Resumo: A literatura e as pesquisas quanto à significação social e atratividade da carreira docente no Brasil têm mostrado uma crescente desvalorização desta profissão, em especial do ser professor (a) da Geografia escolar. Isso porque a Geografia foi introduzida no currículo escolar como uma ferramenta teórica estratégica de reconhecimento do território nacional, bem como com o intuito de integrar o Estado-nação e proteger suas fronteiras. Por conta de tal cenário está disciplina priorizou por um longo período a descrição e caracterização, sobretudo dos aspectos físicos, dos lugares e suas respectivas populações. Diante disso, mesmo tendo desenvolvido um arcabouço teórico-metodológico rico, com o qual passou a observar o espaço geográfico por outros ângulos, a Geografia mantém, até os dias atuais, no senso comum, o estigma de ser uma disciplina escolar enciclopédica, que possui pouca relação com o cotidiano, e que por isso exige dos alunos da Educação Básica um esforço exacerbado da memória. Procurando contribuir com essa discussão, o presente artigo visa abordar essa temática a partir da Teoria das Representações Sociais (Moscovici, 1969). Sob essa perspectiva, buscamos identificar, nas referências teóricas já existentes, questões que versem sobre a formação inicial e a construção de uma representação social da condição de ser professor de Geografia no Brasil. Para dar embasamento a essa discussão, utilizamos como referencial teórico autores como Tardif (2002), Nóvoa (1997), Callai (2003), Pontuschka (2009, 2010), entre outros. Assim, inferimos a existência de um fazer geografia escolar que a insere em uma visão pouco crítica da realidade, muito embora o seu discurso teórico a encaminhe para o sentido contrário.
Palavras-chave:GeografiaGeografia, Formação docente Formação docente, Representações sociais Representações sociais.
Abstract: Literature and research on the social significance and attractiveness of the teaching career in Brazil have shown a growing devaluation of this profession, especially being a teacher of school geography. This is because Geography was introduced in school curriculum as a theoretical tool of recognition of the national territory, as well as with the intention of integrating the nation-state and protecting its borders. Because of this scenario, this discipline prioritized the description and characterization, mainly of physical aspects, of places and their respective populations, for a long time. Thus, despite having developed a rich theoretical-methodological framework, with which we began to observe the geographic space from other angles, Geography has until today, in common sense, the stigma of being an encyclopedic school discipline, which has little relation to daily life, and that, therefore, requires the students of Basic Education with an exacerbated effort of memory. In order to contribute to this discussion, the present article aims to approach this theme from the Theory of Social Representations (MOSCOVICI, 1969). From this perspective we seek to identify the theoretical references, already existing questions that deal with the initial formation and the construction of a social representation of the condition of being professor of Geography in Brazil. To support this discussion, we use as theoretical reference authors such as Tardif (2002), Nóvoa (1997), Callai (2003) Pontuschka (2009, 2010), among others. Thus we infer the existence of a geography school that inserted it in an uncritical view of reality, even though its theoretical discourse directs it to the opposite direction.
Keywords: Geography, Teacher training, Social representations.
Résumé: La littérature et les recherches sur la signification sociale et l’attractivité de la carrière d’enseignant(e) au Brésil ont montré une dévaluation croissante de cette profession, en particulier en tant qu’enseignant(e) en géographie scolaire. Cela tient au fait que la géographie a été introduite dans les programmes scolaires en tant qu’outil théorique-stratégique de reconnaissance du territoire national, ainsi que dans l’intention d’intégrer l’État-nation et de protéger ses frontières. En raison de ce scénario, cette discipline a priorisé, pendant une longue période, la description et la caractérisation, principalement physique, des lieux et de leurs populations respectives. Ainsi, malgré le développement d’un riche cadre théorique et méthodologique, avec lequel on a commencé à observer l’espace géographique sous d’autres angles, la géographie maintient aujourd’hui, au sens commun, le stigmate d’une discipline scolaire encyclopédique qui n’a presque aucune relation avec la vie quotidienne, et cela impose donc aux étudiants de l’éducation de base un effort de mémoire exacerbé. Afin de contribuer à cette discussion, le présent article vise à aborder ce thème de la théorie des représentations sociales (MOSCOVICI, 1969). Dans cette perspective, nous cherchons à identifier dans les références théoriques existantes quelques questions relatives à la formation initiale et à la construction d’une représentation sociale de la condition d’être professeur de géographie au Brésil. Pour appuyer cette discussion, nous utilisons comme référence théorique des auteurs tels que Tardif (2002), Nóvoa (1997), Callai (2003) Pontuschka (2009, 2010), entre autres. Ainsi, nous en déduisons l'existence d'une école de géographie qui l'insère dans une vision non critique de la réalité, même si son discours théorique la dirige dans la direction opposée.
Mots clés: Géographie, Formation des enseignants, Représentations sociales.
A REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA DOCÊNCIA EM GEOGRAFIA NA EDUCAÇÃO BÁSICA
THE SOCIAL REPRESENTATION OF TEACHING IN BASIC EDUCATION GEOGRAPHY
LA REPRÉSENTATION SOCIALE DE L'ENSEIGNEMENT EN GÉOGRAPHIE DANS L'ÉDUCATION DE BASE
Recepção: 06 Fevereiro 2019
Aprovação: 02 Abril 2019
A pesquisa quanto à formação do professor de Geografia tem avançado nos últimos anos. No bojo dessa discussão, está a apresentação do significado da docência. Gatti e Barreto (2009) afirmam que as primeiras representações sobre a docência denotam a ideia de vocação e missão. Essas representações contribuíram e contribuem para distanciar os professores da luta por melhores condições de trabalho.
No contexto atual, Cavalcanti (2006) preleciona, na perspectiva científica, a concepção de professor como profissional do ensino, que tem como principal tarefa cuidar da aprendizagem do aluno, respeitada a sua diversidade pessoal, social e cultural, buscando a formação plena, no âmbito cognitivo, afetivo e social.
Nesse ínterim, a docência em Geografia requer uma série de competências e habilidades que vão sendo delineadas na formação inicial, mas também pela influência, nesse processo, de elementos de ordem individual e contextual, composto, além da ação professoral, por determinantes sociais que condicionam a escolha pelo curso de licenciatura.
Assim, pensar o sentido de ser professor de Geografia a partir da Teoria das Representações Sociais, neste artigo, é realizar uma análise dos principais achados das pesquisas nessa área tendo essa Teoria como guia. Buscamos discorrer sobre os dados de diagnósticos localizados por autores e pesquisadores desse tema para chegarmos à conclusão de como, do ponto de vista acadêmico, tem sido divulgado um sentido de ser professor de Geografia. Essa análise é possível se considerarmos que a representação do ser professor é uma construção social humana e também intencional de atribuição de sentido.
Feito esse preâmbulo, neste artigo pretende-se refletir sobre a condição de ser professor de Geografia tendo como pressuposto que o contexto histórico no qual se insere essa profissão é orientado, também, por representações sociais, posto que as representações sociais são construídas na interação dos indivíduos com o contexto histórico e social do qual eles tomam parte.
A análise das representações sociais como um objeto de estudo, definindo o que representa o objeto em seu contexto social é marcada pela história dessa profissão, bem como a própria profissão é, em si, uma construção social e cultural. Assim sendo, a profissão e a sua consequente representação são, ao mesmo tempo, constituídas e constituintes do meio social. Desta forma, as características de construção histórica da formação de professores de Geografia ao longo da história do Brasil, provavelmente compõem o que hoje se tem em mente quando falamos em ser professor de Geografia.
A perpetuação de discursos e falas no decurso da história da profissão do professor, bem como no processo histórico de sua formação docente contribuem para a construção de imagens e representações utilizadas para identificar ou caracterizar socialmente a profissão. Nesse sentido, quando se discute as concepções da docência em Geografia atualmente tem-se aqui um aspecto nuclear que compreende a história da formação docente.
No que concerne ao histórico da formação inicial do professor de Geografia, Rocha (2010, p. 1) preleciona que os primeiros cursos são instituídos, no Brasil, a partir do Decreto n° 19.851/31, no qual o Ministro Francisco Campos renova o ensino superior brasileiro com a introdução do sistema universitário.
As duas primeiras instituições de ensino superior organizadas sob as novas regras do sistema universitário foram a Universidade de São Paulo, em 1934, e a Universidade do Distrito Federal, em 1935 (Rocha, 2010). A partir da criação desses cursos de formação inicial de professores de Geografia, verifica-se uma mudança tanto cultural quanto institucional, no que concerne ao ser professor dessa disciplina. Isto porque, pela primeira vez, a disciplina de Geografia passaria a ser ministrada por um profissional formado especificamente para atuar nessa área.
Assim, em 1950, houve uma maior difusão dos cursos de formação de professores, sobretudo a partir da promulgação da Lei n° 4024/61, que determinava as Diretrizes e Bases da Educação e regulamentava, em âmbito nacional, a formação docente, especificando a exigência de um currículo mínimo para todos os cursos de Licenciatura em Geografia (ROCHA, 2010).
No bojo das transformações políticas e sociais do período histórico do regime militar, o advento de uma legislação conservadora, materializada pela Lei n° 5.692/71, ocasionou retrocessos para a formação de professores e para a Geografia escolar. Nesse contexto,
[...] enquanto na universidade, na década de 70 do século XX, os debates se acirravam em decorrência da busca de novos paradigmas teóricos no âmbito do conhecimento em Geografia, a escola pública de primeiro e segundo graus, hoje ensino fundamental e médio, enfrentava um problema ocasionado pela Lei n° 5.692/71: a criação de Estudos Sociais com a eliminação gradativa da História e da Geografia da grade curricular (PONTUSCHKA; PAGANELLI; CACETE, 2009, p. 59).
Assim, pode-se afirmar que a repercussão da Lei 5.692/71 nos cursos de formação docente resultou na perda gradativa do significado da licenciatura em Geografia e História, e também na proletarização da profissão docente, o que pôde ser percebido pela perda do status social do professor de Geografia, em decorrência da substituição da Geografia pelos Estudos Sociais no período da ditadura militar.
Essa política conservadora de precarização da formação do professor de Geografia foi reforçada com a criação dos cursos de licenciaturas curtas, em 1972 (Rocha, 2010). O projeto que viabilizou a criação dessas licenciaturas preconizava a separação do bacharelado em relação à licenciatura. Segundo Seabra (1981), isso provocou uma hierarquização e o enfraquecimento da formação científica do professor.
Embora fossem evidentes os prejuízos que essa nova configuração proporcionaria para a formação do professor de Geografia, muitas universidades, sobretudo as privadas, fecharam os cursos de licenciatura em Geografia, tendo em vista que seria mais rentável economicamente a implantação das licenciaturas curtas. A transformação da educação em mercadoria materializou-se até mesmo na formação docente.
Pontuschka (2009) afirma que a Associação dos Geógrafos Brasileiros (AGB) e a Associação Nacional de Professores Universitários de História (Anpuh), ao longo da vigência da Lei 5.692/71, auxiliaram com críticas, influenciando na extinção dos Estudos Sociais e na configuração do atual momento, marcado por um novo cenário na formação do professor de Geografia, mas que traz consigo sequelas de todo um processo histórico de precarização da formação docente.
Segundo Pontuschka (2009), o momento atual é de transição, marcada pelo advento dos novos paradigmas da formação docente. As novas abordagens centram-se na concepção da formação do professor como um processo permanente, evidenciado pelo desenvolvimento da capacidade reflexiva, crítica e criativa, conferindo ao professor autonomia e elevando seu status profissional.
Ressalta-se que essa conjuntura social e educacional mudou não só o perfil do aluno, mas também o que se espera do professor, surgindo a necessidade de adequação da ação professoral, o que gerou também o sentimento de incerteza quanto à identidade do professor (IMBERNÓN, 2000).
No âmbito do ensino de Geografia há a tentativa de superação do modelo clássico, marcado pelo ensino dos conteúdos de forma enciclopédica e que se apresentam sem conexões com a realidade do aluno. Outras características desse modelo de ensino correspondem à desconsideração do conhecimento prévio do aluno, o estudo do espaço excluindo o homem como produtor da sociedade e o uso exacerbado da memória pelo aluno, negando-se a este a possibilidade de compreensão da realidade vivida.
Nesse cenário, apesar do vasto referencial teórico que afirma a ineficácia dessas práticas e a consciência da necessidade de mudança, verificam-se, no processo de superação do modelo clássico, anacronismos que definem o fazer docente na atualidade.
Segundo Imbernón (2000), essa realidade se manifesta devido a alguns fatores, como, por exemplo, a ausência de uma formação de professores coerente com a postura de que a escola lida com incertezas e de que o professor necessita ter habilidades para lidar com a mudança, sobretudo porque a superação do modelo de professor tradicional representa sair da zona de conforto e assumir a responsabilidade que impede a mudança da “escola das verdades” para a “escola das incertezas”. Nessa direção, Morin (2005, p. 16) afirma que “é preciso aprender a navegar em um oceano de incertezas, em meio a arquipélagos de certezas”.
Para que esses novos paradigmas da formação docente se concretizem é necessário se conhecer a realidade que se propõe transformar. É necessário então conhecer, do ponto de vista objetivo, a estrutura organizacional na qual o professor está inserido, e, do ponto de vista subjetivo, a dimensão pessoal da formação desse professor. Isso envolve, também, as questões das representações sociais que influenciam a formação desse profissional.
Nesse diapasão, pretende-se situar nesta pesquisa o termo “formação”, no âmbito do desenvolvimento profissional, a partir da análise de Nóvoa (1997), que, embora faça abordagens e inferências relacionadas à formação docente na realidade portuguesa, em muito contribui para a reflexão que continuamente desejamos realizar acerca da formação do professor no Brasil.
Na visão de Nóvoa (1997), a profissão docente está relacionada ao desenvolvimento pessoal, profissional, que corresponde à formação do professor em si e ao desenvolvimento organizacional, que significa produzir a escola. Nesse sentido, a formação profissional, seja ela inicial ou continuada, colabora para a construção do significado do que é ser professor, da sua identidade, bem como para a atuação reflexiva na profissão docente.
Entender a profissão docente a partir da concepção de Nóvoa (1997) significa considerar a importância do processo de formação inicial na construção de uma cultura profissional que enfatize o desenvolvimento pessoal do professor. Isso denota produzir a vida do professor estimulando uma perspectiva crítico-reflexivo, favorecendo os meios para um pensamento autônomo, facilitando as dinâmicas da formação e combatendo a proletarização da profissão.
Para Tardif (2012), a formação do professor ocorre em quatro fases fundamentadas na aquisição dos saberes docentes. Essa formação inicia-se antes mesmo do ingresso na universidade, sendo a academia um segundo momento dela, que é complementada pelas experiências adquiridas após o ingresso na profissão, e continua durante a vida profissional.
Destaca-se que essas abordagens, quanto à formação inicial, demonstram a complexidade que é entender o que é ser professor, assim como o consequente processo de sua formação. Nesse sentido, as considerações enumeradas, quanto à formação inicial do professor de Geografia, destacam a essência do termo “formação inicial” como sendo um fenômeno que transcende a mera habilitação outorgada pelas universidades, posto que o ser professor e a sua necessária formação não se restringem, tão somente, a um diploma de licenciatura.
Nesse cenário, a formação do professor de Geografia deve ser entendida num contexto amplo e contínuo, no qual a formação inicial, embora não forme o professor em absoluto, é uma primeira fase do desenvolvimento profissional, o que, muito, influenciará em sua vida de mediação junto aos alunos. Dessa forma, possui grande relevância, pois influencia o ser professor de Geografia e proporciona o desenvolvimento de múltiplos saberes.
Esses saberes são plurais, pois não são constituídos apenas do conteúdo da disciplina Geografia. São constituídos, sobretudo, dos saberes curriculares e dos experienciais. Dessa forma, o ser professor de Geografia não é influenciado apenas pelo conhecimento que se tem da disciplina, ou pela política salarial. É necessário considerar a complexidade da unidade do professor. O que se manifesta como uma atividade laboriosa, posto que são muitas as variáveis que formam o ser professor.
Tardif (2002) distingue os saberes docentes entre aqueles apreendidos da formação inicial e os que se dão no processo contínuo de formação. Esses saberes correspondem ao profissional, que são aqueles transmitidos pelas instituições de formação de professores: os saberes disciplinares, que integram as várias disciplinas oferecidas na universidade; os saberes curriculares, definidos pela escola como modelo de cultura erudita, e os experienciais, que se incorporam à prática docente por meio da experiência individual e coletiva sob a forma de habitus docente.
Ressaltamos, desse modo, que na formação do professor de Geografia, o conhecimento docente não deve ser apenas “transferido” ou “depositado”, mas sim construído na interação do licenciando com o mundo, com suas próprias experiências e representações adquiridas no processo de formação docente, o que se dá tanto a nível inicial na graduação, quanto a nível contínuo nos cursos de aperfeiçoamento e na própria vivência professoral.
Saviani (2005) aponta três momentos no processo de construção do conhecimento. O primeiro estágio desse processo corresponde à síncrese, caracterizado pela visão caótica do todo. No segundo momento, ocorre a compartimentação desses conhecimentos para captar a essência, que é denominada análise. No terceiro estágio, há conjugação dos conhecimentos compartimentados através da síntese. Vejamos essa relação, através do esquema a seguir.
Fazendo uma analogia, é possível transpor essa teoria para a construção do conhecimento no processo de formação do professor de Geografia. O licenciando, quando inicia sua formação na universidade, traz consigo conhecimentos sobre o que é ser professor e sobre as demais disciplinas do curso. No entanto, em regra, esse conhecimento é desorganizado, ou fundamenta-se no senso comum. Ao ter contato com as disciplinas do curso, que correspondem ao conhecimento geográfico compartimentado para a análise, o licenciando deverá, no processo de formação docente, ser capaz de conjugar e articular esses saberes, produzindo a síntese.
Nessa última fase, é preciso que os conhecimentos adquiridos no processo de formação docente sejam sistematizados e que o professor de Geografia consiga explicitar, tanto no âmbito teórico quanto prático, a síntese do conhecimento, que corresponde à sistematização dos saberes disciplinares, curriculares, profissionais e experienciais. Segundo Chaves (2014, p. 7), a síntese é conceituada como:
[...] o resultado da integração de todos os conhecimentos parciais num todo orgânico e lógico, resultando em formas de ação. [...] é a visão de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta numa situação dada. E é essa estrutura significativa que a visão de conjunto proporciona que é chamada de totalidade. No dia-a-dia estamos sempre trabalhando com totalidades de maior ou menor abrangência.
Em consonância com a citação acima, pode-se afirmar que a capacidade de síntese influencia a ação docente, relacionando teoria e prática. Assim, a totalidade dos conhecimentos pedagógicos e geográficos apreendidos no período de formação, que transcende à formação inicial, por ser continua, é maior que a soma das partes, posto que contém algo que não existe nas partes, correspondendo aquela às relações entre estas (MORIN, 2005).
Destaca-se a importância da universidade como principal responsável nesse processo de formação inicial do professor de Geografia. Conforme preceitua o artigo 43 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação - LDB (Lei n° 9394/96), denota-se que as instituições de ensino superior têm o papel de fomentar a construção do conhecimento e o pensamento reflexivo no processo de formação docente, sendo a pesquisa um meio para a concretização dessa finalidade.
Nesse sentindo, Kaercher (2007, p. 5) afirma que a pesquisa deve ser um princípio formativo do professor de Geografia, pois quem não pesquisa não é capaz de relacionar os saberes, apenas reproduz os conhecimentos de forma compartimentada. O que ocasiona lacunas e uma visão segmentada do conhecimento.
Kaercher (2003) enfatiza que a formação inicial oferece aos discentes aglomerados de disciplinas com uma visão segmentada. Grande parte das licenciaturas não estimula discussões dos saberes docentes. Dessa forma, a universidade, como lugar de produção do conhecimento reconhecidamente científico, em especial no que se refere à formação de professores de Geografia, deve buscar um comprometimento com a formação humana. Assim, haverá significativa contribuição para que o licenciando possa construir um conhecimento geográfico vinculado à realidade, e com conhecimento aprofundado acerca da sua profissão, situando-a de forma mais crítica e plural.
Compreendemos que esse processo de formação cumpre-se em muitas etapas sincrônicas que tem início na academia, mas que continua com a ação dos professores sobre a sua própria formação, promovendo uma gestão autônoma dos seus saberes. Nesse ínterim, deve-se reconhecer que esse processo abrange um aspecto de autoformação, no qual as dimensões psicológica, social e profissional estão interligadas, influenciando o ser e o fazer docentes. É, portanto, a partir das relações entre os aspectos constitutivos do ser professor que emerge a complexidade do processo formativo.
As reflexões feitas até aqui são necessárias para a compreensão da complexidade do significado atribuído à docência. Após fazer referência à história da formação do professor de geografia, com recortes temporais e institucionais, busca-se clarificar a simbologia da profissão docente no contexto atual.
As vicissitudes que permearam a formação e a ação professoral, a exemplo das reformas do sistema escolar brasileiro a partir da década de 1960, sobretudo as implementadas no período da ditadura militar (1964-1985), tais como a substituição gradativa da Geografia pelos Estudos Sociais na grade curricular (Lei n° 5.692/71), ocasionaram uma enorme desvalorização da condição de ser professor.
Houve uma depreciação da profissão docente de modo geral. Mas, o professor de geografia foi um dos que mais perdeu prestígio, sobretudo porque houve uma diminuição na carga horária da disciplina nas escolas, ocasionando o desprestígio da disciplina e da formação do professor. Isso contribuiu para a construção de imagens empobrecidas sobre a geografia escolar e sobre o professor dessa disciplina.
Nesse contexto, a análise das carreiras profissionais na sociedade atual denota não apenas peculiaridades quanto à especialização associada ao exercício do trabalho, mas também ao valor social e simbólico atribuído à profissão, que é variável conforme o tempo e o espaço, e também em função de aspectos da cultura, de educação e de política da região em que a profissão é exercida (GATTI; BARRETO, 2009).
Nessa direção, Vesentini (2009) afirma que o valor da escola e do professor são aspectos diretamente ligados à cultura e às prioridades de uma sociedade. Deve-se ressaltar que o Estado, mas não só ele, também a família, o conjunto dos meios de comunicação de massa etc., desempenham um papel fundamental nessas prioridades e na definição da conjuntura social e cultural.
No bojo dessa discussão, está a apresentação do significado da docência. Gatti e Barreto (2009) afirmam que as primeiras representações sobre a docência denotam a ideia de vocação e missão. Essas representações contribuíram e contribuem para distanciar os professores da luta por melhores condições de trabalho.
Compreendemos, como Cavalcanti (2006), que a docência em Geografia requer uma série de competências e habilidades que vão sendo delineadas na formação inicial, mas que necessitam serem aperfeiçoadas ao longo do tempo de serviço no magistério. Desta forma, a complexidade da constituição do ser professor de Geografia reflete-se nos desafios de ensinar essa disciplina no século XXI. Isto porque todas as transformações históricas e sociais descritas ocasionaram mudanças no sistema educacional, incluindo a não adequação do sistema escolar ao novo contexto social, desencadeando também a necessidade de adaptação da formação do professor a esse novo contexto de revalorização da imagem desse profissional na sociedade. Nesse sentido, Esteve (1999, p. 155) afirma:
[...] quando se discute a situação do magistério brasileiro atualmente é quase que inevitável evocar os indícios de crise que tem afetado a autoridade desse grupo de profissionais. Soma-se a isso as referências às falhas na formação as quais são mencionadas para justificar as deficiências constatadas no aprendizado dos alunos, que tem motivado as críticas à baixa qualidade de nosso sistema de ensino. Também é recorrente a menção ao desprestígio do magistério, que não tem atraído o interesse das novas gerações, causando o decréscimo do número de inscritos no processo de seleção para os cursos de licenciaturas. Cada vez mais surgem dados do que se convencionou chamar de mal-estar docente.
A crise da profissão docente, conforme relatada pelo autor citado, ocorre sob a presença de um mal-estar dos professores, em decorrência das condições de trabalho desfavoráveis, da baixa remuneração salarial, dos casos de violência verbal e física, entre outros fatores que contribuem para o desprestígio da profissão.
A representação social da docência pode ser compreendida sob uma multiplicidade de pontos de vista. Em contrapartida, na imagem normalmente apresentada, há uma visão romântica da educação, comumente difundida em filmes. Nessa imagem, o ser professor resume-se à capacidade de amar, não havendo traços de profissionalismo na atividade desempenhada pelo docente.
Essa representação da profissão distancia-se da realidade, na medida em que desconsidera o ambiente conflitivo em que a docência é realizada. Nesse contexto, a profissão docente é compreendida como “dom”, “vocação”, “missão”. Esse discurso atribui ao exercício da profissão um caráter sacerdotal. É justamente essa imagem que constitui uma tentativa de eufemizar as desvantagens de uma profissão, como a baixa rentabilidade econômica (PEREIRA, 2001).
No contexto acadêmico, a formação inicial incentiva a construção da imagem ideal do professor, ou seja, o que o professor deve ser e fazer. Na prática da docência, o professor se depara com todos os desafios e dificuldades inerentes à profissão, e muitas vezes o modelo ideal não corresponde às condições da estrutura educacional e do fazer docente.
Nesse sentido, a pesquisadora Silva (2007), em seus estudos sobre a representação social do ensinar geografia na educação básica, afirma que o trabalho docente é permeado pelo conhecimento científico produzido por essa disciplina, mas também por uma miscelânea de informações ideológicas, conhecimentos do senso comum e outras matrizes discursivas que justificariam a apreensão do sentido atribuído ao objeto de suas práticas, através do conceito de representação social, do psicólogo social Serge Moscovici.
Silva (2007), em pesquisas realizadas no município de Teresina-PI, constata que o conteúdo dessas representações compreende condições sociais, históricas e cognitivas nas quais os professores investigados estão inseridos. Essas representações possuem uma dimensão atitudinal na orientação dos indivíduos no meio social. Nesse ínterim, a importância que as representações sociais têm está na função que elas possuem. Elas são fundamentais para a organização do comportamento e do modo como se comunicam os indivíduos na vivência em sociedade. De acordo com a Teoria das Representações Sociais (MOSCOVICI, 1978), considera-se, portanto, que uma representação social possui como função precípua a orientação de condutas além de interferir no processo de difusão do conhecimento e na construção de uma identidade social.
As constatações de Silva (2007) são corroboradas por outros pesquisadores que afirmam igualmente haver a presença de representações sociais no contexto de produção da prática docente de geografia nas escolas brasileiras. Nesse contexto, Cavalcanti (1998), em sua pesquisa sobre as representações sociais dos alunos do ensino fundamental acerca de conceitos elementares da geografia, nos fornece importantes subsídios para a compreensão dos significados atribuídos pelos alunos quanto aos diversificados temas da geografia, bem como a influência do professor no processo de reconstrução dessas representações.
Cavalcanti (1998) destaca que o professor é fonte de conhecimento e, dessa forma, pode reforçar as representações de seus alunos quanto aos conceitos geográficos. Nesse sentido, pode-se inferir a importância da formação inicial docente, posto que os saberes desenvolvidos nessa fase reverberam na prática em sala de aula, influenciando no processo de construção do conhecimento e nas representações sociais dos alunos.
As ações conduzidas pelos docentes em um ambiente de educação formal são orientadas por construções historicamente formadas a respeito do oficio do professor. Esse conhecimento prático compartilhado é manifestado por meio da formação de modelos e padrões de docência. A relação entre os modelos de docência, o como ensinar e o que ensinar nos remete ao fato de toda uma gama de concepções da prática docente que influi nas representações e modelos assimilados pelas estruturas cognitivas dos docentes sobre o que é ser professor de geografia.
Nesse contexto, o pesquisador Kaercher (2004), investigando também esse aspecto da formação do professor de geografia, realizou uma pesquisa junto a licenciados de geografia que lecionavam na educação básica na cidade de Porto Alegre - RS, tendo constatado a dificuldade de se renovar as práticas pedagógicas, bem como de se constituir um embasamento teórico que favoreça a efetivação de um ensino de geografia dinâmico e reflexivo.
Nesta pesquisa, sobre a concepção da docência em geografia, Kaercher (2004) afirma que a formação inicial dos licenciados em geografia tem trabalhado numa lógica demasiadamente conteudista e dicotômica, segmentando os conteúdos de geografia dos conteúdos para se tornar professor. A formação docente centrada nesta perspectiva promove a formação de um “modelo de professor calcado excessivamente na crença da racionalidade, que coloca ênfase, quase exclusiva, no professor como um repassador de informações, um agente que se relaciona com seus alunos apenas através do seu lado racional” (KAERCHER, 2007, p.2).
Nesse sentido, Kaercher (2004) preleciona que, desde o ensino secundário, os alunos já constroem modelos do que é a docência, vivenciando essa representação seja de forma positiva ou negativa. O professor não é e nem age de forma neutra em sala de aula, tendo consciência disso ou não. Antes de tudo, o professor, ao ensinar geografia, emprega na sua prática professoral algo seu, ou seja, de sua percepção sobre o mundo, baseada a partir de um leque de saberes oriundos tanto do conhecimento científico, quanto do senso comum, o que influencia diretamente na formação de seus alunos.
Além disso, deve-se considerar que quando o professor ministra suas aulas, ele leva toda sua complexidade existencial consigo. A complexidade do ser e saber reside também na própria condição humana. Nessa direção, Morin (2009) afirma que o ser humano é ao mesmo tempo físico, biológico, psíquico, cultural, social e histórico, sendo que cada disposição exerce influência sobre a outra, constituído a complexidade do ser professor. Complementando, afirma ainda o estudioso em pauta que
[...] devemos compreender que os seres humanos são seres instáveis, nos quais há a possibilidade do melhor e do pior, uns possuindo melhores possibilidades do que outros. Devemos compreender também que os seres possuem múltiplas personalidades potenciais e que tudo depende dos acontecimentos, dos acidentes que ocorrem com eles e que podem liberar alguns deles. (MORIN. 2009, p. 61)
Dessa forma, a ação professoral não é influenciada apenas pelo domínio do conteúdo que o professor detém acerca da disciplina que ministra, pelo caráter profissional ou pela estrutura material do ambiente de trabalho, a exemplo da política salarial e das condições da escola. É necessário considerar os aspectos subjetivos que são materializados na sua prática docente. Todo esse conjunto reflete o que é ser professor e compõe a representação social construída a seu respeito por aqueles que optam pelo magistério. Segundo Moscovici (op.cit., p.50), as representações sociais podem ser vistas como
sistemas que têm uma lógica e uma linguagem particulares, uma estrutura de implicações que assenta em valores e em conceitos. Um estilo de discurso que lhes é próprio. Não os consideramos como ‘opinião sobre’ ou ‘imagens de’, mas como ‘teorias’, ‘ciências coletivas’ sui generis, destinadas à interpretação e elaboração do real.
Ressalta-se que a importância que as representações sociais têm está na função que elas possuem. Elas são fundamentais para a organização e a orientação do comportamento e do modo como se comunicam os indivíduos na vivência em sociedade, sobretudo ao transitarem pelos distintos campos inerentes às organizações sociais humanas. Moscovici destaca que as representações sociais representam aquilo que,
[...] no final das contas produz e determina os comportamentos, pois define simultaneamente a natureza dos estímulos que nos cercam e nos provocam e o significado das respostas a dar-lhes. Em poucas palavras, a representação social é uma modalidade de conhecimento particular que tem por função a elaboração de comportamentos e a comunicação entre indivíduos. (1978, p. 26)
Considera-se, portanto, que as representações sociais possuem como função precípua a orientação de condutas, além de interferir no processo de difusão do conhecimento e na construção de uma identidade social. Desse modo, é razoável supormos que a formação das representações sociais ocorre contextualizada com o campo social geográfico, e que elas estão sujeitas a interferências externas.
Isso ocorre, sobretudo, porque a formação do ser professor e sua prática acontecem em um sistema dinâmico, complexo e processual, que é construído em um contexto de intercomunicabilidade de representações, que vai além da racionalidade instrumental e que envolve uma práxis reflexiva, mudanças e incertezas.
Observamos, na produção acadêmica, a presença de dados que justificam pensarmos na existência de uma representação social da condição de ser professor de Geografia como algo “fácil”, uma vez que as práticas revelam um uso contínuo de técnicas mnemônicas de ensino-aprendizagem. Essa característica produz uma noção de pouca exigência da ação do professor, sendo priorizado o trabalho do aluno, pois este é o que precisa copiar, memorizar e reproduzir um conteúdo pré-determinado. No contexto dos trabalhos analisados, os teóricos relatam a necessidade de reversão dessa prática e introdução de metodologias de ensino-aprendizagem que favoreçam a análise, a interpretação e a síntese de dados contextuais dos fenômenos abordados no ensino dessa disciplina.
Ao analisarmos as referências teóricas já existentes quanto às questões que versam sobre a formação inicial e a construção de uma representação social da condição de ser professor de geografia no Brasil, compreendemos que as ações conduzidas pelos professores em um ambiente de educação formal são orientadas por construções historicamente construídas a respeito do oficio do professor. Isso ocorre, sobretudo, por que o trabalho docente possui uma significação socialmente construída com escopo interpretativo amplo que remete à construção social e histórica da profissão. Nesse sentido, a prática docente é expressa na tradição do grupo na forma de um conhecimento prático compartilhado, modelos e padrões da docência. Assim, a prática docente é manifestação dessa rede de significados, proporcionando ao grupo de professores uma articulação para a ação pautada em valores e formas de representar.
As discussões acerca da significação social da carreira docente no Brasil têm mostrado uma crescente desvalorização desta profissão, em especial do ser professor (a) da Geografia escolar. Essa disciplina tem como principal característica histórica a dedicação de seus esforços a descrição e caracterização, dos aspectos físicos, dos lugares e suas respectivas populações. Essa característica produz uma noção de pouca exigência da ação do professor, sendo priorizado o trabalho do aluno, pois este é o que precisa copiar, memorizar e reproduzir um conteúdo pré-determinado. Assim, inferimos a existência de um fazer geografia escolar que a insere em uma visão pouco crítica da realidade, muito embora o seu discurso teórico a encaminhe para o sentido contrário.
Sob essa perspectiva, buscamos clarificar que as representações sociais guiam o modo de nomear, definir, tomar decisões e eventualmente posicionar-se perante a sociedade. O fenômeno representacional da docência implica na construção de sistemas de identificação social que conferem materialidade ao sentido de ser professor. A identidade e a prática professoral não são construídas apenas no exercício da profissão. As práticas docentes a que os sujeitos foram submetidos no campo escolar, desde a educação básica, corroboram para a formação da representação que se manifesta a respeito dos conceitos e dos conteúdos ministrados, bem como possibilita a incorporação dos modos de ser professor.
Esses fatores podem influenciar não só o processo de escolha do curso de licenciatura em Geografia, ou da profissão, mas também propicia bases concretas para o planejamento docente em direção à concretização dos objetivos da formação inicial do professor de Geografia.
Assim, podemos inferir que na formação inicial do professor de geografia está uma das possibilidades de mudança das representações sociais, o que pode ser tomado como referência para reforçar pontos específicos que podem auxiliar no processo de alteração da representação do ser professor de geografia, por conseguinte, na promoção de uma prática docente adequada às demandas educacionais da atualidade.