PESQUISA EM ENSINO DE GEOGRAFIA: ANÁLISE DOS EVENTOS DA GEOGRAFIA CAPIXABA

RESEARCH ON GEOGRAPHY TEACHING: ANALYZING THE 'CAPIXABA' MEETINGS OF GEOGRAPHY

RECHERCHE SUR L'ENSEIGNEMENT DE GEOGRAPHIE : UN REGARDE SUR LES RÉUNIONS DE LA GÉOGRAPHIE «CAPIXABA»

TIAGO DALAPICOLA
Instituto Federal do Espírito Santo, Brasil
REGINA DE MARCHI LYRA OLIVEIRA
Instituto Federal do Espírito Santo, Brasil

PESQUISA EM ENSINO DE GEOGRAFIA: ANÁLISE DOS EVENTOS DA GEOGRAFIA CAPIXABA

GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 9, núm. 19, 2018

Universidade Federal do Ceará

Recepção: 27 Maio 2018

Aprovação: 04 Agosto 2018

Resumo: O artigo trata da inserção de conteúdos pertinentes ao ensino da Geografia nos Encontros Capixabas de Geógrafos, na esteira do ressurgimento da seção local da Associação dos Geógrafos Brasileiros naquele estado. Embasou-se, para tal, em análise documental e revisão de literatura sobre a importância da pesquisa para a formação docente. A pesquisa concluiu que embora na altura da organização dos quatro eventos realizados a carreira na licenciatura fosse a modalidade mais buscada e com maior oferta de vagas nos cursos de Geografia do estado, o tema do ensino foi inserido nas grades de programações de forma residual e subrepresentado.

Palavras-chave: Professor-pesquisador, Ensino, Formação de professores.

Abstract: The article deals with the insertion of contents pertinent to the teaching of Geography in the 'Capixaba' Meetings of Geography, in the wake of the resurgence of the local section of the Association of Brazilian Geographers in that state. It was based, for such, in documentary analysis and literature review on the importance of the research for teacher training. The research concluded that by the time of the organization of the four events held, althought the career of teacher was a most sought modality and with greater offer of vacancies in the courses of Geography of the state, the subject of teaching was inserted in the events as residual and underrepresented.

Keywords: Teacher-researcher, Teaching, Teacher training.

Résumé: L'article traite de l'insertion de contenus relatifs à l'enseignement de la géographie dans les réunions des géographes 'Capixabas', à la suite de la résurgence de la section locale de l'Association des géographes brésiliens dans cet État. Il était basé, pour ce faire, sur l'analyse documentaire et la revue de littérature sur l'importance de la recherche pour la formation des enseignants. La recherche a conclu qu'au moment de l'organisation des quatre événements se tenait, bien que la carrière d'enseignant était une modalité plus recherchée et avec une plus grande offre de postes vacants dans les cours de Géographie de l'état, le sujet d'enseignement était inséré dans le les événements comme résiduels et sous-représentés.

Mots clés: Enseignant-chercheur, Enseignement, Formation des enseignants.

INTRODUÇÃO

O mês de maio do ano de 1999 marcou a geografia capixaba. Depois de anos de paralisação, foi formalizada a retomada das atividades da Seção Vitória da Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) com a eleição da primeira diretoria após a reestruturação iniciada em maio de 1999, na plenária de encerramento da Semana do Geógrafo promovida pelo Departamento de Geografia da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)[1].

Nessa ocasião foi eleita a “Comissão Pró-AGB Vitória”, com o intuito de reorganizar a entidade, cumprindo determinados procedimentos que sustentariam a credibilidade dessa ação da AGB junto a comunidade geográfica local e nacional e consequentemente perante a sociedade capixaba.

Assim, em maio de 2000 foi realizado o 1° Encontro Estadual de Geografia (EEG), uma parceria entre AGB Vitória e Departamento de Geografia da UFES. Ao final desse Encontro foi aprovada a proposta de realização bianual dos mesmos.

Dessa forma, o município de Colatina sediou o EEG em 2002, Linhares em 2004 e Cachoeiro do Itapemirim em 2006. Todos esses municípios possuíam instituições de ensino superior que ofertam o curso de Geografia.

Considerando que os EEG’s se traduziam como maior evento da Geografia capixaba, e que alcançaram uma certa maturidade, tendo apresentado uma trajetória sólida e acúmulos expressivos, o presente artigo investigou e analisou a questão da inserção do Ensino de Geografia neles.

Por terem sido organizados com uma estrutura programática flexível entre as edições, diferentes instâncias de discussão serão abordadas – mesas-redondas, eixos temáticos para apresentação de trabalhos, minicurso, oficinas, conferências, exposição de painéis – que não estiveram presentes necessariamente na programação de todas as edições.

Os resultados podem vir a contribuir para reflexões e estabelecer possíveis metas na formulação das diretrizes da AGB Vitória, de modo que o Ensino de Geografia tenha seu papel valorizado dentro de espaços como os EEG’s.

Atualmente existem três cursos de Geografia presenciais em todo o Espírito Santo – em Colatina (o mais antigo e mantido por uma instituição privada), em Vitória, na Universidade Federal do Espírito Santo, e mais recentemente no Campus Nova Venécia do Instituto Federal do Espírito Santo. A essência da formação acadêmica em Geografia neles é dominada pela Licenciatura, comprovada pelo número superior de alunos graduandos cursando disciplinas em Licenciatura invés do Bacharelado, no caso da UFES, (tão maiores são as possibilidades de inserção no mercado de trabalho por esta via) ou visto que os demais cursos oferecidos nem mesmo dispõe da modalidade de Bacharelado.

Ocorre que esse contingente não desenvolve (ou desenvolve pouco) trabalhos acadêmicos direcionados as práticas, experiências e teorias do ensino em Geografia, sendo ponto crucial do artigo destacar essa problemática: o número elevado de profissionais formados em Licenciatura, que ao longo de sua carreira acadêmica insuficientemente desenvolveram trabalhos e quase não tiveram acesso a produções cientificas vinculadas ao ensino em Geografia.

Como elementar nessa reflexão, tais produtos do saber geográfico são relevantes tanto na formação do Geógrafo quanto do professor de Geografia. Toda a prática desenvolvida e conhecimento adquirido devem ser repassados, em favor do desenvolvimento da ciência geográfica e de melhorias na qualidade do ensino da disciplina.

PESQUISAR PARA FORMAR

A importância dos saberes docentes como objeto de estudo ainda é pouco abordada nas pesquisas em educação. Ludke (2001) argumenta que esse descaso existe em virtude das dificuldades que enfrentam quem se decide a estudá-lo, dada à pluralidade da sua composição e a falta de consenso até mesmo sobre sua conceituação.

São inúmeros os conceitos sobre pesquisa, e nem os próprios estudiosos ainda não chegaram a um consenso sobre o assunto. Segundo Booth (2000, p. 11) pesquisar ‘é simplesmente reunir informações necessárias para encontrar resposta para uma pergunta e assim chegar à solução de um problema’. Ander-Egg (1978, p. 32) vai além; para ele a pesquisa é um “procedimento reflexivo sistemático, controlado e critico que permite descobrir novos fatos ou dados, relações ou leis, em qualquer campo do conhecimento”.

Para se realizar uma pesquisa é preciso promover o confronto entre os dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e o conhecimento teórico acumulado a respeito a respeito dele. Em geral isso se faz a partir do estudo de um problema, que ao mesmo tempo desperta o interesse do pesquisador, mas limita sua atividade de pesquisa a uma determinada porção do saber (LUDKE; ANDRÈ, 1986).

Em relação à pesquisa, a formação e competência no ambiente universitário estão além da relação teórica sistemática que é enraizada não apenas nessa esfera, mas como em todos os parâmetros educacionais. É relevante que na formação do profissional da educação haja a correlação mútua entre a parte teórica com a prática da formação docente, pois a profissão de professor acarreta a combinação sistemática dos eventos teóricos com situações práticas. A grande conquista está em superar não apenas a dicotomia entre as bases teóricas com as práticas aplicadas, mas pensar a separação existente entre o ensino propriamente dito com a pesquisa no interior das universidades e instituições voltadas para a formação docente.

Conforme os autores que temos como referencial Demo (1996), André (2004), Libâneo (2001) e Schön (1983) a atualidade encontrada nos cursos de licenciatura é distinta em relação a décadas atrás. A desvalorização do profissional diante de baixos salários, a precária formação e a falta de um plano de carreira são fatores, dentre outros, que contribuem para a mistificação de que as licenciaturas adquiriram um “status” menos acadêmico em relação ao bacharelado, pois está voltada ao ensino tido como menos “nobre” (LIBÂNEO, 2001), talvez essa dinâmica seja responsável pelo reflexo que destaca o desinteresse da formação e iniciação dos pesquisadores e das pesquisas nos últimos anos por questões relacionadas à prática de ensino?

Essa indagação persiste diante desse quadro, a realidade profissional do docente é apenas difundida, na maioria dos casos, após a sua formação teórica, posteriormente aos semestres referentes ao seu período de academia, recaindo no estereótipo de que a formação não é importante na vida do professor, que apenas a prática ao longo de muitos anos levará a “perfeição” da prática em sala de aula.

No ambiente acadêmico normalmente se exalta o aspecto teórico, posicionando-se longe da prática; as denominadas aulas copiadas que ensinam apenas a copiar são um exemplo desse retrocesso para a prática do ensino. Se não há questionamento, na há produção, se não há produção não há socialização das práticas.

Dessa forma, destacamos a importância dos métodos científicos na formação docente. Um dos autores que mais tem defendido a importância da pesquisa na formação / ação do professor é Schön (1983), que destaca o papel da pesquisa na reconstrução social. Sua análise propõe a discussão da complexa relação entre o professor e a pesquisa; seus estudos têm procurado aprofundar o entendimento dessa relação, em termos de prática, de formação e de reconhecimento.

A partir da proposta de Schön (1983), do professor prático-reflexivo, a importância da pesquisa no trabalho e desenvolvimento do professor tem sido muito discutida, assumindo caráter formador na vida do docente. Para o autor, a visão do pesquisador surge como aquele que exerce a atividade de buscar reunir informações sobre um determinado problema ou assunto e analisá-las, utiliza o método científico com a intenção de aumentar o conhecimento de determinado assunto ou até mesmo descobrir algo novo.

Outro pertinente pensamento acerca da discussão está presente nas obras de André (2004) que destaca o histórico do desfavorecimento da pesquisa na formação docente. Segundo o autor, “o movimento em prol da utilização da pesquisa na formação do professor, ganha força no final dos anos 80 e tem um grande crescimento na década de 90”.

Na conjuntura dos pensadores que apoiam a pesquisa com instrumento de formação, existem diversas correntes que tomam posições distintas sob a ótica do pesquisar para formar; dessas ramificações existe um grupo que defende a ideia de que a atividade de ensinar é distinta da atividade de pesquisar e devem ser desenvolvidas em formações diferentes, como os que afirmam que: “o professor e o pesquisador têm trajetórias profissionais distintas e, portanto, a formação desses profissionais deve estar voltada para o desenvolvimento de competências compatíveis com o exercício de cada uma dessas funções” (SANTOS, 2004).

Por outro lado, há aqueles que são defensores da pesquisa como elemento essencial no trabalho docente e, consequentemente, nesta visão, os cursos de formação docente devem voltar seus currículos para a preparação dos professores para o exercício dessa atividade (SANTOS, 2004).

Independentemente da visão acerca do “pesquisar” sabe-se que o curso de graduação não é suficiente para qualificar a formação do professor, mas apesar de sua importância e de não poder ser ignorada por aqueles que querem entender o professor, equacionar FORMAÇÃO apenas com a educação recebida em instituições formadoras não permite uma boa caracterização do saber docente. A pesquisa como ato de formação é fundamental para a estipulação e construção do saber docente nos seus diversos parâmetros, porém a falta de incentivo e estrutura, na maioria das instituições de ensino, leva à estagnação científica que é carregada pelos profissionais da educação ao longo de suas carreiras.

O PAPEL DAS UNIVERSIDADES NA FORMAÇÃO DOCENTE

Nota-se nas universidades a preocupação com a formação do professor para a pesquisa mais evidente no discurso do que na prática. As instituições de Ensino Superior continuam efetivamente priorizando a formação do bacharelando como a de pesquisador. Igualmente a pesquisa realizada na universidade não é, em geral, caracterizada por uma preocupação clara com os problemas da escola básica. Além disso, ainda há autores como Hammersley (1993) que defendem a distinção entre ensino e pesquisa, acreditando que a atuação concomitante das duas funções pode ficar comprometida para ambos. Há o risco de reforçar a supremacia da pesquisa sobre o ensino e o prejuízo que pode recair, tanto para o ensino, quanto para a pesquisa.

Apesar dos limites e da falta de uma política governamental de valorização do magistério, é preciso reconhecer que há condições para a realização de pesquisas no meio acadêmico, mas também é preciso reconhecer a falta de clareza sobre que pesquisa poderia ser considerada indicada, para responder às necessidades sentidas pelos professores e assim contribuir para o crescimento do seu saber e suas práticas.

A pesquisa realizada na universidade poderia ser mais valorizada diante da aceitação de uma nova conceituação referente da pesquisa do professor, que lhe atribuísse a um estatuto epistemológico legítimo, ajudando assim a própria universidade a ampliar seus horizontes, envolvendo temas e abordagens metodológicas mais próximas dos problemas da Educação e Sociedade, no qual são mais vividos por alunos e professores, podendo assim contribuir de forma mais efetiva para o desenvolvimento do saber docente.

Diante dessa reflexão o autor Pedro Demo defende o papel da universidade como ambiente favorável ao professor – pesquisador desenvolver suas teorias e práticas educacionais. Segundo Demo (1996, p. 36) “se na escola o professor não precisa ser um profissional da pesquisa já que é um profissional da educação pela pesquisa, na Universidade pesquisa é profissão.”

As consequências da falta de um real incentivo a produção diante da formação acadêmica reflete durante os cursos, a grande dificuldade de alunos universitários no ato de pesquisar, teorizar práticas, tratar dados e apresentar projetos, isso poderá acarretar a formação de um mercado negro no qual é responsável pela indústria de confecção de trabalhos acadêmicos de final de curso sob encomenda.

Nessa situação, é preciso que a universidade reconheça a importância da pesquisa para a difusão do conhecimento e a considerasse no sistema de valores que rege as carreiras e a produção científica, que seja a primeira instância que desenvolva o real incentivo no ato de pesquisar. Quanto aos professores, sua formação para a pesquisa deveria superar um acentuado "formalismo metodológico", presente nos cursos de graduação. Para isso, muito contribuiria a pesquisa colaborativa, ao reunir os dois polos docentes (da universidade e da escola), devendo contar com o reconhecimento oficial das instituições universitárias e escolares, como já é desenvolvido em alguns currículos em Licenciatura com os estágios supervisionados.

Referente aos anos de formação acadêmica, Demo (1996) relata o professor como o profissional da educação no qual tem o papel primordial de um pesquisador e propõem uma série de desafios diante da pesquisa para o professor, que devem ser agregados não apenas na universidade mas durante toda a sua vida profissional, práticas como: a construção do próprio projeto pedagógico, construção de textos científicos próprios, (re)construção do material didático e incitação para as inovações de práticas didáticas.

É importante ressaltar que de modo geral, cria-se em relação à pesquisa, uma expectativa de que vá resolver todos os problemas da educação e, se isso não acontece, é o professor pesquisador, que passa a ser o culpado. O incentivo da prática de pesquisa acarreta a diversas contribuições para o profissional da educação, mantém o individuo em um hábito de constante investigação, domínio em um determinado assunto no que condiz a focalização científica, contra-leitura das referências teóricas e o acompanhamento dos avanços científicos além da socialização dos trabalhos em participações de eventos científicos. O profissional qualificado e atualizado diante de sua pesquisa gera diversas inovações em suas práticas didáticas contribuindo com extrema relevância ao combate sistêmico do fracasso escolar.

Para os professores transformarem o ensino, é necessário que reflitam, participem do debate e da reconstrução que reflitam, participem do debate e da reconstrução dos métodos de ensino. As investigações incentivadas nas universidades são ações que podem constituir, em um ferramental pelo qual os professores podem reconstruir seu conhecimento profissional, produzindo discursos articulados à prática, aos seus problemas e necessidades.

O papel do professor-pesquisador, desde sua formação, deve estar relacionado ao contexto e às práticas pedagógicas e de ensino. Assim, a ação reflexiva sobre a prática docente e a importância da utilização da pesquisa para tal terá sentido e é de fundamental importância, pois é daí que o professor-pesquisador, no espírito de investigação, poderá avaliar-se e terá a condição de modificar suas ações, podendo assim fazer jus a grande responsabilidade que lhe é atribuída.

A realização da investigação-ação é um processo pelo qual os professores / formandos podem concretizar a capacidade de questionamento critico, com o intuito de melhorar a racionalidade e a justiça de suas próprias práticas. É necessário criar condições para que os professores / alunos investiguem, indaguem, questionem e produzem explicações sobre o ensino como prática social.

A partir do momento que se desenvolve a importância de se investigar para a geografia e não sobre a geografia, torna-se imprescindível entre a formação de professores e a pesquisa, o estabelecimento de um vínculo que compreenda a realidade e seu contexto, questionando as razões, as possibilidades e as dificuldades que se colocam à sua razão e, sobretudo, socializando todas essas descobertas através da divulgação em eventos científicos.

MOMENTOS DE SOCIALIZAÇÃO: EXPOR, DIALOGAR E REFLETIR

A preparação do investigador e o exercício da pesquisa continuam privilégios da universidade? A pesquisa continua a ser a moeda mais valiosa na contabilidade da carreira do professor universitário? Como aproximar a pesquisa em educação das duas realidades que lhe dizem respeito: a da universidade, onde ela é habitualmente feita, e a da escola de educação básica, onde ela é requisitada para atender os problemas mais vitais?

Eis aí o desafio hoje enfrentado por inúmeros colegas, pesquisadores que procuram descobrir os caminhos para superar os obstáculos e construir as pontes entre essas duas realidades. A pesquisa efetuada na universidade beneficia-se dos recursos e da preparação dos pesquisadores, que exercem essa atividade como própria de seu “status” e de suas atribuições. Entretanto, temos que reconhecer a falta de produtividade, ou mesmo de alcance da pesquisa universitária junto à escola básica e o meio acadêmico, essa é a evidência de que os professores dessas escolas estão mais habilitados, pois vivenciam a realidade, podendo assim, perceber melhor os problemas cruciais que afligem esse nível de ensino. Ao mesmo tempo, esses professores, que foram formados pela universidade, deveriam ter recebido ali sua devida iniciação à pesquisa, para poderem se desenvolver plenamente como profissionais autônomos, na melhor acepção do termo "profissional", por mais discutível que reconheçamos que ele seja.

Esse parâmetro complexo é reflexo do teor da produção cientifica, o que temos discutido até agora no presente artigo, atribuído a importância da pesquisa e sua fundamentação prática na formação de profissionais da educação. Mas o ponto relevante a ser discutido seria o momento no qual essa produção deve ser socializada no meio cientifico como forma de atingir diversos segmentos que possibilitaram uma reflexão acerca do assunto.

Neste caso, os EEG’s promovidos pela Associação de Geógrafos do Brasil (AGB-ES) são por excelência fonte de socialização dos trabalhos da ciência geográfica em nosso Estado, tais momentos são fundamentais, para expor, dialogar e refletir as novas e possíveis conceituações oriundas das pesquisas, realizadas ou em andamento.

Tais eventos não deveriam ter sido o ponto final da realização das pesquisas; ao contrário, deveriam ter sido o fator primordial para a permanente recuperação da competência científica, no qual a pesquisa poderá agregar novas perspectivas ou componentes interessados em mantê-las em desenvolvimento.

Eventos de socialização do conhecimento, como seminários, congressos e conferências são momentos distintos para incitar alguns questionamentos pertinentes e úteis, alem de ativar o contato com novas propostas ou autores interessados nas respectivas linhas de pesquisas.

A maioria dos profissionais da educação sente extrema dificuldade de desenvolver pesquisas justamente pela falta de um foco, ter um tema predileto não é reflexo de incompetência, pois não se pode ter o domínio de todos os assuntos, essa focalização sistêmica, que se atribui ao domínio e dedicação de um assunto específico, que é responsável por gerar nos encontros a subdivisão das apresentações em eixos temáticos referentes aos trabalhos científicos desenvolvidos que abrange diversos temas e assuntos.

Sendo assim o artigo cartografou as produções em Ensino de Geografia tendo como referencial os EEG’s realizados pela AGB/ES, com a intenção de refletir acerca da produção acadêmica, tentando perceber qual a produção realizada, onde o profissional da educação atua na realização de pesquisas, e até onde a ciência geográfica influencia e é direcionada para a prática de ensino em Geografia.

OS ENCONTROS CAPIXABAS DE GEÓGRAFOS

Demonstrada a problemática que trazemos à tona no artigo e a importância de sua inserção na formação inicial/continuada de professores, foram levantadas informações sobre eventos nos quais foram disponibilizados espaços para sua socialização, particularmente o ensino em geografia. Entretanto, por uma opção metodológica, o foco foi os EEG`s, em função da disponibilidade de dados e a sequência com que foram realizados.

Por meio de uma pesquisa documental, favorecida pelo acesso a relatórios, encartes, programações de eventos e atas de reuniões, estão evidenciadas no artigo quais foram as discussões que aconteceram nesses encontros relativos ao Ensino de Geografia. Detectar a evolução dessa produção e esmiuçar o tratamento dado a questão do ensino de Geografia pela AGB Vitória, de modo que se possa contribuir para futuras diretrizes que venham ser elaboradas pela entidade para tão importante ramo da Geografia foram igualmente metas do elaborado. Uma sugestão para eventuais desdobramentos futuros da pesquisa é analisar em quais categorias se inserem as produções relativas ao ensino de Geografia cartografadas (relatos de experiência, formação profissional em Geografia, propostas metodológicas para o ensino, etc).

I ENCONTRO ESTADUAL DE GEOGRAFIA

O evento aconteceu em Vitória, a partir de uma parceria entre a seção local da AGB e o Departamento de Geografia da UFES, entre os dias 25 e 29 de maio de 2000. Reuniu aproximadamente 200 participantes entre profissionais de Geografia que atuam em várias áreas, mas em sua grande maioria professores de ensino fundamental e médio, e estudantes.

Em sua programação, esse evento contou com conferência, minicursos e oficinas, Sessão de painéis, Grupos de Trabalho Temáticos, mesas redondas, palestra, e a plenária final. Vários destes itens discutiram questões pertinentes ao ensino de Geografia.

1) Minicursos e oficinas (ver Quadro 1):

Relação de minicursos e oficinas
Título Ministrante
“Cosmografia no ensino de Geografia” Luiz Henrique de Souza Gomes (monitor do Observatório Astronômico –PMV/UFES)
“Biogeografia para o ensino de Geografia” Profº Msc. Cláudia C. do Valle
Elaborado pelo autor.

2) Grupos de Trabalho Temáticos: tiveram por função apresentar atividades de pesquisa em andamento e atuação profissional, tais como experiências didáticas, e atividades técnicas. Houve três grupos de Trabalho no Encontro: Violência, Educação e Eucaliptocultura. O GT da educação discutiu o engajamento da entidade na luta pela defesa da escola pública e na necessária maior inserção e participação dos professores na entidade. O GT chegou a conclusão que precisaria formar uma comissão dentro da entidade, com várias pessoas, para criar estratégias de como chegar até as escolas, criar um banco de informações sobre o ensino de Geografia, e propor debates e maior atuação do profissional do ensino em geografia nas questões que lhe cabe, como da qualidade do ensino, o vestibular, etc.

3) Mesas redondas: foram realizadas duas mesas redondas, sendo que uma intitulada “O profissional da Geografia: formação, práticas e aspectos legais” tendo como debatedores o Prof. Me. Eduardo Schiavone Cardoso (USP), o Prof. Me. Willian Rosa Alves (UFMG/AGB Nacional), o Prof. Me. Antônio Celso de Oliveira Goulart (FAFIC) e um representante do CREA-ES.

Na plenária final foi avaliada a possibilidade da ampliação da inserção da AGB no conjunto do professorado (inclusive empenhando esforços institucionais para sua dispensa do trabalho e assim viabilizar a participação em eventos do gênero).

II ENCONTRO ESTADUAL DE GEOGRAFIA

O II EEG foi realizado em Colatina, noroeste do Espírito Santo, em parceria da AGB Vitória com as Faculdades Integradas Castelo Branco (antiga Fafic – Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Colatina), no período entre 06 e 08 de setembro de 2002. Seu tema foi: “Políticas territoriais e Geografia capixaba: assim se passaram 45 anos”.

Neste evento, questões relativas ao ensino de nossa ciência estiveram presentes nas Comunicações Coordenadas e em mesa redonda. Dos 29 trabalhos inscritos para serem apresentados nas Comunicações Coordenadas, apenas 7 (23,5%) eram relacionados ao ensino de Geografia (ver Quadro 2).

Quadro 2 - Relação de Trabalhos
Autor Título Instituição
ElkaS. Domingues A caravana da Geografia: a geografia é mais uma disciplina apenas informativa, descritiva ou enciclopédica? UFES
Thiago de Alencar Silva / Luiza L. Bricalli A realização do trabalho de campo e sua contribuição ao entendimento das categorias de análise da Geografia: paisagem, região, lugar e espaço UFES
Regina Frigério/ Tânia C. N. Silva Ensinar Geografia com os contos infantis UFES
Alunos do 2º ano de Geografia (Ficab) Experiência didática-pedagógica: o trabalho de campo como experiência de interdisciplinaridade na formação do profissional de Geografia FICAB
José A. Laurindo, Divaldo A. Santos, Falkner S. Gomes, Vecernílson Vieira, Júlio C. Rocha O uso da propaganda como ferramenta para o ensino de Geografia UFES
Marcelo Scabelo Televisão, cotidiano e Geografia: o uso do Big Brother Brasil como proposta pedagógica na leitura crítica do espaço UFES
Adriano Batista Uma experiência com a Geografia escolar: aprendendo a superar dificuldades de aprendizagem UFES
Elaborado pelo Autor.

Apenas uma entre as cinco mesas redondas referia-se ao ensino. Era intitulada “O Ensino da Crise ou a Crise do Ensino. A reminiscência do discurso e a realidade da educação geográfica no Brasil”. A mesa foi coordenada pela geógrafa Marilda Maracci (Unilinhares), e composta por Artur Viana (Sindiupes – Sindicato dos Trabalhadores na Educação do ES), Profª. Dra. Gisele Girardi (UFES), Profª. Msc. Marisa Valladares (UFES), José Pereira de Queiroz Neto (USP).

III ENCONTRO ESTADUAL DE GEOGRAFIA

Tal encontro teve sede no município de Linhares, centro-norte do estado. Seu tema era “Desenvolvimento Territorial do Espírito Santo: críticas e propostas da Geografia Capixaba”. Foi realizado no período de 03 a 07 de setembro de 2004, numa parceria entre a AGB-ES e a Faculdade Unilinhares.

Neste evento, o ensino de Geografia foi discutido em uma Mesa-redonda, intitulada “Epistemologia, ensino e pesquisa: a Geografia que se vive e a Geografia que se produz”, tendo como Coordenador o Profº Msc. Antonio Celso de Oliveira Goulart, e como debatedores Claudinei Lourenço (UFMG), Marcos Antonio Campos Couto (UERJ), Marisa Terezinha Rosa Valladares (UFES) e Tony Vinícius Sampaio (Faculdade São Camilo).

Houve ainda Mostra Científica com exposição de painéis. Entretanto, numa consulta aos trabalhos apresentados, verificou-se que nenhum era referente ao ensino.

IV ENCONTRO ESTADUAL DE GEÓGRAFOS

O quarto e último EEG ocorreu em Cachoeiro de Itapemirim, sul do Espírito Santo, entre 12 e 15 de outubro de 2006, numa parceria entre a AGB-ES e o Centro Universitário São Camilo. Seu tema foi “Tensões e intenções territoriais: a diversidade de saberes e a organização espacial do Espírito Santo”.

A programação voltada especificamente para o ensino se deu através de um eixo temático para apresentação de trabalhos. O eixo foi denominado “Ensino e Produção do conhecimento geográfico” sendo um dos seis que compuseram os Espaços de Diálogos. Das 28 pesquisas apresentadas, 8 (28,5%) referiam-se ao ensino de geografia. Segue o Quadro 3 com mais detalhes:

Quadro 3 - Relação de Trabalhos
Autor Título Instituição
Andreone M. Magalhães; Júlio de S. Santos; Jussara N. Salles; Ludmilla de O. Melo; Wanessa C. Martins A aplicação da geografia na educação do campo: um estudo da percepção do espaço vivido e percebido dos alunos do Assentamento de Nova Esperança em Aracruz-ES UFES
Áureo Teixeira Júnior Educação Ambiental em Áreas Urbanizadas: O exemplo do Parque da Fonte Grande UFES
Cyntia S. Gonçalves; Frederico C. Holanda; Máris-Anandréia dos Santos; Patrício B. Fiorim Educação Ambiental: encontro entre teoria e prática UFES
Fernando Mieis Caus; Wanildo Menezez D’Alva P.dos Santos; Vilmar José Borges Limites e possibilidades para o ensino de geografia em escolas de nível médio do espírito santo: a visão docente em questão UFES
Helton Andrade Canhamaque; Júlio de Souza Santos; Tiago Dalapicola Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária: a Educação de Jovens e Adultos nos assentamentos e acampamentos rurais do ES UFES
Idelvon da Silva Poubel Paisagens do entorno e do cotidiano escolar: um desafio para práticas docentes em educação ambiental UFES
Lidiana E. Lepaus; Edinéia C. Lira; Elizete da N. Moreira; Wilson P. da Silva O cotidiano da sala de aula e o ensino de Geografia: novos olhares, diferentes linguagens UFES
Lidiana E. Lepaus; Edinéia C. Lira; Elizete da N. Moreira; Wilson P. da Silva O papel do professor de geografia no desenvolvimento das habilidades lingüísticas dos alunos UFES
Fonte: elaborado pelo autor.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Se na Geografia brasileira há um incontestável número de eventos e uma grande variedade de áreas exploradas, tendo até mesmo aqueles especificamente voltados para o Ensino (Fala Professor, por exemplo) no Espírito Santo a realidade não é a mesma. Dos outrora quatro antigos cursos de Geografia mencionados anteriormente, restam apenas dois. Os outros dois que fecharam sucumbiram à concorrência dos cursos à distância. Oportunamente, o Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) em seu campus do município de Nova Venécia e com a retaguarda do poder público, abriu o curso na modalidade licenciatura, fazendo com que agora existam três cursos no estado em seu total.

Demonstrou-se no artigo a importância da participação em eventos e da socialização de experiências; outrossim, ficou evidente como dentro da geografia capixaba o Ensino ocupou um papel secundário nas programações de eventos e consequentes discussões, embora a licenciatura seja a área de maior interesse e com maior saída para o mercado de trabalho.

O cenário colocado suscita reflexões sobre a formação do professor de Geografia, o papel que ele ocupa dentro das demais licenciaturas, a igualdade no acesso às oportunidades entre outras questões tão caras ao sucesso profissional e desenvolvimento de um bom trabalho em sala de aula. E para além disso, qual o papel institucional (AGB, universidades públicas e privadas, secretarias de educação, etc) em auxiliar e prover as demandas que se fazem necessárias?

Por último, mas não menos importante, uma questão incômoda, mas necessária – em qual medida o cenário descrito no estado do Espírito Santo não se replica em outros entes (estados e municípios) do restante do país? Quais levantamentos foram/tem sido feitos no sentido de diagnosticar as lacunas aqui observadas, para a partir disso pensar, planejar, implementar, executar e monitorar soluções para a questão?

A essência de tudo o que o artigo discute é que a boa formação do professor (e tratamos um dos canais através dos quais ela pode ser adquirida, mas não o único) impacta diretamente na sociedade, já que ao garantir ao aluno o direito à uma formação estudantil e cidadã, este terá subsídios para melhor se inserir no mundo em que vive.

Referências

ANDER-EGG, E. Introducción a las técnicas de investigación social: para trabajadores sociales. 7a edição. Buenos Aires: Humanitas, 1978.

ANDRÉ, Marli. Pesquisa, formação e prática docente. In: (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas, SP: Papirus, 2004.

BOOTH, Wayne.C; GREGORY, G.C; WILLIANS, J.M. A arte da pesquisa. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DEMO, Pedro. Educar pela pesquisa. São Paulo: Autores Associados, 1996.

LIBANEO, Jose Carlos. Adeus professor, adeus professora? : novas exigências educacionais e profissão docente. 5. ed. Cortez: São Paulo, 2001.

LUDKE, Menga. O professor, seu saber e sua pesquisa, Revista Educação e Sociedade, v.22 n. 74. Campinas: 2001. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/es/v22n74/a06v2274.pdf Acesso em 17 mai. 2017.

LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli E. D. A. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986.

HAMMERSLEY, H. A. On the teacher as researcher. In: HAMMERSLEY, M. (org.) Educational research: current issues. Londres: The Open University, 1993. p.211-231.

SANTOS, L. C. P. Dilemas e perspectivas na relação entre ensino e pesquisa. In: ANDRÉ, M. (Org.). O papel da pesquisa na formação e na prática dos professores. Campinas: Papirus, 2004.

SCHÖN, D.A. The reflective practitioner: How professionals think in action. New York: Basic Books, 1983.

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por