REFLEXÕES DA PRÁTICA DOCENTE: COMO A PÓS-GRADUAÇÃO IMPACTOU NO FAZER PEDAGÓGICO
REFLECTIONS OF TEACHING PRACTICE: HOW POSTERGRADUATION IMPACTED IN PEDAGOGICAL
REFLEXIONES DE LA PRÁCTICA DOCENTE: COMO LA PÓS-GRADUACIÓN IMPACTÓ EN EL FAZER PEDAGÓGICO
REFLEXÕES DA PRÁTICA DOCENTE: COMO A PÓS-GRADUAÇÃO IMPACTOU NO FAZER PEDAGÓGICO
GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 8, núm. 15, pp. 133-153, 2017
Universidade Federal do Ceará
Recepção: 16 Julho 2016
Aprovação: 20 Junho 2017
Resumo: O conhecimento decorre da articulação de saberes que envolvem a capacidade de perceber e interpretar realidade cotidiana da sociedade. O ensaio é fruto de estudo elaborado a partir da proposta da disciplina de Estágio do Curso de Doutorado em Geografia da Universidade Federal do Ceará – UFC - no ano letivo de 2016. Para realização do artigo foi realizado um experimento com os alunos de Prática Profissional em Geografia da UERR. O experimento teve como norte aplicação metodológica de educar com pesquisa, envolvendo leituras bibliográficas, pesquisa de campo, observação in loco, pesquisa documental e realização de um colóquio para discutir a realidade pesquisada. Dentre os resultados é possível afirmar que na educação com pesquisa a aprendizagem ocorre no processo, em que alunos e professores interagem numa relação horizontal de convivência.
Palavras-chave: Educação com Pesquisa, Prática Docente, Ensino Superior.
Abstract: The knowledge stems from the articulation of knowledge that involves the ability to perceive and interpret the everyday reality of society. The essay is the result of a study elaborated from the proposal of the discipline of Stage the Doctoral Course in Geography of the Federal University of Ceará - UFC - in the academic year of 2016. For the accomplishment of the present article an experiment was carried out with the Students of the first semester of Professional Practice in Geography of the UERR. The experiment had as a methodological application of educating with research, involving bibliographical readings, field research, observation in loco, documentary research and the accomplishment of a colloquium to discuss the researched reality. Among the results it is possible to affirm that in learning education research occurs in the process, in which students and teachers interact in a horizontal relationship of coexistence
Keywords: Research Education, Teaching Practice, Higher education.
Resumen: El conocimiento decurre la articulación de saberes que envolven la capacidad de percebir y interpretar la realidad cotidiana de la sociedad. El ensaio es fruto del estudio elaborado a partir de la proposta de la asignatura de pasantia del Curso de Doctorado en Geografia de la Universidad Federal do Ceará – UFC – en el año lectivo del 2016. Para realización del presente articulo fue realizado uno experimento con los alumnos del primeir semestre de Práctica Profisional en Geografia de la UERR. El experimento tuve como norte la aplicación metodológica de educar con pesquisa, envolvendo lecturas bibliográficas, pesquisa de campo, observación in loco, pesquisa documental y realización de un colóquio para discutir la realidad pesquisada. Dentre los resultados es posíble afirmar que en la educación con pesquisa la aprendizagen ocurre en el proceso, en que alumnos y profesores interagen en una relación horizontal de convivéncia.
Palabras clave: Educación con Pesquisa, Práctica Docente, Enseñanza Superior.
INTRODUÇÃO
O processo de conhecimento decorre do conjunto de articulação de saberes que envolvem necessariamente a capacidade de perceber e interpretar fenômenos, sejam eles materiais ou imateriais que permeiam a realidade cotidiana da sociedade.
Para compreender a realidade a partir do conhecimento sistematizado e cientificamente aceito, é fundamental o compartilhamento das experiências, abrindo espaço para discussão das práticas pedagógicas que possibilitam as condições de aprendizagem dos discentes sob a coordenação do professor.
O professor não nasce pronto e nem se completa apenas com a formação intelectual da universidade. É necessária a busca permanente por novas metodologias capazes de se adaptarem às necessidades discentes e aos contextos da realidade da prática docente.
O presente ensaio trata-se de estudo elaborado a partir da proposta das disciplinas Estágio II e III do Curso de Doutorado em Geografia da Universidade Federal do Ceará – UFC - no ano letivo de 2016.1.
Para realização do presente artigo foi produzido um experimento com os alunos do primeiro semestre de Prática Profissional em Geografia da Universidade Estadual de Roraima – UERR.
Cumpre destacar que o experimento teve como norte os estudos que estão sendo realizados para elaboração da Tese de Doutorado em Geografia da UFC, que tem como objeto de estudo compreender os processos de produção do espaço agrário e os conflitos pela disputa da terra no Município de Bonfim –Estado de Roraima – Brasil.
O ensaio está estruturado em seis seções, sendo a primeira dedicada à introdução; a segunda à descrição em forma de memorial da prática docente no Ensino Superior; a terceira é destinada a descrever as práticas profissionais como professor de Geografia da UERR; a quarta contém análise e interpretação do experimento; a quinta é dedicada à perspectiva após a conclusão do curso de Doutorado, a qual está denominada de projeção estágio pós-doutoral e, por fim, as considerações finais.
MEMORIAL DA DOCÊNCIA NO ENSINO SUPERIOR NA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE RORAIMA
O modelo de ensino adotado no sistema educacional brasileiro no decorrer do processo histórico é marcado pela concepção centrada na transmissão de “conhecimento”. O papel do professor era de repassar aos discentes os conteúdos selecionados no currículo, sem preocupação de interpretá-los criticamente e tampouco compreender os diferentes contextos da realidade.
Tal modelo pedagógico preparava os alunos na perspectiva mecanicista, no modelo de educação bancária de que trata Freire (1987). Nesta perspectiva de educação o aluno adquiria características de objeto, como se fosse uma caixa para receber os conteúdos correspondentes a cada etapa de formação do discente.
Demo (2014) afirma que predomina ainda o modelo de docência focado na transmissão de conteúdos, em que nos dizeres do autor o aluno torna-se a ‘cópia da cópia’. Isto porque o professor reproduz os conteúdos do livro aos alunos e estes os reproduzem como recebem. Assim, elimina-se qualquer possiblidade de produção do conhecimento, reduzindo-se a educação formal à mera transmissão de informações pensadas e elaboradas por terceiros.
Quando ingressei na docência do Ensino Superior em dezembro de 2006, no curso de Licenciatura em Geografia da Universidade Estadual de Roraima - UERR, senti a necessidade de repensar os processos pedagógicos e as formas de abordagens dos conteúdos trabalhados. Contudo, apesar dos esforços foi possível notar que os próprios alunos, com poucas exceções, estavam afeitos ao recebimento dos conteúdos de forma reprodutiva.
A Universidade sempre esteve organizada de modo a dificultar o trabalho docente crítico e reflexivo, na medida em que lotava o professor em diferentes municípios do Estado, com carga horária excessiva e em disciplinas diferentes. Isto gerava sobrecarga nas atividades dos professores que eram obrigados a destinarem horas para o deslocamento, viajando de um Município a outro, quando poderiam se dedicar às atividades de pesquisa. Esta contribuía de forma significativa para adoção do modelo pedagógico centrado na reprodução do “conhecimento”.
Cumpre destacar que a UERR é uma Universidade criada em 2005, estando ainda no processo de consolidação de sua identidade no Ensino Superior e por efeito na educação do Estado de Roraima. Porém, nos últimos cinco anos a chegada de novos professores concursados tem possibilitado a redução da carga horária destinada exclusivamente ao ensino, criando condições para o desenvolvimento das atividades de pesquisa.
Quando ingressei como Professor no Curso de Licenciatura em Geografia da UERR possuía formação a nível lato sensu, com especialização em Relações Fronteiriças, cursada na Universidade Federal de Roraima – UFRR. Possuía ainda curso de Licenciatura em Geografia, obtido em 1997 na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB – e estava na iminência de concluir o curso de Direito na UFRR, o que ocorreu em 2007.
O contato com os alunos do Ensino Superior, ao passo que constitui um desafio, é também um campo de oportunidades para discussão de novas ideias e reflexões, o que ocorre apenas quando se adota uma posição crítica de interpretação dos conteúdos trabalhados, contextualizando-os com a realidade vivenciada na relação espaço-tempo. E ainda que fosse dotado de inquietude no fazer pedagógico, buscando se desvincular das práticas reprodutoras dos conteúdos postos, poucos avanços eram obtidos no campo da pesquisa como estratégia de ensino.
Só após concluir o Mestrado na Universidade Estadual do Amazonas – UEA, e, em especial, após o ingresso no Curso de Doutorado em Geografia da UFC, é que vem se ampliando os horizontes de novas práticas de ensino, fundamentadas no processo pedagógico que tem na pesquisa sua principal razão de ser.
A separação entre ensino e pesquisa é criticada por Bachelard (1996); Demo (2005); Oliveira (2009), estes consideram a dicotomia entre ensino e pesquisa existente na prática docente como obstáculo a ser superado, se efetivamente se busca produção do conhecimento e não a mera reprodução.
Desta forma, venho buscando estabelecer uma correlação direta entre a pesquisa para elaboração da tese de Doutorado que se encontra em curso, e o ensino com os alunos do primeiro semestre da disciplina Prática Profissional em Geografia da UERR. O projeto de tese tem como foco os processos de produção do espaço agrário e os conflitos pela disputa da terra no Município de Bonfim, no Estado de Roraima. Município este situado em região de fronteira com a República Cooperativista da Guiana e cuja região tem sido objeto de cobiça de produtores de soja e cana de açúcar para fabricação do biodiesel.
O diálogo entre a pesquisa de Doutorado e o ensino na disciplina Prática Profissional em Geografia ocorreu através de experimentos de pesquisa construídos em colaboração com os discentes e atendendo aos conteúdos programáticos contidos no Projeto Político Pedagógico do curso de Geografia, o que será detalhado na seção seguinte.
DESCRIÇÃO DAS PRÁTICAS DE ENSINO
As práticas pedagógicas estão vinculadas à concepção de ensino adotada pelo professor. Nerici (1995, p. 100) apresenta diversas definições para o termo ‘ensino’. Ao se reportar à origem latina do termo, define como sendo o “processo de instruir alguém sobre aquilo que não sabe ou sabe inadequadamente”. O autor associa o conceito de ensino ao conceito de educação, numa relação de simbiose em que o segundo concretiza seus fins por intermédio e operacionalização do primeiro. Em outras palavras, na compreensão de Nerici (1995) é por meio do ensino que a educação alcança seus objetivos e possibilita a mudança de comportamento do sujeito.
Freire (2009, p. 70), ao discorrer sobre a concepção de ensino afirma que “ensinar não é a pura transferência mecânica do perfil do conteúdo que o professor faz ao aluno, passivo e dócil”. Adiante o autor discorre que: “Ensinar é um ato criador, um ato crítico e não mecânico. A curiosidade do(a) professor(a) e dos alunos, em ação, se encontra na base do ensinar-apreender[1]”
A escolha das concepções teóricas adotadas pelo professor é, antes de tudo, uma decisão política que aproxima ou distancia o docente do compromisso de interpretar e transformar a realidade. No caso em discussão, parte-se da compreensão de Freire (2009) que adota ensino como processo de diálogo e aprendizagem mútua entre professor e aluno. É, antes de tudo, o conjunto de ações pautadas no diálogo que possibilite as condições para que alunos e professor aprendam.
A verdadeira aprendizagem projetará alunos e professores a uma situação nova e isto só é possível a partir da produção do conhecimento, ainda que decorrente da reinterpretação de “velhos” saberes. Freire (2009, p. 18) afirma que: “Um momento é a produção de um conhecimento novo e o segundo é aquele em que você conhece o conhecimento existente”. O autor critica o modelo de educação que impossibilita a comunicação entre esses dois momentos.
No processo pedagógico a pesquisa é fundamental como estratégia de ensino e produção de novos saberes, devendo estabelecer diálogo permanente com os conhecimentos já produzidos. Partindo dessa compreensão e aproveitando a oportunidade de estar cursando Doutorado em Geografia pela UFC é que venho alterando substancialmente a prática de ensino, passando a incluir as experiências de pesquisa no dia a dia do fazer pedagógico.
No primeiro semestre de 2016, trabalhando a disciplina Prática Profissional em Geografia, e em consonância com os alunos, foi adotado um experimento na busca de boas práticas docentes. Tomando como base a pesquisa para elaboração da tese de Doutorado em Geografia que discute os processos de produção do espaço agrário e os conflitos pela disputa da terra no Município de Bonfim – Estado de Roraima/Brasil, foi possível estabelecer uma correlação com a prática de ensino e os conteúdos da disciplina Prática Profissional em Geografia.
A disciplina Prática Profissional em Geografia com Pesquisa I, na UERR, tem como objeto de estudo a compreensão do espaço escolar. Isto permitiu executar a pesquisa como metodologia de ensino. Desta forma, a primeira etapa da disciplina foi dedicada ao estudo da teoria do espaço elaborado por Santos (2012), que identifica as categorias espaciais como sendo compostas de estrutura, processo, função e forma. Vale lembrar que as formas são dotadas de conteúdos e atendem as necessidades impostas pelos processos e pelas funções.
A segunda etapa da disciplina foi destinada à realização prático-teórica do experimento, que consistiu em promover integração entre os conteúdos trabalhados e a realidade vivenciada no espaço escolar.
Assim, foi elaborado um projeto de pesquisa que teve como objetivo analisar o espaço de atuação do professor a partir do diagnóstico e análise do ambiente escolar. Dentre os objetivos específicos definiu-se a necessidade de caracterizar o espaço escolar; identificar os processos (econômicos, institucionais e ideológicos); fazer um levantamento das categoriais espaciais compostas pela estrutura, processos, função e forma; e, por fim, explicar a organização e funcionamento do espaço escolar.
Para executar o ensino com pesquisa foram definidas questões norteadoras, destinadas a responder aos objetivos traçados, cujas questões foram: a) Quais as principais características do espaço escolar, no tocante à organização e funcionamento da escola? b) Quais os sujeitos que atuam no espaço escolar? c) Quais as estruturas, os processos, as funções e as formas presentes no espaço escolar? e d) Como ocorre a divisão do trabalho na escola? A partir desse caminhar foi elaborado, com os discentes, formulário de pesquisa centrado em dois eixos de investigação. O primeiro destinado a identificar detalhadamente os elementos que compõem o espaço escolar, em especial, relacionado à estrutura física; o segundo eixo, voltado para o funcionamento da escola.
O formulário de pesquisa foi elaborado com questões fechadas e abertas, de forma a possibilitar adaptação à realidade encontrada no espaço escolar. Feito isto, o passo seguinte foi selecionar as escolas que seriam pesquisadas, priorizando a distribuição socioespacial da cidade de Boa Vista no Estado de Roraima. Isto possibilitou contemplar o estudo entre diferentes escolas com realidades distintas. Uma das escolas selecionadas, foi a escola de ensino militar, que o permitiu debate dos processos de produção espacial diversas óticas.
No formulário de pesquisa os discentes foram estimulados a refletir sobre os processos que produzem os movimentos espaciais na escola; os sujeitos responsáveis em impulsionar esses processos; as formas existentes no espaço escolar que dão suporte à ocorrência dos processos; os conteúdos contidos nas formas; as estruturas materiais e imateriais presentes na dinâmica espacial da escola, dentre outros. Para realização da pesquisa os discentes foram orientados a caminhar nos seguintes passos apresentados na Figura 1.
A observância dos passos da pesquisa é importante para facilitar a identificação das categorias espaciais, considerando que o ambiente escolar é, ao mesmo tempo, produto e produtor dos movimentos. Estes são impulsionados pelos processos que têm origem e duração determinadas pelos comandos emitidos pelos sujeitos, conforme sua posição na escala de poder. Sujeitos que nem sempre têm suas bases de decisão no espaço local, mas estão distantes do ambiente escolar e são quase imperceptíveis, já que se manifestam por meio de terceiros, porém, com forte poder de interferência nos processos que produzem o dia a dia da escola.
Para subsidiar a execução da pesquisa foi criado o plantão virtual, em que através das redes sociais os alunos poderiam mandar suas dúvidas, que eram discutidas praticamente em tempo real. Além dos encontros presenciais para discussão e orientação no andamento da pesquisa.
Após o preenchimento dos formulários de pesquisa, os discentes produziram relatórios com os resultados dos experimentos e apresentaram no I Colóquio de Prática Profissional em Geografia da UERR. O Colóquio possibilitou a criação de um ambiente de discussão sobre a atuação do professor de Geografia e a importância de analisar o espaço a partir dos processos, estruturas, funções, formas e conteúdos presentes no espaço escolar.
A partir dos resultados apresentados no Colóquio foi possível perceber a importância da adoção de estratégicas que estimulem a busca de novas descobertas, em que alunos e professores desvendam os caminhos para construção de novas habilidades e novos conhecimentos.
INTERPRETAÇÃO DO EXPERIMENTO
A interpretação do experimento deve ser analisado sob um olhar de multilateralidade, com destaque para as seguintes vertentes: 1ª- está vinculada ao fazer pedagógico interno no Curso de Licenciatura em Geografia, tendo a pesquisa como estratégia de ensino; 2ª - está associada à compreensão dos processos, funções estruturas e formas que produzem o espaço escolar; 3ª - é centrada na criação de espaço para o diálogo permanente entre teoria e prática, inclusive com a possiblidade de inversão dos polos de formação, ou seja, ao invés de partir da teoria para prática, identifica-se a prática e a confronta com a teoria num processo dialético; e a 4ª Vertente é a que possibilita aos discentes o contato permanente com outros profissionais da escola, que atuam nos espaços externos a sala de aula.
Para compreender cada uma das vertentes de interpretação dos experimentos é fundamental entender que estas não são isoladas, mas eixos conectados entre si numa relação de complementaridade e interdependência. A 1ª Vertente traz a projeção para um olhar interno do fazer pedagógico no curso de Licenciatura em Geografia da UERR e está vinculada às variantes externas, na medida em que a formação docente só terá sentido quando pensada na interação com prática profissional.
O professor de Geografia, assim como os demais profissionais, ao obterem a formação profissional, o fazem em função das necessidades para além da universidade. Por isto, quanto mais sintonizada a formação docente esteja com as necessidades de transformação social, mas hábil será o profissional no exercício de suas atividades e o fará como maior autonomia.
A metodologia de ensino com pesquisa é, na verdade, o caminho necessário para formação de sujeitos dotados de autonomia e capacidade intelectual de interpretar e interferir na realidade cotidiana. É a forma de superar o modelo pedagógico da reprodução mecânica dos conteúdos e do modelo de educação do encaixe, que perdura a história da educação brasileira.
O modelo de educação vigente pode ser denominado como educação do encaixe. Nesta concepção, os discentes são levados a adquirir ou desenvolver habilidades para atender as necessidades do mercado. Projetam-se os futuros profissionais para ocupar espaços dentro da estrutura de funcionamento da sociedade, contribuindo para reprodução dos modelos de exclusão sócio espacial. Freire (1987), ao criticar a educação bancária, afirma que quanto mais adaptado estiver o homem para as condições impostas pelo mundo, maior será seu grau de “educação”. Em outras palavras, poderíamos dizer que quanto mais robotizado o homem estiver para o mundo, mais terá atingido seu fim no projeto de educação fundado na transmissão.
Demo (1982) discorre que a pesquisa nas ciências sociais é uma forma de desvendar a realidade, ainda que esta não seja totalmente passível de ser descoberta por inteiro. Isto, se por um lado, nos sujeita a um grau de alienação na medida em que não se tem a consciência plena do real, por outro, também é campo inesgotável de pesquisa e produção de novos saberes. Há sempre elementos novos a serem desvendados em uma dada realidade, e, só a pesquisa poderá levar professores e alunos à produção continuada do conhecimento.
A realidade é, por natureza, integrada e exige interpretação das conexões sistêmicas. Superar a dicotomia entre a teoria e a prática só será possível com a mudança substancial do fazer pedagógico, que inclui necessariamente a pesquisa como metodologia de ensino. Para Fonseca (2008) o conhecimento científico é necessariamente pautado na busca de resposta de algum problema de pesquisa. Toda pesquisa decorre de um problema. Assim, a busca de respostas é própria da natureza de fazer ciência, justificando a linha de interpretação do experimento na segunda vertente.
A 2ª Vertente de interpretação do experimento possibilita aos discentes ampliarem a compreensão do espaço escolar, através do estudo concreto dos processos, estruturas, funções e formas. Assim, os discentes poderão se apropriar de maneira pormenorizada do conhecimento da realidade no espaço de atuação, superando a crítica apontada por Ferreira (2010, p. 88) em que “parte dos profissionais da docência do Ensino Superior não trabalha e nem faz pesquisa no ensino fundamental [...]”.
Nos dizeres de Lopes (2010), o mais importante da ação do professor não é fazer com que os alunos estejam inteirados das últimas notícias, mas de criar as condições para que estes sejam capazes de interpretá-las de forma crítica.
Segundo Freire (1987), para transformar a realidade é preciso conhecê-la. Este conhecimento só é possível através do diálogo permanente entre teoria e prática, mediatizado pela pesquisa e troca de experiências entre diferentes olhares. Assim, a 1ª vertente possibilita o ensino pela pesquisa como base da formação docente, e a 2ª segunda permite o conhecimento do funcionamento do espaço escolar que se materializa através da efetivação da primeira.
A 3ª vertente de interpretação do experimento do ensino com pesquisa, no caso da docência de Prática Profissional em Geografia da UERR, cria as condições necessárias ao estudo simultâneo entre teoria e prática, sem que obrigatoriamente a teoria neste caso tenha que anteceder a prática. A pesquisa tende por natureza de ser uma fonte de produção de novos conhecimentos.
Oliveira (2009, p. 33), ao discorrer sobre a importância do conhecimento novo, destaca que este não pode desconsiderar os aportes teóricos anteriores. Deste modo, o estudo da Geografia tem por excelência o estudo do espaço. Partindo-se da teoria do espaço deve-se buscar na Prática Profissional em Geografia trabalhar o espaço teorizado, o que só é possível por intermédio da pesquisa.
É possível, a partir da realidade pesquisada, a identificação de elementos que interferem na dinâmica espacial e que não tenham sido tratados de forma teórica em sala de aula. Neste caso, os discentes, ao identificá-los, se encarregam de teorizar o que foi observado na prática e confrontá-los com a teoria para fins de reinterpretá-los à luz do conhecimento existente e da perspectiva do conhecimento novo.
A 4ª vertente do eixo de interpretação do experimento é que educação não é um ato isolado, mas essencialmente uma ação coletiva. Para Freire (1987, p. 39), “ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo”. Assim, criar espaços de diálogos constitui fundamento do fazer pedagógico que se propõe a pensar a realidade e contribuir para autonomia dos discentes e aperfeiçoamento profissional do docente.
A presença dos discentes no espaço escolar para realização da pesquisa possibilita o diálogo com os diferentes atores da escola que inclui, além dos professores, os demais profissionais da educação como merendeiras, vigias, zeladores, gestores, assistentes de alunos, coordenação, orientação escolar e secretário (a). Isto permite aos alunos uma visão da escola por inteiro, fugindo à fragmentação que dificulta a compreensão da realidade e dos processos que movem a dinâmica escolar. As vertentes de interpretação do experimento podem ser sintetizadas na Figura 2, 3 e 4.
O olhar multifocal, representado no que denominamos de vertentes interpretativas do experimento, tem como fundamento a reflexão entre TEORIA-PRÁTICA X PRÁTICA-TEORIA. Veja-se que a 3ª Vertente, representada pela criação de ambiente de diálogo, encontra-se entre o Curso de Licenciatura em Geografia e o espaço escolar, traduzindo a interação permanente da praxe.
Neste sentido, o experimento realizado com as categoriais espaciais que estão sendo trabalhadas na elaboração da tese de Doutorado, aplicando-as ao estudo da disciplina Prática Profissional em Geografia, por meio do ensino com pesquisa, tem proporcionado novas oportunidades do fazer pedagógico, na perspectiva de superar a velha dicotomia entre teoria e prática, ensino e pesquisa.
PROJEÇÃO PÓS-DOUTORAL
A pós-graduação tem como centro de formação o desenvolvimento de atividade de pesquisa, em especial de pós-graduação sctrito sunsu. Nesta linha, a conclusão do curso de Doutorado em Geografia da UFC oportunizará a consolidação de grupo de pesquisa voltado para os processos de produção do espaço, no campo da Geografia Agrária em diálogo permanente com a docência.
Para Demo (2005), o professor necessariamente deve ser um pesquisador. É na pesquisa que se produz o conhecimento novo e possibilita a reflexão dos fenômenos pesquisados, criando as condições cognitivas para intervir na realidade.
A caminhada pós-doutoral é um processo marcado por experiências realizadas antes mesmo da conclusão do curso de Doutorado em Geografia. Isto porque a formação obtida nos debates das disciplinas cursadas e nas atividades de pesquisas realizadas apontam os nortes do fazer pedagógico, que tendem a sofrer ajustes na medida em que novas reflexões vão sendo acrescentadas, numa relação dialética entre mudar ou permanecer no contexto da prática docente.
Resta cada vez mais cristalino, a importância do professor pesquisador. O professor que não inclui a pesquisa em sua prática de ensino estará fazendo educação com os olhos voltados ao passado, pois só a pesquisa poderá proporcionar a educação com os olhos projetados para o futuro.
O passado é imutável e o presente já passou. Só o futuro é passível de mudança. Isto significa dizer que o ensino sem pesquisa pouco contribui para mudança da realidade, já que foca os acontecimentos do passado e não contempla os acontecimentos do futuro e nem nas possibilidades de intervir nestes acontecimentos. É bem verdade que olhar apenas para o futuro, sem enxergar o passado, poderá levar aos equívocos anteriores. Daí a importância dos ensinamentos de Freire (2009), que alerta para a necessidade do diálogo permanente entre o conhecimento existente e o conhecimento novo.
Convicto da importância da pesquisa na prática docente é que o experimento continuará nos próximos semestres nas disciplinas Prática Profissional com Pesquisa II, III e IV, sendo a II destinada ao trabalho de pesquisa para compreender a produção do conhecimento e estudo da paisagem escolar; Prática Profissional III será voltada a pesquisar a prática na escola e os processos de alfabetização cartográfica. Por fim, Prática Profissional com Pesquisa IV terá como objeto o estudo da convivência no espaço escolar e a realidade sociocultural dos alunos. Ao término do experimento previsto para fechamento do ciclo com o encerramento de Prática Profissional com Pesquisa IV deverá ser produzido um livro contendo os relatórios da pesquisa e as fases do experimento de educar com pesquisa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar o ensino exige pensar a pesquisa e vice-versa. O ensino sem pesquisa é algo estanque e sem vida, alimentando-se apenas de restos mortais ou de fragmentos do conhecimento que restaram segmentados no decorrer do processo histórico. Pensar a pesquisa sem o ensino é torná-la confinada em ambientes isolados, reduzindo sua capacidade de contribuição do conhecimento para intervir na realidade.
Neste olhar, pesquisa e ensino são faces de uma mesa “moeda”, sendo fundamental a quebra da dicotomia entre ambos para que possam interagir e se complementarem mutuamente. Para isto, cabe o professor, na condição de principal orientador do processo de aprendizagem, incorporar em sua prática docente a atividade de pesquisa.
Os resultados do experimento comprovam que a adoção da estratégica de ensino pela pesquisa contribui significativamente para o processo de aprendizagem dos alunos. Com a pesquisa a aprendizagem se dá no processo, sendo o resultado final apenas um atributo a mais para além daquilo que o aluno desenvolveu durante a realização da pesquisa.
Acrescente-se que no caso do ensino pela pesquisa é importante a participação dos alunos desde a fase de elaboração do projeto até a confecção do relatório final e apresentação dos resultados, para que possam compreender a pesquisa em suas diferentes fases de preparação, execução, análise e apresentação.
O Professor que inclui a pesquisa em sua prática docente, enxerga no horizonte o brilho do conhecimento novo. O professor que desenvolve sua prática de ensino desvinculada da pesquisa, enxerga apenas a poeira das sandálias deixada pelo pesquisador.
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Notas