PRONERA/UVA: NARRATIVAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
PRONERA/UVA: NARATIVES ON TEACHER’S EDUCATION
PRONERA/UVA: RELATOS SOBRE LA FORMACIÓN DE PROFESORES
PRONERA/UVA: NARRATIVAS SOBRE A FORMAÇÃO DE PROFESSORES
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 8, núm. 16, pp. 106-120, 2017
Universidade Federal do Ceará

Recepção: 25 Abril 2017
Aprovação: 20 Junho 2017
Resumo: Este trabalho corresponde a uma investigação sobre a formação de professores a partir do PRONERA/UVA em Sobral – CE. Nos remetemos à metodologia da História Oral como tentativa de melhor demonstrar e problematizar as experiências dos sujeitos e suas interpretações sobre a realização do programa no cotidiano em suas comunidades. Para isso, analisamos as narrativas de duas professoras de Escolas do Campo do Ceará e alunas da UVA. Consideramos, que através das narrativas e consequentemente da valorização dos sujeitos, a formação de educadores parte de uma reflexão crítica do indivíduo e do seu papel na sociedade. Sugerimos, portanto, que o PRONERA auxilia nesse processo, porém, é a trajetória de vida de cada uma dessas professoras e suas práticas individuais e coletivas que direcionam a intensidade desse processo formativo.
Palavras-chave: PRONERA/UVA, Formação de professores, Narrativas.
Abstract: This paper corresponds to a investigation on teacher's formation from the (PRONERA/UVA) in Sobral city, State of Ceará, - Brazil. We refer to the methodology of Oral History as an attempt to better demonstrate and discuss the subject's experiences and their version about the realization of the program in daily life in their community. For this, We analysed the narratives of two teachers from Schools of the field of Ceará and students of UVA. We consider that through the narratives and consequently of the valuation of the subjects the formation of educators start from a critical reflection of the Person and his role in society. We suggest, therefore, that PRONERA helps in this process; however, it's the life trajectory of each one of these teachers and their individual and collective practices that directs the intensity of this formative process.
Keywords: PRONERA/UVA, Teacher’s Education, Narratives.
Resumen: Este artículo se refiere a una investigación sobre la formación de profesores con base en el PRONERA/ (UVA) en Sobral – CE. Hacemos referencia a la metodología de la Historia Oral como intento de mejor manifestarse y plantearse las experiencias de los sujetos y sus interpretaciones sobre la realización del programa en el cotidiano en sus comunidades. Para ello, analizamos los relatos de dos profesoras de Escuelas del Campo del Ceará y estudiantes de la UVA. Consideramos, que mediante los relatos y consiguiente a la valoración de los sujetos, la formación de educadores lleva a cabo una reflexión crítica del individuo y de su papel en la sociedad. Propusimos, por lo tanto, que el PRONERA ayuda en ese proceso, sin embargo, es la trayectoria de vida de cada una de esas profesoras y sus prácticas individuales y colectivas que encauzan la intensidad de ese proceso formativo.
Palabras clave: PRONERA/UVA, Formación de profesores, Relatos.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho corresponde a uma investigação sobre a formação de professores a partir do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA). A intenção aqui é expor e dialogar com narrativas de duas professoras e ao mesmo tempo conhecer a percepção destas, enquanto alunas da Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA), localizada em Sobral - Ceará (Figura 1) sobre o PRONERA e suas implicações ou desdobramentos no seu processo de formação. Bem como nos empenhamos também, em perceber quais os significados desta formação na perspectiva das referidas alunas.

Para tal intento, nos remetemos à metodologia da História Oral como tentativa de melhor demonstrar e problematizar as experiências destas alunas e suas interpretações sobre a realização do programa (PRONERA) no cotidiano de suas comunidades. Evidenciamos nesse sentido, que por meio de narrativas é possível conhecer e compreender melhor a influência do PRONERA nas práticas dessas professoras que atuam nas escolas do campo, presentes em assentamentos localizados nas cidades de Canindé- CE e Santana do Acaraú – CE (figura 2). Assim sendo, estas narrativas são frutos de entrevistas abertas realizadas com alunas concludentes do Curso de Segunda Licenciatura em Geografia desse programa.

Para a efetivação desse trabalho, analisamos as narrativas de duas professoras de Escolas do Campo distintas e alunas da UVA, através do referido programa. Assim sendo, analisamos esses relatos principalmente para percebermos as impressões desses sujeitos sobre o PRONERA/UVA e sua formação.
Para melhor compreensão, este trabalho encontra-se dividido em cinco sessões. A primeira sessão corresponde a uma reflexão sobre os marcos iniciais do PRONERA no Brasil e no CE. A segunda sessão diz respeito a uma breve discussão sobre a Educação do Campo, a fim de situar o leitor no contexto em que buscamos pesquisar. A terceira sessão refere-se a uma tentativa de explicitar a nossa metodologia, baseada como dito anteriormente na História Oral, com a finalidade de dar visibilidade aos sujeitos pesquisados. Ressaltamos que nossa intenção não caminha no sentido de lançar interpretações julgadoras, mas, de permitir que os sujeitos dessa pesquisa, manifestem por meio de narrativas, as suas vivências enquanto educadoras de Escolas do Campo e alunas da UVA por meio do PRONERA.
A quarta sessão corresponde de fato, à análise das narrativas anteriormente propostas e as impressões dos sujeitos a respeito do PRONERA. Por fim temos nossas considerações finais onde buscamos fazer uma análise avaliativa sobre o objetivo do trabalho e nossa interpretação sobre a problemática pesquisada.
O PRONERA/CEARÁ: MARCOS INICIAIS
O Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) é fruto de discussões sobre a necessidade de se pensar a educação para o campo, inicialmente nas áreas de Assentamentos de Reforma Agrária vinculados ao Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) e posteriormente para todos os camponeses e camponesas. Ao se lançar na luta pela Educação do Campo, o MST por meio da organização coletiva dos agricultores e agricultoras, vai garantindo conquistas, que apontam para o fortalecimento de seu ideal.
Assim, depois de muitas lutas, evidenciamos o nascimento do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA) como forma de garantir a formação dos camponeses e fazerem deles mesmos, os educadores e educadoras de que o campo precisa. Neste sentido, o PRONERA é fruto de discussões sobre a necessidade de se pensar a educação para o campo, nas áreas de Assentamentos de Reforma Agrária.
O PRONERA nasceu em 1998 da luta dos movimentos sociais e sindicais do campo. Desde então, milhares de jovens e adultos, trabalhadores das áreas de reforma agrária têm garantido o direito de alfabetizar-se e de continuar os estudos em diferentes níveis e modalidades de ensino. O Programa promove a justiça social no campo por meio da democratização do acesso à educação, na alfabetização e escolarização de jovens e adultos, na formação de educadores para as escolas do campo e na formação técnico-profissional de nível médio, superior, residência agrária e pós-graduação lato sensu e stricto sensu. (BRASIL, 2016, p. 08).
Conforme esclareceu CALDART (2012), o PRONERA compreende uma ferramenta a mais na luta por Educação do Campo, se erguendo enquanto crítica ao modelo de educação deficitário presente nesse espaço. Discussões aprofundadas a esse respeito foram realizadas em ocasião do I Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária – ENERA ocorrido em julho de 1997. A esse respeito, CALDART (2012) nos esclarece:
O Pronera começou a ser gestado no I Enera, mediante o desafio colocado pelo MST aos docentes de universidades públicas convidados ao encontro para pensar um desenho de articulação nacional que pudesse ajudar a acelerar o acesso dos trabalhadores das áreas de Reforma Agrária à educação escolar. A ideia foi levada pela Universidade de Brasília ao III Fórum das Instituições de Ensino Superior em Apoio à Reforma Agrária, em novembro de 1997, e o desenho do programa foi formatado entre janeiro e fevereiro de 1998. (p. 266).
Ao nos remontar a esse evento, destacamos que ao final do mesmo, foi decidido que seria criada uma coordenação para elaborar um projeto educacional para os assentamentos vinculado às Instituições de Nível Superior. Neste sentido,
Foi elaborado um documento apresentado no III Fórum do Conselho de Reitores das Universidades Brasileiras, nos dias 6 e 7 de novembro de 1997. As universidades participantes do Fórum aprovaram a proposta que visava tornar a educação no meio rural a terceira fase da parceria existente entre o então Ministério Extraordinário da Política Fundiária, o INCRA e o CRUB. (BRASIL, 2004, p.15)
Assim sendo, o dia 16 de abril de 1998 marca o dia da criação do PRONERA pelo Ministério Extraordinário de Política Fundiária. Destacamos nesse sentido, a incorporação desse programa ao INCRA no ano de 2001, favorecendo a participação dos jovens e adultos de assentamentos de Reforma Agrária. Nesta perspectiva, o PRONERA corresponde a uma Política Pública de Educação que envolve os agricultores e agricultoras das áreas de Reforma Agrária e que possui como maior objetivo:
Fortalecer a educação nas áreas de Reforma Agrária estimulando, propondo, criando, desenvolvendo e coordenando projetos educacionais, utilizando metodologias voltadas para a especificidade do campo, tendo em vista contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável. (BRASIL, 2004, p.17)
Conforme o documento acima citado, um dos objetivos específicos desse Programa corresponde a “garantir a escolaridade e a formação de educadores (as) para atuar na promoção da educação de Reforma Agrária” (p. 17). No que diz respeito à realidade do PRONERA no Estado do Ceará, é importante a contribuição de Diniz (2002/2003, p. 115; 116 quando nos informa que este programa:
Esteve sob a responsabilidade de três universidades: a UFC (Universidade Federal do Ceará), a UECE (Universidade Estadual do Ceará), ambas em Fortaleza, e a UVA (Universidade Estadual Vale do Acaraú), em Sobral. Nesta última o PRONERA se desenvolveu com os seguintes parceiros: INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária), MST (Movimento dos Sem-Terra) e FETRAECE (Federação dos Trabalhadores Rurais do Estado do Ceará).
Os cursos realizados pelo PRONERA/UVA teve inicio ainda em 1998 com um projeto de Educação de Jovens e adultos, nesse momento segundo nos informou Diniz (2002/2003), foram beneficiados 42 Assentamentos de Reforma Agrária o que representava 21% de Assentamentos do Estado do Ceará. Estes estavam localizados em Sobral, Barroquinha, Camocim, Cariré, Granja, Forquilha, Massapê, Senador Sá, Santana do Acaraú, Santa Quitéria e Tianguá.
Ainda segundo Diniz (2002/2003 p. 117) foram formados 73 turmas com 20 alunos por sala com um tempo total de alfabetização de 560 h/a. Para conciliar as aulas com as atividades diárias dos alunos, foram ministradas duas/aula todos os dias da semana, totalizando 14 meses de aula. As aulas foram ministradas das 19:00 às 21:00 horas.
Atualmente o PRONERA/UVA oferece um curso de Segunda Licenciatura Plena em Geografia e História e aglomeram alunos de diversos Assentamentos/municípios tanto do Ceará como de outros Estados. Conforme estabelecido no Manual de Operações do Programa, a duração do Curso é de no máximo dois (02) anos, “perfazendo um total mínimo de 1.410 horas (hum mil e quatrocentos e dez horas), sendo assim distribuído: 960 (novecentos e sessenta horas) pela dissertação e 360 (trezentos e sessenta horas) em disciplinas e 90 (noventa horas) em outras atividades” (BRASIL, 2016, p. 93).
Outra peculiaridade específica dos cursos oferecidos por esse Programa refere-se a sua metodologia, que é baseada na Pedagogia da Alternância. A fim de compreender esses aspectos nos reportamos a Pessotti (1975) que afirma:
A alternância é uma estratégia que visa a favorecer a formação do indivíduo num ambiente propício à reflexão de suas próprias experiências. Para alcançar esse propósito, ela engloba dois períodos de formação vividos em tempo integral: um período de estudo na escola, seguido de outro período no trabalho. (p. 11).
Assim sendo, os cursos são divididos em tempos e períodos. Compreendendo, portanto, o “Tempo Universidade”, momento intenso de estudos que ocorrem na Instituição de Ensino em que o Curso acontece e o “Tempo Comunidade” em que os alunos voltam para seus espaços de vivência.
Os Projetos deverão ser desenvolvidos conforme a metodologia da alternância, caracterizada por dois momentos: tempo de estudo desenvolvido nos centros de formação (Tempo Escola – 70% da carga horária do curso) e o tempo de estudo desenvolvido na comunidade (Tempo Comunidade – 30% da carga horária do curso). (BRASIL, 2016, p. 57).
Diante da necessidade formativa dos camponeses e camponesas para atuarem como educadores do campo, a formação proporcionada pelo PRONERA, está intimamente vinculada ao novo ideal de campo proposto pela Educação do Campo. Nesse sentido, levamos em consideração, que essa proposta é fortalecida com a capacitação dos camponeses e camponesas.
A experiência do PRONERA vem possibilitando reflexões e práticas da educação do campo. Fortalecer a educação nas áreas de reforma agrária, estimular, propor, criar, desenvolver e coordenar projetos educacionais, com a visão de contribuir para a promoção do desenvolvimento sustentável são objetivos do PRONERA. (BRASIL, 2016, p. 09).
Conforme explicitado, o programa refere-se a um agente fortalecedor das lutas e vivências no campo. Assim sendo, para o ingresso no mesmo, faz-se necessário seguir algumas exigências fundamentais. Nesse sentido, de acordo com as normas do edital do certame, os requisitos necessários para ingressar no curso, são:
a) Ser beneficiário do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária (PRONERA), na condição de população jovem e adulta das famílias beneficiárias dos projetos de assentamento criados ou reconhecidos pelo INCRA e do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNFC), de que trata o Parágrafo 1º do Art. 1º do Decreto Nº 6.672, de 02 de dezembro de 2008. b) No caso dos assentados do Programa Nacional de Reforma Agrária (PNRA) ou em projetos de assentamento realizados por outros órgãos, reconhecidos pelo INCRA, serão considerados beneficiários do PRONERA os titulares (homens e mulheres) da parcela e seus dependentes. c) No caso dos beneficiários do Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF), serão considerados beneficiários do PRONERA os titulares da parcela (com comprovação fornecida pela Unidade Técnica Estadual do programa) e seus dependentes. (EDITAL 01 / 2014, p. 02)
Assim sendo, esse curso é voltado para os agricultores e agricultoras, que atuam e/ou querem atuar nesse espaço. No caso do Ceará, a maioria dos alunos do Curso de Segunda Licenciatura tanto de Geografia quanto de História, são professores e/ou atuam nas Escolas do Campo. Nesse caso específico, as turmas compreendem alunos cearenses, bem como alunos advindos de outros estados, como é o caso de (quatro) 04 educadoras, advindas de alguns municípios do vizinho Estado do Rio Grande do Norte (RN). Essa formação continuada através do PRONERA possibilita a construção do projeto da Educação do Campo no território cearense. Tal projeto será refletido na sessão a seguir.
A EDUCAÇÃO DO CAMPONO CONTEXTO DA PESQUISA
A Educação do Campo é um caminho que está sendo trilhado, como iniciativa de quebra de paradigmas relacionados à dinâmica camponesa. A luta pela Educação do Campo foi travada pelo MST, partindo do pressuposto de que “a escola deve está onde o povo se encontra e que os camponeses têm o direito e o dever de participar da construção do seu projeto de escola” (MST, 2014 apud MOTA, 2015, p. 46).
Essa proposta educacional visa o fortalecimento e afirmação do campo enquanto espaço de vida. As propostas educacionais voltadas para o campo que possam proporcionar uma maior qualidade de vida, por meio da aquisição de conhecimento, levando à construção de autonomia social constituem-se necessidades gritantes no campo brasileiro. Nesse sentido, na tentativa de discutir sobre essa e outras questões, o primeiro Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária (ENERA) aconteceu em Brasília entre os dias 28 e 31 de julho de 1997.
De acordo com Stedile e Fernandes (2012, p.75) este evento “teve um impacto muito grande na comunidade acadêmica e educacional por ter aglutinado, pela primeira vez na história do Brasil, educadores do meio rural para debater sobre educação e reforma agrária”. Partindo disso, pensar uma educação voltada para o homem e a mulher do campo é essencial, sobretudo por corresponder a uma tentativa de pagar a dívida histórica que o país tem para com os povos do campo. Nesta perspectiva, de acordo o com o MST:
Uma educação voltada para a realidade do meio rural é aquela que ajuda a solucionar os problemas que vão aparecendo no dia a dia dos assentamentos e acampamentos, que forma os trabalhadores e as trabalhadoras para o trabalho no meio rural, ajudando a construir reais alternativas de permanência no campo e de melhor qualidade de vida para esta população. (MST, 1996, p.07-08).
Podemos compreender que a Educação do Campo se insere na realidade dos grupos sociais camponeses, sendo um forte fator de articulação e mobilização social. Essa ideia é fortalecida por meio de Fernandes e Molina (2005), quando consideram que a Educação do Campo corresponde a um tipo de educação que não é imposta aos camponeses. Ela é construída para e com os mesmos a partir de sua vivência e como forma de garantir seu modo de vida e seus valores. Esses autores assinalam ainda que:
O movimento Por uma Educação do Campo concebe o campo como espaço de vida e resistência, onde camponeses lutam por acesso e permanência na terra e para edificar e garantir um modus vivendi que respeite as diferenças quanto à relação com a natureza, com o trabalho, sua cultura, suas relações sociais. Esta neoconcepção educacional não está sendo construída para os trabalhadores rurais, mas por eles, com eles, camponeses. (FERNANDES e MOLINA, 2005, p.61).
Nesta perspectiva, o PRONERA objetiva capacitar os trabalhadores para atuarem no campo, e possibilitar a afirmação da Educação do Campo juntamente com o fortalecimento dos ideais coletivos. Isso, por meio de uma educação, que leve em consideração seus valores e seus costumes, afirmando nos camponeses o sentido de serem eles próprios os construtores de suas histórias. Principalmente porque são eles, os próprios sujeitos da Educação do Campo.
Os sujeitos da Educação do Campo são aquelas pessoas que sentem na própria pele os efeitos dessa realidade perversa, mas que não se conformam com ela. São os sujeitos da resistência no e do campo: sujeitos que lutam para continuar sendo agricultores apesar de um modelo de agricultura cada vez mais excludente; sujeitos da luta pela terra e pela Reforma Agrária; sujeitos da luta por melhores condições de trabalho no campo; sujeitos da resistência na terra dos quilombos e pela identidade própria dessa herança; sujeitos da luta pelo direito de continuar a ser indígena e brasileiro em terras demarcadas e em identidades e direitos sociais respeitados; e sujeitos de tantas outras resistências culturais, políticas e pedagógicas. (KOLLING, 2002, p. 20).
O entendimento de que os sujeitos da Educação do Campo são os próprios camponeses, torna clara a necessária discussão sobre a Educação do Campo como meio articulador do trabalho e da emancipação social. Para Ribeiro (2010) a constituição de uma Educação do Campo, vai se configurando nesse aprendizado em que os trabalhadores se percebem diferentes e reconhecem a importância da luta para sua formação.
A aproximação de uma possibilidade de educação que tenha interesse em aumentar o conhecimento e o ideal de pertencimento do camponês com o campo é algo que consequentemente pode ampliar o entendimento e a valorização do meio em que vive. Fazendo do camponês, autor e construtor da sua prática e da sua vivência no desenvolvimento do trabalho na terra.
A Educação do Campo se configura enquanto um processo, uma construção. Volta-se, portanto, para fortalecimento da identidade camponesa, bem como para a afirmação do campo enquanto espaço de trabalho e de vida. O PRONERA é, nesse sentido, um dos grandes fortalecedores desse ideal.
A HISTÓRIA ORAL E A PESQUISA
Partindo da afirmação de Löwy (1985, p. 14) de que “tudo o que existe na vida humana e social está em perpétua transformação, tudo é perecível, tudo está sujeito ao fluxo da história”, nos remetemos neste trabalho à metodologia da história Oral. Essa escolha não se deu de forma aleatória, mas por perceber a pertinência de dar visibilidade aos professores sujeitos dessa pesquisa, no intento de demonstrar suas percepções sobre sua formação através do PRONERA.
O conhecimento e a compreensão da realidade devem partir da própria realidade evitando-se surgir do senso comum e transformar-se numa verdade generalizada. Nessa perspectiva, o conhecimento provém da dúvida estabelecida, sobretudo nos aspectos invisíveis da realidade imposta. Conforme afirma Bourdieu (2000) “o real é descontínuo, formado de elementos justapostos sem razão, todos eles únicos e tanto mais difíceis de serem apreendidos porque surgem de modo incessantemente imprevisto, fora de propósito, aleatório” (p.185).
Nessa compreensão, a utilização da metodologia da História Oral amplia o conhecimento sobre práticas e experiências vividas ou que estão sendo vivenciadas. A contribuição de Alberti (2005) é importante nesse sentido, ao nos esclarecer que:
A história Oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes de estudos da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção do gravador e da fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e do presente. (ALBERT, 2005, p. 1).
A proposta dessa metodologia é despertar os sentimentos de quem fala, fazendo-o resgatar emoções e abstrações sobre suas vivências e práticas, relembrar e ressignificar as memórias do vivido. O oposto também pode ocorrer. Talvez o que o pesquisador espera ouvir, não seja o que a realidade abstraída, interpretada e narrada pelo sujeito venha a demonstrar. E é nesse ponto, que a descoberta por meio do espanto e surpresas acontece, pois o pensamento longe de ser linear, sofre interferência das perspectivas individuais e coletivas dos sujeitos.
Nesse sentido, a proposta aqui estabelecida, não é lançar o nosso olhar sobre a temática abordada, e sim valorizar o olhar do outro, a perspectiva de quem está diretamente envolvido no processo ou nos processos da Educação do Campo e do PRONERA/UVA. É, pois, uma tentativa de evidenciar a importância do narrador para o processo histórico. A contribuição de Khoury (2006) é pertinente neste sentido, quando a mesmo considera que:
Compreendendo que o trabalho da consciência se faz numa articulação entre passado e presente, tem sido um exercício complexo explorar, de maneira relacionada, como significam e usam o tempo presente, a partir das interpretações que fazem da vida e de si mesmos, ao mesmo tempo em que traduzem elementos de culturas e relações sociais vividas. (KHOURY, 2006, p. 31).
Como esta autora nos alerta, a História Oral vem com o intuito de valorizar as relações sociais. Essa valorização acontece, ao passo do entendimento de que a prática de entrevistas não se realiza unicamente com o estabelecimento de técnicas, mas com o avanço das relações de interação humanas. Em outras palavras, a História Oral enquanto metodologia, leva em consideração, além daquilo que é dito pelo narrador, aquilo que é demonstrado por ele: seu jeito, sua postura, seus silêncios, suas emoções, seus modos de vida. Não corresponde apenas à captação de informações, as emoções dos sujeitos também correspondem a pontos importantes para análise sob a ótica da História Oral.
Ainda sobre esse aspecto, é pertinente a contribuição de Almeida (2006) quando afirma que a História Oral: “Não se trata de uma prática “do tipo dar voz aos sujeitos”. Eles já têm voz independente de nosso trabalho, ou de nossa condescendência. Eles vivem, lutam e se manifestam. Trata-se de interrogar nossos próprios pressupostos ou nossas formulações generalizantes” (p.49).
Neste sentido, essa metodologia nos possibilita compreender melhor os sujeitos interlocutores com os quais estamos dialogando. Muito mais importante do que conseguir as informações sobre o assunto pesquisado por meio do narrador, é de fundamental importância saber quem é esse sujeito. E a história oral se configura como uma possibilidade de aprofundamento do diálogo, da interação e da construção do conhecimento na pesquisa social.
OS SUJEITOS DA PESQUISA
As narradoras desse trabalho são professoras e trabalham em Escolas do Campo no Estado do Ceará. Foram escolhidas, porque além de serem alunas da UVA por meio do PRONERA, são também educadoras e formadoras de opinião. São pessoas simples que demonstram o amor pela educação e expressam o desejo de contribuir para alicerçar a proposta da Educação do Campo no Ceará.
Daremos ênfase às narrativas da Professora e Gestora Escolar Maria Valderli de Souza Feitosa e da Professora Francisca Leiliane Alves Araújo ambas, alunas do Curso de Geografia PRONERA/UVA. As mesmas atuam respectivamente nas Escolas do Campo EEM José Fideles de Moura no Assentamento Bonfim Conceição em Santana do Acaraú (figura 1) e EEM Patativa do Assaré no Assentamento Santana da Cal em Canindé (figura 2).


A metodologia deste trabalho tida como foco de reflexão da sessão anterior, nos possibilita evidenciar com base na afirmação de Portelli (2000) que:
Diferentemente da maior parte dos documentos, dos quais se vale a pesquisa, as fontes orais não são, de fato, achados do pesquisador, mas construídas em sua presença, com a sua direta e determinante participação, o que significa que se trata de uma fonte relacional, em que a comunicação vem sob a forma de troca de olhar – entre/vista -, de perguntas e de respostas, não necessariamente em uma só direção. (PORTELLI, 2000 apud SALES, 2010, p.54-55).
Neste entendimento, o encontro com as professoras ocorreu na ocasião das Oficinas Pedagógicas por Polos das Escolas de Ensino Médio do Campo das Áreas de Reforma Agrária (figura 3). Encontro este, realizado no Assentamento Bonfim Conceição, já citado anteriormente, durante os dias 02 e 03 de dezembro de 2016. A conversa foi realizada em momentos criados pelas narradoras, a fim de não prejudicar a participação de ambas, nas atividades do evento.

Iniciamos, pois nosso diálogo compreendendo, como afirma Freitas (2012, p. 839) que “os relatos dos narradores mostram uma prática do espaço. Não só uma prática pontuada e fixada, mas um percurso”. Mais que um diálogo, é importante ressaltar minha condição e disponibilidade para simplesmente ouvir e aprender. Sendo assim, confirmamos o posicionamento de Sales (2010, p.54) quando reflete que “a história oral é a arte da escuta e do diálogo”.
Assim sendo, num determinado momento do encontro acima citado, consegui a disponibilidade da professora Francisca Leiliane Alves Araújo. Nossa conversa se fez, tendo como no cenário a cantina da escola e ao indagar sobre sua trajetória na Educação do Campo, a presente professora relata:
A minha história quanto educadora da Escola do Campo não foi nada fácil. Eu venho de um assentamento no município de Canindé que é o assentamento Tiracanga onde tive muitas dificuldades em concluir meu Ensino Fundamental. Parei. Tive que parar ao 4° ano, 4ª série né? Tive muitas dificuldades, tive que trabalhar. Meus pais não tinham condições. Parei, fui embora pra fortaleza, passei eu acho, que uns sete anos lá. (FRANCISCA LEILIANE ALVES ARAÚJO)
O sentimento de superação e a alegria demonstrada na sua forma de falar podem ser evidenciados. Esta professora é intensa ao falar sobre o PRONERA: “Eu vejo assim, que o PRONERA é uma oportunidade que enquanto os agricultores, filhos de assentados têm. Que veio pra facilitar nossa vida, até porque, é um curso realmente, que é “o curso”, não é aquele curso que a gente vai na Universidade, que a gente só vai mesmo pra adquirir diploma”.
No entendimento da importância de demonstrar as expressões dos sujeitos, a conversa com a gestora da Escola do Campo José Fidelis, foi realizada na biblioteca da mesma escola. Neste sentido, Valderli ao referir-se sobre sua trajetória na Educação do Campo e consequentemente sua chegada na escola, também relembra alguns fatos marcantes:
Começou exatamente na minha atuação no próprio assentamento, minha atuação como a diretora. E aí, a partir de então, é que surgiu a seleção. Abriu para que a escola fosse construída e abriu a seleção desse período. Mas aí eu fiz a seleção, acho que ela estava em processo de construção. Fiz a seleção e aí eu passei. Fiquei no famoso banco, né? No famoso banco, mas sem muitas pretensões, sem saber se ia dar certo. Eu disse: eu vou fazer pra ver no que é que vai dar. E aí, se eu não me engano, a seleção foi em 2012, acho que era 2012, mais ou menos nessa época. E na gestão, né? Do município, aí eu encerrei, por que a gestão do município eu comecei numa gestão e depois que essa parte da gestão que tava, ela só tinha mais dois (02) anos, então, e depois mais quatro (04) anos de novo. (MARIA VALDERLI DE SOUZA FEITOSA)
A narradora em questão deixa transparecer em suas gesticulações, a preocupação com a comunidade do assentamento. E observa que era na escola municipal do assentamento, que as atividades relacionadas à organicidade da comunidade se realizavam: “Então é lá que a gente se organizava. Lá, com as atividades junto ao movimento”. Sobre sua relação como o PRONERA, a mesma relata:
Na verdade, é essa relação que eu trago mais da experiência que eu trago do PRONERA. Pra mim e a experiência aqui local, minha prática no dia a dia, mas aí, a experiência, a forma como se trata a organicidade a partir do movimento. A organização todinha do curso, que o movimento organizou, a questão de toda a proposta curricular, junto com a universidade. Dialogar. Então, ele trás tudo, a relação que o PRONERA trás à minha atuação, é também essa possibilidade de uma formação política, a partir do que o movimento trás, o próprio MST. De forma a estar somando a formação humana que eles colocam junto. (MARIA VALDERLI DE SOUZA FEITOSA)
Ao falar, pelo tom da voz, esta narradora mostra-se preocupada com a construção crítica do conhecimento e com a formação humana dos indivíduos: “dessa formação humana, não no sentido da individualidade, mas no sentido dos que eles colocam, da coletividade”. A narradora reforça, pois, sua impressão sobre o curso:
Porque, já trazendo um pouco do que a própria formação trás em relação à Geografia principalmente essa questão da Geografia Crítica. Que a geografia é que trás muito essa formação nossa, essa consciência crítica, principalmente dessa construção, da construção coletiva em relação aos espaços, territórios que eles falam muito, pra construir exatamente essa sociedade que a gente têm. Todo sonho em relação à sociedade socialista. Então, na verdade tem muito a ver, eu não estou, assim, atuando na geografia, mas, o curso trouxe muito essas questões pra gente. Abriu muito isso, questões de reforma agrária, como eu disse pra você, essa questão do território, da organização social. (MARIA VALDERLI DE SOUZA FEITOSA)
É interessante destacar, que em alguns momentos as narrativas das duas educadoras e colegas de curso se encontram. Ao retratar sobre sua percepção sobre o PRONERA e o reflexo desse curso em suas práticas na Escola do Campo, Valderli ainda ressalta:
Então assim, abriu um leque de questões, de entendimento da organização social, da nossa atuação enquanto sujeito dentro dessa sociedade. Assim, muito ampla. Está entendendo? Muito. Demais. Assim, é uma grade curricular enxuta, é. Um curso assim: se comparando com os outros cursos, com as outras formações, é aligeirado, mas é bem intenso. A positividade desse curso é importante, é aligeirado porque só é num período de dois (02) anos, porque os cursos regulares, eles tem quatro (04) anos, cinco (05) anos, mas, eu acho que o fato dele ser muito intenso trás, aquilo que ele trás. Trouxe muito mais formação do que o curso que eu passei quatro (04) anos, certo? Não desmerecendo ou descaracterizando esse período que as pessoas passam, que também tem a sua importância, lógico. Mas o que eu quero dizer é que o PRONERA, ele consegue trazer isso pra nós, não é uma formação superficial, lógico que tem as suas contradições, tem suas dificuldades, mas ele trás assim, uma formação bastante intensa a partir da proposta do movimento, que estão alí se somando. (MARIA VALDERLI DE SOUZA FEITOSA)
As narradoras possuem consciência do “ligeiramento” do curso, porém compreendem cada uma a seu modo, a intensidade do mesmo. Ao mesmo tempo dessa compreensão, a mesma narradora, faz uma crítica à dinâmica dos outros cursos: “então eu acho que eu nunca tive, não digo nem, não é nem uma formação intelectual, mas exatamente essa qualificação da formação política que os cursos não trabalham”. O olhar crítico da narradora ao atentar para a formação política é evidenciado em sua reflexão:
Os cursos não trabalham essa questão da formação política, a consciência política que a gente tem que adquirir nesses cursos. Uma, além... muito mais da intelectualidade, porque assim, você ter a intelectualidade muito mais, lendo. Você vai alí, alimenta, mas, é uma coisa só pra você. Mas se você não consegue ter amplitude, de um olhar, da sua condição humana no mundo, não trás, e o PRONERA possibilitou de a gente ter isso, trabalhar esse lado nosso, acho que educa mais, nos torna mais humanos. (MARIA VALDERLI DE SOUZA FEITOSA)
Do mesmo modo que Valderli se apropria de uma postura crítica do PRONERA, Leiliane também realiza o exercício de elencar alguns pontos sobre o programa, que considera relevantes para a discussão e associa também à Educação do Campo:
É um curso diferenciado, que você se forma não só na parte teórica, mas sim na parte da formação humana. Que eu acho que esse é um dos pontos mais principais do PRONERA, que é onde você precisa compreender, ter uma lição de mundo em que para o além da sala de aula o que é que vai transformar na sua vida. Acho que isso é um ponto mais importante e é essa, a defesa que a gente vem da Educação do Campo. Que é para além dos muros da escola, que vem transformar o ser humano num ser social capaz de interagir na sociedade, interpretá-la e vivê-la. (FRANCISCA LEILIANE ALVES ARAÚJO)
A reflexão crítica da realidade é algo bem presente nas narrativas. Junto a essa reflexão, podemos perceber também, que o sentimento de pertencimento é bem presente na fala dessa narradora:
Eu sempre fui militante do movimento. Em termos, militância mesmo, política. Mas, assim: em termos pedagógicos, o PRONERA me deu uma luz muito grande, porque como eu me inseri na Escola do Campo, ele veio contribuir pra mim compreender mais os processos, os processos formativos, de formação humana principalmente. E um dos fatos interessantes é a questão da organicidade. A organicidade do curso é que é a pedagogia do movimento, é a mesma que a gente leva para além da escola, que se insere a comunidade, o meio, escola e todos. (FRANCISCA LEILIANE ALVES ARAÚJO)
É notável o senso crítico na análise da narradora. Pois o curso “tem as suas contradições, tem suas dificuldades” como afirmou Valderli. Sendo assim, Leiliane aponta algumas de suas inquietações:
De certa forma, nem todos que estão fazendo, cursando eles estão realmente que adere a proposta, porque a gente vê muitas críticas de até mesmo de educandos do curso em relações a: “pra quê isso?”, “isso é do movimento, não tem nada a ver com o que a gente está se formando”. Aí eu acho que tem críticas realmente e assim, ainda bem que os professores educadores que ministram o curso é especificamente pelo movimento, são aquelas pessoas que realmente tem a formação, né? Pra... teórica mas, que tem em certo ponto uma ligação com os movimentos populares. (FRANCISCA LEILIANE ALVES ARAÚJO)
Leiliane aborda outro ponto e ao falar sobre o mesmo, sua feição entristece. Além de relatar suas críticas quanto aos próprios alunos do curso ao qual faz parte, ainda destaca algo, ao fazê-lo, seu semblante entristece e expressando-se decepcionada, expõe seu relato:
Mas assim, eu lembro bem de quando a gente, na UVA, a gente teve assim uma, tipo uma rejeição muito grande. Parecia assim, que tava chegando uma, um bando de sem terra morto de fome, sabe? As pessoas olham pra você como se refere assim: “os alunos do PRONERA” e não é. Nós não devemos ser tratados assim, nós somos os alunos da UVA igual a qualquer um. Eu acho que não tem que ter essa diferenciação por mais que o programa venha a contribuir, não é questão de que o governo é bom, que o governo quer ver nós formados, é não! É todo um processo de luta. (FRANCISCA LEILIANE ALVES ARAÚJO)
Sobre esse processo de luta, Valderli nos coloca de forma bastante enfática: “o movimento, ele dá um choque de realidade, mas isso é negativo? É não! É para você realmente se perceber e começar a agir. Porque enquanto a gente não percebe isso as coisas vão ficar como estão. Se a gente não saber o que está acontecendo”. A narradora se refere à conjuntura política atual (2016) que estamos vivendo e enfatiza a importância da pedagogia do MST para a construção de uma consciência política e crítica sobre a realidade.
Casa muito bem com aquilo, tem um vídeo que o professor Hélio, você sabe quem é o Hélio? É um moreno, eu acho que ele ensina, não sei se ele deu alguma disciplina já em geografia, ele mora até em Fortaleza. Então essa disciplina, eu gostei muito dele. Era geografia alguma coisa o nome da disciplina, aí ele passou um vídeo, “escravidão...” que retrata muito bem isso, as pessoas não percebem a dinâmica que está alí vivendo. Ela não percebe o quanto ela é só submissa, não percebem o quanto elas são escravizadas. Que está uma coisa tão automática, que elas já tomam como natural certo? Já tomam como natural, “escravidão moderna” é. O nome do vídeo, escravidão moderna, o nome do vídeo. As pessoas, é... nós não vivemos num regime de escravidão, mas te dizer que agora é de maneira mais sutil, que você não percebe, certo? Você não percebe. Você ainda é escravizado, é tão sutil que você não percebe. É isso que o vídeo vem retratar e o movimento trás essa realidade. (MARIA VALDERLI DE SOUZA FEITOSA)
Diante dessas narrativas é explicito a intensidade das narradoras ao relatar sobre o PRONERA. A experiência de contextualização das informações foi primordial na compreensão dos fatos relatados. Nesse sentido, o olhar crítico das mesmas, e a reflexão desse olhar, exposto em suas narrativas foram evidentes, bem como as considerações sobre a realidade e a problematização dos fatos expostos. É interessante pontuar que essas educadoras refletem esse mesmo olhar em suas colocações durante o evento a qual o diálogo ocorreu. Desta forma, em nossa análise podemos constatar a aproximação entre teoria e empiria.
CONCLUSÕES
A compreensão dos aspectos relacionados à formação de professores deve ultrapassar a teoria. Pensar a formação de educadores através do PRONERA reforça, pois esse pensamento, por se tratar de um programa específico para alunos advindos de assentamentos de Reforma Agrária e/ou do campo de um modo geral. Partindo da nossa metodologia e do objetivo de não fazer um levantamento teórico sobre o assunto, trouxemos os sujeitos desse processo para o centro da discussão. Principalmente por compreender a importância da valorização do sujeito na pesquisa, para que o mesmo possa expor suas percepções de mundo, demonstrando suas ações no espaço ao qual faz parte, fazendo o cruzamento das fontes, das narrativas, das análises teóricas, imagens, fotografias, etc.
Consideramos, portanto, que através dessas narrativas e consequentemente da valorização dos sujeitos, a formação de educadores parte de uma reflexão crítica do indivíduo e do seu papel na sociedade. Que é uma construção histórica, um processo. E como bem evidenciado nas narrativas, o conhecimento da trajetória de vida das educadoras contribuiu e vem contribuindo para o processo de formação das mesmas. Fazendo-nos sugerir que o PRONERA, auxilia nesse processo, porém, é a trajetória de vida de cada uma delas e suas práticas individuais e coletivas que direcionam a intensidade desse processo formativo.
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