Resumo: O objetivo deste artigo é retratar a coexistência de tradicionais fatores motivadores do ato migratório com os novos determinantes impulsionados pela “modernidade líquida” de BAUMAN (2001), através da análise dos diálogos de Alice com o Gato de Cheshire e com a Rainha de Copas, presentes no livro Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll, e do exame da vida e das ações da família de retirantes sertanejos, no livro Vidas Secas, de Graciliano Ramos. Percebemos que novos fatores decorrentes das rápidas transformações sociais, econômicas e tecnológicas afetaram irreversivelmente o modo de organizar a produção e as relações entre capital e trabalho. Contudo, a fase pesada do capitalismo é sobreposta, mas não eliminada, pela fase fluida do capitalismo, que tem potencial para influenciar o fluxo migratório, principalmente, entre grandes cidades, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento.
Palavras-chave:Fluxo migratórioFluxo migratório, Redes migratórias Redes migratórias, Capitalismo leve Capitalismo leve, Modernidade fluida Modernidade fluida, Capitalismo pesado Capitalismo pesado.
Abstract: The aim of this article is to describe the coexistence of the traditional motivators of the migratory act with the new determinants boosted by BAUMAN's “liquid modernity” (2001), through the analysis of Alice's dialogues with the Cheshire Cat and with the Queen of Hearts present in Alice's Adventures in Wonderland, by Lewis CARROLL. Also through the examination of the life and actions of the family of the retreatants of the group of “sertanejos” in the book Dry Lives, by Graciliano RAMOS. We realize that new factors resulting from rapid social, economic and technological transformations irreversibly affect the way where the production is organized and the relationship between capital and work. However, the fluid phase of capitalism overlapped, but not eliminated, the heavy phase of capitalism, which is likely to influence the flow of migrants, especially between large cities in developed and developing countries.
Keywords: Migratory flow, Migration networks, Light capitalism, Modernity fluid, Heavy capitalism.
Résumé: L'objectif de cet article est de décrire la coexistence des traditionnels facteurs de motivation de l'acte migratoire avec les nouveaux déterminants stimulés par la « modernité liquide », de BAUMAN (2001), à travers l'analyse des dialogues d'Alice avec le chat du Cheshire et avec la Reine de cœur présents dans l'Alice au pays des merveilles, de Lewis CARROLL. Aussi à travers l'examen de la vie et des actions de la famille des retraitants du groupe de « sertanejos » dans le livre Vies Sèches, de Graciliano RAMOS. Nous rémarquons que de nouveaux facteurs résultants des rapides transformations sociales, économiques et technologiques affectaient de manière irréversible le mode d'organisation de la production et les relations entre capital et travail. Cependant, la phase lourde du capitalisme est imbriquée, mais pas éliminée, par la phase fluide du capitalisme, qui est susceptible d'influencer le flux de migrants, en particulier entre les grandes villes des pays développés et en développement.
Mots clés: Flux migratoire, Réseaux de migration, Capitalisme léger, Modernité fluide, Capitalisme lourd.
DOS DETERMINANTES TRADICIONAIS DA MIGRAÇÃO AOS IMPULSIONADOS PELA MODERNIDADE LÍQUIDA NAS PERSPECTIVAS DE ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS E DE VIDAS SECAS
Of the traditional determinants of migration until the impulsioneds by liquid modernity in perspectives of Alice's Adventures in Wonderland and of Dry Lives
DES DÉTERMINANTS TRADITIONNELS DE LA MIGRATION AUX IMPULSIONS DE LA MODERNITÉ LIQUIDE DANS LES PERSPECTIVES D'ALICE AU PAYS DES MERVEILLES ET DES VIES SÈCHES
Recepção: 08 Fevereiro 2019
Aprovação: 02 Abril 2019
A migração é um dos fenômenos sociais mais antigos na história de 2,5 milhões de anos da humanidade. Até a Revolução Agrícola, há 12 mil anos, a vida social dos caçadores-coletores foi marcada pela migração. A satisfação das condições materiais dos grupos estava condicionada à busca de territórios com maior oferta de animais, frutas e outros alimentos. Estar em movimento era uma necessidade (HARARI, 2017).
Apesar da observação da migração desde épocas remotas, seu estudo científico tem como gênese o final do século XIX. Somente por alguns adjetivos que acompanham o tema, podemos verificar o grau de dificuldade encontrado para se conceber respostas teóricas. Assim, estudiosos afirmam, por exemplo, que a migração é um fenômeno reflexo (MOURA, 1980), complexo e seletivo (LEE, 1966), social ou de classe (SINGER, 1987), multifário (ELIZAGA, 1980), não neutro (BRITO, 2009), plural e não unívoco (PERPETUA, 2013). Por ser, talvez, a única alternativa para uma pessoa melhorar as condições de vida, podemos considerá-la também como um fenômeno emancipador.
Boa parte dos estudiosos das causas dos fluxos migratórios concorda que a maioria das pessoas migra por fatores econômicos. Mesmo aquelas que migram por outras causas, como, por exemplo, para estudar ou para acompanhar os pais, de qualquer modo são abarcadas pela lógica econômica familiar ou pelo pensamento de alcance de uma maior oportunidade econômica futura. Nem todas as migrações são para suprir as condições materiais; contudo, uma parte considerável dos movimentos está contida na lógica de como a sociedade produz e reproduz suas condições materiais.
As dificuldades para o estudo do fenômeno migratório não são poucas. Com o passar do tempo, novos determinantes migratórios surgem e com eles coexistem os anteriormente estabelecidos. Dificilmente um determinante cessa por completo. Esses novos motivos dos fluxos migratórios desafiam os marcos teóricos existentes, além de obrigar o pesquisador a não deixar de atualizar as posições a respeito de fluxos tradicionais, como o campo-cidade.
Algumas teorias vão procurar explicar a migração interna levando em conta as desigualdades nos padrões econômicos, climáticos e sociais tanto nos locais de origem como nos de destino. Como exemplo, notamos que, os fatores de expulsão e atração, são na sua maioria muito relacionados ao desenvolvimento desigual entre regiões. Outra teoria que ganhou destaque na literatura é as redes migratórias, que têm a capacidade de reforçar o fenômeno através dos elos de conexão entre origem e destino. Esses determinantes mais tradicionais e conhecidos coexistem com os novos fatores decorrentes das rápidas transformações na forma de organização da produção e nas relações entre capital e trabalho. É o mundo da “modernidade líquida” de Zygmunt Bauman (2001).
Nesse sentido, o objetivo deste artigo é retratar a coexistência de conhecidos motivadores do ato migratórios com os novos determinantes impulsionados pela modernidade líquida, através da reflexão realizada pela leitura dos clássicos da literatura Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll – pseudônimo de Charles Lutwidge Dodgson – (lançado em 1865), e Vidas Secas, de Graciliano Ramos (publicado em 1938).
No tópico seguinte, a partir das conversas de Alice com o Gato de Cheshire e com a Rainha de Copas, e das decisões tomadas pela família de sertanejos, em Vidas Secas, demonstramos alguns fatores tradicionais da migração, exemplo dos fatores de expulsão e das redes migratórias, e alguns determinantes impulsionados pela modernidade líquida. Em seguida, procuramos os aspectos da “modernidade líquida” de Bauman (2001), de certa forma já antevista em Alice no País das Maravilhas, na conversa entre Alice e a Rainha de Copas. Por fim, apresentamos uma breve conclusão.
“Gatinho de Cheshire, [...] você poderia me dizer, por favor, qual o caminho para sair daqui? ”
“Depende muito de onde você quer chegar”, disse o Gato.
“Não me importa muito onde...” foi dizendo Alice.
“Nesse caso não faz diferença por qual caminho você vá”, disse o Gato.
“...desde que eu chegue a algum lugar”, acrescentou Alice, explicando.
“Oh, esteja certa de que isso ocorrerá”, falou o Gato, “desde que você caminhe o bastante” (CARROLL, 2000, p. 81).
O famoso diálogo entre Alice e o Gato, em Alice no País das Maravilhas tem muito a revelar sobre o processo migratório. Nele, Alice deseja sair a qualquer custo daquele lugar, que lhe era muito estranho, ou seja, havia nele algo que a desagradava. Pode-se considerar que boa parte do incentivo ao ato migratório deriva da identificação de uma situação de desagrado com o lugar de origem, de residência. É o que se chama de fatores ou determinantes de expulsão. Ao contrário da Alice, o potencial migrante, que ultrapassou a infância, conhece muito bem o lugar onde se encontra e suas dificuldades.
Ao prosseguir a conversa, percebemos que Alice não sabe seu destino, mas almeja um lugar melhor do que aquele em que estava. Muitos migrantes, ainda hoje, não encontram outra opção a não ser deixar sua terra em busca de outras condições de vida em não importa onde. Quando não existem muitas escolhas de destinos, qualquer uma pode tornar-se uma esperança de vida melhor.
Chegar a algum lugar, como disse Alice, representa para o emigrante sair de uma situação (conhecida) de privação das condições materiais e se estabelecer noutro em que haja alguma oportunidade de realizar seus sonhos, sem nenhuma garantia de que vá alcançá-la ao cabo de uma longa, árdua e extenuante caminhada.
Já em Vidas Secas, de Graciliano Ramos (1967), Fabiano, sinhá Vitória, o menino mais velho e o menino mais novo não eram falantes como Alice. A vida machucada e dolorida do sertanejo fazia do silêncio quase uma forma de enfrentamento das adversidades. O casal, seus dois filhos, o papagaio (servido de alimento aos cinco, pois a fome apertara) e a Baleia – tratada como gente, alegre companheira de brincadeiras das crianças, caçadora arguta de preás na caatinga, cachorrinha que acompanhava a família em trajetos erráticos – precisavam chegar, mas não sabiam aonde. Em Vidas Secas conheciam muito bem o lugar de partida e sabiam por onde caminharam até se estabelecerem numa fazenda, que pouco se diferenciava do ambiente inóspito que haviam deixado para trás. Alice também precisava sair daquele lugar, mas não idealizava como. O País das Maravilhas, por ignoto, afigurava-lhe hostil; de forma distinta, para os retirantes, o chão e o mundo que suas vistas alcançavam eram familiares. Nos dois casos, a única forma de almejar dias melhores era lançar-se ao porvir. A família de Fabiano sabia que esse constrangimento poderia esgotar-se na penosa caminhada, determinada pela seca e suas mazelas; na situação de Alice, era imperioso encarar um mundo desconhecido, estranho.
Ao prosseguir com o célebre diálogo, notam-se outras questões:
Alice percebeu que era impossível negar isso; então arriscou outra pergunta: “Que tipo de gente vive por aqui? ”
“Naquela direção”, disse o Gato, ondulando sua pata direita, “mora um chapeleiro; naquela outra”, agitando a outra pata, “mora uma Lebre de Março”. Visite ou um ou outro: ambos são loucos”.
“Mas eu não quero me encontrar com gente louca”, observou Alice (CARROLL, 2000, p. 81-83).
A pequena Alice resolveu apresentar-se aos moradores daquele lugar. Entretanto, tinha de tomar uma decisão a partir das informações que lhe eram passadas pelo Gato: ir para um lado ou para o outro. O Gato, percebe-se, era conhecedor das pessoas daquele mundo, sabia até suas características. Além disso, dominava a região e a localização de pelo menos dois habitantes.
O dilema de Alice sobre qual direção tomar ocorre em muitos atos migratórios. É uma tomada de decisão cercada de medos, dúvidas, incertezas e que pode não encontrar apoio entre os membros do grupo familiar ou de amigos. Eles podem reforçar o temor na mente dos potenciais migrantes ao desqualificarem os destinos. O Gato disse que em qualquer direção que escolhesse, Alice iria ao encontro de loucos. Assim também, os grupos de relacionamento na origem, apesar de não conhecerem tão bem como o Gato os lugares de destino, tendem, em muitos casos, a exagerar os problemas com que o migrante vai deparar-se na chegada.
O desejo de não se encontrar com personagens ou pessoas não loucas, reflete o anseio por segurança e por sucesso na empreitada. Assim também, essa aspiração de conquista dos objetivos cada migrante traz dentro de si. Ninguém se sentiria confortável na tomada de decisão se suas dificuldades iniciais fossem muito duras ou se soubesse de antemão que as chances de êxito seriam pequenas. Muitos, assim como Alice, fazem suas escolhas sem conhecer ninguém no lugar de acolhimento. Nesse caso, as dificuldades de instalação e adaptação tendem a ser muito maiores.
No sertão, embora os animais não falassem como os do País das Maravilhas, foi o voo das aves de arribação que noticiou a aproximação da forte estiagem, permitindo à família de sertanejos preparar-se para a partida imperativa e iminente.
Apesar de Fabiano e sua família serem explorados na fazenda onde trabalhavam, a decisão de partir (uma das muitas que adotaram) foi tomada quando a vida já não tinha como ser preservada naquele lugar tornado hostil pela seca. Partir a pé, somente tendo como guia a direção sul, sem saber para onde estavam indo e que tipo de lugar e que pessoas encontrariam, denota um mundo imaginário pequeno por parte da família. Mesmo assim, sabiam da grande distância que teriam de percorrer.
Fabiano, sinhá Vitória (seus dois filhos, o papagaio e a Baleia) e Alice não conheciam ninguém no lugar também desconhecido para onde estavam indo. Partir sem saber para onde e sem nenhum apoio de parentesco ou amizade no destino é uma experiência indescritível para quem examina o fenômeno de um lugar social cercado de garantias afetivas e financeiras. A insegurança e a incerteza que cercam a tomada de decisão são tão elevadas que muitas famílias optam por enviar primeiro um de seus membros, geralmente o arrimo. Uma pessoa é mais fácil de se estabelecer “fora”. Caso as coisas não sejam do jeito imaginado, fica mais fácil o retorno desse membro da família. Se tudo ocorrer mais ou menos como pensado e o membro conseguir uma ocupação e um lugar para morar, depois de um tempo viabiliza a migração dos demais.
Entre o mundo de Alice e o País das Maravilhas não existia nenhum tipo de contato, nenhuma troca de experiência, ninguém que já tivesse caído na toca do coelho e relatado sua vivência. Assim também, entre o mundo sertanejo de Fabiano e sinhá Vitória e o mundo urbano com o qual sonhavam não fluíam relações afetivas nem financeiras. Eram mundos diferentes e desconectados. Não havia uma única pessoa que tivesse migrado de quem pudessem ouvir as experiências, ou que os acolhesse nalgum cantinho do mundo desconhecido. Faltaram na história de nossos ilustres personagens o que autores como Douglas S. Massey e outros (1993), Joaquin Arango (2003) e Oswaldo Truzzi (2008) denominaram de redes migratórias. Elas são de suma importância no sentido de influenciar as decisões de partir e a direção a ser tomada, além de reduzir as incertezas decorrentes desse ato. Os elos de conexão da rede, no destino, podem suprir o potencial migrante de informações sobre o local e a ambiência socioeconômica. Assim também, podem ajudar a custear o transporte, hospedar por algum tempo em sua residência, ajudar na colocação no mercado de trabalho, ser um apoio emocional e afetivo.
Ao se avançar na leitura do livro de Carroll, eis outra interessante conversa, dessa vez entre Alice e a Rainha de Copas:
O mais curioso nisso tudo era que as árvores e as outras coisas em volta delas nunca mudavam de lugar: por mais depressa que ela e a Rainha corressem, não pareciam ultrapassar nada. “Será que todas as coisas estão se movendo conosco?” pensou, atônita, a pobre Alice. E a Rainha pareceu lhe adivinhar os pensamentos, pois gritou “Mais rápido! Não tente falar!”.
[...]
Alice olhou ao seu redor muito surpresa. “Ora, eu diria que ficamos sob esta árvore o tempo todo! Tudo está exatamente como era!”
[...]
“Claro que está”, disse a Rainha, “esperava outra coisa?”
“Bem, na nossa terra”, disse Alice, ainda arfando um pouco, “geralmente você chegaria a algum outro lugar… se corresse muito rápido por um longo tempo, como fizemos”.
“Que terra mais pachorrenta!”, comentou a Rainha. “Pois aqui, como vê, você tem de correr o mais que pode para continuar no mesmo lugar. Se quiser ir a alguma outra parte, tem de correr no mínimo duas vezes mais rápido!” (CARROLL, 2000, p. 121).
Nos dias atuais, com o desenvolvimento dos meios de transporte, nem precisamos correr tanto para notarmos a chegada, rapidamente, ao destino. Por outro lado, percebe-se, assim como Alice, que todas as coisas correm demais, estão em movimento, se transformam continuamente. Nem sempre se consegue acompanhar o ritmo e a intensidade com que as coisas, nessa sociedade, modificam-se ou são substituídas.
A terra de origem da Alice era um lugar onde a vida passava devagar demais, um tempo de poucas mudanças socioeconômicas e tecnológicas. Uma terra “pachorrenta, calma, vagarosa”, como apontou, admirada, a Rainha de Copas. Um lugar onde o cotidiano quase não apresentava surpresas e os acontecimentos extraordinários causavam espanto e comoção. Podemos dizer que o mundo de Alice era o que Zygmunt Bauman (2001) denomina de capitalismo pesado, em contraponto ao País das Maravilhas da Rainha de Copas, um mundo da “modernidade líquida”. Neste, como revela Bauman, “alguns habitantes do mundo estão em movimento; para os demais, é o mundo que se recusa a ficar parado” (2001, p. 70). O mundo está em movimento, e ficar parado, enraizado, para muitas pessoas, representa permanecer de fora do processo de transformação, ser excluído das possibilidades, que agora são variadas e numerosas. Corrermos mais rápido do que as transformações do mundo significa que podemos escolher não apenas um, mas vários caminhos. O sucesso e o alcance dos objetivos só dependem do indivíduo. Errarmos um caminho é possível, pois rapidamente admitimos retomar a trajetória e escolher outro que estará disponível. Corrermos duas vezes mais rápido também significa que o mérito depende sobretudo do esforço individual.
O mundo da família de Vidas Secas era o sertão nordestino da primeira metade do século XX. Não corresponde nem de perto ao mundo da “modernidade líquida”. Naquele ambiente de isolamento a vida passava muito mais devagar do que na terra natal de Alice, a Inglaterra da segunda metade do século XIX. A rotina dos dias no sertão era raramente quebrada quando se aproximava o breve período de chuvas ou quando era preciso se deslocar ao longínquo e pequeno núcleo urbano para, por exemplo, comprar algo ou participar da Festa de Natal.
Nesses breves diálogos de Alice com o Gato e com a Rainha de Copas, e comparações com algumas dificuldades da família de retirantes sertanejos de Vidas Secas, recordamos de aspectos do fenômeno migratório, a exemplo dos determinados por fatores push tradicionais, dos influenciados pelas redes migratórias e dos derivados das recentes transformações sociais, econômicas e tecnológicas, em razão do que Bauman denomina de “modernidade líquida”. Esses três enfoques não dão conta de analisar todos os determinantes das migrações. De certa forma, essas posições coexistem com inúmeras outras.
O próximo tópico tem como propósito explicitar o entendimento sobre “modernidade líquida” e seus reflexos para o fenômeno migratório.
No final do século passado, alterações no modo de produzir e de organizar a produção impactaram as relações entre o capital e trabalho. Nessa nova fase, Zygmunt Bauman (2001) relata que o poder desterritorializado causou o fim do engajamento mútuo entre capital e trabalho. Surge uma etapa de rejeição ao confinamento territorial, um poder extraterritorial alienado das questões locais, um poder dos “senhores ausentes”. É o fim da união num mesmo espaço físico entre capital e trabalho, entre supervisores e supervisionados.
A nova fase do capitalismo leve se sobrepõe, mas sem eliminá-la, à fase do capitalismo pesado. Este, baseado no estilo fordista, capitalistas, trabalhadores e administradores ocupavam o mesmo chão de fábrica, em estruturas físicas enormes, imóveis e enraizadas. Os trabalhadores, ao entrarem numa empresa, viviam na perspectiva de permanecer nela até o final da carreira. Assim, esse estágio pesado e volumoso, de certa forma, bloqueava a mobilidade dos trabalhadores. Igualmente, o capital estava preso ao solo e às suas convicções de escala e de condensação da produção. Nessa fase pesada da modernidade, o progresso denotava tamanho crescente da planta industrial e expansão espacial (BAUMAN, 2001).
Por sua vez, de acordo com Bauman (2001), na nova fase do capitalismo leve, o capital encontra pouco compromisso com a fixação ao solo e pouco engajamento com o trabalho. Em verdade, seu arraigamento dura o tempo de sua satisfação. As possibilidades de investimento, sem nenhum compromisso com o lugar e com o chão de fábrica, são enormes. O comando do processo produtivo encontra-se, nessa fase, desterritorializado, em clara oposição ao confinamento territorial. “A reprodução e o crescimento do capital, dos lucros e dos dividendos e a satisfação dos acionistas se tornaram independentes da duração de qualquer comprometimento local com o trabalho” (BAUMAN, 2001, p. 171).
Por outro lado, o trabalho ainda não está tão livre como o capital e encontra impedimentos e resistência aos seus movimentos, especialmente quando consideramos a migração internacional. Um exemplo recente foi descrito por Bauman (2017) ao destacar o viés nacionalista das campanhas políticas, que prometem segurança contra os imigrantes, numa clara tentativa de rotulá-los como uma ameaça capaz de tirar o bem-estar e perturbar a paz social. O discurso e práticas discriminatórias não são para quaisquer tipos de imigrantes. Tal estereótipo alcança certos imigrantes indesejados, com características peculiares de classe, étnico-raciais e religiosas.
Contudo, para os trabalhadores se abrem outras alternativas além daquelas impostas pela fixação de empresas fordista. Na modernidade líquida, a responsabilidade sobre o leque de possibilidades recai sobre cada trabalhador, que deve qualificar-se para alongar ao máximo suas capacidades. Além disso, “para que as possibilidades continuem infinitas, nenhuma deve ser capaz de petrificar-se em realidade para sempre. Melhor que permaneçam líquidas e fluidas e tenham ‘data de validade’ [...]” (BAUMAN, 2001, p. 74).
As técnicas de produção flexível, apesar de muito desequilibradas entre os ramos industriais, está, cada vez mais, introduzindo máquinas especializadas, tecnologia da informação, robótica e sistema de transmissão de dados, numa crescente substituição do trabalho (BENKO, 2002). Essa flexibilidade da produção possui rebatimentos nas relações entre empresas e empregados, concedendo àquelas rapidezes para “[...] ajustar seus efetivos e o nível dos salários em virtude das flutuações da demanda” (BENKO, 2002, p. 120-121).
As rápidas transformações em contraponto à rigidez fordista estão no âmbito do que David Harvey (2011) denominou de “acumulação flexível”. Segundo o autor, ela não diz respeito somente aos processos produtivos e ao mercado de trabalho, mas também à flexibilidade de produtos e dos padrões de consumo, pelo aparecimento de “[...] setores de produção inteiramente novos, novas maneiras de fornecimento de serviços financeiros, novos mercados, e, sobretudo, taxas altamente intensificadas de inovação comercial, tecnológica e organizacional” (HARVEY, 2011, p. 140).
De acordo com Bauman (2001), na fase do capitalismo pesado, o espaço era o detentor do valor e o tempo era concebido como um obstáculo para o seu alcance. Na modernidade líquida “tempo é dinheiro” e capaz de romper as barreiras e resistências do espaço, de encurtar distâncias, tornar viável a conquista de lugares e a eles conceder valor. “O tempo é diferente do espaço porque, ao contrário deste, pode ser mudado e manipulado; tornou-se um fator de disrupção: o parceiro dinâmico da relação tempo-espaço” (BAUMAN, 2001, p. 130). Dominar o espaço significa acelerar movimentos, acelerar comunicação, acelerar informação. “O movimento acelerado veio a significar maior espaço, e acelerar movimento era o único meio de ampliar o espaço” (BAUMAN, 2001, p.131).
A telecomunicação via satélite, o desenvolvimento dos meios de transportes, com maior velocidade e redução de custos, possibilitou, segundo Harvey (2011), maior difusão e amplitude das decisões (privadas e públicas) no espaço. Tanto as tomadas de decisões ficaram mais rápidas quanto sua difusão e implementação aceleraram de maneira excepcional. A essa realidade o autor denominou de “compressão do tempo-espaço”. A extrapolação das barreiras espaciais, através da aceleração do tempo, da “economia do tempo”, da compressão do tempo, faz com que o mundo se torne pequeno, encolha-se. Com isso, a representação do mundo para as pessoas é alterada e a aceleração no ritmo da vida é inevitável (HARVEY, 2011).
Essa aceleração foi constatada por Domenach (2011, p. 40), com rebatimentos na duração e na frequência dos deslocamentos. Nas palavras do autor,
[…] la duración de los desplazamientos humanos parece evolucionar en relación inversa al crecimiento de la infraestructura y equipamiento, mientras que su frecuencia se ha acelerado considerablemente. La movilidad se ha acrecentado más allá de las estaciones, los climas, las distancias, los socio-sistemas etc. (DOMENACH, 2011, p. 40).
Para Harvey (2011), foi a necessidade de aceleração do “tempo de giro do capital” que trouxe a aceleração na organização do trabalho, além dos rebatimentos, por exemplo, nos relacionamentos, na cultura e na vida social. O tempo de giro do capital é composto pelo somatório do tempo de produção e de circulação. Quanto menor esse tempo, menos recursos poderão ser mobilizados e maior a rotatividade do capital, e, portanto, maior o lucro. “O efeito geral é, portanto, colocar no centro da modernidade capitalista a aceleração do ritmo dos processos econômicos e, em consequência, da vida social” (HARVEY, 2011, p. 210).
Disso, destacamos as alterações nos ritmos de produção, de circulação e de consumo. A crescente velocidade da produção e da prestação de serviços, com a elevação do uso de tecnologias e intensificação dos processos de trabalho, acelerou também a desqualificação e a necessidade de constante requalificação dos trabalhadores. Não há garantia de que uma habilidade ou profissão adquirida pela pessoa seja suficiente para suprir as suas condições materiais ao longo da vida. É o que Harvey (2011, p. 210) chama de “destruição e reconstrução acelerada das habilidades”. Por outro lado, a velocidade da circulação, da troca e da consumação de um serviço foi ampliada através das técnicas de distribuição e de controles de estoques, dos sistemas de comunicação e do fluxo de informações. Para que houvesse alterações na produção e na circulação, a aceleração e padrões de consumo também teriam de ser alterados. E aqui assume importância o maior fluxo de recursos a partir do desenvolvimento do mercado de crédito: a exemplo dos bancos eletrônicos (e recentemente, os bancos virtuais), cartões de crédito e outras formas de pagamentos via internet.
Além disso, os meios de comunicação têm contribuído para uma “sociedade de descarte”, com base no consumo rápido e com possibilidade de substituição com pouco uso, pois é possível encontrar no mercado versões cada vez mais “avançadas”. O conserto de um produto é desmotivado pela rapidez do avanço tecnológico e pelo custo (inclusive o de oportunidade): alto preço de peças de reposição, preço da mão de obra do especialista (que, em certos casos, é difícil de ser encontrada) e o tempo que se usa para colher orçamentos e levar o bem a local específico. Assim, a “sociedade do descarte” privilegia materiais pouco duráveis, alimentos prontos e rápidos, roupas da moda, que ganham descartabilidade muito rápida etc. (HARVEY, 2011). Tal sociedade, segundo Harvey: “[...] significa mais do que jogar fora bens produzidos; significa também ser capaz de atirar fora valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, apego a coisas, edifícios, lugares, pessoas e modos adquiridos de agir e ser” (2011, p. 259).
No mundo da modernidade fluida, as instituições e princípios não mais determinam o comportamento do “ser humano”, enquanto um ser social. “[…] inter-human bonds, whether inherited or tied up in the course of current interaction, lose their past institutional protections which are now viewed increasingly as irritating and unbearable constraints imposed upon the individual freedom of choice and self-assertion” (BAUMAN, 2011, p. 432). Antes de tudo, sua ação social deve ser reflexo da especificidade cultural e psicológica encontrada dentro de si. Os problemas devem ser enfrentados de forma individualizada e solucionados a partir do esforço pessoal. Esse mecanismo deve nascer dentro de cada indivíduo e não a partir de uma organização social (BAUMAN, 2001). Contudo, “riscos e contradições continuam a ser socialmente produzidos; são apenas o dever e a necessidade de enfrentá-los que estão sendo individualizados” (BAUMAN, 2001, p. 43).
De acordo com Zygmunt Bauman (2001), a individualização é uma fatalidade. Nesse sentido, ele destaca que o “indivíduo de jure”, em contraposição ao “indivíduo de facto”, é resultado das transformações da sociedade, que coloca nos seus ombros a responsabilidade pelo insucesso, pela baixa qualificação, pelo desemprego, pela pobreza e outros problemas. As conquistas e realizações dependem só e unicamente do esforço e determinação individual.
Com o advento da modernidade líquida e do “capitalismo de software” ocorreu uma mudança na durabilidade da relação capital-trabalho. Nenhum dos dois se vê obrigado a manter o relacionamento no tempo e num mesmo espaço. Na modernidade pesada, no “capitalismo de hardware”, o sonho dos jovens estava ligado ao ingresso numa grande e conceituada empresa e nela fazer carreira. O planejamento profissional era atrelado à estabilidade e isso incluía a permanência e crescimento dentro de uma mesma empresa. Na modernidade líquida, as pretensões estão conjugadas à busca de oportunidades, de desafios, do alcance do novo (BAUMAN, 2001). “O emprego parece um acampamento que se visita por alguns dias e que se pode abandonar a qualquer momento se as vantagens oferecidas não se verificarem ou se forem consideradas insatisfatórias [...]” (BAUMAN, 2001, p. 171).
Ser moderno passou a significar, como significa hoje em dia, ser incapaz de parar e ainda menos capaz de ficar parado. Movemo-nos e continuaremos a nos mover não tanto pelo “adiamento da satisfação” [...], mas por causa da impossibilidade de atingir a satisfação: o horizonte da satisfação, a linha de chegada do esforço e o movimento da autocongratulação tranquila movem-se rápido demais. A consumação está sempre no futuro, e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se não antes (BAUMAN, 2001, p. 37).
Nesse sentido, Bauman (2001) destaca características pessoais de Bill Gates:
Tinha o cuidado de não desenvolver apego ou compromisso duradouro com nada, inclusive com suas próprias criações. Não tinha medo de tomar o caminho errado, pois nenhum caminho o manteria na mesma direção por muito tempo e porque voltar atrás ou para o outro lado eram opções constante e instantaneamente disponíveis (BAUMAN, 2001, p. 144).
Ser flexível, adaptável, passou a ser uma característica tanto das empresas como dos trabalhadores, com rebatimentos nas relações pessoais e no modo de vida. Nos arranjos institucionais privados percebeu-se tal flexibilidade, por exemplo, nos métodos de produção, nas relações entre empresas; já nos arranjos públicos, o Estado keynesiano de bem-estar social foi aos poucos alterando suas políticas de modo a permitir, por exemplo, a flexibilidade do trabalho e de salários (BENKO, 2002). Nessas circunstâncias, os trabalhadores devem ser “[...] adaptáveis, flexíveis e, se necessário, geograficamente móveis” (BENKO, 2002, p. 120).
O fim do emprego fordista e o advento do “trabalho sem corpo” de Bauman (2001), sem a necessidade, em muitos casos, de presença no endereço físico e fixo, e a possibilidade de oscilação do quadro de trabalhadores em razão das flutuações da demanda, livrou o capital dos custos de manter tais trabalhadores. Assim, permitiu ao capital ser extraterritorial, volátil, e se livrar do enfrentamento direto com os trabalhadores e com suas formas de organização.
Piore (2012, p. 6), ao confirmar esse entendimento, observa que mudanças na estrutura do mercado de trabalho trouxeram implicações para a migração, em razão da
[…] change in the institutional environment, basically a move away from the so called rigidities introduced in the 1930’s and the 1960’s/early 1970’s, giving employers greater latitude to deploy labor as they see fit and to layoff and discharge workers in response to variations in product demand. […] At the same time, the forces of technological change and globalization appear to be “hollowing out” the job structure. Mid-level jobs, especially in manufacturing, appear to be gradually disappearing, leaving a bi-modal job distribution, increasingly bifurcated between low wage unskilled jobs at the bottom and relatively skilled jobs, requiring high levels of education, at the top (PIORE, 2012, p. 6).
Somado a isso, o emprego estável e duradouro parece que ficou no imaginário das gerações passadas. Atualmente, ninguém pode sentir-se seguro.
Ninguém pode razoavelmente supor que está garantido contra a nova rodada de ‘redução de tamanho’, ‘agilização’ e ‘racionalização’, contra mudanças erráticas da demanda do mercado e pressões caprichosas mas irresistíveis de ‘competitividade’, ‘produtividade’ e ‘eficácia’. ‘Flexibilidade’ é a palavra do dia [...]. Ninguém pode, portanto, sentir-se insubstituível [...] (BAUMAN, 2001, p. 185).
Os estudos de Bauman (2001) revelam parte das transformações sociais ocorridas e que ainda estão em curso neste início de século XXI. No entanto, esses novos fatos impulsionadores de atos migratórios coexistem com outros determinantes tradicionais. Ainda, a análise do autor concentra-se muito mais nos casos constatados nos grandes centros urbanos. Assim também, a modernidade líquida e suas consequências são verificadas, especialmente, nos países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, pela especificidade da produção e baixo nível tecnológico, as formas de organizar a produção industrial podem ainda guardar muitas características do estilo fordista. Além disso, os setores agropecuário e de serviços podem ser pouco desenvolvidos, conservando práticas antigas nos seus arranjos.
Nas grandes metrópoles, Bauman (2011) revela, a população é formada por uma coleção de “diásporas”, onde as fronteiras internas são muito porosas e é difícil distinguir-se quem é nativo, “pertencente” à cidade, de quem é um “estranho”. A migração nessa fase da modernidade líquida assume fronteiras difusas e permeáveis, que são transpostas em ambos os sentidos. A fluidez e a mistura de pessoas se encontram em processo para se tornarem a norma.
Este artigo quis mostrar que a modernidade líquida proposta por Bauman (2011) tem potencial para influenciar as migrações, especialmente as verificadas entre grandes cidades, nos países desenvolvidos e em desenvolvimento. Novos fatores decorrentes das rápidas transformações sociais, econômicas e tecnológicas afetaram de forma irreversível o modo de organizar a produção e as relações entre capital e trabalho. Esse mundo em movimento, em transformação – que, em muitos casos, encontra-se acima de nossa capacidade de acompanhá-lo –, parece com uma característica do País das Maravilhas, apresentada a Alice no diálogo com a Rainha de Copas.
Na modernidade líquida a representação do mundo foi alterada. O espaço foi dominado pela aceleração do tempo; e isso significa acelerar comunicação, informação e movimentos. Nem o capital nem o trabalho se veem obrigados a manter o relacionamento no tempo e num mesmo espaço. O mundo de possibilidades tornou-se grande, deixando o mundo físico pequeno.
Nessa modernidade fluida, em contraposição ao capitalismo pesado do estilo fordista, o capital não precisa estar preso ao chão de fábrica para garantir sua reprodução. Há a possibilidade de investimentos e ganhos sem a necessidade de comandar uma estrutura volumosa e enraizada. O comando do processo produtivo pode se encontrar desterritorializado. Além disso, com as técnicas de produção flexível, que se ajustam rapidamente à demanda de mercado, com muita rapidez é possível adequar o número de trabalhadores e os seus salários.
O estágio volumoso e pesado da modernidade dificultava a mobilidade dos trabalhadores, que tinham como objetivo fazer carreira numa grande e conceituada empresa. Por sua vez, o modelo administrativo zelava pela permanência dos trabalhadores e, dificilmente, os desligava. Atualmente, não há garantia dessa permanência. O trabalhador deve se qualificar ao máximo para aprimorar suas capacidades, pois as possibilidades são muitas e as garantias de ficar empregado não são tão seguras. A responsabilidade pelo insucesso e pelo desemprego recai sobre o trabalhador.
Contudo, a nova fase do capitalismo leve se sobrepõe, mas sem eliminar, a fase do capitalismo pesado. Isso implica a coexistência com inúmeros outros fatores tradicionais do fenômeno migratório, a exemplo dos fatores de expulsão e os impulsionados pelas redes migratórias. Eles foram examinados na conversa de Alice com o Gato e na história da família de retirantes sertanejos, em Vidas Secas.
Por fim, este artigo não pretendeu ser exaustivo no que se refere aos novos determinantes do ato migratório. Por ser a migração um fenômeno social complexo, é desejável a análise de regiões menores ou o estudo de fluxos específicos para que se possa tecer afirmações pontuais e constatar a influência dessa fase fluida da modernidade. Este trabalho, portanto, é uma identificação mais geral da modernidade líquida sobre o ato migratório. Análises futuras devem levar em conta as especificidades das motivações, de modo a compreender melhor as novas dinâmicas relacionadas ao fenômeno.