A SUPRESSÃO DA GEOGRAFIA NO EXERCÍCIO DA ALTERIDADE

THE SUPPRESSION OF GEOGRAPHY IN THE EXERCISE OF OTHERNESS

LA SUPRESIÓN DE LA GEOGRAFÍA EN EL EJERCICIO DE LA ALTERIDAD

LEONARDO LUIZ SILVEIRA DA SILVA
IFNMG-Campus Salinas, Brasil

A SUPRESSÃO DA GEOGRAFIA NO EXERCÍCIO DA ALTERIDADE

GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 9, núm. 17, pp. 1-13, 2018

Universidade Federal do Ceará

Recepção: 18 Agosto 2017

Aprovação: 20 Novembro 2017

Resumo: Este artigo em questão problematiza por intermédio de cinco categorizações a negligencia quanto à percepção das diferenças geográficas no que tange às características de indivíduos ou Estados. Esta negligência é chamada de supressão da geografia no exercício da alteridade e é criticada por meio dos pressupostos fenomenológicos que explicam a natureza híbrida, permeável e dinâmica das culturas. As categorizações trabalhadas neste artigo são os mapas culturais, as artes, as reações populares, textos acadêmicos e literários e o fazer geopolítico. O artigo apresenta ainda as consequências da supressão da geografia no exercício da alteridade, indicando a importância da temática em um momento contemporâneo marcado pela intensa interlocução intercultural.

Palavras-chave: Geografia, Cultura, Espaço, Alteridade.

Abstract: This article problematizes by means of five categorizations the negligence regarding the perception of the geographical differences between characteristics of individuals or States. This neglect is called suppression of geography in the exercise of otherness and is criticized through the phenomenological assumptions that explain the hybrid, permeable, and dynamic nature of cultures. The categorizations presented on in this article are cultural maps, arts, popular reactions, academic and literary texts, and geopolitical making. The article also presents the consequences of the suppression of geography in the exercise of otherness, indicating the importance of the theme in a contemporary historical moment marked by intense intercultural interlocution.

Keywords: Geography, Culture, Space, Otherness.

Resumen: Este artículo en cuestión problematiza por intermedio de cinco categorizaciones la negligencia en cuanto a la percepción de las diferencias geográficas en lo que se refiere a las características de individuos o Estados. Esta negligencia se llama supresión de la geografía en el ejercicio de la alteridad y es criticada por los supuestos fenomenológicos que explican la naturaleza híbrida, permeable y dinámica de las culturas. Las categorizaciones trabajadas en este artículo son los mapas culturales, las artes, las reacciones populares, los textos académicos y literarios y el hacer geopolítico. El artículo presenta además las consecuencias de la supresión de la geografía en el ejercicio de la alteridad, indicando la importancia de la temática en un momento contemporáneo marcado por la intensa interlocución intercultural.

Palabras clave: Geografía, Cultura, Espacio, Alteridad.

INTRODUÇÃO

É na dimensão metonímica que precisamos avaliar a diferença entre a geografia e a Geografia, para em sequência lançarmos luz à problematização que o artigo se propõe a fazer. O título do trabalho em voga utiliza-se deliberadamente da palavra “geografia”, com inicial em minúsculo, como um convite ao mergulho metonímico, o que denuncia o cuidado com a diferenciação frente à mesma palavra com inicial em maiúsculo. Enquanto a “Geografia” se refere à disciplina acadêmica ou ao campo do conhecimento, a “geografia” se refere a certas características que pertencem ao escopo da “Geografia” e são passíveis de serem descritas. Quando perguntamos se alguém conhece a “geografia” de uma dada região, não significa que estejamos indagando sobre a capacidade de outrem de analisar o espaço e suas amplas características sob o prisma dos fundamentos científicos da Geografia.

Esta distinção da palavra “geografia” com letra maiúscula e minúscula também pode ser problematizada em outros campos do saber, como, por exemplo, a diferenciação que encontra terreno nas palavras história e História. A distinção destas palavras é importante para a leitura deste artigo, pois há o cuidado permanente por parte do autor no uso de “geografia” e “Geografia”, sendo que os seus distintos sentidos não serão novamente problematizados no decorrer do texto.

O uso da palavra “geografia” no título já denuncia o objeto de análise deste artigo, que pretende problematizar a negligência quanto à percepção de certas características do espaço como um fator limitador para o exercício da alteridade. Para tanto, este trabalho versará sobre a natureza do debate intercultural e entre identidades, tendo sido inspirado na formalização e descrição da estrutura dogmática do Orientalismo realizada por Edward Saïd (2007). Para o autor, um dos dogmas do Orientalismo é o fato do Oriente ser visto como “uniforme e incapaz de se definir” e sendo, por isso, “inevitável e até cientificamente objetivo um vocabulário altamente generalizado e sistemático para descrever o Oriente de um ponto de vista ocidental” (SAÏD, 2007, p. 401). Apesar da realidade tratada por Edward Saïd focar na visão que o Ocidente formula sobre o Oriente, o dogmatismo então descrito é passível de ser projetado, hermeneuticamente, em outras realidades marcadas pelo embate intercultural. A criação de um vocabulário generalizado e sistemático para descrever uma cultura a partir de uma posição deslocada, fere os princípios do hibridismo cultural e das identidades, pressupostos-chave de destacados autores associados à corrente de pensamento pós-colonial, entre eles Saïd (2007, 2011), Homy Babha (2013), Stuart Hall (2013), Terry Eagleton (2011), Frantz Fanon (2008) e Aimé Césaire (2012). Mais que isso, a generalização ignora a relação dialética que existe entre paisagem e sujeito no que tange à formação identitária, suprimindo a diversidade dos elementos culturais em regiões supostamente homogêneas, colocando em ação aquilo que propusemos chamar de supressão da geografia no exercício da alteridade.

A relevância da discussão aqui proposta reside no fato da contemporaneidade submeter indivíduos e sociedades à experiência do confronto de posições valores culturais e identidades, devido ao dinamismo das comunicações modernas que nos conduzem à modernidade líquida baumaniana. A percepção da supressão da geografia qualifica a interlocução intercultural, preparando-nos melhor para o exercício da alteridade.

Além desta introdução, este artigo está dividido em outras quatro partes. A primeira versará sobre a relação entre o espaço, cultura e identidade. A segunda parte focará no conceito de culturas e identidades híbridas, fundamental para os pressupostos defendidos por este trabalho. A terceira parte analisará as formas adquiridas pela supressão da geografia no exercício da alteridade. Finalmente, a quarta parte trará as considerações finais.

ESPAÇO, CULTURA E IDENTIDADE

Por intermédio da relação entre o homem e o espaço está a gênese cultural. O vestuário e a casa os protegem das vicissitudes do clima; caminhos retilíneos ou tortuosos, diretamente influenciados pelo quadro geomorfológico, facilitam a circulação. A composição vegetal é modificada para dar lugar à prática agrícola e para as pastagens que alimentam os animais, que se relacionam dialeticamente com o ser humano moldando suas práticas cotidianas, tais como a hora de acordar e a composição do seu cardápio. Ao serem repetidos em público, os gestos assumem novas significações, trazendo para os que participam das mímicas e das oralidades reproduzidas um sentimento de comunidade compartilhada (CLAVAL, 2001).

Quando consideramos que a paisagem é “o conjunto de formas que, num dado momento, exprimem as heranças que representam as sucessivas relações localizadas entre homem e natureza” (SANTOS, 2012a, p.103), passamos a entender que a expressão paisagem cultural é redundante. No sentido da categoria paisagem trazido por Milton Santos, é plausível considerar que a gênese da cultura é um processo concomitante, ainda que não congruente, à própria gênese da paisagem. Dessa forma, os componentes da paisagem se constituem, muitas vezes, como elementos constituintes da própria identidade cultural, permitindo que as emoções humanas estejam frontalmente vinculadas ao meio físico, fenomenologicamente definido como palco das intermediações das experiências de vida.

Considerar-nos-emos a miríade de conceituações da família topus, que se constituem como categorias-chave da Geografia Humanista e Cultural, como forma de entendermos o caráter emocional aplicado ao meio físico. Primeiramente destacamos a topofilia tratada por Yi-Fu Tuan (1980), que em seu sentido amplo inclui todos os laços afetivos dos seres humanos com o meio ambiente material. A intensidade dos laços afetivos é intersubjetiva, fazendo muitas vezes que os trabalhos que enveredem pelo campo da Geografia Humanista e Cultural utilizem pressupostos fenomenológicos em sua metodologia, negligenciando a abordagem do conceito de cultura e focando na abordagem das identidades. Para lembrarmos que o que opõe ao sagrado é o profano, que boas lembranças são antagônicas aos traumas profundos e que o medo é uma das emoções humanas, a topofobia (TUAN, 2005) incorpora o rol de conceituações que tem o espaço e a cultura como pilares. O ambiente físico, que confere sentidos e emoções intersubjetivos aos indivíduos, pode ser solapado pelas ações dos homens, que devido ao desenvolvimento de sua capacidade técnica e tecnológica tem conseguido produzir mudanças abruptas na paisagem. A este processo de mudança na paisagem que perturba as emoções nos corações e mentes dos homens, chamamos de topocídio (PORTEOUS, 1989; PORTEOUS e SMITH, 2001). Há quem ainda adicione um outro membro a esta família: a topo-reabilitação (AMORIM, 1996). Contudo, colocamos em dúvida se o processo é realizável. Afinal, a reconstituição das áreas degradadas, ainda que se constituam como verdadeiros fac-símiles da imagem paisagística original, carregaria em sua experiência histórica as marcas da aniquilação e reconstrução, sendo, desta forma, ressignificadas. Tal processo modifica as emoções humanas e, portanto, não se constitui como uma reabilitação propriamente dita.

As emoções explicam em grande medida o comportamento humano. Os movimentos migratórios podem ser compreendidos pelo escapismo, entendido como a inabilidade de encarar os fatos de sua realidade ou ainda, projetar uma melhor vida em um lugar melhor (TUAN, 1998). A cognoscibilidade do planeta, marcada pelas evoluções dos transportes e telecomunicações, interfere no comportamento humano (SANTOS, 2012b) por permitir a projeção de outros locais para se viver. Os fluxos intercontinentais acelerados que marcam a nossa “condição pós-moderna” por intermédio da compressão tempo espaço ilustrada por David Harvey (2004) e abordada com outros enfoques semânticos por Paul Virilio (1999) e por tantos outros, tem contribuído para que a natureza híbrida da cultura e das identidades se torne ainda mais evidente. É por esta razão que abordaremos no próximo tópico as culturas e identidades híbridas, apoiando-nos em fundamentos dos teóricos do pós-colonialismo. Estas definições são fundamentais para a percepção e problematização da supressão da geografia no exercício da alteridade, objetivo central deste artigo.

CULTURAS E IDENTIDADES HÍBRIDAS

O pressuposto de que as culturas são entidades híbridas é largamente difundido pelos estudos pós-coloniais. Partindo de uma base fenomenológica, que considera a experiência individual como via construtora das identidades, autores como Saïd (2007, 2011), Terry Eagleton (2011), Hall (2013) e Babha (2013) levam em conta a natureza híbrida, permeável e dinâmica das culturas. Estas características tornam desafiadoras as propostas de mapeamento cultural, o que explica a crítica veemente de Saïd (2007) à regionalização do mundo em civilizações proposta por Samuel Huntington (1997), presente no posfácio de uma das edições do livro Orientalismo publicado em língua portuguesa. Na perspectiva pós-colonial, a noção de áreas culturais trazidas por Fernand Braudel (2004) também seria criticável, ainda que seja apresentada com certo eufemismo no que tange às noções de homogeneidade, estabilidade e impermeabilidade, manifesto no uso da palavra “dominante”. Assim escreve o autor: “uma área cultural é, na linguagem dos antropólogos, um espaço dentro do qual é “dominante” a associação de certos traços culturais” (BRAUDEL, 2004, p.33). Nem mesmo o eufemismo faz com que a definição de área cultural trazida por Braudel se encontre com a definição dos autores pós-coloniais citados. Preocupando-se com a categoria identidade, Stuart Hall (2013) acredita que os traços culturais não são imunes à experiência individual.

Como foi dito, a gênese da cultura está associada à relação entre a sociedade e paisagem ao longo do tempo. A paisagem carrega a marca da cultura e serve-lhe de matriz. Sua interpretação é frequentemente ambígua (CLAVAL, 2001), devido ao processo dialético que envolve o homem e a paisagem. O homem transforma a paisagem, tendo o seu comportamento influenciado pelas suas características naturais, ou seja, pelas próprias características da paisagem. Para Hall (2013), o processo de globalização estaria afrouxando os laços entre cultura e lugar e, assim, no que tange às características culturais, o que poderia ser mapeado é mais semelhante a um processo de repetição-com-diferença ou de reciprocidade-sem-começo. As identidades negras de origem barbadiana manifestas na Grã-Bretanha e avaliadas por Stuart Hall seriam um reflexo pálido de uma origem verdadeiramente caribenha. Mesmo os imigrantes de Barbados em Londres não poderiam se constituir, levando a fenomenologia em consideração, como um grupo homogêneo.

As estereotipações/generalizações tornam-se mais grosseiras dependendo da escala geográfica de abordagem. A partir da perspectiva discutida, as regionalizações que propõem divisões culturais em escala planetária apresentam-se fragilizadas. Portanto, não é de se estranhar a veemência da crítica de Saïd (2007) a Huntington (1997). O primeiro considerou a proposta de divisão do mundo em civilizações absurda, pois “as culturas são híbridas e heterogêneas”, sendo as culturas e as civilizações “tão inter-relacionadas e interdependentes a ponto de irem além de qualquer descrição unitária ou simplesmente delineada de sua individualidade” (SAID, 2007, p.460).

A intensificação da globalização ocorrida por intermédio do processo descrito por David Harvey (2004) como “compressão tempo-espaço” (marcado pela evolução dos transportes que estaria aniquilando o espaço ao diminuir o tempo do deslocamento), estaria acelerando o dinamismo das culturas e da transformação das identidades ao colocar indivíduos em contato diário com outras perspectivas advindas de valores culturais sortidos. A intensificação da globalização não se constituiria como causa da natureza híbrida da cultura, por ser esta uma condição inerente ao conceito, mas colaboraria dramaticamente para modificar o arranjo identitário-cultural. Neste ponto, parece discordar Néstor Garcia Canclini, ironicamente em uma obra intitulada “Culturas híbridas”. Apesar de analisar o impacto da globalização sobre a hibridação cultural, afirma que “poucas culturas podem ser agora descritas como unidades estáveis, com limites precisos baseados na ocupação de um território delimitado” (CANCLINI, 2011, p. 29). O autor em questão referiu-se, provavelmente, a povos isolados não contatados, que vez ou outra (cada vez mais raramente) povoam os noticiários quando a sua existência é descoberta. Este entendimento é contraditório ao conteúdo até então discutido no texto e que prevalece nos pressupostos pós-coloniais. A razão para tanto é o fato das culturas serem híbridas por definição e não por acontecimentos contemporâneos que levam os indivíduos a passarem pela experiência intercultural.

Os pressupostos que alicerçam a noção de culturas híbridas são fundamentais para a compreensão da supressão da geografia no exercício da alteridade, conforme veremos no tópico a seguir.

A SUPRESSÃO DA GEOGRAFIA NO EXERCÍCIO DA ALTERIDADE

No sentido etimológico, a Geografia significa a descrição da terra. Por outro lado, o dogma orientalista que inspira falarmos em uma supressão da geografia no exercício da alteridade aponta para a existência de um vocabulário altamente generalizado e sistemático para descrever aquilo que não nos pertence. Todavia, é importante considerarmos que “toda e qualquer porção da epiderme da Terra pertence a vários espaços homogêneos”, o que encontra explicação no “ângulo segundo o qual se encara a análise” que poderia “emprestar maior ênfase a este ou àquele tipo de relações que se estabelecem no espaço” (DOLLFUS, 1982, p.22).

A questão levantada pelo geógrafo francês Olivier Dollfus não é a mesma problematizada pelo artigo. Enquanto Dollfus relativiza a homogeneidade e heterogeneidade espacial, explicando que as mesmas dependem dos elementos que estão sendo observados no espaço, o artigo centra-se na problemática envolvendo um dogma etnocêntrico que une diferentes porções do espaço a partir de uma suposta homogeneidade que na prática não se confirma. As generalizações que unem porções do espaço que não deveriam ser unidas levando-se em conta determinados critérios selecionados se constituem, na verdade, como o procedimento-chave para a produção de uma regionalização igualmente equivocada. Tal afirmativa torna-se plausível quando consideramos a homogeneidade e as diferenças da epiderme da Terra (DOLLFUS, 1982) como critérios para o recorte do espaço e, portanto, do estabelecimento de regiões (LENCIONI, 2014).

Se a negligência quanto à percepção das semelhanças e diferenças que se manifestam no espaço geográfico conduzem à supressão da geografia no exercício da alteridade, quais seriam as formas que este fenômeno adquiriria? Propusemos cinco categorias-formas que o fenômeno da supressão poderia se manifestar. Acreditamos que por intermédio dos mapas culturais, das artes, das reações populares (imaginário coletivo), dos textos acadêmicos ou literários e da Geopolítica pode ocorrer à supressão da geografia no exercício da alteridade. As categorias estão dispostas e comentadas a seguir.

A) Por intermédio dos mapas culturais: partindo do pressuposto de que as culturas são híbridas, dinâmicas, permeáveis e heterogêneas (SAID, 2007; EAGLETON, 2011), o estabelecimento de limites em mapas culturais seria um exercício de ficção. As regionalizações com temas culturais mais específicos (como, por exemplo, o gosto culinário ou musical) não parecem adequadas para representarem a coletividade, sobretudo quando consideramos o pressuposto da natureza híbrida das culturas. Afinal, é este o pressuposto que nos permite ver que uma cultura supostamente monolítica não passa de um mosaico de identidades. As investigações e representações que ousam abordar temáticas culturais de elevado grau de especificidade parecem mais sérias quando investigam o indivíduo e evitam a estereotipação de imagens coletivas. Neste particular, encontram como alicerce metodológico a fenomenologia e encaram, ao mesmo tempo, um grande desafio no que tange às representações das individualidades em propostas cartográficas. Em seu livro Place and Placelesness, Edward Relph afirma acerca da base fenomenológica do conhecimento geográfico: “os fundamentos do conhecimento geográfico repousam diretamente das experiências e consciências que temos acerca do mundo em que vivemos” (RELPH, 1976, p.4). Sendo o conjunto das experiências que geram a consciência uma trajetória única pertencente a cada indivíduo, não parece adequado a tentativa de criar generalizações acerca de temáticas culturais com alto grau de especificidade. As regionalizações culturais com temáticas mais generalizadoras, como àquelas que versam sobre a cultura propriamente dita, são adequadas para representarem a coletividade, e, portanto, aprioristicamente passíveis de serem representadas em superfícies sólidas e com limites bem definidos. Contudo, confrontadas com a noção da natureza híbrida das culturas, os limites regionais não parecem serem realizáveis. Mais do que simplesmente uma questão de traçar ou não limites, a pretensa representação espacial do fenômeno “cultura” ignora a multiplicidade de identidades e as experiências individuais dos seus integrantes que compõe o todo regional. Em suma, as representações cartográficas culturais, tais como as propostas de Samuel Huntington (1997) ou de Fernand Braudel (2004) de divisão do mundo em civilizações, se enquadram como supressões da geografia no exercício da alteridade.

B) Por intermédio das artes: a linguagem imagética é um terreno fértil para a criação de generalizações e estereótipos. A Arte Orientalista é um exemplo didático de como as generalizações simplificam a complexidade do espaço geográfico, suprimindo a geografia. A Arte Orientalista é aquela marcada por refletir e propagandear um sistema de representação que cria uma diferença essencial entre o Oriente e o Ocidente (WOODWARD, 2003). As pinturas orientalistas propriamente ditas se originam no período do Iluminismo, quando viajantes e amadores percorriam as paisagens áridas da Grécia, Turquia, da Terra Santa e do Egito, tornando-se instrumentos importantes de reforço do status cultural e intelectual da nova classe ascendente da Europa industrializada (HEFFERNAN, 1991). Jean-León Gérôme exemplifica, ainda que inconscientemente, a supressão da geografia no exercício da alteridade em sua tela Snake Charmer (ver Figura 1).

Nesta pintura, o jovem rapaz nu é incongruente com diversos elementos que estão em sua volta. Segundo a crítica de Walter B. Denny (1993), existe um grupo com vestimentas típicas otomanas que eram encontradas em terras balcânicas, sentados de frente a um muro com azulejos Iznik (localidade próxima ao estreito de Bósforo na atual Turquia), com armadura persa da dinastia Qajar (atual Irã). Além disso, “encantadores de serpentes nus não faziam parte da cultura popular otomana” (DENNY, 1993, p.220). A improbabilidade da reunião de elementos geograficamente díspares aumenta em meio ao contexto histórico que se pretendeu representar, sendo razoavelmente aceito em contextos pós-modernos. Desta forma, a utilização de um vocabulário (no caso em questão a reunião de elementos imagéticos) “altamente generalizado e sistemático para descrever o Oriente de um ponto de vista ocidental” (SAID, 2007, p.401-402) faz da tela de Gérôme um exemplo didático supressão da geografia no exercício da alteridade. Ainda no campo da Arte Orientalista, uma grande diversidade de mulheres nuas ou em posições sensuais povoavam as telas dos pintores europeus do período vitoriano. Em destaque (FIGURA 2), a tela La Grande Odalisque é um dos exemplos.

Figura 1 - GÉRÔME,
Jean-León. Snake Charmer, 1879 

Óleo sobre tela, 82,2 x
21cm. Clark Art Institute, Williamstown, Massachussets, EUA
Figura 1 - GÉRÔME, Jean-León. Snake Charmer, 1879 Óleo sobre tela, 82,2 x 21cm. Clark Art Institute, Williamstown, Massachussets, EUA
Fonte: http://www.clarkart.edu/

Nesta pintura, o jovem rapaz nu é incongruente com diversos elementos que estão em sua volta. Segundo a crítica de Walter B. Denny (1993), existe um grupo com vestimentas típicas otomanas que eram encontradas em terras balcânicas, sentados de frente a um muro com azulejos Iznik (localidade próxima ao estreito de Bósforo na atual Turquia), com armadura persa da dinastia Qajar (atual Irã). Além disso, “encantadores de serpentes nus não faziam parte da cultura popular otomana” (DENNY, 1993, p.220). A improbabilidade da reunião de elementos geograficamente díspares aumenta em meio ao contexto histórico que se pretendeu representar, sendo razoavelmente aceito em contextos pós-modernos. Desta forma, a utilização de um vocabulário (no caso em questão a reunião de elementos imagéticos) “altamente generalizado e sistemático para descrever o Oriente de um ponto de vista ocidental” (SAID, 2007, p.401-402) faz da tela de Gérôme um exemplo didático supressão da geografia no exercício da alteridade. Ainda no campo da Arte Orientalista, uma grande diversidade de mulheres nuas ou em posições sensuais povoavam as telas dos pintores europeus do período vitoriano. Em destaque, a tela La Grande Odalisque é um dos exemplos (ver Figura 2).

Figura 2 - INGRES, Jean-August. La Grande Odalisque, 1814. 

Óleo sobre tela, 91  × 162 cm.
Louvre, Paris.
Figura 2 - INGRES, Jean-August. La Grande Odalisque, 1814. Óleo sobre tela, 91 × 162 cm. Louvre, Paris.
Fonte: louvre.fr

Segundo Juan Eduardo Campo (1991), a produção imagética da mulher muçulmana em sua privacidade no harém é “mais um produto da imaginação masculina euroamericana do que uma realidade Oriental”, sendo que a maior ironia em meio a esta temática é “a procura de transformar uma prática muçulmana conectada com a preservação de uma virtude moral na vida doméstica de homens e mulheres em uma fantasia pervertida permeada de imoralidade” (CAMPO, 1991, p.32). Tais temáticas tornam-se elementos da supressão da geografia no exercício da alteridade quando colocadas em conjunto: da Argélia explorada artisticamente por Pierre-Auguste Renoir à Turquia explorada por Jean-León Gérôme, a fantasia pervertida permeada de imoralidade persiste, construindo imageticamente em vasta área que percorre todo o Magrebe à Península Arábica um jardim da nudez e ostentação sexual.

C) Por intermédio das reações populares: o cartunista dinamarquês Kurt Westergaard jamais irá esquecer o ano de 2005, marcado pela publicação de uma de suas icônicas charges que ironizaram o profeta Maomé (ver Figura 3). Nesta charge, Maomé foi representado com um turbante-bomba, permitindo diversas interpretações que pudessem ligar o Islã à violência. Ao mesmo tempo em que Westengaard foi jurado de morte, em percurso semelhante ao de Salmon Rushdie, manifestações populares contrárias à publicação da charge ganharam corpo, principalmente no mundo islâmico.

Edifícios que abrigavam as embaixadas de países europeus foram atacados no contexto das manifestações contrárias à charge. Por mais que se consolide a ideia de que os limites da União Europeia se tornaram mais relevantes do que os limites nacionais dos Estados Europeus, o ataque registrado ao prédio da embaixada austríaca em Teerã é um exemplo da supressão da geografia no exercício da alteridade. A nacionalidade dinamarquesa de Westengaard criou, pelo menos na ótica das manifestações violentas, um senso de espaço comunitário político-cultural para além dos limites da Dinamarca. Se a questão era atacar aqueles que defendiam a suposta liberdade de expressão do cartunista (não é aqui o objetivo discutir a natureza desta liberdade), qual teria sido a razão para nações no continente americano que apoiaram o cartunista terem sido poupadas?

Figura 3 - WESTERGAARD,
Kurt. Muhamad as a suicide bomber, 2005. 

Jylland Posten, 30th
September edition, Aarhus.
Figura 3 - WESTERGAARD, Kurt. Muhamad as a suicide bomber, 2005. Jylland Posten, 30th September edition, Aarhus.
Fonte: amerika.org

D) Por intermédio dos textos literários e acadêmicos: no capítulo de conclusão de um dos seus livros mais vendidos, o orientalista Bernard Lewis (2002) tenta responder uma pergunta que dá título a sua obra: “O que deu de errado no Oriente Médio?”. Na argumentação a seguir, Lewis tenta desqualificar o papel do imperialismo como força que promoveu a perda do protagonismo árabe na ciência, na economia e na política mundial:

A ascensão do nacionalismo – ele próprio uma importação da Europa – produziu novas percepções. Os árabes puderam lançar a culpa por suas dificuldades sobre os turcos, que os havia dominado durante muitos séculos. Os turcos puderam atribuir a estagnação de sua civilização ao peso morto do passado árabe em que as energias criativas de seu povo turco foram aprisionadas e imobilizadas. Os persas puderam lançar a culpa pela perda de suas antigas glórias sobre árabes, turcos e mongóis, sem discriminação. O período de hegemonia francesa e britânica em grande parte do mundo árabe nos séculos XIX e XX produziu um bode expiatório novo e mais plausível – o imperialismo ocidental. No Oriente Médio, houve boas razões para tal acusação. A dominação política e a penetração econômica ocidentais, e - mais longa, mais profunda e mais insidiosa que tudo – a influência cultural, haviam alterado a face da região e transformado a vida de seu povo, conduzindo-o em novas direções, despertando novas esperanças e medos, criando novos perigos e expectativas igualmente sem precedentes em seu próprio passado cultural. Mas o interlúdio anglo-francês foi relativamente breve e terminou meio século atrás; a mudança para o pior começou muito tempo antes de sua chegada e não diminuiu após sua partida. Inevitavelmente, o papel que lhes cabia como vilões foi assumido pelos Estados Unidos, juntamente com outros aspectos da liderança do Ocidente. A tentativa de transferir a culpa para os Estados Unidos conquistou considerável apoio, mas por razões semelhantes continua convincente. O domínio anglo-francês e a influência americana, como as invasões mongóis, foram uma consequência, não uma causa, da fraqueza interna dos Estados e das sociedades do Oriente Médio. Alguns observadores, tanto dentro quanto fora da região, assinalaram as diferenças no desenvolvimento pós-imperial de antigas possessões britânicas – por exemplo, entre Aden no Oriente Médio e lugares como Cingapura e Hong Kong; ou entre os vários territórios que outrora compuseram o Império britânico na Índia. (LEWIS, 2002, p.176-177)

Neste desenvolvimento bem articulado de Bernard Lewis, é transmitida a ideia de que o terrorismo e as reações de indisposição do Islã com o Ocidente são injustificados. O Islã teria “perdido o jogo” e reclama sem razão. Lewis banaliza a indisposição dos países árabes contra os seus ocupantes de um passado recente, como se isto não lhes tivesse trazido prejuízo relevante. Lewis, em suma, minimiza o papel do imperialismo e colonialismo que foi experimentado pelo Islã como importante explicação para a perda do seu protagonismo. Como sintetizou Said, no posfácio de Orientalismo, “a tática de Lewis é suprimir uma quantidade significativa de experiência histórica” (SAID, 2007, p.455). Para além disso, ao criar fórmulas vagas e generalistas que explicariam a perda do protagonismo dos árabes na contemporaneidade, dentre elas o papel que é destinado às mulheres na sociedade (LEWIS, 2002), o apreço popular a ditadores corruptos (LEWIS, 2004) ou a violência enquanto legado cultural (LEWIS, 2003), o autor em questão negligencia a diversidade encontrada em uma vasta área que se distribui entre o Marrocos e o Egito, avançando ainda sobre a Península Arábica até as margens ocidentais do Golfo Pérsico. Fenomenologicamente é desafiador explicar os comportamentos de um indivíduo a partir dos eventos que marcaram o percurso de sua vida. Imaginem, assim, a presunção de Bernard Lewis, que não se furta em explicar o comportamento de milhões de indivíduos espalhados em diversas sociedades marcadas pelos mais diversos fatos que interfeririam na realidade social da história dos seus povos. Como podem, por exemplo, marroquinos e iemenitas serem avaliados a partir do mesmo rol de experiências?

As abordagens literárias também podem destilar a supressão da geografia no exercício da alteridade. A escritora inglesa Agatha Christie, de vasta obra, especializou-se em romances policiais. Casou-se em 1930 com um arqueólogo e com ele fez expedições pelos vales dos rios Tigres e Eufrates e a partir de sua confluência, que dá origem ao canal Shatt-El-Arab (SILVA, 2016). Ao acompanhar o ofício do marido, pode ter contato com paisagens fora da Europa e destilar expressões orientalistas em algumas de suas obras. Em Aventura em Bagdá, escrito originalmente em 1951, a inglesa apresenta os conceitos de selvagem e civilizado, estabelecidos em seu imaginário espacial por intermédio da categoria zona:

Carmichael nascera em Kashgar, onde o pai trabalhava como oficial do governo. Quando criança balbuciava uma língua que misturava trechos de vários dialetos e patoás; suas babás – e mais tarde os seus tutores – haviam sido nativos de várias raças diferentes. Tinha amigos em quase todos os lugares selvagens do Oriente Médio. Apenas nas cidades e povoados seus contatos ficavam devendo. Agora aproximando-se de Basra, sabia que chegara o momento mais crítico de sua missão. Mais cedo ou mais tarde precisaria ressurgir na zona civilizada. (CHRISTIE, 2013, p.51)

Em A volta ao mundo em 80 dias, Júlio Verne serve de um exemplo tão pedagógico quanto o de Christie:

Toda essa parte do alto Bundelcunde, pouco frequentada por viajantes, é habitada por população fanática, endurecida nas práticas mais terríveis da religião indiana. O domínio dos ingleses não pôde estabelecer-se regularmente em território submetido à influência dos rajás, aos quais seria difícil alcançar, nas suas posições inacessíveis encravadas nos Víndias. Por várias vezes avistaram bandos de hindus selvagens e ferozes, que faziam gestos de cólera ao verem passar o veloz quadrúpede. Entretanto, o parse evitava-os o mais possível, considerando-os como criaturas cujo encontro seria funesto. (VERNE apud FRONZA, 2011, p. 278).

As literaturas orientalistas, tais como a de Christie ou Verne, contribuíram para a construção do imaginário europeu sobre os povos ditos orientais ao seu tempo e deixam um legado importante que extrapola gerações e que coloniza corações e mentes. Diferentemente dos textos acadêmicos, a literatura possibilita a experimentação de narrativas baseadas em terceira pessoa. Na academia, o senso de neutralidade científica faz com que os orientalismos e mesmo os ocidentalismos soem como expressões ingênuas de leituras da realidade. Christie e Verne, no campo literário, generalizam comportamentos culturais em vastas áreas, cometendo a mesma problemática discutida na tentativa de criação de mapas culturais. As regiões culturais, como já foi abordado, não possuem limites realizáveis, sobretudo quando levamos em consideração a natureza híbrida da cultura, materializada na plausibilidade da existência da diversidade cultural em pontos geograficamente próximos do espaço geográfico. Dito isso, torna-se plausível considerar que os exemplos literários de Christie e Verne, assim como o acadêmico de Lewis, suprimem a geografia no exercício da alteridade.

As literaturas orientalistas, tais como a de Christie ou Verne, contribuíram para a construção do imaginário europeu sobre os povos ditos orientais ao seu tempo e deixam um legado importante que extrapola gerações e que coloniza corações e mentes. Diferentemente dos textos acadêmicos, a literatura possibilita a experimentação de narrativas baseadas em terceira pessoa. Na academia, o senso de neutralidade científica faz com que os orientalismos e mesmo os ocidentalismos soem como expressões ingênuas de leituras da realidade. Christie e Verne, no campo literário, generalizam comportamentos culturais em vastas áreas, cometendo a mesma problemática discutida na tentativa de criação de mapas culturais. As regiões culturais, como já foi abordado, não possuem limites realizáveis, sobretudo quando levamos em consideração a natureza híbrida da cultura, materializada na plausibilidade da existência da diversidade cultural em pontos geograficamente próximos do espaço geográfico. Dito isso, torna-se plausível considerar que os exemplos literários de Christie e Verne, assim como o acadêmico de Lewis, suprimem a geografia no exercício da alteridade.

E) Por intermédio do fazer geopolítico: as formas da supressão da geografia precisam ser entendidas na dimensão da Geopolítica enquanto conceito: ou seja, campo do saber destinado “a formulação de teorias e projetos de ação voltados às relações de poder entre os Estados e às estratégias de caráter geral para os territórios nacionais e estrangeiros” (COSTA, 2013, p.18). Partimos do pressuposto que a Geopolítica é um campo de saber engajado, utilitarista, que estaria a serviço das estratégias de quem o utiliza. Na resposta norte-americana aos Atentados Terroristas de 11 de Setembro de 2001 ocorreu a invasão do Afeganistão (novembro de 2001), sob o argumento de que o país em questão abrigava o terrorista Osama Bin Laden. Devido à fraqueza de suas instituições estatais que permitiriam a sua inserção na categoria de Estados Falidos, o Afeganistão tratava-se de um terreno fértil para se constituir como uma base território-organizacional para a rede terrorista Al Quaeda, o que poderia justificar moralmente a intervenção estrangeira (FUKUYAMA, 2005; BADIE, 1999).

Logo após a queda do regime Talibã no Afeganistão, o discurso do presidente norte-americano que projetou a existência de um eixo do mal (composto pelo Iraque, pelo Irã e Coreia do Norte) estava inserido em uma ideia maior, chamada de Guerra contra o Terror. A dimensão metafórica da palavra “guerra” inserida nesta expressão convida-nos a uma imprecisão geográfica. A metáfora se equivale ao sentido proposto na expressão “Guerra contra as Drogas” (HOBSBAWN, 2007). A guerra metafórica não possuiria uma espacialidade precisa, podendo ser útil aos interesses daqueles que desejam construir justificativas morais e apoio internacional para outras empreitadas militares que atendam aos seus interesses geopolíticos escusos. A guerra contra o Iraque (2003) capitaneada pelos Estados Unidos e que experimentou polêmica no que diz respeito às suas motivações (perturbando até mesmo a harmonia do Conselho de Segurança da ONU), é um exemplo da supressão da geografia no exercício da alteridade. Em primeiro lugar, pela colocação do Iraque por parte dos Estados Unidos na mesma dimensão causal do Afeganistão (apesar de suas distintas características geográficas e, portanto, geopolíticas). Em segundo, pela dimensão metafórica do uso da palavra guerra na expressão “Guerra contra o Terror”, que vem bem a calhar por ser geograficamente imprecisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Para a compreensão da supressão da geografia no exercício da alteridade é importante a consideração da natureza híbrida, permeável e dinâmica da cultura, construída por meio das experiências vividas pelos indivíduos e pelas gerações que o antecederam. A fenomenologia, neste particular, se apresenta como uma importante ferramenta de interpretação, bem como a corrente da Geografia conhecida como Humanista e Cultural. É importante, também, considerar que a problematização deste artigo se faz mediante o uso da palavra “geografia” com letra inicial minúscula, referindo-se não à disciplina e seu cânone epistemológico, mas a um uso metonímico que alude a determinados fenômenos do espaço contemplados pelo fazer do geógrafo.

O artigo trouxe cinco categorizações que também poderia ser entendidas como morfologias adquiridas pela supressão da geografia no exercício da alteridade. São elas os mapas culturais, as artes, as revoltas populares, os textos literários e acadêmicos e a geopolítica. Estas categorias, quando apresentadas em conjunto, nos proporcionam um entendimento mais profundo do que se trata a supressão da geografia, bem como nos alerta quanto às consequências de sua prática. Em um mundo cada vez mais marcado pela interdependência econômica, diminuição do tempo e dos custos dos deslocamentos dos homens pela superfície do planeta, bem como pela intensificação da pluralidade e frequência das comunicações intercontinentais, o exercício da alteridade se coloca como um desafio quase permanente. Se faz necessário considerar a pluralidade identitária em um contexto marcado pela percepção de que a colocação de estereótipos que negligenciem as diferenças contidas no espaço prejudica a interlocução intercultural.

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