ANÁLISE DO POTENCIAL EROSIVO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO IGARAPÉ CACAU PIRÊRA, IRANDUBA, AMAZONAS, BRASIL

ANALYSIS OF THE EROSIVE POTENTIAL OF THE CACAU PIRÊRA HYDROGRAPHIC BASIN, IRANDUBA, AMAZONAS STATE, BRAZIL

ANÁLISIS DEL POTENCIAL EROSIVO DE LA CUENCA HIDROGRÁFICA DE IGARAPÉ CACAU PIRÊRA, IRANDUBA, AMAZONAS, BRASIL

BRUNO SARKIS VIDAL
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Brasil
JOÃO CÂNDIDO ANDRÉ DA SILVA NETO
Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Brasil

ANÁLISE DO POTENCIAL EROSIVO DA BACIA HIDROGRÁFICA DO IGARAPÉ CACAU PIRÊRA, IRANDUBA, AMAZONAS, BRASIL

GEOSABERES: Revista de Estudos Geoeducacionais, vol. 11, pp. 711-727, 2020

Universidade Federal do Ceará

Recepção: 20 Abril 2020

Aprovação: 19 Dezembro 2020

Publicado: 19 Dezembro 2020

Resumo: Observa-se na região metropolitana de Manaus após a implantação da ponte Phelippe Daou, que liga Manaus à Iranduba, um crescente processo de mudanças nos padrões de uso da terra e cobertura vegetal. Assim, objetivou-se analisar o potencial à erosão laminar da Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra. Posto isto, foram processadas imagens de satélites, dados vetoriais, matriciais e numéricos de terreno utilizando Sistema de Informação Geográfica (SIG), possibilitando a implementação da análise espacial, apoiada no suporte à decisão. Observou-se que 9,62% da área da bacia possui uso da terra compatível com a suscetibilidade à erosão laminar, o médio potencial é a classe com área mais expressiva da bacia, com 75,99%; e as classes altas e muito altas estão presentes em 14,39% da área total da bacia, apresentando incompatibilidade do uso da terra e cobertura vegetal.

Palavras-chave: Sistema de Informações Geográficas, Suscetibilidade à erosão, Uso da Terra, Amazonas.

Abstract: It is observed in the metropolitan region of Manaus after the implementation of the Phelippe Daou Bridge, which connects Manaus with Iranduba, a growing process of changes in land use and plant cover. Thus, the objective was to analyze the potential for laminar erosion in the Igarapé do Cacau Pirêra watershed. That said, were processed satellite images, vectorial, matrix and numerical terrain data were processed using Geographic Information System (GIS), enabling the implementation of spatial analysis, supported by the decision support. It was observed that 9.62% of the basin area has land use compatible with the susceptibility to laminar erosion, the medium potential is the most expressive class of the basin, with 75, 99%; and the upper and very upper classes are present in 14.39% of the total basin area, presenting incompatibility of land use and vegetation cover.

Keywords: Geographic Information Systems, Susceptibility to erosion, Land use, Amazonas.

Resumen: Se observa en la región metropolitana de Manaus después de la implantación del puente Phelippe Daou, que conecta Manaus con Iranduba, un proceso creciente de cambios en los patrones de uso de la tierra y la cubierta vegetal. Por lo tanto, el objetivo es analizar el potencial de erosión laminar en la cuenca del Igarapé do Cacau Pirêra. Dicho esto, las imágenes de satélite, el vector, la matriz y los datos del terreno se procesaron utilizando el Sistema de Información Geográfica (SIG), lo que permite la implementación de análisis espacial, con el apoyo de la toma de decisiones. Se observó que el 9.62% del área de la cuenca tiene un uso del suelo compatible con la susceptibilidad a la erosión laminar, el potencial medio es la clase con el área más expresiva de la cuenca, con el 75.99%; y las clases superiores y muy superiores están presentes en el 14.39% del área total de la cuenca, con incompatibilidad del uso de la tierra y la cubierta vegetal.

Palabras clave: Sistema de información geográfica, Susceptibilidad a la erosión, Uso de la tierra, Amazonas.

INTRODUÇÃO

Na região Metropolitana de Manaus, observa-se, na última década, após a implantação da ponte Phelippe Daou, que liga Manaus à Iranduba e região, um crescente processo de mudanças nos padrões de uso da terra, associados à especulação imobiliária, ou seja, loteamentos influenciados pela implantação de empreendimentos particulares e públicos.

Segundo Sousa (2015, p.35), a reorganização do espaço urbano-regional, concebido a partir da constituição da região metropolitana de Manaus em 2007 e da construção da ponte sobre o Rio Negro no mesmo período, coloca Iranduba e Manacapuru como a principal opção para a expansão da mancha urbana da capital Amazonense.

Na discussão feita por Sousa (2015, p.13), as mudanças no espaço regional são resultantes dos interesses dos diversos agentes produtores, bem como das relações entre eles, sejam elas de cooperação ou de confrontação, portanto, produzem o espaço e tempo, transformando a paisagem e as estruturas existentes, também são o próprio meio e o resultado entre os agentes.

A Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra está inserida nesse contexto de intensificação do uso da terra observado nos últimos anos, pois está inserida no distrito do Cacau Pirêra, em Iranduba-AM.

Na toponímia do lugar, na região Amazônica, os igarapés são “cursos d´água amazônicos de primeira ou segunda ordem, componentes primários de tributação de rios pequenos, médios e grandes” (AB’SABER, 1953, p.23).

O impacto da mudança no uso da terra em bacias hidrográficas pode ter uma relação direta com a perda de biodiversidade, afetando a ordem socioambiental de uma região, além de propiciar a intensificação e desencadeamentos de processos erosivos.

Assim, a erosão do solo possui um processo complexo, no qual vários fatores exercem influência, de forma e magnitude variável, conforme o local de ocorrência, nesse sentido destacam-se o solo, embasamento geológico, clima, topografia e a cobertura do solo como os principais fatores influenciadores (SILVA et al., 2003, p.11).

A erosão é a simples eliminação das camadas superficiais do solo, principalmente quando desprotegida de cobertura vegetal. Embora a erosão seja um fenômeno natural, onde a superfície é desgastada e afeiçoada pelos processos físicos, químicos e biológicos, a atividade humana acelera este processo, acontecendo geralmente onde o solo está desprotegido (GUERRA et al, 2017, p. 30).

Aragão et al. (2011, p.732) apontam que a erosão é a principal causa do empobrecimento precoce do solo, devido às enxurradas provenientes das águas que não foram retidas ou infiltradas no solo, transportando partículas e nutrientes em suspensão necessários para as plantas.

Estes transportes de partículas fazem com que ocorra um aumento da produção de sedimentos que, ao atingirem os cursos d’água, podem provocar o assoreamento destes sistemas, além de atuar diretamente no transporte de outros poluentes (XAVIER et al., 2010, p.52).

Contudo, os processos erosivos podem ser intensificados pelos diferentes modos de apropriação da natureza, sendo um processo caracterizado pela transformação dos atributos naturais da paisagem com a técnica que visa à produção, onde qualquer área pode ser explorada, sem respeitar os limitantes físico-naturais das paisagens (CASSETI, 2003).

O processo erosivo é uma das formas mais agravantes da degradação de paisagens da superfície terrestre, e a ação antrópica acelera intensamente estes processos. De acordo com Xavier et al. (2010, p.52) a degradação ambiental tem se tornado mais evidente, sendo assim, torna-se necessário, além de reverter esse processo, também prever os danos futuros com base no planejamento e na gestão desses recursos.

A suscetibilidade à erosão laminar dos terrenos pode ser cartograficamente determinada com base na análise dos fatores naturais influentes ao desenvolvimento dos processos erosivos, uma vez que a erosão laminar desenvolve-se pelo uso da terra incompatível entre o uso e característica físico-natural, geralmente pela ocupação agrícola das terras (SALOMÃO, 1999, p.237).

O mapa de suscetibilidade à erosão laminar reflete as características dos terrenos, em face do desenvolvimento dos processos erosivos, contudo, a erosão laminar é fortemente condicionada pela ação antrópica, por meio das formas de uso e ocupação da terra. Nesse sentido, o objetivo do presente trabalho foi analisar o potencial à erosão laminar da Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra.

MATERIAIS E MÉTODOS

Caracterização da Área de Estudo

A área de estudo compreende a Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra (Figura 1) com 45,6 km² de área, situada na cidade de Iranduba, Amazonas. Entre as coordenadas 03°08’37” e 3°12’40” de latitude Sul, 60°12’14” e 60°05’24” de latitude Oeste. O canal principal da bacia denomina-se Cacau Pirêra, possuindo nascente no oeste da bacia, sendo um afluente da margem direita do baixo Rio Negro.

Figura 1 – Localização geográfica da Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Figura 1 – Localização geográfica da Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Fonte: Autoria própria.

A geomorfologia da área de estudo é constituída pela planície do rio Amazonas, caracterizada pelas formas de relevo planas ou suavemente onduladas, posicionadas em altitudes que variam de 0 a 100 metros, com litologias de aluviões holocênicos, areias e argilas, onde os processos de sedimentação superam os de erosão (IBGE, 2009, p.30); e também pelo planalto da Bacia Amazônica oriental, formado por conjuntos de colinas amplas com topos convexos, morros residuais de topos planos e pequenas chapas, e escarpas nas bordas (ROSS, 2006, p. 66).

Os solos predominantes da Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra são os latossolos amarelos, caracterizados por serem bem profundos e bem drenados; e neossolos flúvicos, caracterizados por serem pouco desenvolvidos, apresentando pequena expressão dos processos pedogenéticos (CORRÊA, 1984, p. 348).

Procedimentos Metodológicos

Para organização dos dados geográficos e planos de informações (PI’s), elaborou-se um Sistema Gerenciador de Banco de Dados Geográficos (SGBDG) em ambiente de Sistemas de Informações Geográficas (SIG), no software Spring 5.5.6, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE); e o software QGIS Desktop 3.8, para confecção dos planos de informação. Utilizou-se o sistema de coordenadas métricas (UTM) e o Datum WGS 84, zona 20 sul, como parâmetros cartográficos.

A base vetorial dos tipos de solos foi obtida do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na escala 1:250.000, imprescindível para confecção do mapa das classes de solos, considerando-se os graus de erodibilidade adaptado de Crepani (2008, p.303) e Salomão (1999, p.239).

Com a finalidade de se obter informações topográficas como altitude e declividade, utilizou-se da cena 03/615, do Modelo Digital de Elevação (MDE) Topodata que, a partir de técnicas de geoprocessamento, derivou os dados SRTM (Shuttle Radar Topographic Mission) para todo o território nacional com o tamanho de pixel de 1 arco por segundo, 30 metros (VALERIANO e ROSSETTI, 2012). O MDE foi processado no Spring, no qual foram realizados a extração e o fatiamento das classes hipsométricas e clinográficas, conforme a Embrapa (2006, p.242).

Para elaboração do mapa de uso da terra e cobertura vegetal, utilizou-se as bandas correspondentes ao azul, vermelho e infravermelho próximo do satélite Planet Scop, que possui resolução espacial de 3 metros. As imagens foram adquiridas por meio da licença educacional disponibilizada. As cenas selecionadas com data de passagem do dia 11 de julho de 2018 foram as que apresentaram menores taxas de cobertura de nuvens.

A imagem foi segmentada pelo método de crescimento por regiões, adotando os limiares de área/pixel 10 e similaridade 10. O processamento adotado foi do classificador supervisionado Bhattacharya, que possui um limiar de aceitação de 99,99%, além de requerer interação com o usuário.

As classes de uso da terra e cobertura vegetal estão embasadas no nível I do Sistema Básico de Classificação da Cobertura e Uso da Terra (SCUT) do Manual Técnico do Uso da Terra do IBGE (2013, p.46). Tendo como ponto de partida a matriz de confusão da validação do módulo de análise do Spring, a validação da classificação supervisionada foi gerada por meio do coeficiente de concordância Kappa.

Os procedimentos metodológicos necessários para elaboração do mapa de erosividade consistiu na coleta de dados pluviométricos no site Series View do INPE, na aplicação da fórmula de Lombardi Neto e Moldenhauer (1992, p.190) para o tratamento estatístico dos dados e interpolação dos pontos coletados.

As correlações de PI’s foram realizadas por intermédio da Linguagem Espacial para Geoprocessamento Algébrico (LEGAL) do Spring, a qual permite estabelecer inter-relações dos elementos da Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra, tanto na ordem físico-natural quanto das atuações da sociedade, representada pelos tipos de uso da terra.

O código de programação criado no LEGAL, contendo todos os elementos necessários para o mapa de suscetibilidade e potencial à erosão laminar, utilizou o método AHP (Analytical Hierarchy Process) para criação da hierarquia de decisão, que permitiu obter uma visão global das relações inerentes ao processo, mostrando imparcialidades nos resultados e minimizando erros de julgamentos (PINESE JUNIOR; RODRIGUES, 2012, p.4).

O produto cartográfico de vulnerabilidade do relevo foi gerado por meio da combinação dos PI’s de hipsometria, declividade e as formas do terreno (curvatura vertical e horizontal), processadas no software Spring usando o método AHP. Definiu-se os pesos para as variáveis de acordo com a sua importância para a análise da vulnerabilidade do relevo, considerando a declividade como o fator mais importante, influenciando consideravelmente na dinâmica do escoamento superficial (SILVA et al., 2003, p.19).

A suscetibilidade à erosão laminar pode ser cartograficamente gerada por meio da análise dos fatores naturais que influenciam no processo erosivo. Salomão (1999, p.232) aponta que a erodibilidade dos solos e a declividade das encostas são fatores essenciais para definição das classes de suscetibilidade à erosão laminar.

Assim, o plano de informação de suscetibilidade preliminar à erosão foi gerado com o cruzamento dos dados de erodibilidade, segundo tipos de solos de acordo com a classificação de Salomão (1999), e declividade, na qual foram definidas as classes de suscetibilidade à erosão laminar, conforme o IPT (1990, p.181):

Classe I: Extremamente suscetível;

Classe II: Muito suscetível;

Classe III: Moderadamente suscetível;

Classe IV: Pouco suscetível;

Classe V: Pouco a não suscetível.

Segundo Salomão (1999, p.241), a suscetibilidade reflete as características naturais dos terrenos, em face dos processos erosivos. Não obstante, a erosão laminar é fortemente condicionada pela ação antrópica, por meio das formas de uso e ocupação da terra.

Os terrenos com um semelhante nível de suscetibilidade, mas ocupadas de formas diferentes, apresentam diferentes potenciais ao desenvolvimento de erosão laminar. O potencial à erosão laminar pode ser definido como um resultado da interação entre a suscetibilidade dos terrenos em desenvolver erosão, a erosividade e o uso da terra e cobertura vegetal (SALOMÃO, 1999, p.241).

Ao cruzar as classes de suscetibilidade à erosão preliminar com a erosividade das chuvas e o uso da terra, podemos definir cinco classes de potencial erosivo, adaptando da proposta (Quadro 1) de Salomão (1999, p.243).

Quadro 1 - Classes de potenciais à erosão de solo.
ClassesPotencial à erosão
IMuito alto potencial: uso da terra incompatível com a suscetibilidade à erosão laminar, erosividade muito alta e atividade antrópica intensa.
IIAlto potencial: uso da terra incompatível com a suscetibilidade à erosão laminar, erosividade alta e atividade antrópica moderada.
IIIMédio potencial: uso da terra incompatível com a suscetibilidade à erosão laminar, possível de ser controlada com práticas conservacionistas adequadas.
IVBaixo potencial: uso do solo compatível com a suscetibilidade à erosão laminar com erosividade baixa.
VMuito baixo potencial: uso do solo compatível com a suscetibilidade à erosão com erosividade muito baixa.
Fonte: Adaptado de Salomão (1999).

A Figura 2 está representando os procedimentos metodológicos adotados. Nota-se o cruzamento das curvaturas horizontal e vertical para elaboração das formas de terreno, que posteriormente foi combinado com as variáveis topográficas de altitude e declividade que resultaram na vulnerabilidade do relevo à perda de solos (CREPANI et al., 2008, p.306),

Em seguida, elaborou-se a vulnerabilidade do relevo à perda de solos conforme Crepani et al. (2008, p.305), que foi combinada com o plano de informação dos tipos de solos ponderado, resultando na suscetibilidade à erosão laminar.

Por fim, o plano de informação de suscetibilidade à erosão laminar foi cruzado com o uso da terra e erosividade das chuvas para definição das classes de potencial erosivo (SALOMÃO, 1999).

Figura 2 – Fluxograma da metodologia para elaboração do potencial erosivo.
Figura 2 – Fluxograma da metodologia para elaboração do potencial erosivo.
Fonte: Autoria própria.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

A vulnerabilidade do relevo permite a análise associada dos dados morfométricos de hipsometria, declividade e formas de terreno, estabelecendo inter-relação para elaboração de uma escala de vulnerabilidade a perda de solos, com o intuito de caracterizar os processos morfodinâmicos predominantes (SILVA NETO, 2014).

As classes de vulnerabilidade do relevo à perda de solos que favorecem a formação de solo, são aquelas que prevalecem o processo morfodinâmico de pedogênese definidas como fraca e muito fraca, representadas em 34,64% da área total da bacia, com as características hipsométricas de 20 a 50 metros, com formas divergentes e convexas, apresentando declividades de 0 a 8% (Figura 3).

Figura 3 - Vulnerabilidade do relevo à perda de solos na bacia hidrográfica do Cacau Pirêra.
Figura 3 - Vulnerabilidade do relevo à perda de solos na bacia hidrográfica do Cacau Pirêra.
Fonte: Autoria própria.

A classificação de vulnerabilidade do relevo está pautada na proposta da ecodinâmica de Tricart (1977, p.35), em que foram definidos os meios estáveis, intergrades e os fortemente instáveis.

Na área de estudo caracteriza-se como os meios estáveis a atuação lenta dos processos mecânicos, apresentando cobertura vegetal densa, declividades de 0 a 8%, hipsometrias entre 0 e 40 metros e predominando as formas do relevo divergentes. Podemos associar este meio com as classes de vulnerabilidades do relevo à perda de solos fraca e muito fraca.

Os meios intergrades são uma transição, ou seja, asseguram uma passagem gradual entre os meios estáveis e os fortemente instáveis, associados à vulnerabilidade moderada. Para Tricart (1977, p.47), o que caracteriza um meio intergrade é a interferência permanente de morfogênse e pedogênse.

A classe de vulnerabilidade moderada na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra foi observada em 41,76% da área total. Apresenta declividades de 8 a 20%, hipsometrias entre 50 e 80 metros e formas convergentes, são delicados e suscetíveis a fenômenos de amplificação, como o desencadeamento de processos erosivos, podendo aumentar a vulnerabilidade caso haja exploração e intensificação dos usos da terra (Quadro 2).

A vulnerabilidade forte a muito forte está associada aos meios instáveis, caracterizados pela morfogênese ser predominante da dinâmica natural, sendo um fator dominante do sistema natural, ao qual os outros elementos estão subordinados. Verificou-se que estas classes estão presentes em 23,61% da área total da bacia, possuindo as características de declives acima de 20% e formas de terreno côncavo e convergente.

Considerando os PI’s de classes dos solos e a vulnerabilidade do relevo à perda de solos, verificou-se que as classes preliminares, pouco a não suscetível e pouco suscetível à erosão laminar, apresentaram 32,22% da área total da bacia, correspondendo a 14,37 km², verificando-se as classes fraca e muito fraca de vulnerabilidade do relevo e latossolo amarelo.

Quadro 2 – Índice e grau de vulnerabilidade do relevo à perda de solos, processos predominantes e ecodinâmica na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Índice de VulnerabilidadeGrau de VulnerabilidadeProcesso PredominantesEcodinâmicaÁrea em km²Área em %
0,0 - 0,2Muito FracaPedogêneseEstáveis2,415,41
0,2 - 0,4Fraca13,0329,23
0,4 - 0,6ModeradaIntermediárioIntergrade18,6241,76
0,6 - 0,8ForteMorfogêneseMuito Instáveis9,7821,94
0,8 - 1,0Muito Forte0,741,67
Total44,597100
Fonte: Autoria própria.

A classe preliminar moderadamente suscetível é a predominante na Bacia do Cacau Pirêra (Figura 4), ocupando 44,07% da área total. Sua característica são os declives acentuados em formatos côncavo e convergente da forte vulnerabilidade do relevo à perda de solos, associados à presença de latossolos amarelo e neossolos flúvicos.

Figura 4 – Suscetibilidade preliminar à erosão laminar na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Figura 4 – Suscetibilidade preliminar à erosão laminar na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Fonte: Autoria própria.

A classe muito suscetível à erosão laminar está presente em 21,95% da área de estudo, equivalente a 9,79 km². Apresenta latossolos amarelos e neossolos flúvicos com erodibilidade baixa e muito alta, com grau de vulnerabilidade do relevo forte a muito forte, enquanto a classe extremante suscetível à erosão laminar apresenta apenas 1,77% ou 0,79 km² da bacia hidrográfica.

A água da chuva gera erosão laminar por meio do impacto das gotas sobre a superfície do solo, caindo com velocidade e energia variável, bem como por meio da enxurrada. Esta ação erosiva depende da distribuição pluviométrica no tempo e espaço, sendo aferida pela erosividade (SALOMÃO, 1999, p.238).

A Figura 5 espacializou a erosividade anual para a Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra. Verificou-se no sul da bacia erosividade próxima à 9000 MJ mm ha-¹ ano -1, podendo gerar um runoff mais intenso nessas áreas.

Figura 5 - Erosividade anual na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Figura 5 - Erosividade anual na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Fonte: Autoria própria.

Adaptou-se a classificação de Foster et al (1981, p. 359), que estabeleceu as classes: muito baixa, baixa, média, alta e muito alta para a erosividade anual (Quadro 3), verificou-se que todos os pontos de erosividade da bacia foram classificados como alta.

A erosão laminar está fortemente ligada à relação entre sociedade e natureza, por meio das formas de ocupação do solo. Em alguns casos, diferentes áreas podem possuir a mesma suscetibilidade preliminar à erosão, no entanto, havendo diferentes usos nestas áreas, resultam em classes de potenciais distintas (CARVALHO et al., 2017, p.1748). Nesse sentido, tornou-se necessária a análise do uso da terra e cobertura vegetal na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra (Figura 6).

Quadro 3 – Classes de erosividade para valores mensais e anual.
ErosividadeMJ mm ha-¹ ano -1MJ mm ha-¹ mês -1
Muito baixaR < 2.500R < 250
Baixa2.500 < R < 5.000250 < R < 500
Média5.000 < R < 7.000500 < R < 700
Alta7.000 < R < 10.000700 < R < 1000
Muito altaR > 10.000R > 1000
Fonte: Adaptado de Foster et al (1981).

Figura 6 – Mapa do uso da terra e cobertura vegetal na área de estudo em junho de 2018.
Figura 6 – Mapa do uso da terra e cobertura vegetal na área de estudo em junho de 2018.
Fonte: Autoria própria.

As obras estatais como a duplicação da Rodovia AM-070 e a ponte sobre o rio Negro, desencadearam alterações na paisagem e mudanças no uso da terra e cobertura vegetal na Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra, estas mudanças possuem uma dinâmica de alteração da vegetação natural e de pastagens para solo exposto, destinado para construção de empreendimentos imobiliários (Figura 7).

Nota-se a duplicação da Rodovia AM-010 (Manoel Urbano) e mudanças de áreas de culturas temporárias e permanentes para empreendimentos imobiliários, tais como condomínios fechados.

Para determinação das classes de potencial erosivo para Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra, foram cruzados planos de informação de suscetibilidade preliminar à erosão laminar, erosividade das chuvas e uso da terra e cobertura vegetal, implementado por meio do método AHP (Analytic Hierarchy Process), no qual foram definidas 5 classes de potencial erosivo: muito alto, alto, médio, baixo e muito baixo.

Figura 7 - Mudança no uso da terra na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Figura 7 - Mudança no uso da terra na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Fonte: Autoria própria

Ressalta-se que as classes de alto e muito alto potencial indicam incompatibilidade do uso da terra com a suscetibilidade à erosão laminar. O médio potencial também aponta incompatibilidade, mas possível de ser controlada com práticas conservacionistas adequadas; já o baixo e muito baixo potencial apontam as áreas compatíveis com o atual uso da terra.

As classes de potencial erosivo da Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra foram fatiadas no Spring para quantificação da área em quilômetros quadrados e em porcentagem, além da elaboração do mapa (Figura 8).

Figura 8 - Potencial erosivo da Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra.
Figura 8 - Potencial erosivo da Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra.
Fonte: Autoria própria.

O potencial atual à erosão laminar demostrou que a classe baixa potencial está espacializada em 9,62% da área total da Bacia do Cacau Pirêra, possuindo o uso da terra compatível do solo com a suscetibilidade à erosão laminar, podendo ser utilizados para agricultura, necessitando apenas práticas conservacionistas adequadas de baixo custo no controle de prevenção da erosão. Ressalta-se que a classe muito baixa não foi observada na área da bacia estudada.

Exemplo da classe de baixo potencial pode ser vista na Figura 9, na qual observa-se as baixas declividades, formas de terreno planar e retilínea e a presença de vegetação natural densa.

Quanto ao médio potencial erosivo, verificou-se que esta classe é a preponderante na área de estudo, sendo representado por 33,87 km² ou 75,99% da área total da Bacia do Cacau Pirêra (Quadro 3). Esta classe apresenta incompatibilidade do uso do solo com a suscetibilidade à erosão laminar. Considera-se possíveis problemas que possam atingir a conservação dos solos devem ser manejados com práticas conservacionistas adequadas.

Quadro 3 - Classes de potencial erosivo da Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.
Potencial ErosivoÁrea em Km²Área em %
Muito Baixo00
Baixo4,299,62
Médio33,8775,99
Alto6,1513,79
Muito Alto0,270,60
Total44,58100
Fonte: Autoria própria.

Figura 9 - Exemplo da classe de baixo potencial à erosão laminar.
Figura 9 - Exemplo da classe de baixo potencial à erosão laminar.
Fonte: Autoria própria.

O uso da terra identificado nesta classe é de áreas antrópicas agrícolas, declividades suaves a onduladas, latossolos amarelos e neossolos flúvicos. Segundo Carvalho et al (2017, p.1748), as áreas de médio potencial erosivo devem possuir a prerrogativa de aplicação de adubo para manutenção de pastagens e implementação de áreas de integração de lavoura, pastagem e floresta, auxiliando na melhoria do solo (Figura 10).

Observando o mapa de potencial erosivo pelo método contínuo, visualiza-se que as classes alto e muito alto ao potencial à erosão laminar estão espacializadas nas áreas antrópicas não agrícolas, com declives e formas de terreno variados. Estas áreas podem ser verificadas nas áreas de solo exposto e estradas (Figura 11).

Verificou-se que 14,39% da área total da Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra corresponde as classes alta ou muito alta, estas áreas apresentam incompatibilidade do uso da terra e cobertura vegetal com a suscetibilidade à erosão laminar.

Segundo Crepani et al (2001, p.88), a vegetação constitui uma variável indispensável para identificação dos processos erosivos, visto que estes são potencializados nas áreas com reduzida cobertura vegetal, sendo a análise de potencial à erosão laminar fundamental para o planejamento ambiental.

As áreas antrópicas não agrícolas da área de estudo apresentaram alto potencial à erosão laminar, devido à impermeabilização dos solos e associados à dinâmica de mudança do uso da terra e cobertura vegetal, resultando em desequilíbrios dos sistemas ambientais.

Figura 10 - Médio potencial erosivo na área de estudo.
Figura 10 - Médio potencial erosivo na área de estudo.
Fonte: Autoria própria.

Figura 11 - Potencial erosivo alto a muito alto. A) Sulcos erosivos em vicinais. B) Parede de voçoroca. C) vicinal recém-aberto e D) Ravinamento na cabeceira da voçoroca.
Figura 11 - Potencial erosivo alto a muito alto. A) Sulcos erosivos em vicinais. B) Parede de voçoroca. C) vicinal recém-aberto e D) Ravinamento na cabeceira da voçoroca.
Fonte: Autoria própria.

A Sub-bacia do Igarapé Cantonicha, localizada no baixo curso da bacia hidrográfica estudada, é que apresenta a maior porcentagem das classes alta a muito alta do potencial à erosão laminar. O grau do potencial nesta área da bacia é explicado pelo intenso processo de apropriação da natureza devido à proximidade da Ponte Rio Negro e do distrito de Cacau Pirêra.

CONCLUSÃO

A dinâmica do uso da terra e cobertura vegetal na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra está relacionada a redução da agropecuária e expansão dos empreendimentos imobiliários, gerando diversos impactos negativos na paisagem, tais como a perda de biodiversidade, desencadeamento de processos erosivos, empobrecimento do solo e poluição das águas.

A utilização do Sistema de Informação Geográfica, bem como o emprego da programação LEGAL implementado no software Spring, proporcionou uma análise integrada dos elementos analisados, possibilitando as correlações das variáveis por meio do método AHP e a sua representação para identificação do potencial à erosão laminar, além da associação da atividade antrópica com as características físicas da paisagem, as quais ocasionaram maior ou menor impacto ao desencadeamento ou intensificação dos processos erosivos na Bacia Hidrográfica do Cacau Pirêra.

Este estudo fornece indicações de áreas que devem possuir atenção especial, pelo fato de serem mais suscetíveis ao desencadeamento de processos erosivos. Portanto, pode ser objeto de estudo para auxiliar orientações sobre ações de conservação na Bacia Hidrográfica do Igarapé do Cacau Pirêra.

Sendo assim, a avaliação do potencial aos processos erosivos tem um papel relevante, pois permite a identificação das áreas mais frágeis à erosão laminar e possibilita a elaboração de diretrizes para o ordenamento do uso da terra, minimizando os desequilíbrios causados na paisagem, evitando os prejuízos ambientais e sociais.

Agradecimentos

Os autores agradecem a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (FAPEAM) pela concessão da bolsa de pesquisa.

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