ÁREAS CENTRAIS, ENTRE OPORTUNIDADES E DESAFIOS: NOTAS COM BASE NA REALIDADE DE UBERLÂNDIA, MINAS GERAIS
CENTRAL AREAS BETWEEN OPPORTUNITIES AND CHALLENGES: NOTES BASED ON REALITY OF UBERLÂNDIA, MINAS GERAIS
ÁREAS CENTRALES, ENTRE OPORTUNIDADES Y DESAFÍOS: NOTAS BASADAS EN LA REALIDAD DE UBERLANDIA, MINAS GERAIS
ÁREAS CENTRAIS, ENTRE OPORTUNIDADES E DESAFIOS: NOTAS COM BASE NA REALIDADE DE UBERLÂNDIA, MINAS GERAIS
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 8, núm. 16, pp. 23-40, 2017
Universidade Federal do Ceará

Recepção: 20 Julho 2017
Aprovação: 14 Agosto 2017
Resumo: Este artigo objetiva apresentar considerações sobre as transformações e as intervenções urbanísticas nas áreas centrais, considerando o exemplo de Uberlândia-MG. Realiza-se uma apreciação dos Planos Diretores Municipais, do Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho no Contexto dos Bairros e do Plano de Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana de Uberlândia (PlaMob). Ratifica-se a relevância das leis e planos que contemplem os instrumentos urbanísticos que visem à construção de cidades mais sustentáveis, embora estes por si só, não sejam garantia de mudanças, sendo, portanto comumente não implementados, por vários motivos, dentre os quais o conflito de interesses em torno do uso e ocupação do solo urbano. Logo, ratifica-se também a importância de que os planos sejam democráticos, e consequentemente exequíveis.
Palavras-chave: Área Central, Transformações, Uberlândia.
Abstract: This paper has objective to present considerations about the transformations and urban interventions in the central areas, considering the city of Uberlândia-MG as an example. Therefore, an appreciation of the Municipal Director Plans is carried out, a Project for the Requalification of the Central and Fundinho Area in the Context of the Neighborhoods and the Plan of the Director of Transport and Urban Mobility of Uberlândia (PlaMob). It ratifies a relevance of laws and plans that contemplate the urbanistic instruments that aim at the construction of more sustainable cities, for that reason they are not guarantee of changes, being, therefore, common not to implement many plans, among which the conflict of interests surrounding the use and occupation of urban land. Therefore, the importance of plans is also confirmed, and consequently feasible.
Keywords: Central Area, Changes, Uberlândia.
Resumen: Este artículo tiene por objeto presentar consideraciones sobre las transformaciones y las intervenciones urbanísticas en las áreas centrales, considerando el ejemplo de Uberlandia-MG. Se realiza una apreciación de los Planes Directores Municipales, del Proyecto de Recalificación del Área Central y Fundinho en el Contexto de los Barrios y del Plan de Director de Transportes y Movilidad Urbana de Uberlândia (PlaMob). Se ratifica la relevancia de las leyes y planes que contemplan los instrumentos urbanísticos que apunte a la construcción de ciudades más sostenibles, aunque éstos por sí solos, no sean garantía de cambios, siendo, por lo general, no implementados, por varios motivos, entre los cuales el Conflicto de intereses en torno al uso y ocupación del suelo urbano. Por lo tanto, se ratifica también la importancia de que los planes sean democráticos, y consecuentemente factibles.
Palabras clave: Área central, Transformaciones, Uberlandia.
INTRODUÇÃO
As áreas centrais, atendendo às determinações do contexto socioeconômico, são historicamente, focos de implementação de vários tipos de intervenções, que variam desde o estágio pautado no embelezamento, perpassando pela renovação, até as atuais ações que recebem as denominações de requalificação e/ou revitalização urbana. Sendo que no último caso, o processo de planejamento apresenta-se associado às características do chamado Pós-Modernismo, à ideia de desenvolvimento urbano, no sentido de adaptá-lo à modernidade capitalista por meio de obras, em sua maioria, de cerne mercadológico e, frequentemente, sem contemplação da heterogeneidade da cidade e com formas arquitetônicas especializadas, ainda que o ideal das intervenções, entre elas nas áreas centrais urbanas, fosse/é assegurar o bem comum, a humanização dos espaços, preservação do patrimônio histórico etc. os pobres eram e são, na verdade, vítimas conforme destaca Souza (1998; 2013).
Há diferentes posturas frente às consequências do pós-modernismo, assim como em relação às ações de revitalização urbana, que possuem influências dessa nova realidade. De um lado, sob a perspectiva urbanística são apontados elementos positivos, pois busca-se preservar o ambiente construído, os usos e a população (ainda que essa seja uma grande dificuldade), viabilizando assim ganhos sociais, ambientais e, por conseguinte econômicos. Entretanto, por outro lado, em uma perspectiva antropológica são apontados os resultados negativos, como a preponderância do econômico em que tudo passa a ser vendido, a partir de uma espécie de marketing oficial das cidades, criando “cidades-modelo” a serem “publicizadas” pelo atual planejamento urbano. Neste contexto, similar ao que elucidou Lefebvre (2008) ao abordar os reflexos das transformações socioeconômicas nas cidades no contexto da revolução industrial, o valor de troca passa a predominar em detrimento do valor.
Frente aos possíveis efeitos negativos e aos conflitos de interesses em torno do uso e ocupação do solo urbano em que as elites econômicas e políticas acabam privilegiadas, os instrumentos urbanísticos assumem um papel essencial. No entanto, segundo Ferreira (2003, p.7), só terão alguma eficácia se houver, ao mesmo tempo em que são criados, uma vontade política muito determinada no sentido de promover a reversão do quadro de desigualdade urbana. Neste contexto, dentre as questões a serem consideradas está a moradia, a mobilidade e acessibilidade urbana, que segundo uma perspectiva sustentável, não devem ser desarticuladas das ações de revitalização urbana.
A autonomia do governo municipal em relação à implementação de políticas públicas urbanísticas, nomeadamente as de revitalização urbana nas áreas centrais, assegurada pelo art. 182 da Constituição Federal de 1988, destaca-se como um importante elemento que contribui para que o desenvolvimento do planejamento urbano possa rever o quadro urbano socialmente excludente e antidemocrático que orientou o crescimento das cidades brasileiras. A esse respeito, segundo Maricato (2001, p.128), um governo municipal poderá (e deverá) priorizar a moradia e, sobretudo, tentar implementar a política de moradia social em área central, independentemente de iniciativas em outros níveis de governo combinadas com a valorização das pequenas atividades comerciais e de serviços. A autora ainda ressalta que isso superaria a irracionalidade e inadequada subutilização da infraestrutura do centro devido ao seu esvaziamento. No entanto, a autora reconhece o desafio de implantar moradias sociais no centro, especialmente quando da ocorrência da revitalização, e aponta a necessidade que elas devem assumir importância de destaque nos planos de revitalização.
Os instrumentos urbanísticos do Estatuto da Cidade por meio de ações previstas pelos Planos Diretores podem vir a ser ferramentas importantes nesse processo, embora não sejam por si só garantia de mudanças. É necessário dedicar atenção especial à questão das potencialidades das áreas centrais a serem aproveitadas nos projetos de requalificação, contribuindo para o desenvolvimento urbano.
Para efetivar o que se pode chamar de “reforma urbana”, demanda-se atenção especial a forma como os instrumentos urbanísticos serão incluídos e detalhados no Plano Diretor, negociações com atores sociais, já que envolve características da Zona Especial de Interesse Público, Zona Especial de Interesse Social e da Operação Urbana, conhecer o estoque edificado existente, ter um órgão operacionalizador etc. Segundo Maricato (2001, p.149), o poder público deverá ser além de um provedor de recursos, um agente central inspirador, disseminador e articulador das iniciativas do plano geral.
Os instrumentos urbanísticos podem servir para ações efetivas de revitalização das áreas centrais, que terão como consequência muitos ganhos, especialmente no que se refere à construção de cidades mais compactas, com a redução dos espaços ociosos a espera de valorização e com maior aproveitamento da infraestrutura já implantada, apenas adaptando-a as novas demandas, o que certamente contribuirá para a redução das desigualdades e para o desenvolvimento econômico local, beneficiando a coletividade.
Assim, diante do exposto, o presente artigo tem como objetivo tecer considerações sobre as transformações e as intervenções urbanísticas nas áreas centrais, considerando como exemplo o caso da cidade de Uberlândia-MG. Logo, é feita uma apreciação dos Planos Diretores Municipais de 1994, 2006 e 2016, do Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho no Contexto dos Bairros e do Plano de Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana de Uberlândia (PlaMob), com vistas a identificar o que tais instrumentos preveem para a cidade de Uberlândia.
Desta forma para a redação deste artigo foi realizada uma revisão da literatura acerca dos temas abordados, nomeadamente sobre os processos de descentralização e seus desdobramentos na Área Central e sobre as intervenções para a revitalização urbana, sobretudo considerando as Áreas Centrais, além dos textos científicos considerou-se também os documentos oficiais como os Planos Diretores Municipais, o Projeto de Requalificação da Área Central e o Plano de Mobilidade Urbana.
Localizada a oeste da Mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba do Estado de Minas Gerais, cujos municípios limítrofes são Araguari, Monte Alegre de Minas, Prata, Indianópolis, Uberaba e Veríssimo (mapa 1), Uberlândia possui população de 604.013 habitantes, dos quais 587.266 (97,0%) referem-se à totalidade da população urbana, e 584.102 (96,0%) à população urbana da sede municipal (IBGE, 2010). Uberlândia caracteriza-se como uma cidade média em transição para grande.

Mapa 1 - Uberlândia (MG): Localização do Município, da cidade e da área central.
Elaborado pelo autor.A posição geográfica do município é em um importante entroncamento rodo-ferroviário, o que facilita seu contato com os principais centros urbanos das regiões Sudeste e Centro-Oeste, localizados num raio de cerca de 500 km. Conforme já apontado por vários estudiosos, ressalta-se o dinamismo econômico de Uberlândia, o qual, dentre outros aspectos como as condições naturais, deve-se á capacidade de fortalecimento e aproveitamento estratégico dos aspectos geopolíticos.
O CICLO DE TRANSFORMAÇÕES DAS ÁREAS CENTRAIS
Em função dos tipos de atividades que congrega, a área central ou simplesmente o centro da cidade, possui significativa magnitude enquanto forma espacial e tem importante papel na articulação das diferentes partes do tecido urbano (CORRÊA, 2005) de modo que seu entendimento é fundamental à análise da reprodução das cidades (SPOSITO, 1991).
Acrescenta-se ao processo de centralização e as suas formas espaciais, a questão da centralidade, que está vinculada aos fluxos, internos e externos à cidade, e, sempre suscitou questionamentos e investigações a partir de diferentes perspectivas, espaciais e temporais. Foi objeto de estudo na escala interurbana, a exemplo dos estudos de W. Christaller[1] e na escala intraurbana, com os estudos clássicos desenvolvidos pelos estudiosos da Escola de Chicago, no início do século XX, no contexto de prevalência da monocentralidade, ou seja, da preponderância de um ponto de aglomeração e centralização. E, continuam sendo objeto de pesquisas, sob novos enfoques e conceitos adotados, afinal as atuais relações socioespaciais implicam em readequações no modo de abordar a temática e fomentam o surgimento de novos questionamentos considerando o novo contexto de descentralização, instaurado a partir da intensificação dos processos de suburbanização e difusão do uso do automóvel.
Com base em Lefebvre (1999, p.112), podemos entender a descentralização a partir da dinâmica do espaço urbano, que possui, simultaneamente a capacidade de atrair e acumular diversos conteúdos que se excluem, incluem e supõem. Afinal, nas palavras do autor, o urbano apresenta tendências
a) à centralidade, através dos distintos modos de produção e as diferentes relações de produção; tendência que vai atualmente até o ‘centro decisional’, encarnação do Estado, com todos seus perigos.
b) à policentralidade, à oni-centralidade, à ruptura do centro, à desagregação, tendência orientável, seja através da constituição de diferentes centros (ainda que análogos, eventualmente complementares), seja até a dispersão e a segregação (LEFEBVRE, 1999, p.112).
De tal modo, em decorrência das transformações sociais, políticas e econômicas, como o aumento da mobilidade, proporcionada pela difusão do uso do automóvel particular, a implantação de novos estabelecimentos comerciais nas áreas periféricas e a incapacidade da área central de responder a novas formas e funções decorrentes da diversificação das atividades terciárias em contraposição aos benefícios oferecidos pelos novos centros comerciais localizados na periferia, a partir das décadas de 1950 e 1960, no contexto das metrópoles brasileiras, e mais tarde, nas décadas de 1980 e 1990, nas cidades médias, verifica-se o afastamento da população de alta renda do centro, inicialmente como local de residência, compras e serviços, posteriormente como local de emprego. Surgem as novas centralidades de comércio e serviços, como os subcentros e os shopping centers, bem como ocorre a tendência de deslocamento ou mesmo surgimento em regiões não centrais das atividades de administração pública, como os centros administrativos, entre outras transformações relevantes na estrutura urbana.
Com isso, tal como a lógica do sistema capitalista em escala global estabelecem-se novas redes e aumenta-se a complexidade da organização espacial. Tais transformações em relação à centralidade segundo Corrêa (1995. p.47) decorrem do fato de que “no capitalismo monopolista há centralização do capital e descentralização espacial, diferente, portanto do que ocorria no capitalismo concorrencial, onde a centralização espacial derivava de uma dispersão de capitais”.
Nas cidades médias, ainda que com o crescimento do tecido urbano e com a descentralização as áreas centrais passem por significativas transformações, enfraquecendo em relação a capacidade de polarização e comando das demais áreas funcionalmente diferenciadas da cidade, o que resultem como consequência socioespacial em uma imagem de certa desqualificação, elas mantêm-se como principais focos irradiadores da cidade porque continuam a concentrar um grande número de atividades do comércio varejista e de serviços, conforme aponta Castells (2000) como grandes mercados, geralmente destinados ao público popular, e/ou boutiques especializadas em venda de produtos a uma clientela sem localização precisa.
Acrescenta-se ainda o papel do capital imobiliário investido na área central, no sentido de assegurar um relativo grau de importância dessa área em relação à cidade. Por vezes, nos setores mais valorizados aglomeram-se as atividades de administração, gestão e financeiras, bem como parte da classe aristocrática que permanece a estimar essa área, afinal,
Dominar o centro e o acesso a ele representa não só uma vantagem material concreta, mas também o domínio sobre toda uma simbologia. Os centros urbanos principais são, portanto (ainda são, em que pesem suas recentes decadências), pontos altamente estratégicos para o exercício da dominação (VILLAÇA, 2001, p.30).
Porém, em linhas gerais, na medida em que tendem à desvalorização, analogamente a quantidade de pessoas, principalmente de alta renda, que permaneceram na área central reduz, pois, conforme afirmou Toledo (1996) apud Attux (2001, p.19), os mais ricos se desinteressam pelo centro e vão criar seus próprios sistemas particulares onde há amplas áreas ainda desocupadas, infraestrutura e outras amenidades resultantes da ligação da classe dominante, estado e promotores imobiliários, que se beneficiam sobremaneira dos investimentos nesses novos espaços em detrimento da área central. Assim, de modo geral:
A Área Central não tem o mesmo significado para a elite e a classe média. Para elas, essa é uma área decadente, deteriorada e saturada, com grandes fluxos de pessoas e veículos. Por isso, buscam a centralidade em outros locais com maior tranqüilidade, segurança, conforto, estacionamento e fácil acessibilidade, como os shopping centers e os eixos comerciais especializados (RIBEIRO FILHO, 2004, p.174).
Conforme alerta Villaça (2001, p.282), não foi a deterioração que acarretou o abandono do centro pelas camadas de alta renda, ao contrário, primeiro ocorreu a perda de interesse pelo centro que foi desvalorizado e, com isso, os edifícios sofreram depreciação econômica, sendo deixados a deteriorar, ou seja, a perda de valor da localização conduziu a deterioração de suas formas e funções, ou ainda em outras palavras, alterou a sua natureza e, portanto, o papel do centro na estrutura da cidade.
O autor aponta ainda que de modo geral, no contexto nacional, o vínculo entre as classes média alta e alta, responsáveis pela sustentação da dinâmica e da estabilidade espacial do centro, não existe, ao contrário, predomina é um padrão de segregação por setores de círculo que induz o deslocamento das atividades de comércio e serviços nesta direção, ainda que os empregos de alta renda (escritórios) nele permaneçam por algum tempo.
Como consequência desse processo, aumenta-se o volume do comércio varejista popular e do setor informal, corroborando para a popularização da área central e para o aumento do fluxo de pessoas e veículos. Neste contexto, conforme colocado por Villaça (2001), ocorre a retomada da área central pela população de baixa renda, assinalando o que muitos chamam de “crise” ou “decadência”.
Espacialmente é possível verificar a criação de uma dupla organização das atividades comerciais nas áreas centrais, um setor onde se concentra fundamentalmente o comércio popular e informal e outro, que centraliza o comércio de luxo. De modo geral, o primeiro setor localiza-se nas adjacências dos terminais de transporte coletivo urbano e apresenta uma intensa movimentação; o segundo, na parte onde morou ou ainda mora parte da elite, cujas residências sofreram adequações para a acomodação das lojas e boutiques que apresentam um fluxo de pessoas menos intenso em comparação ao setor que concentra o comércio popular.
Em linhas gerais, tornou-se comum nas grandes e médias cidades brasileiras a ideologia de área central como sinônimo de deterioração ou decadência, ou seja, as condições infraestruturais tornam-se inviáveis para a manutenção de certas funções, levando a concretização de investimentos em outras áreas. Isso contribui para a degenerescência do centro, conforme colocado por Magalhães (2001), o que revela-se ao mesmo tempo, causa e consequência de diversas alterações ali ocorridas. Segundo essa perspectiva, a degenerescência do centro consiste em um processo natural de envelhecimento, e nas cidades médias,
[...] é mais rápida, porque, comparativamente às aglomerações metropolitanas, o menor tamanho do mercado consumidor e a menor extensão do tecido urbano geram maior segmentação territorial dos consumidores, já que os que se deslocam por automóvel podem escolher a freqüência a qualquer uma das áreas centrais (centros tradicionais, subcentros, eixos ou shopping centers) optando, preferencialmente, entre elas, pelas mais modernas e de maior status social (SPOSITO, 2004, p. 376)
A autora ainda complementa que,
Sendo de menor porte o capital imobilizado nos centros tradicionais de cidades médias, são menores os interesses de investimentos privados em sua preservação ou recuperação, bem como há menos iniciativas de poder público nessa direção.
Assim, a segmentação criada no âmbito do mercado é reforçada pela falta de políticas públicas voltadas à valorização dos centros tradicionais. Ao contrário, as iniciativas têm sido mais freqüentemente as de total apoio às iniciativas privadas, por meio de investimentos públicos que auxiliam a implantação de shopping centers, que são os novos signos de crescimento urbano e de vida moderna nas cidades [...] (SPOSITO, 2004, 376-377).
A despeito da tendência de abandono do centro, as relações econômicas, sociais e espaciais apresentam um movimento dialético, capaz de impulsionar modificações nas formas, conteúdos e significados dos lugares da cidade: um lugar pode passar por um processo de desvalorização e, momentos depois, por um processo de revalorização e assim consecutivamente, já que esse constitui um processo que mostra-se em constante movimento, que pode ser associado às características das cidades desde a Antiguidade, conforme observado por Benevolo (1983, p. 269-282). Por conseguinte, enquanto espaços de grande representatividade no tecido urbano, as áreas centrais apresentam momentos de apogeu, decadência e de renovação.
Em consequência da expansão das cidades, após um período de decadência as áreas centrais tendem a sofrerem adaptações e renovações de modo a serem “reaproveitadas”, de tal modo
[...] registram movimentos de recentralização seletiva em direção às áreas centrais e mais antigas, com freqüência objecto de ações de reabilitação, sofrem profunda modernização no domínio das infra-estruturas de transporte e comunicação, procedem à revalorização e reapropriação de áreas antes abandonadas: os modernos edifícios de escritórios, a habitação de luxo, centros comerciais e espaços de lazer substituem as áreas industriais e portuárias, ao mesmo tempo que outros territórios são abandonados, esquecidos e desvalorizados. A modernização está a revelar-se seletiva e excludente. As metrópoles não acabam como alguns visionários previam, reformulam-se reestruturam-se, são palco de novos conflitos e novos problemas (SALGUEIRO,1998, p.1).
Além disso, mesmo com as evoluções das ações de planejamento, ainda é notável a acumulação de traços típicos daqueles predominantes outrora, como as revitalizações de áreas portuárias, ideias higienistas do século XVIII, a cristalização de algumas áreas conforme descrito no século XIX, pois é impossível uma completa ruptura com as características das influências dos períodos anteriores, o que não significa que ocorra uma simples adição de práticas. Conforme assevera Del Rio (1996, p.5) deve-se buscar as que excedam e superem, que visem por uma vitalidade relativa a aspectos econômicos, sociais, culturais ou físicoespaciais para as áreas urbanas.
Muitas das intervenções urbanas desse novo período têm como base a experiência americana do centro de Baltimore, nos anos 70, quando em parceria entre os setores públicos e privados buscou-se novos investimentos. Logo essas ações foram iniciadas em cidades de países Europeus como França, Itália, Alemanha Ocidental e Inglaterra, influenciadas por movimentos urbanos permeados de conteúdos políticos e culturais e, segundo Relp (1990, p.189) tem bases no revivalismo de elementos e estilos.
A preocupação com a preservação e valorização da cultura passou a integrar as ações de revitalização urbana, que culminou na criação das chamadas Zona de Patrimônio Histórico e na solução para as áreas urbanas que haviam perdido sua atratividade e entrado em processo de degradação ambiental (física e social) por causas diversas.
As experiências internacionais serviram de embasamento para o governo brasileiro, que lançou o Programa de Reabilitação de Áreas Centrais no âmbito do Ministério das Cidades, com o objetivo de promover o uso e a ocupação democrática das áreas centrais em municípios integrantes de Regiões Metropolitanas e capitais; propiciar a permanência da população residente e a atração da população não residente por meio de ações integradas que promovessem e sustentassem a diversidade funcional e social, a identidade cultural, a vitalidade econômica e a preservação do patrimônio histórico e cultural.
A partir do final da década de 1970, nas grandes cidades brasileiras começaram as ações de revitalização das áreas centrais. As políticas urbanísticas e de planejamento desde então buscam intervir nas áreas centrais para reverter a situação instaurada, promovendo a recuperação e preservação destas no âmbito dos aspectos físicos, sociais, econômicos, culturais e ambientais, e contribuindo para a preservação da história do lugar, tendo em vista a concepção de centro nas cidades europeias e a importância da área central para toda a cidade.
O valor simbólico relacionado ao patrimônio histórico, artístico e arquitetônico, aspectos econômicos, a humanização dos espaços, o aumento dos espaços de lazer, o incentivo as habitações de interesse social, a preocupação com o meio ambiente e a participação social na concepção e implantação das diretrizes são pressupostos das ações de revitalização das áreas centrais. Tais ações embasam-se em conceitos como a reabilitação de áreas abandonadas; a restauração do patrimônio histórico e arquitetônico; a reciclagem de edificações, praças e parques; tratamento estético e funcional das fachadas de edificações, mobiliário urbano e elementos publicitários; redefinição de usos e do sistema viário; melhoria do padrão de limpeza e conservação dos logradouros; reforço da acessibilidade por transporte individual ou coletivo, dependendo da situação, organização das atividades econômicas etc. (VAZ, 2006).
O processo de revitalização urbana conduz a uma revalorização dos espaços modificados. Ocorrem, estrategicamente, transformações de velhas formas e funções criando novas paisagens, a fim de que atendam as necessidades emergentes, em sua maioria geradas pela nova lógica do sistema econômico, onde são vendidos além do espaço propriamente dito, também o que ele representa. Conforme colocado por Santos (1996, p.78), trata-se de uma racionalidade sem outra razão que a do lucro, ainda que não se manifeste exclusivamente de forma mercantil. O simbólico se torna um coadjuvante precioso do mercadológico.
Sobre essas transformações no interior das cidades, Santos (1996, p.76) destaca um híbrido da plasticidade do passado e da rigidez do presente, ao conciliar a absorção de novas mudanças, sem, no entanto, promover grandes alterações físicas, ou seja, os novos modos de ser se adaptam às velhas formas, com a nova intencionalidade.
A associação do capital financeiro com o capital imobiliário no sistema capitalista de acumulação flexível engendrou várias mudanças na estrutura de muitas cidades, em um primeiro momento com a expansão das construções e, recentemente, com as ações de revitalização de espaços obsolecentes. Harvey apud Frúgoli Júnior (2000) destaca que a exploração do embelezamento das áreas centrais para fins turísticos e de consumo, cujo processo pode ser observado em escala global a partir da associação da área central com a “marca”, a identidade da cidade, viabiliza a apropriação desse espaço para a reprodução do capital.
Neste contexto, o objetivo maior é a produção de uma cidade que apresente-se competitiva e atraia investimentos, nas palavras de Carlos (2008, p.55), que entre no circuito da troca. Ao analisar a revalorização do centro de São Paulo, Seabra (2004) apud Lozano (2008, p.27) afirma que o centro renasce como fruto de políticas de espaço, a partir de uma concepção que visa o seu ordenamento para viabilizar as conexões sistêmicas em escala nacional (o imobiliário), mas, sobretudo, internacional (economia simbólica e para o capital).
Além das modificações no espaço físico, o plano social também é transformado, principalmente por meio de ações do Estado que promovem a remoção das classes de menor poder aquisitivo. O conjunto de intervenções urbanísticas e de melhorias dos espaços públicos essenciais à reversão da degradação e valorização do centro, na medida em que o torna atrativo aos investimentos privados, (re)dinamiza sua economia, mas também em função da valorização imobiliária e fundiária, acaba por expulsar os usos populares e moradores de baixa renda, ainda que para tais pessoas, morar próximo ao/no centro seja essencial para a redução dos custos, especialmente de transportes, bem como para ter acesso às infraestruturas que se fazem presentes neste espaço. Uma das consequências dessas ações de valorização do espaço é, de modo geral, a retirada do que segundo os parâmetros do discurso hegemônico refere-se à pobreza; segundo Carlos (2008, p.51), a estética se transforma em estetismo e os objetos são colocados nos lugares de modo a criar a nova expressão da modernidade, tendo como pressuposto o espaço abstrato.
O fenômeno resultante desse processo recebe a denominação de “gentrification” ou “enobrecimento”, que significa o atendimento das necessidades e a criação de possibilidades para a fixação das classes de maior poder aquisitivo nas áreas renovadas. Essas ações acabam por contribuir com a segregação nas áreas centrais, na medida em que possibilita a formação de enclaves de população de alto poder aquisitivo, ao contrário do ideal que seria a reestruturação e democratização do centro.
A acessibilidade essencial à dinâmica dos negócios é outro aspecto a ser considerado nas ações empreendidas nas áreas centrais. Segundo Salgueiro (1995), um importante instrumento de revitalização das áreas centrais que repercute no tecido social e nas atividades nela presentes é a chamada “pedonização”, ou seja, a redução ou eliminação do tráfego em algumas ruas do Centro, onde é forte a dinâmica comercial, cultural ou turística. Com base na realidade de Portugal,
De um modo geral, existe uma opinião positiva sobre a pedonização. Se no início os comerciantes reagem relativamente mal, passado algum tempo se sentem satisfeitos e alguns ramos registram mesmo um crescimento no volume de vendas notável. No fundo, todos ganham com o processo e por isso ele se difundiu tão rapidamente. Para os comerciantes o negócio aumenta, para os proprietários dos imóveis há uma revalorização das propriedades, os autarcas ganham com a imagem de dinamismo e progresso que a operação traz a cidade e a adesão dos outros agentes, e finalmente a população em geral sente que tem um sítio para si, assistindo à reapropriação da área central (SALGUEIRO, 1995, p.201).
Esse processo implica no aumento da especialização funcional, sobretudo na venda de artigos pessoais, restauração, serviços pessoais, bancos e seguros, na construção de estacionamentos e na presença de terminais de transporte nos limites da zona pedonal, pois a acessibilidade é fundamental. Além disso, faz-se necessário uma reestruturação da rede viária e um reordenamento da circulação que passa a concentrar-se especialmente no entorno do núcleo central. Assim, a autora chama a atenção para o fato de que, em alguns casos, pode ocorrer a sobrecarga dos fluxos neste setor.
Considerando as ações para a promoção de revitalização de áreas centrais no contexto brasileiro, pode-se citar como exemplos aquelas empreendidas em cidades de diferentes dimensões, desde as metrópoles até cidades de pequeno porte, passando pelas cidades médias. De modo geral, o que se busca é realçar aspectos culturais, acometidos pelo turismo, algumas com menor grau de alterações, e, outras, mais drásticas, com a manutenção apenas da fachada das edificações para facilitar a adaptação a outros usos.
São alguns exemplos de ações de revitalização nas cidades brasileiras: o Projeto Corredor Cultural e o Rio Cidade no centro do Rio de Janeiro (RJ), os movimentos e projetos realizados no centro da Cidade de São Paulo, como aqueles empreendidos pela Associação Viva Centro, o Projeto Alegra Centro, na cidade de Santos (SP), o Projeto Reviver, implementado em São Luís do Maranhão, o Projeto Cores da Cidade, em Recife (PE), as medidas aplicadas no Pelourinho, em Salvador (BA), os projetos Feliz Lusitânia, Estação das Docas e Complexo Ver o Peso em Belém (PA), a revitalização de toda a região do entorno do antigo Paço Municipal em Curitiba (PR), a revitalização do Largo do Mercado Público em Florianópolis (SC), entre outras em cidades como São Sebastião (SP), Poços de Caldas (MG), Montes Claros (MG) etc.
Conforme afirma Souza (2011), ainda que a ocupação das áreas centrais pela população pobre tenha reduzido nas últimas décadas do século XX, restando nos arredores do CBD, via de regra, favelas e ocupações muito antigas e consolidadas, apenas aquelas que resistiram às ondas de remoções e despejos em particular dos anos 60 e 70, a partir da noção de direito ao centro da cidade no sentido da população pobre permanecer nas áreas centrais, já se avançou bastante no terreno legal, desde os anos 80; porém ainda há muito por fazer, tendo em vista a permanência da ideologia da gentrificação nas ações do Estado para atender ao “empresarialismo urbano” e não promover reformas urbanas. Neste sentido, o autor cita como exemplo o projeto do “Porto Maravilha”, no Rio de Janeiro, onde há disputas entre as ocupações de sem-teto e os interesses ligados à “revitalização” da Zona Portuária e do Centro, e o projeto da “Nova Luz”, de revitalização da “Cracolândia” e adjacências em São Paulo.
A revitalização conduz à valorização imobiliária e social de áreas que antes eram subutilizadas e, por conseguinte, deterioradas. Todavia, ao contrário da fragmentação socioespacial que se estabelece nas cidades, na maioria dos casos, fruto da associação poder econômico e público para atender aos imperativos do mercado e das classes médias e altas, o desejável como consequência da concretização dos processos de revitalização urbanística é a concretização de uma consonância entre as velhas e as novas paisagens, com a possibilidade de usufruo desses espaços requalificados por toda a população.
Neste sentido, deve-se valorizar a moradia, cultura, educação e informação, enquanto catalizadores de distintas atividades, assim como reconhecer da necessidade da participação e controle social no processo de planejamento e gestão urbana, que colabora, positivamente, segundo Campos (1999, p.53) para a identificação dos recursos culturais, o pensar estrategicamente suas aplicações e revelar inadequações funcionais. Todavia, estes avanços ainda são restritos, no sentido de que, em muitos casos, não se considera a diversidade e algumas categorias de atividades são removidas em vez de readequadas, e porque a desejável participação e controle social ainda não ocorrem de fato.
Maricato (2001, p.140) enfatiza que os chamados “pequenos negócios” apresentam-se como estratégias para a manutenção de empregos e das características históricas do patrimônio construído nas áreas centrais, não apenas os imóveis tombados, mas também o denominado patrimônio “banal ou comum”, que fornece alguns padrões de parcelamento do lote, tipologia de construção, relação dos imóveis com a rua, detalhes de adorno etc. e, que as moradias são eficientes formas de alavancar a recuperação de áreas centrais.
A ÁREA CENTRAL DE UBERLÂNDIA: BREVES APONTAMENTOS COM BASE PRINCIPAIS INSTRUMENTOS LEGAIS
É consenso entre pesquisadores e profissionais incumbidos pelas ações de planejamento, que as mudanças no modo capitalista de produção refletem em transformações de ordens materiais e imateriais no espaço urbano, do mesmo modo que o aumento demográfico tem efeitos adversos em situações mal planejadas, sobretudo, na área central. Assim, considerando o contexto da cidade de Uberlândia, ainda com pouco mais de 600 mil habitantes, mas segundo apontam documentos oficiais, com tendência de chegar ao patamar de 1 milhão nos próximos dez anos e, em contrapartida com um cenário onde,
A paisagem urbana da área central é árida, poluída, e possui poucos marcos simbólicos. A falta de arborização e a elevada impermeabilização do solo contribuem para uma sensação térmica pouco agradável, que associada a uma ambiência percebida enquanto manifestação da desordem e do tumulto, torna o centro um lugar pouco valorizado pela maioria da população (PDMU, 2006; 2016, p, 14).
A necessidade de reversão da referida tendência, bem como de atendimento ao Estatuto da Cidade e às diretrizes do Plano Diretor Municipal de Uberlândia-MG (PDMU, 2006), embasou a elaboração, em 2010, do Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho no Contexto dos Bairros e para sua execução deste a preparação do Plano de Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana de Uberlândia (PlaMob).
Na porção que corresponde ao chamado oficialmente de Centro de Negócios, hipercentro ou núcleo central, conforme a Literatura Geográfica, consta no referido documento que a tendência é a ocorrência de substituições das edificações, redução do uso habitacional e padronização das fachadas pela instalação de placas e letreiros, saída de determinados equipamentos urbanos para as áreas de expansão e a instalação de outros usos menos valorizados. Aliado a isso, tem-se ainda a permanência da área central como foco dos transportes e do trânsito urbanos, o que implica em degradação socioambiental e em modificações dos padrões de circulação, em função da mudança dos produtos e serviços oferecidos. No ano de 2008, grande maioria dos lojistas (62%) afirmou ser urgente, 34% disseram ser necessária e, apenas 4% desnecessária a realização da requalificação da área central. Na visão deles o maior problema advém do trânsito (PlaMob, 2010).
De modo correlacionado com essas transformações no centro de negócios, o entorno dessa área absorve os impactos e sofre transformações de diferentes tipos, sobretudo, com tendência à degradação física e social. Pois, ocorre a demolição de construções, cujos espaços passam a ser subutilizados, contribuindo para o aumento da falta de segurança, da poluição, falta de identidade, entre outros. Ainda que permaneçam setores com maior grau de dinamismo, principalmente em decorrência da presença das classes de maior status socioeconômico que ocupam os condomínios verticais e asseguram, apesar de em pequeno número, a manutenção de certas atividades de que necessitam, é visível à necessidade de intervenções com vistas à assegurar a vitalidade da área central.
Frente a esse contexto, conforme já evidenciado nos Planos Diretores de 1994 e 2006, a partir do ano de 2009 foi proposto pela Prefeitura Municipal de Uberlândia o Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho Integrado ao Contexto dos Bairros[2], que se pauta na busca de uma requalificação embasada na mobilidade sustentável e acessibilidade universal, com a priorização dos transportes não motorizados e coletivos, ou seja, melhoria da mobilidade, em consonância com as propostas e instrumentos do PDMU (2006), e com foco na dinamização da área via diversificação dos usos, reutilização dos espaços e melhoria infraestrutural.
Tal projeto apoia-se nas propostas urbanísticas de priorização do pedestre, democratização do espaço público, reforço da identidade e modificação da tendência de redução do uso residencial nos bairros do setor central, com intervenções, no sentido de reestruturar a Av. Monsenhor Eduardo e dinamizar os usos e equipamentos públicos em diferentes pontos do setor central. E, tem como principais propostas: a destinação de áreas para programas habitacionais, incentivo ao adensamento de uso residencial ou misto, à reestruturação do sistema viário e criação de espaços e equipamentos públicos desde a transformação de antigas edificações em novos espaços culturais e públicos até a requalificação do comércio ambulante existente, a busca pela valorização social e econômica. Para tal, serve-se dos instrumentos previstos no § 2º, Art. 19 do PDMU (2006), a saber:
I - criação de setores especiais de habitação social; II - implantação do solo criado; III - criação do mecanismo de transferência de potencial construtivo; IV - usos especiais no pavimento térreo; V - parcelamento ou edificação compulsórios; VI - imposto sobre a propriedade territorial urbana progressivo no tempo, mediante lei específica; VII - correção e atualização anual do valor venal dos imóveis urbanos; VIII – desapropriação.
Além de mecanismos como: incentivos fiscais, operações urbanas consorciadas, desapropriações, tombamentos e transferência do direto de construir. É proposto também o estabelecimento de legislação específica para que a área obtenha tratamento de Área de Diretrizes Especiais (ADE), assim como ocorre com o bairro Fundinho.
No que concerne aos potenciais construtivos, por meio da operação urbana consorciada, propõe a modificação dos mesmos nas três áreas que o projeto de requalificação abrange: a Zona Central 1, que passaria de 4 para 3; na porção da Zona Estrutural que abarca a Av. Monsenhor Eduardo, cujo potencial de 4,5, seria alterado para 2 inerente à zona residencial, a qual teria início na Av. Fernando Vilela, na segunda quadra do lado esquerdo da Av. Monsenhor Eduardo, na rua Marciano de Ávila no bairro Bom Jesus.
Dentre os pontos específicos a serem requalificados, o Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho no Contexto dos Bairros prevê ações nos seguintes pontos: 1) Na região e na Praça Sérgio Pacheco; 2) Na região do Fórum e Praça Osvaldo Cruz; 3) Nos Galpões que serviram de armazéns na época da Estação da Mogiana no entorno da atual Praça Sérgio Pacheco, os quais foram agrupados em três propostas, onde está o Galpão do antigo atacadista conhecido como “boca quente”, serviria para a instalação do Museu do Entreposto Comercial de Uberlândia, os Galpões do bairro Martins teriam o potencial construtivo transformado e os Galpões da Av. Monsenhor Eduardo serviriam para a instalação de feiras e eventos culturais; 4) No trecho da Av. João Pessoa; 5) outras áreas, como nas caixas d’água do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE).
A fim de reverter o quadro de perda do poder centralizador das atividades socioculturais, que repercute no surgimento de outros problemas que afastam a polução que frequenta a área central, são propostas ações para a valorização e preservação do patrimônio, conforme as diretrizes do Art. 45 do PDMU (2006), que apontam para:
I - criteriosa preservação do patrimônio arquitetônico, artístico, documental, ecológico, arqueológico e qualquer outro relacionado com a história e a memória municipal;
II - constante estímulo à produção cultural, sem direcionamento da mesma;
Com enfoque especial nas ações que ainda não foram efetivadas, como por exemplo:
[...] VI - revitalizar, com propósitos culturais e de lazer, os espaços disponíveis na região central, especialmente o Mercado Municipal e o local das caixas de água do Departamento Municipal de Água e Esgoto - DMAE situadas na Rua Cruzeiro dos Peixotos; [...]
IX - adequar as praças para fins culturais;
X - construir espaço apropriado para as atividades de diversas associações culturais, que possam funcionar como alojamento por ocasião de eventos, inclusive no apoio para desfiles carnavalescos; [...]
XVI - promover mecanismos legais que incentivem a implantação de obras de arte nas fachadas, jardins ou vestíbulos de prédios públicos, institucionais e particulares; [...]
Além disso, conforme já evidenciado, a questão da habitação recebe atenção especial, especialmente, no entorno da Av. Monsenhor Eduardo, originalmente local de residência das classes populares e, hoje, pela população marginalizada pelo setor formal da economia, o que favoreceu o desenvolvimento de atividades ligadas ao sexo e outras atividades ilícitas como jogos de azar e comércio de produtos químicos. Propõe-se que no referido projeto, além da requalificação, a renovação e a reestruturação da área evitando a saída da população atual, ou seja, pretende-se que o uso residencial seja acessível a todos.
Todavia, este consiste em um grande desafio, posto que a tendência natural, quando das intervenções com vistas à valorização de determinada área, é a saída da população que não consegue atender aos novos padrões criados. O processo de invasão-sucessão apresenta-se quase que inevitável.
O Plano de Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana de Uberlândia (PlaMob) elaborado para garantir a efetividade do projeto de Requalificação, tem como diretriz a mobilidade urbana com as seguintes ações correlatas: a priorização dos deslocamentos a pé a partir de ações que melhorem as calçadas, as condições de circulação dos pedestres, os espaços das praças e o ambiente como um todo; a garantia de um transporte coletivo de qualidade, integrado e rápido; sendo que dentre as ações correlatas destaca-se a racionalização dos itinerários e da frota na área central; a democratização do uso do sistema viário; a racionalização da utilização viária e melhoria da qualidade dos espaços públicos; a segurança nos deslocamentos; a conscientização, entre outras.
Como a dinâmica viária da cidade como um todo tem interferências na área central, no referido plano são elencadas propostas em nível macro, para toda a cidade, e especificamente para a área a ser requalificada. Para tanto, são propostos cinco anéis pericentrais, Mapa 2, a serem considerados para as intervenções no sistema viário como o escopo de criar caminhos alternativos e eficientes entre os bairros e, assim, reduzir o tráfego de passagem na área central, bem como para as ações relacionadas ao sistema de transporte público.
Com intervenções viárias também em nível macro, e intervenções na hierarquização do sistema viário com ações para alterações na geometria, configurações semafóricas, redução dos estacionamentos públicos, ampliação das calçadas etc, para ampliar o nível de serviço e a qualidade dos deslocamentos, priorizando os pedestres, o transporte coletivo e não motorizado e a valorização dos espaços públicos, e o redirecionamento do tráfego de passagem para vias com maior capacidade estão entre medidas previstas no PlanMob.

Mapa 2 - Uberlândia (MG): Aneis Perimetriais da Proposta de Intervenção no Sistema Viário Macro (2010).
PlanMob (2010).A fim de atender aos motoristas de veículos particulares, há a previsão para a construção de estacionamentos verticais, conforme já permite o Código de Zoneamento, Uso e Ocupação do Solo aprovado no dia 11 do mês março de 2011. Neste sentido, o PlanMob prevê a necessidade de redução dos estacionamentos públicos que ocupam grandes áreas e, em contrapartida, o incentivo à criação de estacionamentos privados. Em conformidade com isto destaca-se o projeto da criação de dois bolsões de estacionamentos, com capacidade para até 800 carros, feitos por meio de uma parceria público privada (PPP) com a Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) cujo diretor Cícero Heraldo Novaes, afirmou que,
[...] Eles seriam interligados por um ônibus circular, que levaria os motoristas de um local ao outro. Em cima dessas áreas seriam edificadas lojas de conveniência e teria um espaço verde. [...] a iniciativa privada pagaria 80% do custo do projeto. A prefeitura entraria com a área e a iniciativa privada bancaria praticamente todo o custo e, com isso, exploraria a área por 30 a 50 anos. O retorno do investimento seria de no máximo 15 anos, o que é interessante para a iniciativa privada (JORNAL CORREIO, 18/03/2011).
A ideia de implantação de um calçadão já preconizada no Plano Diretor de 1994 é reforçada pelo PlanMob, o qual também propõe alguns ajustes para a extensão do mesmo e a incorporação dos preceitos do desenho universal nos cruzamentos, que terão sinalização podotátil, platôs e sinalização luminosa e sonora. A implantação de uma rede cicloviária que interligue as avenidas arteriais, estruturais e coletoras atendendo toda a cidade, especialmente a área central, também está contemplada no referido plano.
No que concernem às ações relacionadas ao sistema de transporte público para reduzir o número de ônibus que passam pela área central, a não ser que esta seja o destino, também serão considerados anéis para o planejamento, os anéis do SIT, cuja configuração é a mesma dos anéis pericentrais, com exceção do primeiro e do segundo anel, que possuem pequenas alterações na configuração. Estão previstos os itinerários dos ônibus dentro dos limites dos anéis, com a possibilidade de integração aos demais a partir das estações de transferência dos corredores estruturais e da integração temporal. Neste sentido, além do corredor Sudeste já implantado, é prevista a implantação dos Corredores Noroeste, Sudoeste, Norte e Leste.
A implementação das ações previstas nas diretrizes do PlanMob e do projeto de requalificação da área central e do Fundinho demandam um período de tempo relativamente longo. Porquanto, são várias as instâncias da sociedade que estão envolvidas direta e indiretamente e devem estar em parceria com o poder público, ou seja, além dos investimentos do poder público também é preciso a contrapartida dos proprietários imobiliários e do setor privado, que têm importante papel na implantação dos projetos e equipamentos, ainda que o objetivo seja a priorização do coletivo. Neste sentido, o sucesso dos desdobramentos das ações previstas depende, antes de tudo, do bom conhecimento e participação da sociedade.
É inquestionável que a efetivação das ações previstas especificamente para a área de requalificação refletirá na dinâmica de toda a cidade, mas, mormente, em suas áreas lindeiras. Neste sentido, os bairros que compõem o Setor Central de Uberlândia sofrerão significativas modificações nos usos do solo, valores e, por conseguinte, certamente incorporarão novas tendências, o que resultará em realidades diferentes daquelas materializadas em muitas cidades brasileiras, sobretudo naquelas mais antigas e nas metrópoles, onde as ações em prol da construção de um ambiente embasado no tripé da sustentabilidade, ou seja, economicamente viável, socialmente justo e ambientalmente saudável, não foram implementadas em seu tempo adequado.
A despeito do reconhecimento da relevância das ações relacionadas à requalificação do hipercentro de Uberlândia previstas nos Planos Diretores (1994; 2006), reforçadas pelo PlanMob (2010), conforme reconhecido pelo diagnóstico de revisão do plano diretor (2016) as ações previstas ainda não foram implantadas. Sem embargo de tal fato, na minuta final do Plano Diretor revisto em 2016, ressalta-se a necessidade de várias intervenções urbanas, como nas redes de abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem de águas pluviais, de iluminação pública e na coleta de resíduos sólidos, para implantar o Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho. Ressalta-se no capítulo VI, que trata do desenvolvimento urbano, no Art. 19, dentre as diretrizes da política de desenvolvimento urbano no Município, especificamente no parágrafo VII, aquelas voltadas para a área central, cuja diretriz é:
VII – incentivar a criação de atividades econômicas estratégicas que contribuam para a geração de um processo de reestruturação, renovação e requalificação da Área Central, atraindo pessoas e comércios de diversos tipos e classes sociais, resguardado o caráter democrático e popular, para fins de atendimento da função social da propriedade; (PLANO DIRETOR, 2016, p.26-27).
Diante do exposto vê-se que os Planos Diretores de Uberlândia (1994, 2006 e 2016) buscam abarcar alguns princípios inovadores para o cumprimento da função social da propriedade, conforme preconizado pela Constituição Federal de 1998 e pelo Estatuto das Cidades (2001), bem como dispensa atenção especial à necessidade de vitalidade da área central. Neste sentido, ressalta a relevância da elaboração do Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho, entretanto, bem se sabe do distanciamento que há entre os planos e as ações que são de fato implementadas. Assim, ratifica-se a importância de que os planos sejam democráticos, e consequentemente exequíveis, contemplando, sobretudo soluções indicadas pela população nas fases de diagnóstico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em cada período histórico, em consonância com as modificações no sistema político e econômico capitalista, a sociedade produz novas formas, funções e estruturas espaciais, implicando em reestruturações que, por sua vez, são evidenciadas na dinâmica inerente ao espaço urbano, de tal modo, usando as palavras de Castells (2000) “verifica-se no plano intraurbano uma tendência a reprodução do que ocorre em escala global”.
No contexto das cidades médias, nas quais está imbricada uma dinâmica urbana particular em relação ao processo de urbanização, nota-se após a década de 1970 uma relativa cristalização das características da área central, devido à presença de certos condicionantes como o menor grau de seu crescimento horizontal e vertical, como as melhorias no transporte urbano, nomeadamente a difusão do uso do automóvel particular, como a emergência do processo de descentralização das atividades de comércio e serviços, anteriormente localizadas em um único ponto da cidade.
Assim, apesar da manutenção de representatividade da área central no contexto dessas cidades, concentrando várias tipologias de atividades de comércio e serviços, bem como usos residenciais. Esta área já apresenta sinais de “crise”, em função, sobretudo da valorização das novas centralidades. Todavia, diferentemente do que ocorreu no contexto de muitas metrópoles, em que a área central tornou sinônimo de decadência, a emergência de novos valores à luz do século XXI revelam de um lado mudanças na perspectiva para reprodução urbana, com a adoção de novas formas de planejamento e gestão urbana, que podem contribuir para a manutenção da qualidade ambiental física e social da área central nas cidades médias.
O Projeto de Requalificação da Área Central e Fundinho no Contexto dos Bairros e o Plano de Diretor de Transportes e Mobilidade Urbana de Uberlândia, elaborados à luz dos conceitos de sustentabilidade, possuem ações a serem implementadas que refletir-se-ão em uma conjuntura diferente da materializada, em outras cidades com o processo de planejamento e desenvolvimento distinto do demandado na atualidade. Além disso, ao contrário das intervenções pontuais e com o Estado sendo o único responsável, demanda-se na atualidade intervenções que contemplem as dimensões sociais e ambientais, bem como com a participação da população, especialmente com a valorização das parcerias Estado/empresariado, cuja perspectiva tende a ser adotada em Uberlândia.
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Notas