Recepção: 22 Novembro 2018
Aprovação: 02 Abril 2019
DOI: https://doi.org/10.26895/geosaberes.v10i21.710
Resumo: Os impactos negativos no meio ambiente decorrentes das queimadas representam um dos maiores desafios ambientais da atualidade. A demanda por produtos com maior acurácia na caracterização e comportamento do fogo tem aumentado expressivamente nas últimas décadas. Sob esse aspecto, relacionado à importância da sistematização de produtos de fogo, assim como sua significativa utilização, as limitações relacionadas à exatidão das informações precisam ser sanadas. O objetivo principal deste trabalho consistiu em analisar a exatidão das informações contidas no produto WFABBA/GOES de detecção de foco de calor. Constatou-se superestimativa dos focos em todos os anos da série analisada, sugere-se que este resultado possa balizar outras pesquisas no que diz respeito a relação entre os erros encontrados e seus impactos nos inventários de emissão de gases e aerossóis provenientes da queima de biomassa.
Palavras-chave: Queimadas, Produtos Orbitais, WFABBA.
Abstract: The negative impacts on the environment caused by fires represent one of the greatest environmental challenges of our time. The demand for products with greater accuracy in fire characterization and behavior has increased significantly in recent decades. In this regard, in relation to the importance of the systematization of fire products, as well as their significant use, the limitations related to the accuracy of information need to be remedied. The main objective of this work was to analyze the accuracy of the information contained in the product WFABBA / GOES, of heat focus detection. It was found that overestimation of the outbreaks in all the years of the analyzed series suggests that this result can be based on other research regarding the relationship between the errors found and their impacts on the emission inventories of gases and aerosols from biomass burning.
Keywords: Biomass Burned, Orbital Products, WFABBA.
Résumé: Les impacts négatifs sur l'environnement causés par les incendies représentent l'un des plus grands défis environnementaux de notre époque. La demande de produits offrant une plus grande précision dans la caractérisation et le comportement du feu a considérablement augmenté au cours des dernières décennies. À cet égard, en raison de l’importance de la systématisation des produits anti-incendie et de leur utilisation importante, il convient de remédier aux limitations liées à l’exactitude des informations. L'objectif principal de ce travail était d'analyser la précision des informations contenues dans le produit de détection de foyer de chaleur WFABBA / GOES. Il a été constaté qu'une surestimation des foyers au cours de toutes les années de la série analysée suggère que ce résultat peut être basé sur d'autres recherches concernant la relation entre les erreurs trouvées et leurs impacts sur les inventaires des émissions de gaz et d'aérosols provenant de la combustion de biomasse.
Mots clés: Biomasse brûlé, Produits orbitaux, WFABBA.
INTRODUÇÃO
Os impactos negativos gerados pelas práticas de queimadas tornaram-se uma grande preocupação mundial e levaram a uma crescente busca pelo entendimento, aperfeiçoamento e monitoramento deste fenômeno de forma sistemática e contínua. Contudo, para que haja uma certeza em relação à distribuição temporal e espacial, uma definição quantitativa e o conhecimento da extensão das queimadas, são necessários vários estudos científicos interdisciplinares, assim como um sistema de monitoramento assertivo e eficaz (NEPSTAD et al.,1999).
Atualmente, estão disponíveis uma grande variedade de satélites na órbita da Terra, que possuem sensores com diferentes resoluções espaciais e temporais, capacitados para imageamento e detecção de focos de incêndios que possibilitam o emprego de diversos estudos acerca da queima de biomassa e todo o processo, desde os padrões do fogo à estimativa de sua severidade, bem como a estimativa da área queimada e o monitoramento da regeneração da vegetação (FREITAS et al., 2005; MIGUEL et al., 2010). Assim, a partir dos produtos orbitais atuais é possível identificar os focos de queimada, estimar a queima de biomassa, área queimada e as emissões liberadas durante o processo de queima, tratando de informações globais de forma sistemática.
Os dados de detecção de queimadas gerados pelos sensores são denominados produtos de fogo, sendo alguns deles disponibilizados de forma gratuita. Dentre os produtos mais utilizados citam-se os provenientes dos sensores a bordo de satélites em órbita geoestacionária da série Geostationary Operational Environmental Satellite (GOES) (PRINS et al., 1992). Os produtos de fogo derivados de sensores orbitais são a fonte de dados mais utilizada para estimar a biomassa queimada, trazendo entre outras estimativas a Potência Radiativa do fogo (FRP), do Inglês Fire Radiative Power, associada aos focos de queimada detectados. A FRP relaciona-se diretamente com a intensidade do fogo e é proporcional ao total de biomassa consumida por unidade de tempo (KAUFMAN et al., 1996; WOOSTER et al., 2003).
Especificamente, para detectar focos de queima de biomassa ou “focos de calor”, os satélites geoestacionários geram um conjunto de imagens a cada meia hora, que resulta diariamente em um volumoso número de imagens. Embora se tenha tecnologias adequadas para processamento digital dessas imagens, ainda existem dificuldades nos processamentos. De acordo com Koltunov et al.; (2012), as dificuldades de detecção de incêndios ainda envolvem metodologias de validação que se tornam grandes desafios em termos de correção de falsos positivos, ou seja, detecção de queimadas que não ocorreram de fato.
Eventualmente, ocorrem algumas incertezas em relação às detecções de focos de calor. Entre elas, as dificuldades em relação à pontualidade do foco, dificuldade nos processamentos, falhas por motivos técnicos e operacionais, falhas nos próprios sensores e receptores e nos algoritmos de identificação dos focos em caso de reflexão solar, o que ocasiona omissão ou superestimativa de focos (DE SOUZA et al., 2003; KOLTUNOV et al., 2012).
Contudo, a demanda por produtos com maior acurácia na caracterização e comportamento do fogo tem aumentado expressivamente nas últimas décadas, visto que vários inventários de emissões de gases traços e aerossóis são baseados nesses produtos e incertezas relacionadas a esses dados podem resultar em erros nas estimativas. Sob esse aspecto, relacionado à importância da sistematização de produtos de fogo e à sua significativa utilização, as incertezas, tais como alta variação de características de incêndio, limitação de dados de fogo, e cálculo de fatores precisam ser sanadas.
Neste trabalho buscou-se verificar a precisão dos produtos de fogo provenientes do Satélite GOES em relação à superestimativa de focos detectados para a região da América do Sul, disponibilizados pelo produto WFABBA para os anos de 1997 a 2015.
MATERIAIS E MÉTODOS
CARACTERÍSTICAS DA ÁREA DE ESTUDO
A área de estudo compreende a América do Sul, que está localizada entre as coordenadas 12°50’24’’N/89°28’32’’W e 55º33’1’’S/32º20’23’’W. Com diferenças regionais bem demarcadas entre baixas e médias latitudes, a região apresenta algumas variações e subdivisões climáticas de acordo com a distribuição e volume das precipitações ao longo do continente. Em suma, os principais domínios climáticos sugeridos por Köppen (1936) para o continente são: Clima tropical ou equatorial úmido, Clima árido a semiárido, Clima tropical de savana, clima polar ou temperado e clima subtropical.
Mais precisamente ao norte do Brasil (na região oeste da Amazônia brasileira), Bolívia, no sul da Venezuela, Guianas, Suriname, no leste e centro da Colômbia e Peru, o clima predominante é classificado como o equatorial úmido ou Clima Tropical de Monções, com precipitações no período chuvoso superiores a 1500 mm, e inferiores a 60 mm na época seca.
O clima tropical de savana corresponde a grande parte da Venezuela, norte do Paraguai e porção central do Brasil e Bolívia, possuindo duas estações: um verão úmido e quente e um inverno seco e frio, com médias de 27°C e 22°C, respectivamente. Na porção sul da América do Sul, abaixo do trópico de Capricórnio, abrangendo as regiões sul e oeste do Paraguai e norte da Argentina predomina o clima temperado.
O clima árido na América do Sul está presente na região do deserto do Atacama, próximo ao Chile. No Brasil, está presente no sertão nordestino, onde apresenta baixo índice de pluviosidade e clima seco e quente, com temperaturas médias anuais que oscilam entre 25°C e 28°C.
A América do Sul possui uma geografia bastante diversificada, com a formação de grandes domínios paisagísticos típicos regionais. Diante desse amplo quadro, a demarcação baseada nesses domínios foi proposta por vários autores, em suma norteados pela biogeografia. Segundo Ab’Saber (1977) a grande variedade de paisagens naturais que se estendem de norte a sul do continente reflete a influência da latitude, tipo de relevo, altitude, diferentes sistemas atmosféricos, continentalidade, correntes marítimas, tipos de solos e bacias hidrográficas.
Atrelados aos elementos climático-geomorfológicos, critérios fitogeográficos e ecológicos, Ab'Sáber (1977) procurou situar e classificar os grandes domínios morfoclimáticos. No entanto, o autor observa que, por se tratar de uma área extensa e diversificada, as características desses domínios podem ser detalhadas e subdivididas em 23 tipos regionais, sendo os principais: Equatorial Amazônico, Andes Equatoriais, Tropical Atlântico (ou Mata Atlântica), domínios dos Cerrados, Caatinga, Desertos Costeiros do Pacífico, Planalto das Araucárias, Estepes Patagônicas e Tundras Subárticas no litoral sul. Contudo, de modo geral, correspondem às caatingas, cerrados, áreas florestais, araucárias, tundras e estepes.
Segundo estudos realizados por Juvenal et al. (2002), a América do Sul possui uma significativa representatividade mundial no que se refere a cobertura florestal e reservas de água, visto que possui cerca de um terço de toda floresta e água continental mundial. No entanto, apesar do enorme valor destas florestas, ocorre nessa região um elevado número de queimadas. Segundo Andreae (1991), grande parte das queimadas mundiais ocorrem em países situados nos trópicos, podendo afetar negativamente o regime de precipitação de alguns países da América do Sul e gerar impactos negativos ao planeta, visto que respondem com cerca de 87% das emissões globais de gases do efeito estufa.
MATERIAIS UTILIZADOS: PRODUTOS GOES
O sistema Geostationary Operational Environmental Satellite (GOES) são satélites americanos mantidos pela National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA) em parceria com a National Aeronautics and Space Administration (NASA). Foi desenvolvido por Elaine Prins (NOAA / NESDIS / ORA) em colaboração com o Instituto Cooperativo de Estudos Meteorológicos por Satélite (PRINS et al., 1992).
A série de satélites GOES tiveram o início das operações nos anos 70 e desde 1975 já foram lançados 17 satélites. Os sensores imageadores a bordo dos satélites operam com 5 faixas espectrais do canal visível com resolução espacial que variam entre 1 km (cana1), 8 km (canal 6) e de 4 km x 4 km no nadir. Com um amplo e sistemático sistema de cobertura espacial e instrumentos potenciais que permitem o imageamento regular da superfície da Terra, o GOES é empregado no monitoramento contínuo de eventos, tais como os incêndios florestais (PRINS et al., 1992).
Os dados de queimadas são obtidos por meio do produto Wildfire Automated Biomass Burning Algorithm (WFABBA), sendo um produto para detecção de anomalias termais transformado em um produto operacional disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana (PRINS et al., 1992).
O WFABBA, disponível em http://wfabba.ssec.wisc.edu é um produto para detecção de focos com alta frequência de observações. Os dados disponibilizados contêm a hora da passagem do satélite, a longitude, a latitude, o ângulo de imageamento do satélite, o tamanho do pixel, a temperatura em 4 e 11 µm, a temperatura e a área do subpixel com fogo, a FRP, o tipo de ecossistema e a característica do pixel, ou sinalizador de qualidade (saturado, com nuvem, alta confiabilidade, média confiabilidade e baixa confiabilidade (ZHANG e KONDRAGUNTA, 2008).
Em relação a qualidade ou confiabilidade, define -se a característica do pixel como flag de qualidade. A flag representa a confiança das detecções em 6 níveis diferentes: 0 indica a estimativa instantânea do tamanho e temperatura do pixel indicando fogo, 1 indica um pixel de fogo saturado, 2 indica um pixel de fogo alterado pela presença de nuvens, 3 indica um pixel de fogo de alta probabilidade, 4 indica um pixel de fogo de possibilidade média e 5 indica um pixel de fogo de possibilidade baixa (SCHMIDT e PRINS, 2003).
O produto WFABBA utiliza um filtro para excluir os pixels de fogo com múltiplas detecções, de acordo com a classificação de Flag. Dentre as técnicas utilizadas para filtragem, está a utilização de dados temporais para comparar indicações de pixels de calor com outros detectados anteriormente, isolando assim alguns falsos positivos que possam ser repetidos ao longo da varredura. Embora o algoritmo possua critérios, parâmetros de qualidade, utilização de dados auxiliares e modelos específicos, ainda assim ocorre a influência de elementos que estão relacionados com as incertezas de detecção, como superfícies quentes ou reflexivas e ruídos do sensor (GIGLIO e KENDALL, 2001; SCHMIDT e PRINS, 2003; PRINS et al., 2001; 2003).
Séries temporais e comparações têm sido utilizadas juntamente com técnicas de filtragens com o intuito de reduzir falhas de detecções (BARBOSA et al., 1998; CHUVIECO et al., 2005; GU et al., 2009; CARVALHO JÚNIOR et al., 2012; ABADE et al., 2015). Mesmo assim, as informações sobre a certeza dos algoritmos devem ser constantemente avaliadas e atualizadas, uma vez que até mesmo o desempenho dos sensores pode sofrer alterações ao longo do tempo (DE JESUS et al.; 2011).
METODOLOGIA
A metodologia proposta para alcance dos resultados esperados neste trabalho foi dividida de acordo com o fluxograma apresentado na Figura 1. No primeiro momento, os processamentos dos dados foram voltados para análise e correção dos arquivos contendo incerteza na detecção ou superestimativa de focos detectados.
Para as atividades de processamento dos dados, inicialmente foi realizada a criação de um banco de dados dos produtos WFABBA, que são disponibilizados gratuitamente pela Universidade de Wisconsin - Madison (http://wfabba.ssec.wisc.edu) em formato American Standard for Computer Information Interchange (ASCII), que possibilita a leitura em editores de texto. Assim, na nomenclatura do arquivo em formato de texto, já é possível identificar o ano, dia (em formato de dia juliano) e hora da detecção.
O produto WFABBA apresenta no arquivo informações detalhadas do fogo detectado, contendo um cabeçalho simplificado e uma tabela com informações que podem ser facilmente lidas em um Sistema de Informações Geográficas (SIG). Cada incêndio é descrito por uma única linha, especificando longitude, latitude, temperatura, FRP em MW, categoria do ecossistema e uma flag com a qualidade do foco de calor detectado.
No primeiro procedimento, ocorreram as análises dos arquivos, cuja finalidade foi verificar desproporções em número de colunas e linhas ou arquivos vazios, visto que, mesmo após filtragem realizada pelo sistema de algoritmo, não há controle sobre algumas imprecisões.
Na etapa seguinte foi realizada a padronização e ordenação dos arquivos envolvendo processamento em linguagem Fortran, para posteriormente selecionar os arquivos que continham apenas pixels com alta confiabilidade e saturados, onde pixels com baixa confiabilidade (flag ≥ 1) foram eliminados. Ainda, quando a temperatura em 4 µm apresentava arquivos menores que 30K, não havia estimativas de FRP ou de tamanho do fogo, assim os focos também foram eliminados, pois continham falhas com detecção de temperatura.
Em prosseguimento, foram analisados aproximadamente 778.272 arquivos com dados de focos de calor estimados para a série temporal de 1997 a 2015 para a América do Sul. Nessa fase, o processo de identificação dos erros ocorreu a partir da análise visual de cada arquivo por meio da utilização de aplicativo SIG para posterior correção. Na Figura 2 é possível observar um dos exemplos de superestimativa de focos detectados pelo GOES, nesse caso, a linha no retângulo em vermelho mostra um exemplo de erro sistemático que resulta em falso positivo para contagem de focos.
Para a etapa de correção dos erros, o processo metodológico envolveu a identificação da localização dos focos detectados e remoção dos erros contidos nos arquivos. Assim, os erros de detecção foram isolados a partir da localização geográfica (Latitude e Longitude) dos pixels e, posteriormente, com o auxílio da utilização de linguagens de programação (Fortran) e a criação de script de validação ocorreu a devida remoção dos erros encontrados.
Após a eliminação dos erros, os arquivos foram retornados para a composição da série temporal, e posteriormente processados por um algoritmo desenvolvido na linguagem de programação Interactive Data Language (IDL) e linguagem Fortran, com a finalidade de gerar arquivos vetoriais diários, mensais e anuais em formato shapefile. Além disso, para cada horário com presença de focos de queimada detectado pelo Satélite GOES, foi estabelecido a convolução de uma máscara definindo colunas e linhas para um tamanho matriz de 20 km por 20 km, separando em grades a América do Sul para o agrupamento dos focos. O resultado é uma grade regular contendo a quantidade de focos e sua FRP, além do mês do ano com maior incidência de focos.
Desse modo, o processamento dos arquivos contendo as informações sobre os focos de calor resultaram em arquivos de saídas compatíveis com os SIG, assim como aplicativos relacionados com o processamento digital de imagens. Ainda, o processamento envolvido até essa fase resultou em dois conjuntos de dados para a série temporal: I) conjunto com os dados contendo os erros de detecção; e II) conjunto contendo os dados corrigidos. Ressalta-se que para ambos, após o processamento IDL, originaram-se arquivos vetoriais com resolução temporal diária, mensal e anual.
Após a remoção de arquivos com dados das falsas detecções, ou seja, dados que resultaram em superestimativa de focos de calor, foi criado um novo banco de dados contendo os arquivos que foram novamente processados com intuito de geração de banco de dados e mapas para distribuição de focos para pontos de grade específicos. Cabe ressaltar que os padrões delimitados pela criação e execução do script foram fundamentados de acordo com critérios de confiabilidade automatizados nos algoritmos WFABBA. Assim, utilizou-se como parâmetro a flag de qualidade 0 (Flag 0) de detecção de focos de calor para a elaboração dos resultados.
Em continuidade, foram elaborados mapas de distribuição espacial com os dois conjuntos de dados a fim de destacar e demonstrar a diferença após correções e processamentos. Os dados do produto WFABBA contém incertezas, no entanto, não se encontrou na literatura dados quantitativos precisos sobre os focos superestimados.
Através do software ArcGis foram criados arquivos Raster para o agrupamento dos focos e, por meio de ferramenta contida no mesmo software, foi possível a criação de arquivos contendo a diferença, cujo resultado é o número de focos da primeira entrada menos o número de focos da segunda entrada. Este procedimento, de representação espacial dos focos em mapas, possibilita uma melhor visualização das correções aplicadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A distribuição espacial dos focos tornou-se fundamental para o entendimento sobre a localização e incidência das queimadas, e sobretudo sobre o impacto dos erros de detecção desses eventos ocorridos na América do Sul para os anos de 1997 a 2015.
A Figura 3 mostra o resultado do pré-processamento para os anos de 1997, 1998 e 1999. As imagens são demonstradas em blocos, contendo na primeira coluna da esquerda mapas dos dados brutos, na segunda dados para o mesmo ano já corrigidos e na sequência imagem ilustrando as diferenças entre os dois primeiros dados.
A distribuição espacial dos focos apresenta uma variabilidade significativa, possibilitando observar uma diferença destacada entre os dados originais sem controle e os dados corrigidos. Os resultados indicam, de acordo com os mapas, uma significativa tendência anual da ocorrência dos focos na mesma região. De acordo com o critério adotado para agrupar os focos em grades de 20 Km2 é possível perceber o número de focos ocorridos numa mesma área durante o ano. Nota-se que mesmo após a correção dos dados, o resultado destaca uma grande concentração de número de focos por grade na região Centro-Oeste do Brasil, principalmente sobre o estado do Mato Grosso e igualmente avançando em direção aos estados do Tocantins, Piauí, Maranhão e Bahia, indicando um número de 100 a 300 focos por grade, podendo chegar em até 500 focos.
Após a remoção dos arquivos contendo erros de falsos positivos, ou seja, a superestimativa dos focos ativos, foram igualmente eliminados arquivos contendo as informações de baixa confiabilidade com base nos critérios do próprio algoritmo. Assim, a quantidade de arquivos removidos variou de um ano para outro de acordo com esses erros.
A Figura 4 exibe os mapas de resultados após o pré-processamento dos dados para os anos de 2000, 2001 e 2002. A distribuição espacial dos focos para esse período demonstrou no geral uma significativa diferença entre os dados com superestimativa e os dados corrigidos, onde os anos de 2000 e 2001 se destacaram com as maiores diferenças no período analisado. Observa-se ainda que nos mapas da terceira coluna, em relação ao total de focos eliminados por grade, o resultado se mostrou com um expressivo índice de diferença de focos removidos sugerindo a superestimativa de focos.
A Figura 5 exibe os resultados obtidos após processamentos para os anos de 2003, 2004 e 2005. Assim como os outros anos analisados, ocorreu uma grande variação de número de focos removidos. Na primeira coluna de mapas, apresentando os dados sem correções, nota-se a detecção de até 500 focos por grade na região do arco de desmatamento, dados que, após correções, resultaram em um número aproximado de 200 a 300 focos por grade. Além disso, é possível observar que há uma incidência de focos de queimadas detectados na região noroeste da América do Sul, mais precisamente na Colômbia e Venezuela para os anos analisados, assim como uma significativa concentração de focos na região Centro Oeste, corroborando com dados disponibilizados pelo INPE que apontam o ano de 2004 com o maior índice da série histórica analisada, com resultado de 97019 focos ativos detectados.
A Figura 6 exibe os mapas com resultado dos dados processados para os anos de 2006, 2007 e 2008. Nota-se que os mapas de distribuição espacial contendo focos superestimados apresentam significativa variação ao serem comparados com os resultados após correções. Para os anos sem as correções, os resultaram apresentaram número de focos por grade de aproximadamente 500 focos na região do Arco do desmatamento, mais precisamente no estado do Mato Grosso. Desse modo, ao analisar os mapas de diferenças, pode se perceber nessa região (arco do desmatamento) que as quantidades de focos eliminados por baixa exatidão estão concentrados nessa área, assim, de acordo com o alto índice de focos de calor recorrentes nessa região, infere-se sobre a superestimativa dos focos que podem ser considerados com um novo foco a cada leitura do sensor.
A Figura 7 mostra os mapas com a distribuição espacial dos focos de calor detectados pelo WFABBA após pré-processamentos, para os anos de 2009, 2010 e 2011. Para essa série temporal, percebe-se que os anos de 2009, 2010 e 2011, com informações anteriores à correção, apresentam um alto índice de focos detectados. Portanto, esses anos se diferem aos anteriores analisados em relação a quantidade, observa-se que no ano de 2010 a variação é significativa, ocorrendo grande concentração de focos superestimados na região central da América do Sul com uma acentuação na Bolívia e arco do desmatamento.
O ano de 2011 foi um dos anos que mais se destacaram em relação à problemas de detecção. Em relação a todo processamento realizado durante a metodologia, foi o ano em que foram encontrados mais problemas de ruídos e falsos positivos de focos de calor. Os dados do produto WFABBA para o ano de 2011 continham leituras repetidas para um mesmo foco, que resultaram num grande arquivo, que para esse ano anteriormente à correção totalizou proximamente 86.000 arquivos. Percebe-se ao analisar o mapa de 2011, contendo os arquivos originais, que os focos agrupados em número maiores que 100 até 500 por grade estão presentes em várias regiões da América do Sul, como Paraguai, Argentina, Colômbia, Venezuela, Peru e principalmente Bolívia e região central do Brasil. A Figura 8 exibe os resultados dos mapas para os anos de 2012 e 2013.
Nota-se que embora o ano de 2012 tenha apresentando um alto índice de erros ao se comparar com o mapa para o mesmo ano após correções, o ano de 2013 se destacou dos demais analisados em relação à superestimativa de focos. O produto WFABBA para esse ano não apresentou um extenso número de arquivos, entretanto, nota-se que ocorreu em 2013 uma com recorrência de no máximo 25 focos por grade, porém em grande reincidência em quase todo o território da América do Sul. A Figura 9 mostra os mapas com os resultados obtidos para os anos de 2014 e 2015, e assim como os demais analisados, foram encontrados um grande número de superestimativa de focos de calor detectados para a América do Sul.
Vale destacar que em regiões onde não ocorrem uma significativa recorrência de queimadas, como o sul do Brasil, não há a presença de significativo número de focos superestimados. Entretanto, observa-se uma concentração nos estados do Mato Grosso, Tocantins e Maranhão, e de acordo com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, no ano de 2015 ocorreram no estado cerca de 27741 focos ativos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho foi apresentado uma análise acerca das superestimativa de focos de calor detectados pelo sensor GOES e estimados pelo produto WFABBA. Nota-se que ao reprocessar os dados com base na flag de qualidade, além de remover os falsos positivos, foi possível filtrar e reter dados com informações de baixa exatidão de fogo. A partir disso, foi possível produzir um novo banco de dados contendo informações mais precisas que poderão servir como fonte de dados para gerar inventários de emissão por queima de biomassa.
Durante o período analisado, verifica-se que em todos os anos ocorreram superestimativa de focos de queimadas, estimadas pelo produto WFABBA, e no geral, percebe-se que em regiões com grande recorrência dos focos há maior superestimativa o que sugere que o sensor reconheça um foco já existente como um novo foco.
Vale ressaltar que o expressivo número de focos reincidentes na região do Arco do desmatamento, que compreende parte dos estados do Acre, Amazonas, Rondônia, Mato Grosso, Pará, Tocantins e Maranhão, está de acordo com estudos realizados por Cochrane (2009) que relaciona o uso antrópico do solo dessa região para finalidades agropastoris à recorrentes usos do fogo para manejo do pasto e áreas agricultáveis, resultando desse modo num elevado número de queimadas nessa região todos os anos. Destaca-se ainda que além do arco do desmatamento, os estados do Tocantins e Maranhão fazem parte da região denominada MATOPIBA, que compreende uma organização territorial contendo os estados do Maranhão, Tocantins, parte do Piauí e Bahia, que apresenta uma expressiva dinâmica de expansão de uma nova fronteira agropastoril.
Neste contexto, é importante ressaltar que de acordo com os resultados desse trabalho, as queimadas apresentam um ciclo anual bastante evidente, tanto temporal quanto espacial. Em resumo, é possível afirmar, que a participação das queimadas no contexto global de emissão de poluentes para a atmosfera é considerável. Deste modo, qualquer fator que resulte em incertezas dos dados, podem gerar discrepâncias nas estimativas de emissões atmosféricas provenientes da queima de biomassa. Vale destacar que os inventários de emissões oficiais apropriadamente relatados, fazem parte das obrigações assumidas no acordo internacional adotado pelos países participantes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre mudança do clima, do qual entre os principais objetivos estão as metas de redução de gases de efeito estufa até 2020. Assim, o entendimento e diagnóstico do resultado de queimadas passam a ser prioridade, não apenas em âmbito local e regional, mas sim em âmbito global.
Agradecimentos
Agradecemos ao apoio da CAPES no desenvolvimento deste trabalho, através da concessão de bolsa de pesquisa.
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