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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E EDUCAÇÃO GEOGRÁFICA: TRABALHO DE CAMPO AUTÔNOMO COM VISTAS À IDENTIFICAÇÃO DE RISCOS GEOMORFOLÓGICOS
TEACHER TRAINING AND GEOGRAPHICAL EDUCATION: AUTONOMOUS FIELD RESEARCH SEEKING IDENTIFY GEOMORPHOLOGICAL RISKS
FORMACIÓN DE MAESTROS Y EDUACIÓN GEOGRÁFICA: INVESTIGACIÓN DE CAMPO AUNÓNOMA CON VISTA A LA IDENTIFICACIÓN DE RIESGOS GEOMORFOLÓGICOS
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 10, núm. 22, pp. 26-35, 2019
Universidade Federal do Ceará


Recepção: 01 Julho 2019

Aprovação: 05 Agosto 2019

DOI: https://doi.org/10.26895/geosaberes.v10i22.816

Resumo: A atual LDB9394 sugere a disseminação de mecanismos de prevenção de desastres naturais em todos os níveis educacionais. O DGEO/FFP/UERJ procura formar professores capazes de desenvolver metodologias que insiram esse tema na educação geográfica básica. Os licenciandos são orientados a estudar situações de desastres naturais na RMRJ (onde provavelmente atuarão como professores), fazendo pesquisas de modo autônomo (conforme orientações prévias) em diferentes bairros, buscando entender relações entre processos naturais e dinâmica socioambiental locais. Os materiais didáticos produzidos (cartilhas de prevenção de riscos, jogos, oficinas etc.) podem ser adaptados para escolas em locais diferentes com riscos naturais parecidos, consolidando a prática educacional que conduza à sociedades mais resilientes a desastres provocados por eventos naturais extremos.

Palavras-chave: Ensino de Geografia Física, Licenciatura em Geografia, Prevenção de Riscos Naturais.

Abstract: The current LDB9394 suggests the dissemination of natural disaster prevention mechanisms at all levels of education. The DGEO/FFP/UERJ seeks to train teachers capable of producing methodologies that insert this theme in basic geographic education. The students are oriented to study situations of natural disasters in the RMRJ (where they will probably act as teachers), doing autonomous researches (according to previous orientation) in different neighbourhoods, seeking to understand relations between natural processes and local socio-environmental dynamics. The teaching materials produced (risk prevention booklets, games, workshops, etc.) can be adapted to schools in different locations with similar natural risks, consolidating the educational practice that leads to societies more resilient to disasters caused by extreme natural events.

Keywords: Teaching Physical Geography, Degree in Geography, Natural risks prevention.

Resumen: El actual LDB9394 sugiere la diseminación de mecanismos de prevención de desastres naturales en todos los niveles de educación. El DGEO/FFP/UERJ busca formar maestros en formación capaces de desarrollar metodologías que inserten este tema en la educación geográfica básica. Los licenciandos están orientados a estudiar situaciones de desastres naturales en la RMRJ, realizando investigaciones autónomas (según las orientaciones previas) en diferentes localidades, buscando comprender las relaciones entre los procesos naturales y las dinámicas socio ambientales locales. Los materiales didácticos producidos (folletos de prevención de riesgos, juegos, talleres, etc.) pueden adaptarse a escuelas en diferentes lugares con riesgos similares, consolidando la práctica educativa que conduce a sociedades más resilientes a desastres causados por eventos naturales extremos.

Palabras clave: Enseñanza de la Geografia Física, Licendiada en Geografía, Prevención de riesgos naturales.

INTRODUÇÃO

A formação de professores de Geografia para o ensino básico (fundamental e médio) deve não apenas atentar para a legislação normativa da educação nacional, bases e parâmetros curriculares estabelecidos, mas também atender a demanda social de informações sobre processos e fenômenos que afetam os grupos sociais em que os alunos se inserem. Nos últimos anos, diversas alterações foram feitas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB9394). Foram também sancionadas as novas bases comuns curriculares (BNCC) em lugar dos Parâmetros Nacionais Curriculares vigentes até 2017.

Cabe a docentes e a licenciandos não apenas compreender e buscar alcançar os novos objetivos traçados por tais diretrizes e bases para a educação nacional, mas também questionar tais mudanças. É importante viabilizar a inserção de temáticas e procedimentos relevantes que não estejam explicitados (ou não sejam priorizados) nos documentos balizadores do ensino básico. A educação geográfica voltada para prevenção de riscos provocados por eventos naturais extremos é um exemplo.

Posicionamo-nos em defesa de uma Educação Geográfica que insira no ensino básico a compreensão das dinâmicas do meio físico, das repercussões que podem advir das interações entre natureza e sociedade e dos riscos associados a processos naturais extremos em áreas de maior vulnerabilidade ambiental. Isso implica na necessidade de desenvolver estratégias docentes que capacitem os licenciandos em Geografia a tornarem-se professores capazes de abordar tais temas e estimular seus alunos a desenvolverem as competências e habilidades cognitivas relacionadas à dinâmica da natureza previstas na LDB e BNCC. Tal debate constitui parte do conteúdo curricular de disciplinas do DGEO/FFP/UERJ ligadas à Geografia Física. Procuramos, ainda, tornar esse debate ainda mais significativo ao estimular a percepção dos alunos na dinâmica ambiental nas áreas em que vivem.

Neste artigo, apresentamos uma das estratégias usadas para formar professores capazes de promover a educação geográfica com vistas à prevenção de desastres naturais. Tal estratégia consiste em realizar estudos teóricos, levantamentos de informações e trabalhos de campo em áreas sujeitas a riscos naturais na Região Metropolitana do Rio de Janeiro e que influenciam diretamente no cotidiano dos licenciandos, dando destaque a processos geomorfológicos, meteorológicos, climáticos, hidrológicos, pedogenéticos, bióticos (etc). Uma vez que a compreensão da dinâmica da natureza deve levar em consideração o espaço de vivência, procuramos preparar nossos licenciandos a realizar experiências similares com seus futuros alunos, quando estiverem exercendo a docência no ensino básico. Isso justifica a importância de desenvolver estratégias que estimulem a autonomia dos licenciandos em obter informações primárias através de pesquisas de campo, entrevistas, coleta de dados sobre ocupação do solo, histórico de ocorrências de desastres naturais (etc.) em áreas onde morem, trabalhem ou estudem (AFONSO, 2015; COMPIANI, 2005). Os trabalhos de campo autônomos tem relação com a competência cognitiva que os licenciandos devem consolidar: a de questionar e investigar por si próprios as respostas para melhor compreender o espaço vivido, através de investigação própria e intercâmbios entre colegas de trabalho e alunos.

As informações obtidas nas atividades de pesquisa e trabalhos de campo autônomos devem então ser preparadas para utilização no meio escolar, sendo necessário desenvolver estratégias para a adequação pedagógica de temas para o ensino fundamental e médio. Tais estratégias envolvem produção de material didático, organização de aulas e palestras voltadas para a educação básica, desenvolvimento de jogos e oficinas que tornem tais conteúdos mais compreensíveis e interessantes para estudantes do ensino básico. A produção de materiais e métodos de docência da Geografia Física para o ensino básico tem crescido e se consolidado como campo de pesquisa docente e científica, sendo fundamental incluir aí a educação preventiva de riscos naturais.

COMPETÊNCIAS E HABILIDADES COGNITIVAS RELACIONADAS À DINÂMICA DA NATUREZA PREVISTAS NA LDB E BNCC

A inclusão nos currículos escolares de noções de vulnerabilidade e riscos provocados por eventos naturais extremos (Lei 12.608/2012, que institui a Política Nacional de Proteção e Defesa Civil – PNPDEC – e o Sistema Nacional de Defesa e Proteção Civil contra Desastres Naturais) ressaltou a importância de conhecer a dinâmica de processos naturais que colocam vidas em situação de vulnerabilidade e risco. Conhecer a dinâmica de eventos naturais extremos contribui não só para que as sociedades se resguardem de fatalidades, especialmente em áreas de ocupação desordenada. A lei 12.608 alterou a LDB em 2012 no artigo 26 parágrafo §7, passando então a exigir a inserção de princípios de proteção, defesa civil e educação ambiental de modo integrado nos conteúdos escolares obrigatórios. Tal medida convergia com propostas de construir “sociedades resilientes” e com as campanhas nacionais e internacionais em prol da difusão de informações para mitigação de riscos provocados por eventos naturais extremos, cada vez mais recorrentes no Brasil e no mundo.

Alterações recentes levaram à modificação do Artigo 26, parágrafo §7o da LDB 9.394, eliminando tal obrigatoriedade. A atual redação é vaga, e remete apenas à possibilidade de incluir temas transversais diversificados sem explicitar a educação ambiental preventiva de desastres naturais:

Art.26 § 7o A integralização curricular poderá incluir, a critério dos sistemas de ensino, projetos e pesquisas envolvendo os temas transversais de que trata o caput. (BRASIL, Lei 9.393, p.19)

Até 2017, era o §7 do Artigo 26 da LDB9.394 que remetia mais diretamente a conteúdos relacionados à dinâmica de fenômenos naturais extremos e aos riscos de tais fenômenos para as sociedades. A alteração deste parágrafo parece minimizar a relevância dessas temáticas na Educação Básica, o que não nos parece prudente. Convergimos com Afonso (2017) quando afiima que a alteração do Art.26 §7 diminui a importância das temáticas relacionadas à dinâmica da natureza na Educação Básica, constituindo-se um retrocesso grave, incompreensível e perigoso, tendo em vista a gravidade dos desastres naturais ocorridos nos últimos anos no mundo, no Brasil (inundações, movimentos de massa, estiagem, temporais, tornados, relâmpagos, incêndios) e no mundo (furacões, tsunamis, sismos, vulcanismo etc.).

No entanto, a própria LDB 9.394 indica no §1 do Art.26 que “os currículos [...] devem abranger, obrigatoriamente, [...] o conhecimento do mundo físico e natural e da realidade social e política, especialmente do Brasil”. No Art.32, item II, está explicitado que um dos objetivos do ensino fundamental é “compreender o ambiente natural e social [...] da sociedade”, enquanto que os Art.35A e Art.36 explicitam que entre as áreas do conhecimento da BNCC do ensino médio estão as ciências da natureza e suas tecnologias (Item III) e as ciências humanas e sociais aplicadas (item IV). Fica claro, portanto, que a compreensão da dinâmica dos elementos da natureza permanece uma exigência curricular importante para o ensino básico. Tais conteúdos estão inseridos nos eixos temáticos propostos para a educação geográfica nas BNCC recentemente sancionadas.

A BNCC do ensino fundamental (BRASIL, 2018), sancionada em 2017, propõe cinco as unidades temáticas para o ensino fundamental: 1) o sujeito e seu lugar no mundo; 2) conexões e escalas; 3) mundo do trabalho; 4) formas de representação e pensamento espacial; e 5) Natureza, ambientes e qualidade de vida. Este quinto eixo temático deve articular “[...] geografia física e geografia humana, com destaque para a discussão dos processos físico-naturais do planeta Terra” (p.316). Os objetos propostos para essa unidade temática são diferentes para o 6o (biodiversidade e ciclo hidrológico as atividades humanas e dinâmica climática), 7o (biodiversidade brasileira), 8o (diversidade ambiental e as transformações na Europa, Ásia e Oceania) e 9o anos (impacto ambiental nos Estados Unidos da América, África e América espanhola). Essa proposta de organização curricular suscita debate e críticas, mas certamente exige a inclusão do estudo dos elementos da natureza e suas relações com as sociedades em diversas escalas regionais dentro da Educação Geográfia no ensino médio.

A BNCC do ensino médio (BRASIL, op.cit.), sancionada em 2018, propõe que se trate na área de Ciências da Natureza e suas tecnologias (p.547) questões globais e locais relacionadas a mudanças ambientais e climáticas, discussões essas que podem ser aprofundadas nas temáticas Terra e Universo, com vistas a compreender dinâmicas, analisar e resolver problemas individuais, sociais e ambientais, “reelaborando seus próprios saberes relativos a essas temáticas (...) favorecendo seu protagonismo no enfrentamento de questões sociais e ambientais, entre outras. Dentre as habilidades que devem ser estimuladas no ensino médio estão a de “identificar, analisar e discutir vulnerabilidades vinculadas às vivências e aos desafios contemporâneos aos quais estão expostos (...), a fim de desenvolver e divulgar ações de prevenção e de promoção da saúde e do bem-estar.” (BRASIL, op. cit, p.557). Dentre os processos e práticas de investigação, a BNCC propõe que os alunos do ensino médio sejam levados a:

(...) identificar problemas, formular questões, identificar informações ou variáveis relevantes, propor e testar hipóteses, elaborar argumentos e explicações, escolher e utilizar instrumentos de medida, planejar e realizar atividades experimentais e pesquisas de campo, relatar, avaliar e comunicar conclusões e desenvolver ações de intervenção, a partir da análise de dados e informações sobre as temáticas da área.” (BRASIL, 2018, p.550).

Parte dos conteúdos curriculares da educação geográfica estão também inseridos na Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Compreender e discutir as relações entre as categorias Indivíduo, Natureza, Sociedade, Cultura e Ética (BRASIL, op.cit., p. 565) conduz ao reconhecimento da influência que as sociedades têm sobre a dinâmica ambiental, levando ainda à percepção da vulnerabilidade a que estão submetidas diante de processos naturais de difícil previsão e controle.

Diante do cenário acima exposto, acreditamos ser necessário contribuir com sugestões para viabilizar uma Educação Geográfica que insira no ensino básico a compreensão das dinâmicas do meio físico, especialmente no que se refere a riscos de desastres provocados por processos naturais extremos. Buscamos, portanto, formar professores-pesquisadores que construam coletivamente novos conhecimentos a partir da realidade em que suas escolas estão inseridas. Cada professor de ensino básico deve ainda ter capacidade e autonomia para produzir materiais que contribuam para disseminar informações relacionadas a riscos naturais locais. Professores e alunos devem buscar tais informações sobre tais processos tanto empiricamente (a partir de suas próprias experiências) como a partir de levantamentos em órgãos especializados sobre o tema (Defesa Civil, secretarias municipais e estaduais especializadas, Corpo de Bombeiros etc.), na imprensa e através de entrevistas e relatos de moradores locais. O professor, ao priorizar a discussão sobre o tipo de ameaça mais comum na comunidade onde os alunos vivem, pode contribuir para alertá-los sobre tais riscos, possibilitando um maior preparo para enfrentar suas consequências localmente.

MATERIAIS E MÉTODOS

Segundo Afonso (2015) é importante que os professores em formação desenvolvam estratégias de reconhecimento de situações de risco geomorfológico e de prevenção de desastres naturais, especialmente nas áreas em que seus alunos se inserem. Nos últimos anos, têm sido propostos trabalhos práticos em que os licenciandos em Geografia buscam, em seus locais de residência ou nas proximidades do campus da FFP (São Gonçalo, RJ), situações de vulnerabilidade e risco geomorfológico.

Compiani (2005), Scortegagna, & Negrão (2005) entre outros, propõem que os trabalhos de campo acadêmicos incluam a modalidade “atividade de campo autônoma”, na qual os alunos saem a campo sem a presença de um professor ou orientador. No caso das licenciaturas, tal atividade busca instigar o espírito investigativo, buscando estimular os licenciandos a ter autonomia cognitiva, aspecto indispensável para seu futuro exercício profissional. A experiência de planejar, montar roteiros, prever paradas ou pontos de maior interesse é algo importante na formação do professor.

Ao propor que os licenciandos organizem seus próprios trabalhos de campo, pretende-se que eles experimentem as etapas do trabalho que em geral cabe aos professores, tais como definição dos locais de visita, reconhecimento, definição de objetivos, levantamento prévio de informações e bases cartográficas sobre a área a ser visitada, levantamento das necessidades práticas (locomoção, alimentação, segurança etc.), definição do percurso, estratégias para levantamento de informações in situ, etc (AFONSO, 2015).

A bibliografia sugerida de práticas e técnicas de levantamento de situações de riscos naturais incluiu Tominaga et al., 2012, CARVALHO et al., 2007, PIMENTEL et al., 2007, COSTA, 2001; SILVA & HERCULANO, 2015, entre outros. Foram indicados também vídeos sobre prevenção de desastres naturais (“Áreas de risco: informação para prevenção”, do IPT; “Comunidade mais segura”, do CPRM por exemplo) e dinâmicas geomorfológicas em ambientes urbanos (como por exemplo “Entre Rios: a urbanização de São Paulo” do PROJETO VOLUME VIVO, 2015).

Neste artigo apresentamos os resultados alcançados em trabalhos realizados por licenciandos do DGEO/FFP/UERJ na disciplina “Geomorfologia Continental” em 2018. A proposta foi que os licenciados realizassem um trabalho de campo autônomo a fim de identificar, melhor compreender, propor intervenções e/ou medidas de prevenção de riscos ou redução de vulnerabilidade a processos geomorfológicos perigosos. Os alunos deveriam optar por fazer o campo em áreas conhecidas, preferencialmente nos bairros próximos ao seu local de estudo, trabalho ou moradia. Os grupos de licenciandos foram instruídos a encontrar edificações em situação de risco, identificar a dinâmica geomorfológica atuante na área, identificar indícios de riscos iminentes e esboçar um parecer técnico da área visitada.

Foi sugerido que os licenciandos buscassem também entrar em contato com os residentes das áreas de risco selecionadas e informá-los dos riscos a que se submetiam. Quando viável, foram divulgadas informações relacionadas a medidas preventivas, de alerta, alarme e de ação no caso de ocorrência de eventos naturais extremos. Posteriormente, os trabalhos foram apresentados para os demais inscritos na disciplina a fim de discutir as técnicas de abordagem e as informações colhidas em campo.

Os trabalhos de campo autônomos para identificação e compreensão de situações de vulnerabilidade e riscos naturais têm sido propostos e realizados por turmas de licenciandos em Geografia há vários semestres letivos. Em 2019 os casos de perdas, danos e prejuízos provocados por chuvas intensas entre março e maio em várias regiões do estado do Rio de Janeiro permitiram a realização de diversos trabalhos dentro desta proposta, mas que ainda não tinham sido finalizados até a data de envio de trabalhos para o 18o SBGFA em Fortaleza.

Selecionamos para este artigo dois trabalhos feitos por licenciandos inscritos na disciplina “Geomorfologia Continental” em 2018. Os trabalhos apresentam situações de riscos associados à dinâmica geomorfológica de encostas (riscos de movimentos de massa) e fluvial (riscos de inundações). Em ambos os casos, as áreas investigadas situam-se no município de São Gonçalo (RJ), sendo bem conhecidas dos membros dos grupos de trabalho.

IDENTIFICAÇÃO DE RISCO DE MOVIMENTOS DE MASSA EM TRABALHO DE CAMPO AUTÔNOMO

O grupo que realizou este trabalho foi composto pelos licenciandos Luiz Felipe Hygino da Silva (co-autor deste artigo), Leonardo D’Ávila Louzada e Matheus Areias da Silva. A área selecionada para análise de risco de movimento de massa (deslizamento ou escorregamento) foi uma residência localizada na base de uma encosta no bairro de Ieda, adjacente ao bairro de Santa Izabel em São Gonçalo (RJ). O declive acentuado e a ressurgência de água na base da encosta sugerira risco de escorregamento do talude atrás da casa, o que colocava em risco a parte dos fundos do imóvel. O grupo percorreu os terrenos adjacentes à casa e fotografou as áreas que pareciam mais instáveis. Verificou-se uma grande quantidade de água minando da base da encosta, no corte do talude feito para a construção da casa. A água escorria de modo permanente no fundo do terreno mesmo em dias sem chuva (quando o grupo realizou a visita, não chovia há mais de 2 semanas). O fluxo contínuo já fizera sulcos no terreno e na base da casa, na parede dos fundos.

Os moradores foram entrevistados e permitiram que o grupo visitasse o interior do imóvel, onde se constatou infiltração em diversas paredes e uma grande quantidade de água minando do piso. Segundo o relato da moradora, a água vinha de um reservatório de água (lago) utilizado como criadouro de peixes na parte superior do morro, logo acima da encosta no fundo se sua residência. Não sendo possível ir até o local, o grupo fez uso da ferramenta Google Maps para visualizar o local analisado. Nas imagens foi possível constatar a existência de dois lagos que realmente localizavam-se na parte superior do morro, o que ressalta a importância da geotecnologia e de ferramentas digitais gratuitas (Google Earth e Google Maps) para a identificação de condições geomorfológicas de risco.

Feitas as observações, concluiu-se que o maior perigo geomorfológico na área visitada seria um deslizamento de toda a edificação, haja vista a saturação do solo embaixo do imóvel e a inclinação (moderada) do terreno onde a mesma se situa. O risco de escorregamento nos fundos da casa não era o maior risco, tendo em vista o fato do corte do talude ser pequeno e não muito próximo dos fundos da casa. No entanto, a visitação permitiu constatar um outro risco, bem maior e que estava sendo desprezada (como um simples incômodo persistente) pelos moradores da casa.

A observação empírica dos processos na localidade visitada durante a atividade de campo autônoma identificou um risco maior, e isso foi comunicado aos moradores. Os mesmos foram orientados a procurar a Defesa Civil do município a fim de ter uma avaliação mais balizada dos riscos a que a casa está sujeita e a se informar que medidas preventivas podem ser empregadas para reduzir a saturação do solo. Foi sugerido que a moradora realizasse uma drenagem no talude logo atrás da sua casa a fim de redirecionar o fluxo d’água que estava comprometendo a estrutura de sua casa. A rede de encanamento poderia direcionar-se a uma cisterna a ser construída para que a moradora pudesse ter água limpa à sua disposição, o que seria um estímulo adicional à realização da obra

O grupo procurou reproduzir a situação de risco verificada apresentando fotos e confeccionado uma maquete que reproduzia a casa na base da encosta do morro e os lagos acima do mesmo (Figura 1). Foi colocado um pequeno tubo que ligava um dos lagos ao fundo da casa na maquete para indicar o fluxo constante de água constatado. Uma garrafa de água com furos na tampa fora utilizada para simular chuva. Ao despejar a água sobre a maquete, o terreno aos poucos tornou-se instável e cedeu. Os materiais escorreram, levando casas e a vegetação da maquete, demonstrando o que poderia ocorrer na casa em caso de chuvas extremas.



Figura 1 – Maquete ilustrativa de risco de deslizamento de encosta, reproduzindo a situação de risco geomorfológico identificada no trabalho de campo autônomo em uma residência no bairro de Ieda, São Gonçalo (RJ).
Fonte: Acervo pessoal dos autores (janeiro, 2019)

IDENTIFICAÇÃO DE RISCO DE INUNDAÇÃO EM TRABALHO DE CAMPO AUTÔNOMO

O grupo que realizou o trabalho de campo em áreas urbanas com riscos de enchentes foi formado pela(o)s licencianda(o)s Débora Guerreiro da Costa (co-autora deste artigo), Isabela Nicolau Carias, Rafael Moura Machado e Júlia Albuquerque Moura de Araújo. A área submetida a risco de inundações situam-se próximas ao centro e ao bairro de Alcântara, no município de São Gonçalo (RJ).

Como em toda a região metropolitana do Rio de Janeiro, as bacias hidrográficas analisadas foram muito modificadas devido a processos de ocupação e expansão urbana. A pavimentação do solo e abras de canalização e retilinização dos canais fluviais alteraram a dinâmica fluvial em áreas urbanizadas, tendo em vista a redução das taxas de infiltração e o aumento do escoamento superficial na bacia hidrográfica (COSTA, 2001).

Historicamente, o evento de maior magnitude ocorrido em São Gonçalo parece ter sido o ocorrido em abril de 2010, quando as águas chegaram a inundar parte do primeiro andar de alguns prédios, acima do nível térreo, onde diversos carros ficaram submersos. No entanto, inundações ocorridas nos meses de verão entre 2016 e 2018 mostraram-se também muito significativas.

O grupo observou o trecho do canal do rio Alcântara que atravessa a parte central do bairro de mesmo nome e também percorreu trechos de bairros residenciais drenados pelo rio Imboaçu. Em ambas as áreas área estão presentes diversas ruas asfaltadas, pontes e travessias, prédios e casas. Tais construções situam-se nas planícies de inundação desses rios e as intervenções citadas constituem-se, em geral, empecilhos à drenagem fluvial e, portanto, agravam as enchentes a montante do sítio onde se encontram.

Apesar dos canais fluviais observados (rios Alcântara e Imboaçu) terem segmentos cuja largura ultrapassa 10 metros, seu aspecto e vazão medianos induzem os moradores locais a identificar os rios como um valões: poluídos, desagradáveis e incômodos à dinâmica social e econômica do bairro. Apesar de poluídos e assoreados, há trechos na parte superior dessas bacias hidrográficas onde encontram-se diferentes espécies de animais e vegetação ciliar relativamente preservadas. Em ambos os casos, o baixo curso é influenciado pela dinâmica de marés, com foz na baía de Guanabara (RJ), o que pode ser problemático quando chuvas intensas ocorrem em períodos de maré alta.

Foram também identificados diversas tubulações de saída de drenagem ao longo das margens cimentadas do canal. Tendo em vista a baixa cobertura da rede de coleta de esgotos e de canalização de águas pluviais, é comum haver lançamento direto dessas águas para os rios citados, situação comum à maior parte dos municípios da região metropolitana do Rio de Janeiro (RMRJ) e demais municípios densamente urbanizados no Brasil. Tais efluentes contribuem para intensificar os picos de vazão fluvial em eventos de precipitação intensa.

O grupo destacou a presença de diversos muros entre os condomínios residenciais e o canal do rio Alcântara. Ao entrevistar alguns moradores sobre isso, os mesmos relataram terem sido favoráveis à construção dos mesmos a fim de protegerem-se de novas inundações. Tal situação apresenta-se como mitigadora de prejuízos locais, mas pode, em contrapartida, agravar o risco de enchentes em outros locais ao longo das bacias hidrográficas em questão (Figura 2).



Figura 2 – Imagens de obstáculos e restrições à drenagem fluvial sobre o rio Alcântara e canais fluviais urbanos próximos ao centro de São Gonçalo (RJ):
Fonte: Acervo pessoal dos autores (outubro a janeiro, 2019)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A atividade prática proposta para licenciandos de Geografia proposta neste artigo – trabalhos de campo autônomos visando avaliar situações de risco geomorfológico – constitui uma proposta de educação geográfica significativa, que se apropria dos saberes locais dos alunos associando-as ao conhecimento científico. Colocar instrumentos teóricos e práticos como bases para a cognição autônoma, compreensão de fenômenos, enfrentamento de situações-problema e elaboração de propostas que solucionem ou minimizem os riscos verificados in situ são habilidades e competências a serem estimuladas ao longo de todo o ensino básico. É importante que os licenciandos conheçam, pratiquem e desenvolvam tais práticas durante sua formação acadêmica e profissional a fim de poderem executá-las com seus futuros alunos do ensino básico.

O que foi feito pelos licenciandos pode ser sugerido para seus futuros alunos das escolas de nível fundamental e médio, a fim de que adquiram capacidades de intervenção e de reconhecimento crítico de situações de risco geomorfológico a que possam estar submetidos. Reconhecer a relevância dos aspectos físico-naturais é contribuir para uma Geografia mais comprometida e integrada à realidade social e ambiental, bem como para a formação geral dos educandos, estimulando outras formas de exercício da cidadania e alcançando objetivos mais amplos do processo educacional.

Agradecimentos

Agradecemos a Leonardo D’Ávila Louzada, Matheus Areias da Silva, Isabela Nicolau Carias, Rafael Moura Machado e Júlia Albuquerque Moura de Araújo que entre 2018 e 2019 participaram dos trabalhos de campo autônomos e produção de materiais didáticos na disciplina Geomorfologia Continental do curso de Licenciatura em Geografia do DGEO/FFP/UERJ.

REFERÊNCIAS

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