de planejamento regional para a “alocação racional” dos “tipos arianos” nos diversos meios naturais brasileiros. É importante compreender o discurso geográfico de Vianna porque ele influencia uma série de geógrafos posteriores que buscaram discutir a população e o povo brasileiro.

Palavras-chave: Oliveira Vianna, Meio, Raça, Discurso geográfico, Nação.

Abstract: The purpose of this paper is to analyze the discussions of the Brazilian thinker Oliveira Vianna (1883-1951) about race and environment in the Brazilian society. It seeks to understand how the author tries to equate the two problems involving a formation of a "developed" and "civilized" Brazilian nation at the beginning of 20th century: the population mostly composed by "inferior race" (blacks, Indians and mestizos) and the determinations imposed by the torrid and degenerating tropical environment. Participating of a series of debates on a national project for Brazil, which begins with the formation of the Primeira República [First Republic] and the post-abolition of slavery and that reaches the Estado Novo [New State], Vianna saw in the resolution of the race and environment issues - by "the modern science " - a viable way for the country. Believing in "aryan" superiority, the author emphasizes the need to insert in the Brazilian territory a population from Europe. Producing a geographical discourse, the author establishes discussions on the man-environment relationship and makes a proposal of a regional planning for the rational allocation of “aryans types” in the Brazilian natural regions. It is important to understand the Vianna’s geographical discourse because he later influenced a set of geographers who sought to discuss the regional differences and the population in Brazil.

Keywords: Oliveira Vianna, Environment, Race, Geographical discourse, Nation.

Resumen: El objetivo de esta ponencia es analizar las discusiones del pensador brasileño Oliveira Vianna (1883-1951) sobre raza y medio en la sociedad brasileña. Se busca comprender cómo ese autor intenta ecuacionar los dos problemas que involucra la formación de una nación brasileña "desarrollada" y "civilizada" al inicio del s. XX; la población compuesta mayoritariamente por "raza inferior" (negros, indígenas y mestizos) y las determinaciones impuestas por el medio tropical tórrido y degenerador. Siguiendo una serie de debates sobre un proyecto de nación para Brasil, que se inicia en la formación de la Primera República y en la post-abolición de los esclavos y que llega hasta el Estado Nuevo, Vianna veía en la resolución de los problemas de la raza y del medio - por la "ciencia moderna "- la única salida viable para el país. Creyendo en la superioridad "aria", el autor enfatiza la necesidad de insertar en el territorio brasileño población proveniente de Europa. El autor establece discusiones sobre la relación hombre-medio y presenta una propuesta de planificación regional para la "asignación racional" de los "tipos ario" en los diversos medios naturales brasileños. Es importante comprender el discurso geográfico de Vianna porque influye en una serie de geógrafos posteriores que buscaron discutir la población y el pueblo brasileño.

Palabras clave: Oliveira Vianna, Medio, Raza, Discurso geográfico, Nación.

INTRODUÇÃO

Somos o único grande país de imigração ariana situada em região tropical — e só este fato basta para mostrar o aspecto singular do problema entre nós.

Oliveira Vianna

O objetivo desse texto é realizar uma história social e contextual das ideias (LIVINGSTONE, 1992; BERDOULAY, 2013) a partir das discussões de Oliveira Vianna sobre raça e meio na sociedade brasileira. De fato, busca-se compreender como esse autor, ainda que de forma tardia, tenta equacionar os dois problemas que envolviam a formação de uma nação “desenvolvida” e “civilizada”; a população composta majoritariamente por “raça inferior” (leia-se, negros, indígenas e mestiços); e as “determinações” impostas pelos trópicos “tórridos” e “degenerantes”. Seguindo uma linhagem de debates sobre um projeto de nação para o Brasil que se iniciou pari passu com a formação da Primeira República e o pós-abolição chegando até o Estado Novo, Vianna enxergava na resolução dos problemas da raça e do meio – pela “ciência moderna” – uma das saídas viáveis para o país.

Como demonstra a historiografia desse período, há uma gama bastante ampla de autores que debateram e estiveram envolvidos com os dilemas relativos a raça, o meio e a nação (MURARI, 2009). Nesse sentido, dois aspectos influenciaram para que fosse destacado para as análises que seguem Oliveira Vianna. Primeiramente, as obras desse autor figuram entre as mais “importantes ‘interpretações do Brasil’ (...) [que] fixaram as questões que continuam a nos atormentar” (RICUPERO, 2011, 45-46). Sendo assim, é figura central no pensamento social brasileiro e, no nosso caso, está presente tanto na bibliografia que busca analisar as relações raciais brasileiras (cf. GUIMARÃES, 2004; SHCWARCZ, 1999; SKIDMORE, 1976), quanto na bibliografia geográfica que buscou debater a diversidade regional e populacional brasileira (cf. MACHADO, 1995, 2000). Ainda assim, poucos foram os comentadores que notaram ou deram importância às articulações entre raça e meio em Vianna. Produzindo leituras que não dialogam entre si, alguns enfatizaram as relações raciais e outros deram ênfase ao meio e/ou ao território, mesmo que o autor não tenha separado em momento algum em suas interpretações as questões raciais (ou sociais) das relações que envolvem o meio.

Do mesmo modo, compreendê-lo é importante para entendermos o próprio pensamento levado a cabo na geografia brasileira, pois, a rigor, as teorizações e tematizações de Vianna, para o bem ou para mal, estão entre as que balizaram as ciências sociais no Brasil - dentre elas a Geografia - que tiveram que com ele dialogar para criar o próprio campo de reflexão. Isso pode ser notado na produção de uma série de geógrafos dos anos de 1930 aos de 1970 (CARVALHO, 1927; BACKHEUSER, 1926; AZEVEDO, 1975 [1969]; SANTOS, 1948; RODRIGUES, 1970).

O segundo motivação para tratar de Vianna, é a maneira como o mesmo manipulou teorias geográficas. De fato, ao focar em temas como meio, povo e nação, intencionalmente ou não, ele conformou teorizações geográficas. Assim, um dos pressupostos aqui é que os esforços desse autor em resolver o problema que envolvia a raça e o meio o levou a produzir um discurso geográfico, ainda que não fosse um geógrafo estrito senso ou ainda que não se identificasse diretamente com o campo. Pelo autor fica evidente, como destaca Machado (1995, 2000) em seus textos, como as Ciências Sociais no Brasil tiveram um fundo geográfico em sua constituição. Ademais, e talvez isso possa demonstrar o não acaso desse fato, Vianna estava a par dos debates e teorias geográficas "mais avançadas" de sua época que vinham sendo produzidas na Europa e Estados Unidos, no que, inclusive, se baseou para compor muitas de suas discussões.

Tendo em vista que a produção de Vianna é bastante ampla, além de existir no pensamento social uma gama extensa de debates e análises em torno dela, foco aqui em três obras: Populações Meridionais do Brasil (1933), Evolução do povo brasileiro (1923) e Raça e Assimilação (1932). Raça e Assimilação, em especial, nos é importante aqui. A despeito de ser uma obra renegada, tanto pelos que analisam o pensamento social de Oliveira Vianna (cf. RICUPERO, 2011; CARVALHO, 2000; ALVES FILHO, 2011), quanto por geógrafos que tratam do referido autor (BINSZTOK & CAETANO, 2009), devido o teor polêmico de suas afirmações, é onde Vianna tem mais acabada e explicada suas teorias racialistas referentes a adaptação dos povos – efetivamente, das raças – ao meio tropical. Todo um conjunto de discussões e proposições teóricas sobre meio, raça e nação apontadas em sua primeira fase de produção, em obras bastante difundidas como Populações Meridionais do Brasil e Evolução do povo brasileiro, foram ampliadas e aperfeiçoadas nesse livro de 1932 .

Por fim, deve-se destacar que a mestiçagem e a assimilação da "população ariana" parecem ser os grandes problemas teóricos de Vianna. O autor se debruça sobre esses temas tendo como pano de fundo o desejo de branqueamento da população brasileira - o que era compreendido por ele como sinônimo de desenvolvimento. Assim, uma questão racista atravessou a produção: como assimilar ao “meio tropical degenerador” uma “população ariana superior” para nos propiciar o “desenvolvimento civilizacional”?

O artigo está organizado na seguinte ordem: primeiramente são apresentados aspectos da vida e da obra de Oliveira Vianna; em seguida, as perspectivas sobre meio, raça e mestiçagem no método do autor; os problemas referentes a raça na formação nacional no Brasil; e é discutido a proposta metodológica do autor para planificação da alocação regional de população ariana no território brasileiro; ao fim, são realizadas as considerações finais.

LOCALIZANDO OLIVEIRA VIANNA

Oliveira Vianna (1983-1951) nasceu em Rio Seco de Saquarema, no Rio de Janeiro. Provindo de uma família de grandes proprietários rurais e ex-escravagistas, viveu grande parte de sua vida no trânsito entre a propriedade da família, a qual tentou gerenciar após a morte do pai, e sua residência em Niterói. As bases calcadas nas relações sociais (patriarcais) estabelecidas no âmbito da grande propriedade rural influenciaram profundamente suas teorizações (RICUPERO, 2011, REIS,2006; BRESCIANI, 2007). Isso pode ser notado em suas proposições teóricas ao qualificar o Brasil como uma sociedade agrária, reflexo do grande latifúndio patriarcal (BINSZTOK, CAETANO, 2009), e em suas leituras sobre a inferioridade racial da população negra.

No que diz respeito a sua trajetória intelectual e política, bacharelou-se em direito em 1905 na Universidade Livre de Direito do Rio de Janeiro. Nessa instituição teve aulas com Sílvio Romero (1902[1888]), quem muito o influenciou no que se refere definir um método sociológico científico. Após um período como professor de matemática do ensino básico e como jornalista, integra em 1916 a cátedra de “Teoria e prática do processo penal” na Faculdade de Direito do Estado do Rio de Janeiro, em Niterói. Ademais, foi muito próximo e influente em várias esferas da política governamental. A partir do novo ambiente político surgido com a Revolução de 1930, passa a ser consultor do recém-criado Ministério do Trabalho, onde desempenha um papel importante na elaboração da nova legislação sindical e trabalhista. Ocupou vários cargos na administração pública estadual e federal até ser nomeado, em 1940, ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) (RODRIGUEZ, 2015).

Seu primeiro livro publicado foi justamente Populações Meridionais do Brasil (1920). Já com 37 anos, Oliveira Vianna se torna quase que imediatamente uma celebridade literária por conta da repercussão dessa obra. Publica seguidamente durante a década de 1920 mais de cinco livros [1], o que lhe rendeu em 1937 a eleição como membro da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Apesar de uma constante atualização teórica e bibliográfica, o "panteão básico de referências" de Vianna já havia se firmado por volta da década 1920 (CARVALHO, 2000). Por exemplo, parte de suas referências, teorizações e análises em Raça e Assimilação (1932) já vinham sendo apontadas e tratadas nos seus escritos durante a década de 1920, especialmente em Populações Meridionais do Brasil (1920) e Evolução do Povo Brasileiro (1923). E, se no primeiro momento de sua produção, se dedicou a desvendar e operar sobre o caráter da nação brasileira, após a Revolução de 1930 há uma virada na produção do autor; os temas passam a girar em torno da organização política e burocrática do Estado [2]. (Error 3: La referencia (1933) debe estar ligada) (Error 4: El tipo de referencia (1933) es un elemento obligatorio) (Error 5: No existe una url relacionada)

Referente principalmente a primeira fase da produção de Vianna, figuram entre os autores e teorias que lhe davam as bases de argumentação: i) a obra do engenheiro francês Pierre Guillaume-Fréderic Le Play e de sua escola sociológica. A influência da escola de Le Play se exerce particularmente sobre o método de Vianna a respeito da formação de tipos regionais com base em fatos sociais – os tipos surgiriam do ambiente natural e, a partir daí, do tipo de propriedade e de família neles desenvolvidos [3]; ii) a psicologia social do também francês Gustavo Le Bon, a partir do qual desenvolveu a ideia da existência de “alma da raça” ou “caráter nacional” [4]; iii) e a influência da antropologia física de G. Vacher de Lapougue, de quem provém a crença no protagonismo da “raça ariana” [5].

No que se refere aos brasileiros, Vianna é influenciado, sobretudo, por Sílvio Romero e Euclides da Cunha. Sílvio Romero, como um dos principais nomes da “geração de 1870”, renova o pensamento social brasileiro, ao chamar a atenção, por influência do evolucionismo e do positivismo, para o peso de fatores sociais nas ideias e na política, o que Vianna perfeitamente absorveu. De Os Sertões de Euclides da Cunha, fica a marca em Vianna da crença de que existiriam "dois Brasis", ideia que posteriormente contribui para se imaginar a diversidade regional brasileira e a oposição entre um país legal e um país real.

Muitas das referências utilizadas por Vianna em discussões sobre o meio físico brasileiro, o "meio cósmico" em suas palavras, e a "aclimatação" de "tipos arianos" no Brasil, provém de geógrafos estadunidenses e europeus [6], se não desses, de textos publicados em periódicos de Geografia, notadamente do Geography Review, periódico da The American Geographical Society. Deve-se ressaltar que o autor demonstra conhecimento das distintas tendências nacionais da produção do conhecimento geográfico, como “'antropogeografia' dos alemães, a 'geografia social' dos franceses, a 'geografia humana' dos ingleses ou aquilo que os americanos chamam, com muito maior felicidade, a 'ecologia humana'” (VIANNA, 1959[1932], p. 163) [7]. Figuras centrais em suas discussões são Ratzel e La Blache, entretanto, estes autores são lidos a partir da obra de Lucien Febvre, La Terre et l'évolution humaine (1922), conforme se observa em Vianna (1933[1923], p. 35-36). Nesse sentido, ainda que Vianna enxergasse em Febvre um "espírito claramente antigermânico" que, por conseguinte, o levava a "reagir contra a concepção antropogeográfica de Ratzel" (VIANNA, 1959[1932], p. 138), ele prefere o "possibilismo" de La Blache ao "determinismo" ratzeliano deduzido por Febvre. Pensando a partir da querela criada pelo historiador francês, diz ele:

Entre essas forças, que influem sobre a evolução das sociedades e concorrem para a heterogeneização da sua estrutura e da sua marcha, estão, em primeira linha, porque irredutíveis e incoercíveis, as forças oriundas do meio cósmico, principalmente o solo, que é base física das sociedades. Para Ratzel, por exemplo, ele "regula o destino dos povos com uma cega brutalidade". Certo, hoje, ninguém partilha desse fatalismo geográfico de Ratzel. Em lugar desse determinismo cego, a ciência moderna contrapõe o "possibilismo" de Vidal de La Blache, que faz do homem uma força inteligente, reagindo contra o determinismo do meio físico, e não um mero autômato, impelido cegamente por ele. Contudo, por mais que o homem faça para se libertar das influências do ambiente cósmico, delas nunca conseguirá libertar-se inteiramente. Di-lo Lucien Febvre, embora partidário decidido do "possibilismo" de La Blache. E com ele toda a ciência social contemporânea. (VIANNA, 1933[1923], p. 35-36)

Deve-se ressaltar também que suas discussões sobre o "possibilismo" não são realizadas a partir propriamente de La Blache, mas de seus discípulos; mais exatamente, de Jean Brunhes e Camille Vallaux em La geographie de l'histoire (1921). Como muito bem notou Machado (1995, p. 343) sobre essa influência: “[é] nas zonas fitogeográficas de Jean Brunhes que [Vianna] se inspira para dividir o Brasil em três grandes zonas geográficas – os sertões, as matas e os pampas. A cada um corresponde uma história diferente, o que gerou uma sociedade diferente e, por conseguinte, três tipos específicos – o sertanejo, o matuto e o gaúcho” [8].

Ainda que Vianna se colocasse avesso à postura "anti-germanista" de Febvre, lhe parecia mais coerente e tático a adoção do "possibilismo" para se pensar a sociedade brasileira, pois, por um lado, isso lhe livrava da ideia secular de meio tropical como uma prisão degenerante intransponível e, por outro, projetava o problema da "evolução social" no "homem". Essa ideia acompanha toda a primeira fase de produção de Vianna. De alguma forma, essa perspectiva fez com que suas discussões se concentrassem no fator raça, onde se deveria intervir caso quiséssemos alcançar um patamar “respeitável” de desenvolvimento civilizacional. Uma vez que o meio não era um problema, mas um arcabouço de possibilidades, para uma "raça superior" obviamente, o autor passa a dedicar parte de suas investigações a "seleção telúrica", "aclimatação", "seleção eugênica", "assimilação", "cruzamentos", "psicologia diferencial dos tipos antropológicos" dos imigrantes assentados ou que se assentariam nas várias "zonas" naturais no Brasil (VIANNA, 1933 [1923], p. 11).

RAÇA, MEIO E MESTIÇAGEM NO MÉTODO DE OLIVEIRA VIANNA

Dentre as questões tratadas por Oliveira Vianna, destacam-se principalmente as que gravitavam em torno da formação e desenvolvimento da nação, cujos temas capitais eram, como já mencionado, os tipos raciais, a mestiçagem, a adaptação ao meio tropical e a formação de uma nação adiantada. Em sua primeira fase de estudos, o autor se preocupou em pensar a natureza da sociedade brasileira a partir de um “método rigorosamente científico”, em sua visão. A despeito de trazer uma série de novas leituras e perspectivas, seguia o caminho trilhado por alguns autores, dentre eles de seu mestre Sílvio Romero, principalmente sobre a racialidade e seus desdobramentos na sociedade brasileira.

Por exemplo, persistem perspectivas que enfatizavam as diferenças e hierarquizações entre as raças e a crença na influência do meio – em especial do clima tropical – sobre a subjetividade dos sujeitos ou grupos raciais. Como para muitos pensadores predecessores de Vianna, para que pudéssemos nos tornar uma nação desenvolvida e civilizada deveríamos sanar ambas as problemáticas. Apesar de ser complexa e multifacetada, uma parte considerável das teorizações acerca da nação partem desse ponto. Vejamos mais a fundo como se conformou tal leitura em suas discussões.

Primeiramente, deve-se ressaltar que nos vários trabalhos que buscou tratar de "nossa gente", Vianna o fez, em suas palavras, fundamentado nas mais "avançadas" pesquisas científicas da época – a partir das quais, também arrogava objetividade e imparcialidade em sua metodologia. Justamente dessas bases “científicas” que, em suas leituras, havia uma forte associação entre estudos biológicos e sócio-históricos:

Estudando as nossas realidades históricas e sociais, o nosso povo, a sua estrutura, a sua psicologia, e a vida, a estrutura e a psicologia dos grupos regionais, que o compõem, faço-o com o mesmo espírito de objetividade e a mesma imparcialidade com que os técnicos do Serviço de Defesa Agrícola estão agora estudando a praga vermelha dos cafezais da Paraíba ou os sábios de Manguinhos estudaram, entre as populações do planalto e da costa, a função patogênica do necator americanus.

Como nestes, o que me inspira é o mais absoluto sentimento de objetividade: somente os fatos me preocupam e somente trabalhando sobre eles é que infiro e deduzo. Nenhuma ideia preconcebida. Nenhuma preocupação de escola. Nenhuma limitação de doutrina. Nenhum outro desejo senão o de ver as coisas como as coisas são — e dizê-las realmente como as vi. O meu grande, o meu principal empenho é surpreender o Homem, criador da história, no seu meio social e no seu meio físico, movendo-se e vivendo neles, como o peixe no seu meio líquido (VIANNA,1933[1923], p. 57-58, grifos adicionados).

Partindo da premissa que conecta o biológico e o social, Vianna tinha uma forte crença de que a situação presente e os problemas econômicos, políticos e sociais do Brasil só seriam resolvidos se sua história fosse bem sondada, desde os primórdios da colonização [9]. A análise histórica dos fatos e fatores que formaram o país permitiria reconstruir as diversas fases evolutivas e desvendar o modo particular do caráter da nação, especialmente do povo brasileiro. Inclusive, era desse trabalho de pesquisa histórica que estava "dependendo o futuro e a grandeza da civilização do Ocidente – flor delicada dos climas frios – nestes climas tropicais" (VIANNA, 1933[1923], p. 46).

É com esse olhar que ele também crê na existência de um complexo heterogêneo de fatores que influem para a formação e a evolução dos povos, estes “vindos da Terra, vindos do Homem, vindos da Sociedade, vindos da História”, ou de maneira mais exata, “fatores étnicos, fatores econômicos, fatores geográficos, fatores históricos [e] fatores climáticos” (VIANNA, 1933[1923], p.35). Limitar-se a um único fator, ainda que alguns tivessem preponderância em determinadas formações, geraria uma visão reducionista da realidade, segundo o autor. Por isso, acreditando que “não há monocausalismos em ciências sociais” (ibdem, p. 35), dá preferência ao “heterogêneo social de que fala Gabriel Tarde (...) ao homogêneo social de Spencer" (ibdem, p.33)[10].

Do mesmo modo, o autor busca romper com leis pré-estabelecidas e deterministas:

Desde o momento em que a ciência confessava a sua ilusão e reconhecia que as leis gerais, a que havia chegado, não correspondiam à realidade das formas infinitas da vida, compreendi que a melhor coisa a fazer não era insistir por encerrar a nossa evolução nacional dentro dessas fórmulas vãs ou querer subordinar o nosso ritmo evolutivo a um suposto ritmo geral da evolução humana — ao evolucionismo spenceriano, como fez Sylvio Romero, à teoria filogenética de Haeckel, como fez Fausto Cardoso, ou à lei dos três estados, de Comte, como têm feito os positivistas sistemáticos. Pareceu-me trabalho inútil esforçar-me por descobrir nos acontecimentos da nossa história a revelação dessas leis gerais, de que a própria ciência acabava de instaurar o processo de falência. O mais sábio caminho seria tomar para ponto de partida o nosso povo e estudar-lhe a gênese e as leis da própria evolução. Se estas coincidissem com as supostas leis gerais, tanto melhor para a ciência e para nós; senão, ficaríamos, pelo menos, "conhecendo-nos a nós mesmos" — o que já seria alguma coisa, porque valeria o consolo de estarmos com a sabedoria dos antigos (VIANNA, 1933[1923], p.43).

No entanto, apesar de uma proposta teórica profícua e complexa, ao buscar abarcar as diversas “dimensões genéticas” da realidade brasileira, dentre os fatores primordiais para se compreender o Brasil são destacados: o “povo” (“massa humana”, “raça” ou “etnia”) e o “ambiente cósmico” (“habitat”, “meio físico” ou o “clima”). Ele demonstra isso ao criticar as omissões dos “velhos historiadores”:

duas coisas, realmente, não aparecem nas obras dos nossos velhos historiadores senão furtivamente e a medo, duas coisas sem as quais a história se torna defectiva e parcial. A primeira é o povo, a massa humana sobre que atuam os criadores aparentes da história: vice-reis, governadores gerais, tenentes-generais, funcionários de graduação, diretamente despachados da metrópole. A segunda é o meio cósmico, o ambiente físico em que todos se movem, o povo e os seus dirigentes, e onde um e outros haurem o ar que respiram e o alento que lhes nutre as células, e que age como o seu relevo, a sua estrutura, o seu subsolo, a sua hidrografia, a sua flora, a sua fauna, o seu clima, as suas correntes atmosféricas e as suas intempéries. Tudo isto influi, tudo isto atua, tudo isto determina as ações dos homens na vida cotidiana – e, entretanto, nada disto parece se refletir na explicação da nossa gente (VIANNA, 1933[1923], p. 56).

É à luz dessa perspectiva metodológica que emerge – como o próprio autor qualifica – o "caráter monográfico" de sua obra. Fica muito forte no conjunto de suas leituras a ideia de que, em meio à totalidade de uma problemática complexa e ampla, alguns elementos devem ser separados e tratados com foco para uma leitura mais aprofundada. Nesse sentido, Vianna foi bastante influenciado pela escola de Le Play, cujo critério monográfico achou, então, o mais apropriado para o estudo do povo brasileiro. A respeito disso, afirmou em obra produzida em 1949:

Nos meus livros anteriores, (...) tenho investigado todos esses grupos de fatores da nossa formação e da nossa evolução histórica e social: o meio antropogeográfico (clima e solo), os fatores biológicos e heredológicos (linhagem e raça) e os fatores sociais (cultura), embora com outra tecnologia. Retomo agora (em Instituições políticas brasileiras), depois de dez anos de forçada interrupção, estes meus estudos sobre a nossa formação social (...). Por agora, irei investigar neste volume, e de forma monográfica e especializada, unicamente o papel da cultura na formação da nossa sociedade política e na evolução e funcionamento do Estado no Brasil (VIANNA, 1999[1949], p.90).

De alguma forma, Vianna deixa implícito em suas argumentações que a sociedade brasileira não está totalmente formada, mas em processo de formação. Isso emerge justamente em questões levantadas sobre a composição étnica e racial da sociedade brasileira, pois, "no Brasil, a obra do caldeamento e fusão das raças não está ainda hoje inteiramente realizada: ainda subsistem em nossa população muitos elementos puros dos tipos étnicos fundamentais" (VIANNA, 1959[1932], p.70). O autor não realiza afirmações contundentes acerca disso, mas parece acreditar que a formação de uma identidade nacional estaria contida na mescla entre as etnias e raças distintas. O “melting-pot” ou “caldeamento” que vinha ocorrendo na sociedade brasileira entre o “ariano”, o negro e o indígena e entre os “diferentes tipos de arianos” formariam os “tipos antropológicos” mais adequados ao meio (social e físico) brasileiro.

Entretanto, apesar de Vianna destacar a inevitabilidade desse processo de amalgamação da população, cujos "puro-sangue arianos, concentrados nas camadas superiores (...) [acabariam] contaminados pelo sangue do negro e pelo sangue do índio, para ali carreados pela "capitalização" progressiva dos mestiços superiores" (VIANNA, 1959[1932], p. 72), também aponta para "forças de repulsão e defesa" que se tornaram bastante fortes após a migração em massa de europeus no início do século XX para o Brasil. A grande imigração europeia e a formação de núcleos coloniais, veio impedir o processo de miscigenação – entre negros, indígenas e arianos – e a consequente formação de “mestiços superiores”. Isso, com incentivo do Estado, "acabou formando, no seio de populações circundantes, em regra mestiçadas, verdadeiras “ilhas étnicas”, onde só circula o sangue puro ariano (...) [Isso] equivale a dizer que, nas nossas regiões imigrantistas, o melting-pot, no sentido primitivo ou, melhor, no sentido colonial da expressão, não se constituiu" (VIANNA, 1959[1932], p. 73). Isso é dito, ainda que reitere que exista cruzamentos nessas colônias de imigrantes europeus, pois, “nelas assistimos ao mestiçamento de verdadeiras variedades humanas: a Celta, a Nórdica, a Eslavônica, a Ibérica, a Dinárica, a Atlântica. Raças estas, das quais algumas tão distantes e tão diferentes entre si, antropologicamente, como cada uma delas são do negro ou do índio” (VIANNA, 1959[1932], p. 73-74).

A formação de “ilhas étnicas” não era verdadeiramente um problema para Vianna, mas, algo que trazia uma série de questões para se meditar sobre o desenvolvimento de uma identidade nacional específica no Brasil. É nesse ínterim que, baseado na realidade estadunidense marcada pelo “enquistamento” das etnias que para ali migraram, Vianna alerta que para uma melhor condução do desenvolvimento da nação, o Estado brasileiro, pautado por critérios científicos, deveria interferir e conduzir o processo de assimilação das etnias imigradas da Europa; não somente no processo de entrada e alocação destes no território, como no próprio processo de seleção e caldeamento desses grupos e sujeitos. Ele, assim, fala em "leis de melting-pot nos países de imigração" que devem ser tomadas em conta para se pensar tal intervenção. São elas:

1) determinação dos coeficientes de homogeneidade (...) deles se podem inferir sugestões de ordem administrativas no sentido de reduzir esta condição de enquistamento ou de resistência à assimilação; 2) determinação dos coeficientes de fusão, isto é, discriminação percentual dos elementos constitutivos do melting-pot (...) É importante para o conhecimento da evolução étnica do grupo; 3) determinação do índice de fusibilidade. Estes índices nos permitem conhecer o grau de nupcialidade exogâmica dos elementos de cada etnia. É ele que nos dá meios de calcular as possibilidades de assimilação das etnias e as possibilidades da sua influência no grupo em fusão (...) no ponto de vista da assimilação das "culturas" e da mestiçagem dos "tipos antropológicos", este índice é, pois, da maior significação (VIANNA, 1959[1932], p.95).

Mesmo que Vianna expresse o desejo de ser objetivo e neutro em suas proposições, o autor expressa, implicitamente em suas afirmações, o desejo de branqueamento da sociedade brasileira. Isso é visível, pois, conduz toda sua argumentação para se pensar a absorção e aclimatação da "raça ariana" – "superior", "civilizada", "bela" etc. –, enquanto negros e indígenas - "bárbaros", "inferiores", "selvagens" etc. - são visivelmente apresentados como um rejeito, senão para ser esquecido, que deveria ser eliminado no processo de absorção e assimilação. A mestiçagem só teria sentido para o autor se pudesse formar "mestiços superiores", em outros termos, "arianos" adaptados ao meio tropical.

É importante notar aqui que o meio tropical aparece como o nó górdio nas interpretações de Vianna. O autor não realizou extensas discussões sobre suas concepções sobre o que seria esse meio. Parte de Sílvio Romero, cujos trópicos são vistos como um “clima e meio geográfico” sublime e indômito, marcado pelo “excessivo calor”, “grandes secas”, “chuvas torrenciais”, “febres de mau caráter” etc. (ROMERO apudVIANNA, 1933, p. 29). Assim, uma vez que seria impossível transpor uma natureza dessa magnitude, o foco do autor se dá na compreensão e manipulação das raças e etnias para que essas se adaptassem aos trópicos, e não o contrário.

OS PROBLEMAS DA RAÇA NA FORMAÇÃO NACIONAL BRASILEIRA

Acompanhando o debate entre os cientistas europeus do início do séc. XX e a emergência de tendências que afirmavam a igualdade entre as raças e sua não importância para a compreensão das sociedades, Vianna argumenta contrário a essa tendência e, indo além, sublinha a impossibilidade de renunciar a essa categoria (raça) e as suas determinações no contexto brasileiro. Segundo ele, talvez, essa questão não fosse um problema para os europeus – tendo em vista que vinham sofrendo um processo de caldeamento interno entre os diferentes grupos étnicos há cerca de 30 mil anos e a população era quase que uniforme. Contudo, na realidade brasileira, composta por raças tão diferentes, cujo encontro se deu há menos de 400 anos, era uma questão eminente e gritante. O “nosso problema étnico”, como o denomina, é marcada pela "diversidade antropológica" e por "níveis de desenvolvimento desiguais" entre os povos africanos, arianos e indígenas, que chegaram e se caldearam aqui, algo a que deveríamos nos atentar para o bem da nação (VIANNA, 1959[1932], p. 14).

Se seu mestre, Sílvio Romero (1902[1888]), havia em tempos anteriores enfatizado a necessidade de analisar cientificamente o negro e usar a ciência para sanar o empecilho do "problema etnográfico brasileiro", Vianna leva isso às últimas consequências. Indo além de seu mestre, buscou não só realizar estudos que sanassem demandas abstratas sobre as "questões de raça" no Brasil, mas que também tivessem "uma utilidade pragmática" (VIANNA, 1959[1932], p. 69). Isso fica explícito em seus objetivos de pesquisa sobre raça e assimilação no Brasil:

em suma, o que nós desejamos – os que investigamos, como antropossociologistas, como bio-sociologistas, como antropogeografistas, como demologistas e demografistas, os problemas da Raça – é que os nossos antropometristas e biometristas não dispersem os seus esforços e orientem as suas pesquisas no sentido de nos dar as bases científicas para a solução de alguns problemas mais urgentes e imperativos, como os que se prendem à formação da nossa nacionalidade no seu aspecto quantitativo e no seu aspecto qualitativo. Por exemplo: o problema da mestiçagem das raças. Ou o da seleção eugênica da imigração. Ou o da distribuição racional das etnias arianas, segundo o critério da sua maior ou menor adaptabilidade às diversas zonas climáticas do país. (grifo adicionado)

Ademais, para isso, além de ter utilizado todas as ferramentas científicas que lhe dispunha para deslindar esse “problema”, pensava o Brasil – e as Américas – como uma região privilegiada para se realizar estudos desse tipo; o verdadeiro e mais apurado laboratório das raças. Isso lhe dava autoridade científica sobre o tema, inclusive, para contestar afirmativas “tendenciosas” [11], em sua visão, que vinham da Europa e arrogavam a igualdade entre as raças.

Não é possível, pois, sustentar nestes lados do Atlântico, onde as desigualdades étnicas se revestem de um relevo tão nítido, que os problemas de diferenciação das raças sejam problemas sem interesse. O fato de terem afluído para aqui etnias vindas de todos os continentes torna a América, ao contrário, o centro por excelência dos estudos da Raça, quer no ponto de vista da antropologia física, quer no ponto de vista da antropologia social, especialmente nos seus aspectos biológicos. Os fenômenos da Raça mostram-se aqui em estado de elaboração contínua: nós os temos, por assim dizer, sob as nossas vistas, visíveis a olhos nus – e tudo é como se estivéssemos observando numa retorta as fases uma reação química. Os fenômenos de hibridação podem aqui ser estudados com uma amplitude e uma precisão impossíveis no mundo europeu – porque só aqui se dá a mestiçagem de raças extremamente distintas, o que nos permite observar os fenômenos heredológicos, oriundos desses cruzamentos em condições ótimas de visibilidade. É um privilégio todo nosso, de que não podem gozar os observadores dos mesmos fenômenos quando operados unicamente nos centros de origem dos grupos brancos(VIANNA, 1959[1932], p. 14-15, grifo nosso).

Frente a isso, do ponto de vista analítico, Vianna enxergava dois empecilhos metodológicos existentes e difundidos entre a intelligentsia brasileira. O primeiro envolvia as já mencionadas teorias sobre a “igualdade das raças”, tendências absorvidas em um “movimento de imitação” realizado pelos cientistas brasileiros. Isso vinha contribuindo “para criar em torno da psicologia diferencial das raças um ambiente de equívocos, que tanto está dificultando ainda hoje [1932], o estudo desse problema delicado, por certo o mais delicado e importante problema da antropologia social [brasileira]” (VIANNA, 1959[1932], p.18).

De acordo com o autor, esse fato conduziu a dois percalços: o primeiro foi a gradativa diminuição das investigações sobre a composição racial de nossa sociedade nos anos que se seguiram a formação da República. O segundo, que cientistas que se empenharam em estabelecer a discriminação dos caracteres diferenciais e as reações a estímulos vindos do meio (“social” e “cósmico”) das três raças formadoras da nossa nacionalidade, conformaram premissas errôneas que previam que cada “tipo antropológico” possuía “uma individualidade própria, uma maneira peculiar, uma forma específica de reação” (VIANNA, 1959[1932], p.16).

Outro fator que tornava nebulosa a compreensão da raça na sociedade brasileira, na visão do autor, era a “confusão trazida à compreensão da psicologia das raças pela noção das ‘raças nacionais’ e das ‘raças históricas’”, pois, “o que tem sido feito até agora com o nome de psicologia diferencial de “raças” não tem sido outra cousa senão má ou boa psicologia diferencial de “povos”, ou mais propriamente, de ‘etnias’” (VIANNA, 1959[1932], p. 18).

Isso se deu porque à época:

[...] não haviam ainda atingido a exatidão que atingiram na atualidade, nem as pesquisas antropométricas se haviam realizado com extensão e a sistematização da época atual. Alemães pensavam então que eram formados de uma raça única; que todos eles pertenciam, apesar das suas variações individuais, a um mesmo tipo antropológico, isto é, à mesma “raça” germânica dólico loura (h. europeus). (VIANNA, 1959[1932], p.19)

De acordo com Vianna, este era um grande equívoco, nascido do falso conceito de homogeneidade étnica dos diversos “grupos nacionais ou históricos”. O que desapareceu em face dos resultados da análise antropométrica, a qual os investigadores modernos submeteram esses diversos “povos”. Cada um desses grupos nacionais, cada uma dessas etnias, era composta de várias raças, isto é, “de vários tipos antropológicos, caracterizados por atributos diferenciais, descritiva e antropometricamente determinados” (VIANNA, 1959[1932], p. 20). Enfaticamente, profere o autor: “essas psicologias da raça não passam de psicologia de coletividades, de grupos nacionais – de etnias (...) Compreende-se agora a série de equívocos, confusões, mal-entendidos e contradições que naturalmente surgiram dessas idéias tão errôneas sobre a composição étnica das nacionalidades européias e sobre a psicologia das suas raças formadoras” (VIANNA, 1959[1932], p. 21).

Há, assim, uma “confusão” justamente na leitura dos conceitos de “psicologia de etnia” e “psicologia de raça”, segundo ele, “duas ciências distintas”. Em seus termos, há dois ramos da psicologia que se distinguem e articulam para pensar o ethos de uma população nacional:

a) a psicologia das etnias – ciência social, ramos da psicologia coletiva, estudando o que chamamos a '“alma dos povos”, produto complexo, para cuja formação contribuem todas as forças elaboradoras da civilização e da evolução histórica dos povos: o meio fisiográfico, o clima, os agentes econômicos, os choques de culturas, as migrações, as lutas de classes, mil outros fatores, inclusive a “raça”, no sentido zoológico ou morfológico.

b) a psicologia das raças – ciência natural, ciência puramente antropológica, para a qual a raça é um fato biológico e psicologia da raça uma pura questão de psicofisiologia humana, nada tendo que ver, pelo menos imediatamente, com a psicologia dos grupos sociais (nacionalidade, povos, etnias) (VIANNA, 1959[1932], p.23)

As operações teóricas de Vianna para pensar o Brasil seguem uma lógica estratégica; pois, flexibiliza a noção de raça para pensar o nacional ao enfatizar que há diferenciações raciais no interior de formações nacionais (ou "coletividades étnicas"). Com isso é destacado que, ainda que haja uma "psicologia nacional" que defina a mentalidade (ou a "alma das nações"), essas agremiações são compostas, na praxe, por uma diversidade de “tipos morfológicos ou raciais”. Ele justifica seu posicionamento da seguinte forma:

[...] para que nos identifiquemos com esta compreensão científica da psicologia das raças é preciso, antes de tudo, um certo senso de relatividade, cousa que nem sempre levamos para esse domínio. Em geral, temos desses fenômenos uma noção rígida, dogmática, monotípica. Não compreendemos que as forças da vida orgânica, tais como as da vida superorgânica, não se subordinam a fórmulas rígidas, a leis inflexíveis, a esquemas invariáveis. Hoje, em ciências naturais como em ciências sociais, nenhuma lei é absoluta, nenhum princípio é absoluto, nenhuma afirmação é absoluta… (VIANNA, 1959[1932], p.38)

Com essa ação, ao mesmo tempo em que Vianna anula o discurso que define a nacionalidade como uma população racialmente monolítica e cristalizada, apresenta uma conjuntura mais favorável e promissora para se interpretar o Brasil, país que possui uma população étnica e racialmente diversa. Da mesma forma, também, abre um campo repleto de possibilidades de intervenção na sociedade brasileira, posto que via na ciência uma ferramenta de intervenção e transformação da realidade.

Porém, apesar de relativizar as diferenças raciais presentes nos “grupos étnicos” nacionais, persiste em Vianna, ainda, ideias essencialistas que preveem na raça um determinante individual e social. Mais uma vez ele se utiliza das "ciências mais avançadas" para realizar suas ponderações e afirma:

Diante das revelações trazidas pelos teoristas dos ‘tipos constitucionais’ (...) não há mais razão para que se ponha em dúvida a possibilidade de uma correlação entre os tipos somatológicos chamados ‘raças’ e os tipos de inteligência e de temperamento descritos pelos psicofisiologistas, psicometristas, nosologistas em geral (...) Os estudos da biotipologia contemporânea estão, realmente, demonstrando que há uma conexão muito íntima entre os aspectos morfológicos do indivíduo e as peculiaridades da sua fisiologia, da sua patologia e da sua psicologia (temperamento, inteligência) (VIANNA, 1959[1932], p. 26-27).

Partindo dessa leitura, “a conclusão é que a raça é, em última análise, um fator determinante das atividades e dos destinos dos grupos humanos” (VIANNA, 1959[1932], p.42). Em outras palavras, a raça é um aspecto central para o progresso da nação. É por isso que, na visão do autor, uma nação não pode se colocar indiferente, nem a qualidade, nem a quantidade, dos elementos raciais em que consiste a sua composição, pois, os “tipos raciais de constituição” determinam os arquétipos de temperamento e de inteligência preponderantes na “massa social” (VIANNA, 1959[1932], p. 39-40)

Vianna, assim, demarca as características de cada “tipo racial”. O "significativo" de seu modelo teórico é que, “em princípio, nenhum atributo da psique humana é privativa desta ou daquela raça, como queriam fazer acreditar os antigos psicologistas de raças. Esses atributos apenas devem-se revelar mais frequentemente neste ou naquele tipo antropológico” (VIANNA, 1959[1932], p. 39). Ainda que afirme que características de temperamento e inteligência não sejam monopólio de um único tipo racial, estabelece hierarquias, cujo “ariano” é tomado como superior. Nesse sentido, dentre o grupo de "tipo ariano" predominaria indivíduos com "características psicológicas superiores", o que, mais facilmente, acarretaria a formação de uma "civilização moderna" [12].

Nesse contexto em que tipos raciais são delimitados em "arianos", "negros" e "índios", algo que aflige Vianna é o mestiço. Como ficaria o mestiço nessa fórmula que afirma propensões de faculdades subjetivas em grupos raciais bem definidos? Segundo ele, os mestiços também reproduzem em si a correlação entre "tipo morfológico" e o "tipo psicológico", pois, por exemplo, “quanto maior a soma de sangue indígena do indivíduo e, portanto, quanto mais o tipo do indivíduo se aproxima do tipo morfológico do índio, tanto mais estes indivíduos reproduzem, nas suas condições intelectuais, as características intelectuais do índio, e vice-versa” (VIANNA, 1959[1932], 35-36). Ou seja, a "psicologia" de um mestiço dependeria das características predominantes herdades dos tipos raciais básicos.

Do mesmo modo, Vianna, em suas argumentações, chama a atenção para o fato de que em cada tipo há uma grande diversidade interna. Por exemplo, ressalta ele, o grupo branco não é constituído de um único tipo, ele é complexo e diverso, composto por todos os grupos brancos constituídos na Europa. Ao pensar os efeitos "científicos" dessa pluralidade intra grupo, diz o autor:

dentro de objetivos meramente antropométricos, é possível que se possam desprezar essas diferenciações biotipológicas que se manifestam entre os elementos do grupo branco (europeus de origem e descendentes); mas, no ponto de vista da bio-sociologia, da psicologia étnica e da antropossociologia, êste grupo formado por elementos tão heterogêneos torna-se, na verdade, imprópria para qualquer utilização científica (VIANNA, 1959[1932], p. 47).

Essa leitura é realizada por Vianna tendo subjacente as questões que envolvem o meio “cósmico” e o clima, pois, na Europa, meios e climas distintos parecem ter conformado diferenciações no interior do "tipo ariano". Essa ação é mobilizada exatamente para se fazer a reflexão sobre a adaptabilidade dessa "diversidade do tipo ariano" ao meio e clima brasileiro. Pois, “como então fundirmos todos êstes brancos – ibéricos, dináricos, celtas, nórdicos, tão diferentes uns dos outros – num só grupo e realizarmos com êles investigações sobre aclimatabilidade, como se estivéssemos diante de uma série homogênea, composta de um tipo antropológico único?” (VIANNA, 1959[1932], p.51)

Criticando alguns cientistas brasileiros e organismos estatais sobre a ineficácia – do ponto de vista prático – de tratar os tipos raciais genericamente, afirma Vianna que:

[...] parece-nos impossível chegarmos a resultados fecundos, se nos abstinarmos em tratar, em nosso meio, indistintamente, como se fôssem a mesma cousa o colono italiano, vindo da Basilicata, que é um puro Ibero, o colono alemão, vindo do Hanôver, ou o Holstein, que é um puro Nórdico, o colono iugoslavo, vindo da Bósnia ou da Croácia, que é um puro Dinárico, e o colono russo, vindo da Ucrânia, que é puro Celta. Êste nivelamento pode ser muito legítimo para os efeitos censitários – de estatística demográfica. Mas, em morfologia da raça não; em biologia da raça, não; em sociologia da raça, não (VIANNA, 1959[1932], p.61).

No nosso próprio território, segundo ele, unificar os "tipos brancos" anularia, no plano "biométrico" e "biosociológico", “as diferenciações que a seleção natural fatalmente está estabelecendo, em nosso meio, entre as diversas etnias” (VIANNA, 1932[1959], p. 53). Em sua visão, ao operar com estas várias etnias como se elas fossem equivalentes na sua “capacidade de resistência biológica, nas modalidades da sua “resposta adaptativa” ao nosso meio”, não chegaríamos a nenhuma solução “aproveitável”. Além disso, isso dificultaria uma intervenção pragmática, pois, não se teria maneiras palpáveis para inferir quais seriam os “tipos” que, ao sobreviverem ao escrutínio seletivo, viriam a dar "à nossa população nacional a sua caracterização antropológica e étnica definitiva" (ibdem, p. 54).

PARA UM PLANEJAMENTO REGIONAL DA ALOCAÇÃO ARIANA NO BRASIL

Antes de entrar nas considerações de Vianna acerca da relação raça, meio e planificação, deve-se ressaltar que o autor, ao se debruçar sobre os processos de assimilação e adaptabilidade aos meios brasileiros, se restringiu apenas ao que qualificou como "tipo ariano", denominados também como "arianos" ou "caucasianos". Como já evidenciado, negros e indígenas eram apresentados em uma linguagem "científica" como "inferiores" e com uma "psicologia" – fruto de suas racialidades – inaptas para a construção de uma "civilização moderna". O fato de não tratar de negros e indígenas – somente imigrantes eurobrancos – em suas discussões sobre a adaptação das raças ao meio e clima tropical, revela que, por trás de seu projeto de uma nação desenvolvida estavam fora de cogitação as "raças inferiores" o que, paradoxalmente, não deixa dúvidas que essas “raças” eram sua preocupação permanente, mas no sentido de serem extirpadas do território.

Nesse sentido, em suas leituras buscou exatamente verificar como a diversidade racial branca – que envolvia europeus de origem "Celta", "Mediterrânea", "Nórdica", "Ibérica", "Dinárica" etc. – se relacionavam com o meios brasileiros, mais exatamente com o climas tropicais aqui existentes, pois, "cada qual dêsses tipos tem uma 'resposta adaptativa' própria aos climas tropicais" (VIANNA, 1959[1939], p. 49). A partir dessa constatação ele estava buscando “extrair conclusões de ordem prática, capazes de nos orientar sobre o problema de uma distribuição mais racional das etnias nórdicas, das etnias celtas e das etnias ibero-mediterrêneas em nosso território” (VIANNA, 1959[1932], p. 54).

Para realizar tal discussão, Vianna se fundamenta em uma bibliografia extensa – composta majoritariamente por publicações estadunidenses – sobre as experiências coloniais em África, Austrália, Ásia e América [13]. Dois fatos da interpretação de Vianna acerca dessas referências parecem ser importantes para o desenvolvimento de suas leituras. Primeiramente, a partir dessas referências, ele parte da premissa de que o clima e o meio influencia física e subjetivamente os grupos humanos, consequentemente, define o “ethos” ou “caráter” da população que se formará em um determinado meio. Dentre todos os meios (e climas), o tropical é o menos qualificado para a formação de uma "civilização superior" ou "civilização moderna". Segundo, apesar dessa orientação, Vianna não chega a conclusões em suas leituras sobre a adaptação do "tipo ariano" no Brasil, pois, conforme diz, seria necessário um conjunto maior de dados sobre os "tipos antropológicos" dessa população existente no país. No entanto, utiliza-se dessas referências para apontar que existem diferenças marcantes no processo de adaptação dos diversos tipos de europeus ao clima tropical. Essa pré-visão seria fundamental para se meditar sobre os processos brasileiros de adaptação, pois, "nos climas tropicais, as diversas raças arianas não tem a mesma capacidade de aclimatação, de respostas adaptativas (...) há diversos climas tropicais, e as diversas etnias europeias não se aclimatam com a mesma facilidade em todas as regiões quentes" (VIANNA, 1959[1932], p. 48)

Dois exemplos extremos são tomados como referências para analisar os efeitos diferenciais no "tipo ariano": a “raça Nórdica” e o “grupo [raça] Mediterrâneo”.

Os grupos formados por etnias de raça Nórdica parecem revelar sensível incompatibilidade com os climas de tipo tropical, principalmente os equatoriais. É unânime o conceito entre os antropologistas e técnicos em medicina tropical, de que o Nórdico não pode aclimatar-se nas regiões megatérmicas do globo, entendendo-se aclimatação no sentido que lhe dão os modernos ecologistas e antropogeografistas (...) Nos centros tropicais de colonização nórdica, os estigmas de degenerescência se revelam de uma maneira muito frequente entre os [seus] “descendentes” (VIANNA, 1959[1932], p. 49).

Quanto à raça Mediterrânea:

[...] ao contrário dos elementos do grupo Nórdico, revelam uma inegável capacidade de adaptação aos climas tropicais, mesmo em “descendentes” de terceira e quarta gerações, não se encontra nenhum sinal sensível ou positivo de degeneração, nem física, nem no moral. É, pelo menos, o que acaba de observar o professor GERMANO CORREIA para os lusos-descendentes da Índia e da África (VIANNA, 1959[1932], p. 51).

Algo que é importante notarmos na leitura que Vianna realiza sobre o "tipo ariano", é o fato de as diferenças no interior desse grupo serem tomadas em consonância com a localização de determinados meios, na verdade, climas. Não é realizado um discussão aprofundada sobre a ação do meio na diferenciação racial ou mesmo se existem meios exatos para cada tipo racial europeu, contudo, como se percebe, a terminologia utilizada para qualificar a diferenciação intra-grupo “ariano” remetesse a localizações que se predispõe na Europa de Norte a Sul, consecutivamente, "Nórdicos" e "Mediterrâneos"; falando de outra maneira, os extremos latitudinais do continente que indicam, supostamente, as localidades mais quentes e mais frias, as regiões mais distantes e mais próximas dos trópicos.

A proposta de Vianna, à vista disso, seria de esquadrinhar o meio próprio e harmônico para cada “tipo ariano” e, a partir disso, definir as regiões compatíveis para cada tipo de imigrante no território brasileiro. Somente assim poderia ser realizada, tanto a “selecção eugênica da imigração (...) [quanto] a distribuição racional das etnias arianas segundo o critério da sua maior ou menor adaptabilidade ás diversas zonas climáticas do país" (VIANNA, 1959[1932], p. 65, grifos adicionados) [14].

Como se nota, para solucionar “um problema prático, de urgência imperiosa em nosso país”, Vianna orienta seus esforços no sentido de um tipo de planejamento regional que visa a “distribuição, em nosso território, dos diversos ‘tipos’ ou das diversas ‘etnias’ européias, segundo o critério da sua maior ou menor aclimatabilidade” (VIANNA, 1959[1932], p. 55). Isso é pensado para que essa população não fosse concentrada apenas em algumas partes do país, levando “capital eugênico” para todas as partes; e, para que raças não adaptáveis a certas regiões não perdessem seu “potencial eugênico” devido a sua incompatibilidade a certos climas.

Dessa forma, assevera Vianna (1959[1932], p. 65):

[...] os nossos tipos hão de surgir da observação prévia da nossa população ao norte, ao centro e ao sul, na região da costa e na região do sertão. Obtida a discriminação deles pelo processo preliminar da observação, só então estes “tipos” deverão ser tratados anthropometricamente, isto é, estudados nos seus caracteristicos morphologicos e, depois, bio-typologicamente, isto é, nas suas caracteristicas funccionaes; de maneira a determinar os “typos constitucionaes” mais frequentes em cada um deles e, portanto, as modalidades mais características da sua physio-psycologia (grifos adicionados).

Por fim, a mestiçagem ainda parece uma questão para Vianna. Ele aponta para a existência de dois processos de mestiçagem existentes no Brasil: uma mestiçagem intra-grupo ariano e outra entre o brancos e os “tipos bárbaros” (indígenas e negros). Ambos os processos devem recair em um “trabalho preliminar de observação” (VIANNA, 1959[1932], p. 63), e, no que se refere ao primeiro, é ressaltado apenas que se deve ficar atento à multiplicidade dos tipos mestiços e quais são aqueles que mais sobrevivem à ação “destrutiva dos agentes mesológicos [tropicais]” e, a partir disso, verificar quais desses tipos sobreviventes oferecem condições de estabilidade capazes de elevá-los à categoria de “blenótipos sólidos” ou “stable-blends” [misturas estáveis], em outros termos, os tipos ideias para os meios onde estão.

No que toca ao segundo processo, é deixado implícito que na mestiçagem entre os “tipos brancos” e os “tipos bárbaros”, deve-se encontrar os “fenótipos sólidos”. Vianna não entra em detalhes sobre o que seriam os “fenótipos sólidos” (VIANNA, 1959[1932], p.68), contudo, no decorrer do texto dá a entender que esses seriam fenótipos mais próximos do “tipo ariano”, fruto de uma “seleção natural” – que envolveria “seleção reprodutiva”, “fecundidade e mortalidade diferencial”, “seleção matrimonial”, “índices de fusibilidade” etc. – que favoreceriam para esse tipo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS: OS ECOS DE OLIVEIRA VIANNA

Para posicionar a produção de Vianna em um contexto, é importante notar que o autor se encontra no ponto de transição entre as ideologias do racialismo científico e da democracia racial no Brasil. Como aponta Skidmore (1976), ele foi o último pensador brasileiro de peso a teorizar sobre a “superioridade ariana”, além do que, utilizando-se de uma série de categorias, na verdade jargões (“ariano”, “caucasiano”, “bárbaro”, “superior-inferior”), ultrapassados e tidos como démodé no próprio centro de produção de conhecimento que os criou, a Europa e os Estados Unidos. Ainda assim, não se pode, nem subestimar a imaginação teórica de Vianna, nem o sentido político de suas teorias e teses.

Quando Vianna publica Raça e Assimilação em 1932, as “questões de raça” já não eram mais um problema tão forte no imaginário das elites quanto era no fim do século XIX e primeira década do século XX. A entrada em massa de imigrantes europeus e as teses de um branqueamento progressivo da população [15] – retificadas pelos números dos censos que demonstravam a diminuição da população negra e indígena frente ao aumento da população branca, acalmavam as elites quanto a “inferioridade” negra, indígena e mestiça. Como uma série de autores apontam, Vianna expressava conclusões deveras otimistas acerca do branqueamento da nação (SKIDMORE, 1976; COSTA, 2006) [16] e mesmo que ele fosse inconsistente ou utilizasse uma terminologia inadequada, o que importava e era notado, principalmente pelas elites, era que o Brasil estava se tornando um país branco, consequentemente, “civilizado”.

Talvez por isso Vianna não tenha se preocupado em tratar da inferioridade dos “bárbaros” ou “elementos negros e indígenas” em Raça e Assimilação. Isso só é realizado com mais profundidade no último capítulo em resposta às críticas de Arthur Ramos a sua crença na hierarquia de raças. Na medida em que tudo indicava que o branqueamento da sociedade brasileira era certo, o autor estava livre para tratar apenas dos imigrantes eurobrancos. Assim, dedicou-se quase que exclusivamente nessa obra a discutir e a elaborar proposições para otimizar os processos de alocação das “raças superiores”, leia-se, “arianos” no território brasileiro.

Certamente as questões mais difíceis de transpor eram as que envolviam a mestiçagem e o meio tropical degenerante – frente a imigração eurobranca. Assim como a miscigenação era um processo irreversível na população brasileira, o meio (clima) tropical era imanente ao território. Talvez por isso estes fossem temas motrizes nas proposições de Vianna. Então, qual ou quais foram suas saídas?

Primeiramente, ainda que se fundamentasse em um conjunto de teorias racialistas rígidas e monolíticas e se referisse constantemente a raças "inferiores" e "superiores", não via tais diferenças como absolutas. De acordo com Skidmore (1976, p. 220),

[...] esse era, na realidade, o compromisso de que os brasileiros se vinham valendo, para poder reconciliar a teoria racista com sua realidade multi-racial. Inconsistente, como isso possa ter parecido aos racistas ortodoxos da Europa e da América do Norte, Oliveira fez desses graus de inferioridade o conceito central da sua interpretação da evolução racial do Brasil.

É nesse sentido, também, que Vianna enfatiza que não existiam nações racialmente homogêneas e que, entre a própria “raça ariana”, existiam diferenças e processos de “melting-pot”, de mistura. No subentendido de suas conclusões, o fato de o Brasil ser uma nação multirracial não lhe excluía as chances de se tornar uma civilização, como demonstravam seus parâmetros europeus e, mesmo, os Estados Unidos.

Igualmente, mesmo que Vianna acreditasse na influência degenerante do meio e clima tropical e admitisse os “efeitos biológicos e psicológicos” destes sobre a “raça ariana”, ele assinala que esses efeitos eram relativos; entre os “tipos arianos” a ação do meio era explicitamente matizada. Aqui entendemos porque ele renega o “fatalismo geográfico de Ratzel” e se ampara no “possibilismo de La Blache”, como já apontado. O meio tropical não era um problema, mas um horizonte de possibilidades, desde que o processo de alocação de imigrantes fosse otimizado pelo poder da ciência. Daí a necessidade de se esquadrinhar os “tipos arianos” e os tipos adequados para cada meio específico no território brasileiro, pois, “se as etnias europeias possuem cada uma delas um modo específico de reação ao clima tropical, compreende-se a necessidade de destacar do grupo branco as 'raças' que o compõem, para poder determinar, com segurança, a aclimatabilidade diferencial de cada uma” (VIANNA, 1959[1932], p. 51).

Algo que se deve destacar, é o fato de que, mesmo que o discurso científico de Vianna pudesse ser considerado antiquado e obsoleto nos anos 1930 – na medida em que isso se encontrava em um contexto de relativa suspensão das leituras racialistas no Brasil, exibe entre suas referências bibliográficas tanto produções que defendiam o determinismo racial e geográfico, quanto os autores que buscavam desconstruir os discursos que enfatizavam as determinações (naturais e biológicas) nos processos sociais. Podemos citar como autores do segundo grupo, o antropólogo alemão radicado nos Estados Unidos, Franz Boas (1858-1942) [17], o antropólogo estadunidense, Melville J. Herskovits (1895-1963) e o sociólogo estadunidense, Robert Park (1864-1944) [18]. A título de exemplo, esses foram os mesmos autores que Gilberto Freyre em Casa Grande e Senzala (1934) tomou como referência para formular suas ideias de “uma democracia étnica no Brasil”. Contudo, com Vianna, ou foram contestadas suas teorias, ou tomadas partes específicas para legitimar suas pressuposições sobre a assimilação e a adaptação do “tipo ariano” nos trópicos. Isso demonstra que estava bastante incrustado em sua perspectiva teórica ideias de fundo determinista-biologicista, algo que as novas teorias "anti-essencialistas" e “culturalistas” não desataram facilmente.

Algo interessante acerca dessas elaborações teóricas de Oliveira Vianna, como nota Bresciani (2007), é que ainda que todas as interpretações do autor o levassem a conclusões que o fracasso do desenvolvimento social brasileiro estava relacionado a uma estrutura social que se reproduzia por desigualdades "sociais", ele ainda insiste a relegar o atraso nacional a fatores naturais ou biológicos, do meio e da raça principalmente.

Não há uma explicação unânime na historiografia acerca disso. Há autores, como Carvalho (1991, 2000), que afirmam que as discussões racialistas e deterministas do autor eram algo apenas alegórico e uma formalidade científica, justamente para ficar em dias com as leituras científicas europeias. Era comum entre a comunidade científica brasileira à época citar autores estrangeiros a pompa e modular suas teorias, mesmo que de forma distorcida, em um discurso científico. Só assim autores brasileiros eram reconhecidos e respeitados. Por isso Vianna reproduzia ideias deterministas e racialistas em suas leituras, algo que, ao fim da conta, era apenas uma prática retórica e não afetava o cerne de suas teorizações. Não por acaso, segundo Carvalho, as teses racialistas foram abandonadas por uma discussão sobre a função e papel do Estado na formação e organização sócio-cultural-política brasileira ainda nos anos de 1930.

Por outro lado, há autores que dão a entender que as teorizações racialistas e deterministas nunca cessaram em Vianna. Ainda que tenham sido modificadas as terminologias – pós 1930 principalmente, as ideias que defendiam uma supremacia branca à brasileira estiveram sempre presentes, explícitas ou codificadas, em suas teorizações (BRESCIANI, 2007; SKIDMORE,1976; COSTA, 2006). Na primeira fase de sua produção, esteve presente desde Populações Meridionais (1920) e encontra seu ápice em Raça e Assimilação (1932). Já na segunda fase (pós 1930), nas obras voltadas para a política e organização do Estado, tornam-se rarefeitas teorizações racialistas, como uma mudança de foco, mas não desaparecem. Na mesma década da última publicação oficial de fôlego de Vianna que pregava o arianismo (Raça e Assimilação, 1932), vemos uma virada na maneira de se interpretar e conceber as relações étnicas e raciais no Brasil. Como já mencionado, Gilberto Freyre é o principal intelectual dessa corrente emergente que ressignifica positivamente a miscigenação, a tornando um aspecto fundante da nacionalidade brasileira. Isso pode ter influenciado Vianna na forma como expressar suas leituras racalistas. De qualquer forma, o centramento no papel do Estado não desdeixa a raça, ainda que Vianna abandone as teorias deterministas do meio. Na visão do autor, o Estado, como um organizador da sociedade brasileira, não somente poderia agir como o “educador cívico do povo brasileiro”, mas poderia também atuar como o grande construtor da nação, para “civilizar” e “evoluir” o povo, por exemplo. Uma vez que um povo mais cívico era também um povo mais branco, o Estado estabeleceria ações, também, para embranquecer o povo.

Essa questão merece uma investigação mais aprofundada e um trabalho específico, mas se nota que Oliveira Vianna é uma referência que aparece constantemente em obras e textos geográficas que vão dos anos de 1930 até a década de 1970. Por exemplo, suas leituras sobre as três “zonas” brasileiras de organização social que articulam mesologia e população foram uma das referências de Delgado de Carvalho em Geographia do Brasil (1927) para pensar a unidade da diversidade regional no Brasil. Vianna, também influenciou as proposições geopolíticas de Everardo Backheuser sobre o Brasil, em especial sobre organizar o país em torno de um Estado centralizado - em contraposição ao federalismo republicano - e sobre suas orientações pelo branqueamento para a solução dos problemas raciais e mesológicos (cf. ANSELMO, 2000, p. 48-49). Do mesmo modo, o texto Evolução do povo brasileiro (1922) foi uma das referências de Milton Santos em O Povoamento da Bahia (1948) para analisar o povoamento e fixação populacional no sertão nordestino pela criação gado.

Frente a todas as referências de Vianna entre geógrafos, talvez o caso mais emblemático (e trágico) seja o texto de Aroldo de Azevedo (1975[1969]). O autor reproduz acriticamente, não somente o cabedal teórico e categorias raciológicas de Oliveira Vianna, como, os estereótipos que o autor definiu em suas discussões sobre o “povo brasileiro”. Azevedo (1975[1969], p. 122-123) apresenta como factíveis as tipologias racialistas de Oliveira Vianna, como o de que “[o mulato] não possui grande disposição para os trabalhos pesados, nem muito inclinação para o comércio ou a indústria” ou de que “[os caboclos] podem tornar-se traiçoeiros e vingativos, por vezes fanáticos em matéria religiosa”, só para mencionarmos um exemplo. Isso é feito, paradoxalmente, valorizando o “caráter mestiço” da sociedade brasileira, o "principal aspecto da população brasileira" (idem, p. 120), e mediante a afirmação de que é “inegável (...) que predominem no Brasil os indivíduos de cor branca, oriundos de troncos europeus e asiáticos” (idem, p. 114). Em suma, Azevedo se apropria e utiliza dessas discussões em um momento em que já se evidenciava o caráter defasado, falacioso e distorcido das teorias raciológicas de Vianna.

Por fim, como a natureza da geografia na história das ciências é sempre contestada e negociada (LIVINSTONE, 1992), talvez essa leitura histórica das ideias por meio de Oliveira Vianna nos permita vislumbrar, não somente articulações mais amplas entre “pensamento social” e o “pensamento geográfico”, como pensar os efeitos sociais das teorias geográficas.

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Notas

[1] Pequenos Estudos de Psicologia Social (1921), O Idealismo na Evolução Política do Império e da República (1922), Evolução do Povo Brasileiro (1923), O Ocaso do Império (1925), O Idealismo na Constituição (1927) e Problemas de Política Objetiva (1930).
[2] Acerca dessa virada na produção de Vianna, ressalta Rodríguez (2015, s/p): “Depois da Revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder, Oliveira Vianna tornou-se consultor da Justiça do Trabalho. Graças a essa posição, o nosso autor influiu decisivamente na elaboração da nova legislação sindical e trabalhista. Assinale-se desde logo que a sua influência não foi apenas técnico-jurídica, abrangendo também o campo dos princípios. (...) Oliveira Vianna considerava o insolidarismo como o traço mais característico dos indivíduos e dos grupos na sociedade brasileira, razão pela qual defendia o papel coactivo e educador do Estado, na formação do que ele chamava de um comportamento culturológico, capaz de se sobrepor ao espírito insolidarista. Desfrutando de uma situação em que poderia atuar nessa direção, não deixou de fazê-lo, como se vê da parcela subsequente da sua obra integrada pelos seguintes livros, que materializam o seu pensamento acerca desse segmento da atuação culturológica: Problemas de direito corporativo (1938), Problemas de direito sindical (1943) e a coletânea de ensaios intitulada Direito do trabalho e democracia social (1951).”
[3] De acordo com Carvalho (2000, p. 908), “o método da escola [de Le Play] levou-o, primeiro, a descobrir a variedade da formação social brasileira e a desistir de falar do Brasil como um todo como se fôssemos um povo homogêneo. Levou-o, em seguida, a reconhecer diferenças regionais devidas a distintos fatores sociais e históricos. Distinguiu, como vimos, três diferentes tipos sociais, o matuto do centro-sul, o sertanejo do norte e o gaúcho do sul, marcados cada um por psicologia e comportamento políticos específicos”. Deve-se ressaltar que geógrafos como Carvalho (1926) e Beckheuser (1927) tomam como referência essa leitura de Vianna para pensar a “unidade na diversidade” das regiões brasileiras.
[4] De acordo com Le Bon, as raças se distinguiram não tanto pelas características físicas, mas pelos traços psicológicos, havendo, consequentemente, uma hierarquia entre elas. É dele que o autor retira a famosa frase que "É por isso [pela superioridade branca] que seria possível para 60 mil ingleses dominar 250 milhões de indianos.”
[5] Deve-se destacar que o Vianna usa noção de “povo ariano” como sinônimo de “raça branca”, ao incluir Homo Alpinus e o Meridionalis. Em outros termos, o autor distorce a classificação de Lapouge, para quem os “arianos” seriam os Homo Europaeus; ou seja, dolicocéfalos (índice cefálico abaixo de 75), louros, de olhos azuis, altura em torno de 1,70, concentrado na Inglaterra e países nórdicos. O autor realiza tal operação para fugir das visões pessimistas que se sobrepunham aos povos que formaram a população brasileiro,especificamente os portugueses. O grande problema é que o ele não comunica, discute ou justifica a realização de tal operação (cf. CARVALHO, 2000).
[6] Vianna na verdade utiliza o termo “anthropogeographistas” para identificar geógrafos e a Geografia em suas discussões, talvez uma referência direta aos escritos de Ratzel, quem era uma das referências do autor para se pensar a adaptabilidade de europeus no Brasil.
[7] Essas considerações são realizadas quando das críticas feitas por Vianna a "sociologia regional" do "sociólogo hindú" Radhakamal Mukerjee. Segue na íntegra: “Esta denominação de "sociologia regional" [o que envolve a relação "homem e natureza"] foi sugerida a MUKERJEE por TAGORE — e será talvez essa a única originalidade do título. Porque (...) o campo explorado por MUKERJEE não é propriamente novo: a "sociologia regional" do pensador hindu não é senão a "antropogeografia" dos alemães, a "geografia social" dos franceses, a "geografia humana" dos ingleses ou aquilo que os americanos chamam, com muito maior felicidade, a "ecologia humana".” (VIANNA, 1959[1932]p. 163)
[8] De forma mais detalhada, a partir desses autores, Vianna deteve-se na caracterização social do povo brasileiro de modo a ressaltar o quanto somos distintos dos outros povos, principalmente dos "grandes povos europeus", e busca postular, simultaneamente, a diversidade interna ao próprio "povo" em termos de raças diferentes, mas também em termos de regiões mesológicas distintas, seguro em sua "convicção contrária ao preconceito da uniformidade atual do nosso povo". Utilizando-se das teses do determinismo do meio físico, a pressão dos meios - no que se conectam "habitats" e fatores históricos e sociais - sobre os "elementos étnicos", distinguiu no território brasileiro "três histórias diferentes: a do norte, a do centro-sul, a do extremo-sul, das quais teriam resultado três sociedades diferentes: a dos sertões, a das matas, a dos pampas, com seus três tipos específicos: o sertanejo, o matuto, o gaúcho". Diversidade populacional, usos e costumes diversos, submetidos, a seu ver, a uma "constituição idealista", que considerou representar o obstáculo maior à organização do Estado nacional, à unidade e à identidade do povo (BRESCIANI, 2007, p. 44-45).
[9] De acordo com Bresciani (2005, 26), Vianna "estava convencido de que os problemas de diversas ordens, presentes nas primeiras décadas de experiência republicana, encontravam-se firmemente enraizados no começo da vida colonial. Um mal de origem a ser desvendado e devidamente purgado por uma ação política consciente. Origem essa responsável pela herança colonial lusa e pela identidade nacional imperfeitamente constituída, verdadeiros obstáculos à plena configuração do país como nação. Sua proposta de revisar a história do Brasil, na certeza de que os problemas do presente encontravam-se em vícios de origem, foi compartilhada por vários intelectuais seus contemporâneos, autores, que com ele, se propuseram a reapresentar esse percurso de quatrocentos anos. Constituem trabalhos de interpretação histórica, que embora fundamentados em campos conceituais diferentes, convergiam no tocante à crítica aos procedimentos correntes na historiografia de finais do século XIX e início do XX, alguns denominados pejorativamente de positivistas, outros de história dos eventos políticos".
[10] Em trabalhos posteriores autor continuou seguindo essa lógica. Em 1949, inspirado pela "integralist sociology, de que (...) [lhe] fala Sorokin e que concebe a realidade social como um complexo multifário (a complex manifold)", ressalta que, "em suma, o quadro clássico dos fatores da Civilização e da História se está restaurando. Em vez de uma causa única - meio só (Buckle), ou raça só (Lapouge), ou cultura só (Spengler, Frobenius, Boas) - a ciência confessa que tudo se encaminha para uma explicação múltipla, eclética, conciliadora: Raça + Meio + Cultura. Com estes elementos é que ela está recompondo o quadro moderno dos fatores de Civilização" (VIANNA, 1999[1949], p.515; p. 90).
[11] "Ora, não é preciso grande esforço de penetração para compreendermos que, para esta brusca parada, para esta cessação tão súbita do interesse pelas pesquisas da raça, a causa determinante foi, sem dúvida, a influência exercida sobre o espírito dos nossos homens da ciência pelas teorias tendenciosas, construídas para contrabater a teoria da superioridade racial dos povos germânicos, desenvolvida principalmente pelos pensadores e antropologistas alemães. Basta confrontar a data em que essas teorias igualitaristas surgiram nos centros latinos e eslavos e a época em que cessou entre nós o interesse pelos problemas da patologia e da psicologia diferencial das raças, para nos convencermos de que essa nossa atitude de indiferença, de abandono, de desinteresse foi apenas um movimento reflexo, um movimento de imitação, daquela atitude reacionária das grandes figuras representativas da cultura latina e eslava" (VIANNA, 1959[1932], p.18. grifo adicionado).
[12] Em comparação com a "raça negra", "as duas raças são desiguais — e esta desigualdade se reflete na desigualdade da riqueza eugenística das suas elites respectivas. Ora, como a civilização moderna é muito exigente destes tipos superiores na composição das suas elites, compreende-se e explica-se porque o negro, vivendo dentro desta civilização, revele certa inferioridade em face dos grupos brancos e brancóides com os quais convive (...) É claro que esta inferioridade relativa do negro só é suscetível de determinação segura, ou melhor, de pré-determinação quando consideramos os negros em grupos, formando uma população; individualmente, isto é, para cada caso isolado, é absolutamente impossível saber-se se um dado negro é um tipo superior ou um tipo inferior, é um supernormal ou um subnormal - um gifted [bem-dotado] ou um dull [estúpidos] (...) Esta desigualdade entre as duas raças só se revela, como já dissemos, quando os seus indivíduos se apresentam reunidos em grandes massas. Nesse caso, há quase certeza matemática nesta conclusão: de que um grupo de 10 mil negros há de se mostrar incomparavelmente mais rico em dulls do que um grupo de volume igual, formado exclusivamente por tipos arianos ou semitas, por exemplo." (VIANNA, 1959[1932], p.196-197).
[13] Suas leituras se fundam, principalmente, em artigos publicados no periódico estadunidense Geographical Review da The American Geographical Society: Emory Ross, The climate of Liberia and its effect on Man (1919); Gruffith (sic) Taylor, The settlement of tropical Australia (1919); Mark Jefferson, An American colony in Brazil (1928); Dunlop, Queensland and Jamaica (1926), assim como, nas obras de Ellsworth Huntington, Civilization and climate (1923); Aldo Castellani, Climate and acclimatization (1931); Courcy Ward, The problem of white acclimatization in the tropical regions (1930); Germano Correia, Les luso-descendants de l'Inde Portugaise, Goa (1928) e Les luso-descendants de l'Angola, Nova Goa (1930); Bento Carqueja, O povo portugués (1916); Robert Michels, Lavoro e razza (1924); C. C. Carlson e Fred A. Huntington, Environmental Basis of Social Geography Hardcover (1929); e Lucien Cuénot, L ́adaptation (1925).
[14] De maneira mais detalhada: “Os nossos tipos hão de surgir da observação prévia da nossa população ao norte, ao centro e ao sul, na região da costa e na região do sertão. Obtida a discriminação deles pelo processo preliminar da observação, só então estes "tipos" deverão ser tratados antropometricamente, isto é, estudados nos seus característicos morfológicos e, depois, biotipológicamente, isto é, nas suas características funcionais; de maneira a determinar os "tipos constitucionais" mais frequentes em cada um deles e, portanto, as modalidades mais características da sua fisiopsicologia (...) [E complementa] em síntese: adotando este método para o estudo antropológico da nossa população, teríamos que isolar: a) os tipos negros, descendentes dos que vieram com as importações africanas do período imperial; b) os tipos aborígines (que de modo algum podem ser unificados num só tipo, o mongólico); c) os tipos brancos que, pelo menos, devem apresentar aqui as quatro ou cinco modalidades que apresentam na Europa; d) os mestiços de vários tipos, elaborados nestes quatrocentos anos de mestiçagem intensa, representando os resultados-sínteses da ação combinada da hereditariedade e da seleção mesológica." (VIANNA, 1959[1932], p. 65-67).
[15] Baseados em estatísticas que demonstravam o aumento da população branca em detrimento do declínio da negra, indígena e mestiça, vários "homens de ciência" vinham fazendo séries de projeções sobre o "branqueamento" da nação. Certamente o mais famoso foi o realizado pelo diretor do Museu Nacional, o antropólogo João Batista de Lacerda. Ao apresentar suas investigações como representante oficial brasileiro durante o I Congresso Internacional das Raças (LACERDA, 1911), concluiu, “otimista”, que em 100 anos, como demonstravam os números, a população brasileira seria praticamente composta por brancos.
[16] Esses autores ressaltam que Vianna estava deslocado no tempo, que suas proposições emergiam enquanto na Europa esse tipo de leitura racista entrava em descrédito, contudo, devemos pontuar que a bibliografia utilizada por Vianna era o que havia de mais novo e atual da ciência à época. Isso nos dá indício de que a produção de discursos científicos racilistas não cessou tão rapidamente, talvez tenha deixado de ser hegemônico, contudo continuaram surgindo, principalmente em países colonialistas e imperialistas, como os Estados Unidos, fonte de onde fartamente Vianna bebeu.
[17] Por exemplo, Franz Boas (1966), que possuía formação básica em Geografia, desenvolveu uma teoria que ficou conhecida como "relativismo cultural". Essa perspectiva afirma que todos os seres humanos são naturalmente iguais, que o comportamento se desenvolve no contexto de aprendizagem social e que as sociedades podem ser melhor compreendidas através da observação imparcial. Suas ideias trouxeram uma mudança profunda para o estudo antropológico e alimentou o seu subsequente ativismo pela igualdade racial e de gênero.
[18] As obras citadas são: Melville J. Herskovitz, The American Negro (1928); Robert Park, Human migration and marginal man (American Journal of Sociology, Maio, 1928, p. 891-893); e Franz Boas, Changes in the bodily form descendants of immigrants (1910).
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