Resumo: Os globos virtuais estão possibilitando uma nova forma de ver o planeta Terra para pessoas, sejam elas leigas ou instruídas em áreas científicas. Para os geomorfólogos essas imagens apresentam-se como uma ferramenta de análise das formas de relevo, seja para obter dados de reconhecimento de paisagens ou mensurar, preliminarmente, variáveis qualitativas e quantitativas. Este artigo objetiva avaliar o potencial do software Google Earth na análise de canais fluviais a partir de uma perspectiva ambiental qualitativa do riacho de Vila Maria, na periferia da cidade de Garanhuns-PE. Esta avaliação se baseia na identificação do estilo fluvial do referido riacho. Este um canal de cabeceira, com vale parcialmente confinado, carga de leito com granulometria média e curso com tendência a retilineidade. A metodologia permitiu a obtenção de resultados preliminares satisfatórios.
Palavras-chave:Google EarthGoogle Earth, Canais de cabeceira Canais de cabeceira,Riacho de Vila MariaRiacho de Vila Maria.
Abstract: The virtual globes are enabling a new way of seeing the planet Earth. For the geomorphologists these images are presented as a tool to analyze the landforms, to obtain data of landscape recognition or to measure, preliminarily, qualitative and quantitative variablesThis article aims to evaluate the potential of the Google Earth software in the analysis of fluvial channels from a qualitative environmental perspective of the Vila Maria stream, in the outskirts of the city of Garanhuns-PE. This evaluation is based on the identification of the fluvial style of this creek. This one is a headwater streams, with partially confined valley, bed load with medium granulometry and course with tendency to straightness. A methodology allowed to obtain satisfactory preliminary results.
Keywords: Google Earth, Headwater streams, Creek of Vila Maria.
Resumen: Los globos virtuales están posibilitando una nueva forma de ver el planeta Tierra. Para los geomorfólogos estas imágenes se presentan como una herramienta de análisis de las formas de relieve, ya sea para obtener datos de reconocimiento de paisajes o medir, preliminarmente, variables cualitativas y cuantitativas. Este artículo objetiva evaluar el potencial del software Google Earth en el análisis de canales fluviales desde una perspectiva ambiental cualitativa del riacho de Vila Maria, ubicado en la periferia de la ciudad de Garanhuns-PE. Esta evaluación se basa en la identificación del estilo fluvial del referido Arroyo. Éste es un canal de cabecera, con valle parcialmente confinado, carga de lecho con granulometría media y curso con tendencia a retilineidad. La metodología permitió la obtención de resultados preliminares satisfactorios.
Palabras clave: Google Earth, Canales de cabecera, Arroyo de Vila Maria.
O Google Earth™ como uma ferramenta de apoio aos estudos preliminares de geomorfologia fluvial: estudo de caso no riacho de Vila Maria, Garanhuns-PE
GOOGLE EARTH™ AS A TOOL TO SUPPORT THE PRELIMINARY STUDIES OF FLUVIAL GEOMORFOLOGY: A CASE STUDY IN THE VILA MARIA RIBBON - GARANHUNS-PE
GOOGLE EARTH™ COMO UNA HERRAMIENTA DE APOYO A LOS ESTUDIOS PRELIMINARES DE GEOMORFOLOGÍA FLUVIAL: ESTUDIO DE CASO EN EL RIACHO DE VILA MARÍA - GARANHUNS-PE

Recepção: 13 Dezembro 2017
Aprovação: 18 Fevereiro 2018
Desde os primórdios da Geomorfologia, as atividades de campo são a principal fonte de informações empíricas de que os geomorfólogos dispõem. Atualmente, uma série de novas tecnologias está surgindo para se somar aos métodos tradicionais e auxiliar no trabalho dos pesquisadores, como as relacionadas ao sensoriamento remoto. Dentre estas, os globos virtuais são uma das tecnologias que possuem potencial de uso para fins científicos, no entanto, estes ainda são pouco utilizados devido ao desconhecimento por parte de uma parcela considerável da comunidade cientifica quanto a suas funcionalidades e vantagens de uso.
O Google Earth, principal representante da categoria dos globos virtuais, vem demonstrando um grande potencial para a utilização tanto para fins de reconhecimento como para a aquisição de dados para as pesquisas. Com essa ferramenta, paisagens de difícil acesso que permaneciam pouco conhecidas estão se tornando acessíveis para estudos iniciais graças à qualidade das imagens disponibilizadas para o público em geral.
Diversos trabalhos geomorfológicos vêm fazendo uso do Google Earth, seja para fins de ilustração de paisagens sob uma perspectiva de visão em escala planetária (SCHEFFERS; SCHEFFERS; KELLETAT, 2012; SCHEFFERS; MAY; KELLETAT, 2015), seja como uma ferramenta de análise de processos de evolução das formas de relevo (BOARDMAN, 2016). Com a disponibilização de imagens da superfície de outros corpos planetários do sistema solar, o referido globo virtual está possibilitando até estudos de comparação das paisagens terrestres com as de outros planetas, estudos denominados de planetologia comparada (BOURKE; GOUDIE, 2009). Para a geomorfologia fluvial alguns trabalhos vêm atestando a importância do Google Earth como uma ferramenta de exploração tanto qualitativa quanto quantitativa dos processos geomórficos (FISHER et. al., 2012; GOUDIE, 2013).
O artigo em questão tem por objetivo analisar as potencialidades do software Google Earth como uma ferramenta de apoio para a construção do reconhecimento geomorfológico preliminar relacionado aos sistemas fluviais. Como campo de experimentação de procedimentos metodológicos, escolheu-se o riacho doravante denominado Vila Maria, uma vez que não há menção a sua nomenclatura a nível bibliográfico, cartográfico e mesmo local, no município de Garanhuns-PE. A escolha justifica-se na relevância do canal como uma das 12 nascentes do rio Mundaú presentes no município de Garanhuns-PE.
O recorte espacial desta pesquisa compreende o riacho de Vila Maria, de regime perene e localizado no alto curso da bacia hidrográfica do rio Mundaú, na zona periurbana do município de Garanhuns-PE, conforme Figura 1. Trata-se de um tributário de primeira ordem com 3,6 quilômetros situado no setor de produção de sedimentos da bacia em tela.

Geologicamente, a área é estruturada por quartzitos micáceos e quartzitos feldspáticos do Complexo Cabrobó, de idade Mesoproterozóica (1,2 Ga). Os mesmos compõem a região parte da Cimeira Estrutural Pernambuco-Alagoas (CORRÊA et al., 2010), superfície de topo do Planalto da Borborema onde as cotas podem atingir os 1.000 metros de altitude.
O clima na região sofre influência de Distúrbios Ondulatórios de Leste (DOLs), que se constituem em Perturbações Ondulatórias no Campo dos Alísios (POAs), da Zona de Convergência Intertropical (ZCIT) e de Frente Polares, havendo a possibilidade de ocorrência de Vórtices Ciclônicos de Altos Níveis (VCANs) durante o fim da primavera e verão (SILVA, 2009). As chuvas se concentram no período outono-inverno (AZAMBUJA; CORRÊA, 2015), sendo a precipitação média anual de 874,4 mm com temperatura média/ano de 20 °C (INMET, 2009).
Por se situar a barlavento do Planalto de Garanhuns, há a retenção de umidade e a ocorrência de chuvas orográficas. Graças às características morfológicas e morfométricas e as condições climáticas, os processos de dissecação são intensos nessa área.
A metodologia empregada neste estudo consiste de uma análise ambiental qualitativa calcada no primeiro estágio do modelo de estilos fluviais proposto por Brierley e Fryirs (2000; 2005), que corresponde à identificação do estilo propriamente dito dos canais analisados.
Inicialmente realizou-se revisão bibliográfica e cartográfica acerca da área de estudo, tanto em um contexto do canal individual como de sua interação com a bacia hidrográfica a qual pertence. Buscou-se reunir informações relacionadas a variáveis como geologia, geomorfologia, sistemas atmosféricos atuantes e usos da terra.
Elaborou-se o perfil longitudinal do riacho analisado a partir do software Global Mapper 18. É possível fazer o mesmo procedimento no Google Earth, contudo este não permite a exportação de um arquivo de imagem do perfil, podendo o mesmo ser apenas visualizado na interface do software. Além disso, foi realizado o cálculo do índice de sinuosidade do canal, conforme Schumm (2005), cuja fórmula pode ser visualizada a seguir:

Posteriormente, identificou-se o estilo fluvial do canal analisado, tendo como base as três variáveis fundamentais: configuração do vale, unidades geomórficas e textura dos materiais do leito do canal (BRIERLEY; FRYIRS, 2005). Para isso foram usadas as imagens do Google Earth, sendo as mesmas utilizadas inicialmente na interface do software e em seguida exportadas em formato JPG e plotadas no software ArcGIS 10.3, onde foram georreferenciadas e convertidas para o formato GEOTIFF. As mesmas, originalmente projetadas no datum WGS 1984, foram reprojetadas para o datum SIRGAS 2000, Fuso UTM 24 S. Com isso, procedeu-se para a elaboração de mapas e carta-imagens.
As imagens adquiridas para o município de Garanhuns são de 10 de fevereiro de 2016 e apresentam média resolução espacial, a qual é inferior a de outras imagens em centros urbanos maiores, a exemplo de Recife onde a resolução se compara a de fotografias aéreas. A partir dessas foi feita a delimitação do riacho e medições pertinentes, como comprimento do canal, sinuosidade e largura.
Além destes parâmetros, utilizou-se a ferramenta de visualização do terreno em 3D para uma análise tridimensional do canal e suas relações com o domínio interfluvial. Informações coletadas em campo a partir do preenchimento de fichas, sobretudo na área da nascente, onde foi observada a configuração do vale, a granulometria da carga de leito e uso da terra. Essas informações, juntamente com o registro fotográfico, foram acrescentadas aos dados fornecidos pelas imagens de satélite.
Por fim, fizeram-se considerações sobre o comportamento e possíveis tendências de mudança do canal. Nesta etapa, os dados de campo e o conhecimento da dinâmica da paisagem local foram de suma importância, pois deram respaldo às inferências feitas a partir das imagens de satélite.
Ressalta-se que o uso de imagens do Google Earth como principais fontes de dados é feito neste estudo de forma experimental, sendo os resultados obtidos tratados como preliminares.
O riacho de Vila Maria se apresenta como um canal tributário de primeira ordem. Sua nascente possui uma geometria em planta e perfil côncava (Figura 2), se situando no sopé da escarpa de ruptura que separa a cimeira conservada do Planalto de Garanhuns, cujas cotas altimétricas estão acima de 900 m, de um nível relativamente mais erodido situado em cotas que variam de 800 a 700 m.

No caso da área de estudo, a cabeceira de drenagem se situa a aproximadamente 820 m acima do nível do mar, destacando-se que a ruptura que limita os dois níveis de cimeira coincide com o trecho de ocorrência da zona de cisalhamento Garanhuns. A reativação cenozoica da mesma pode ser apontada como um fator da diferenciação altimétrica entre as referidas superfícies somitais e desencadeamento de uma erosão linear mais intensa nas áreas mais declivosas do trecho de ruptura, conforme indícios fornecidos por Lima e Corrêa (2016).
O canal percorre um trecho de 3,6 km com direção NE-SW e largura variando entre 2 e 4 m, até desaguar em outro tributário de segunda ordem. O índice de sinuosidade é de 1,25, indicando, assim tendência a retilineidade e possíveis controles estruturais relacionados a fraturas nos quartzitos (Figura 3). Não há falhas geológicas mapeadas no trecho, mas a deformação do canal pode indicar possíveis ajustamentos a estruturas do embasamento ou até mesmo a movimentações neotectônicas.
A configuração do vale foi identificada como parcialmente confinada, com poucas feições deposicionais visíveis a partir das imagens do Google Earth. Nos trechos em que a planície fluvial é visível, sua largura varia de 2 a 10 m, indicando assim a variabilidade dos processos morfogenéticos ao longo do canal. Devido ao predomínio do fluxo linear e a erosão inerente a este, nos trechos de maior confinamento as margens se apresentam relativamente íngremes.
Diferentemente dos canais em cabeceiras do semiárido, cujo leito geralmente se assenta totalmente sobre o embasamento rochoso (SOUZA; BARROS; CORRÊA, 2016), o curso do riacho de Vila Maria corta espessos mantos de alteração onde se desenvolveram latossolos amarelos e vermelho-amarelos de profundidade considerável (ARAÚJO FILHO et al., 2000). As condições climáticas da região favoreceram o desenvolvimento dessas coberturas pedológicas espessas.

A carga sedimentar de leito é composta principalmente por materiais de granulometria média (areia média e fina), havendo o predomínio do transporte de sedimentos em suspensão característico do ambiente, pois o intemperismo em quartzitos gera mantos de alteração com uma considerável fração de areia.
O perfil longitudinal do riacho de Vila Maria (Figura 4) apesar da tendência geral para a diminuição das cotas altimétricas, apresenta um padrão de áreas de recente intensificação da erosão, como trechos de topografia sobressalente ao longo do curso do canal. Como se pode perceber na figura 4, após descer até cerca de 760 m, as cotas se elevam a mais de 780 m, vindo a decrescer novamente em seguida. Esses trechos mais elevados são os de maior confinamento do vale, onde o canal é limitado em ambas às margens por morros e colinas de vertentes convexas. Essas saliências arredondadas do relevo dominam a paisagem no domínio interfluvial (Figura 5), estando os mesmos submetidos à erosão linear. Voçorocas não são encontradas na área, diferentemente de outros setores do entorno. Contudo, ravinas podem ser encontradas em alguns trechos, principalmente nas zonas de maior inclinação como na concavidade da nascente.
Trechos de solo exposto aumentam à medida que se aproxima da nascente fluvial. Portanto, a frente de expansão urbana ocorre da nascente em direção á jusante, o que poderá causar sérios impactos ao canal. A retirada da vegetação nas cabeceiras aumentará a erosão linear e produção de sedimentos. Alterações deste tipo incidem sobre as relações longitudinais e laterais do riacho, influenciando negativamente na evolução dos ecossistemas, além de intensificar a erosão de solos através do desenvolvimento de ravinas e voçorocas.
Como mostrado por Azambuja e Corrêa (2015), a zona urbana de Garanhuns-PE e seu entorno são áreas susceptíveis ao processo de voçorocamento. A conservação das nascentes fluviais, além de ser necessária para o bom aproveitamento dos recursos hídricos, é necessária para se evitar a intensificação da erosão remontante.


Desde a nascente até o ponto onde deságua o riacho de Vila Maria, trechos de matas ciliares conservadas se intercalam com outros onde a mesma se encontra ausente. Espécies arbóreas, arbustivas e herbáceas se misturam na composição da flora da área. Nas zonas interfluviais ocorre Savana Estépica Arborizada com possível ocorrência de palmeiras, conforme levantamento fitogeográfico de Gomes (2015).
Uma síntese das características fluviais do riacho de Vila Maria pode ser visualizada no Quadro 1. Como já mencionado anteriormente, o canal analisado se enquadra no estilo fluvial denominado canal de nascente ou canal de cabeceira, conforme nomenclatura de estilos utilizada por Brierly e Fryirs (2000; 2005) e Souza, Barros e Corrêa (2016).
Com relação ao uso e ocupação na área, percebe-se uma série de locais de mata ciliar preservadas ao longo do canal. Contudo, à medida que se aproxima da cabeceira o nível de urbanização aumenta, sendo esse trecho o de maior pressão antrópica (Figura 6). A água da nascente fluvial é canalizada para uma lavanderia pública/comunitária sem o devido tratamento e sofre um considerável processo de desperdício conforme ela flui ao longo da estrutura. No entorno da nascente, áreas desmatadas são utilizadas como pasto para animais (bovinos e equinos) e fluxo de esgotamento sanitário, além de disposição ilegal de resíduos sólidos.


Considerando a intensa atividade da erosão linear na região, sua suscetibilidade ao voçorocamento (AZAMBUJA; CORRÊA, 2015) e a importância da manutenção dos recursos hídricos, a conservação da área se faz necessária e urgente. A geometria côncava da nascente aliada ao contínuo processo de retirada da vegetação nativa pode ativar o processo de formação de voçorocas, provocando a alteração do estilo fluvial do riacho de Vila Maria para um canal em voçoroca. Canais desse tipo podem ser visualizados em diversos trechos na zona urbana do município de Garanhuns e seu entorno.
Com relação à metodologia empregada, a mesma se mostrou eficiente, pois diversas características fluviais de nascente de canais puderam ser analisadas em uma escala de detalhes razoável e com um custo quase nulo. Considerações iniciais sobre o estilo fluvial do riacho de Vila Maria puderam ser construídas. Contudo, deve-se ressaltar que o Google Earth jamais deve substituir as atividades de campo como principal ferramenta de aquisição de dados empíricos nos estudos geomorfológicos.
Os dados coletados a partir dessa ferramenta devem ser tratados como preliminares, principalmente nas áreas onde a resolução das imagens não se apresenta tão elevada, como no caso da área de estudo desse artigo. A resolução das imagens utilizadas não permitiu visualizar as unidades geomórficas do leito do rio e de suas margens em um nível de detalhe apropriado, sendo as discussões sobre as mesmas de caráter especulativo. Além disso, se faz necessário o desenvolvimento de procedimentos de análise da acurácia das imagens.
O Google Earth possui um elevado potencial para a averiguação da dinâmica dos processos superficiais terrestres e até mesmo de outros corpos do sistema solar. Acredita- se que os empecilhos relacionados ao seu uso de maneira mais aprofundada nos estudos geomorfológicos serão corrigidos ao longo da evolução do software conforme vem ocorrendo. Espera-se que os resultados preliminares fornecidos nesse estudo possam subsidiar futuras pesquisas em sua área de estudo e incentivar a testagem do potencial do Google Earth na Geomorfologia fluvial e em outras áreas da ciência geomorfológica.
Nossos sinceros agradecimentos ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) por incentivos através da concessão de bolsas.







