Resumo: A pesquisa intitulada: Territorialidades Religiosas em Irradiação: Um olhar geoturístico sobre a devoção alagoana às representações de Padre Cícero e Juazeiro do Norte-Ceará, Brasil, objetiva demonstrar como essa irradiação vem sendo documentada e apoiando a intercomunicação das romarias em seus lugares de origem e destino, bem como, também, analisar as territorialidades religiosas em irradiação, sobre a devoção alagoana às representações de Padre Cícero e Juazeiro do Norte-Ceará, no estado de Alagoas e suas implicações turístico-religiosas e culturais, mapeando uma nova geografia da fé, visando constatar se há um polo de irradiação dessa devoção ou se o mesmo encontra-se em fase de construção. Optamos por uma pesquisa descritivo-exploratória de abordagem qualitativa/interpretativa para melhor demonstrar que os mecanismos da alter-identitários da devoção ao Padre Cícero não estão circunscritos à Juazeiro e seu entorno imediato. A busca pelo incremento do turismo religioso, em Alagoas, justifica-se pelo significativo índice de demanda turística não só nos períodos de romarias como no calendário de Mata Grande e na missa anual de Boca da Mata. As cidades desse estado de certa forma se tornam corredor de passagem para outro destino consolidado, o de Juazeiro do Norte-Ceará. Discutir as territorialidades religiosas em irradiação dos novos espaços religiosos, em expansão, no período contemporâneo, apontando uma nova configuração territorial das regiões devocionais e o emaranhado místico, cultural e político que vem sendo traçado com base na religiosidade popular que o devoto está territorializando em nome da fé e da devoção ao Padre Cícero. Os devotos alagoanos de Padre Cícero, para fortalecer a sua fé, constroem, no seu lugar, réplicas do monumento do Padre Cícero do Horto, em pontos estratégicos, realizando cultos litúrgicos como forma de materializar o território simbólico. Dentre todas as questões anunciadas, pergunta-se: Até quando Juazeiro vai continuar ignorando as questões de Alagoas?
Palavras-chave:DevotoDevoto,IrradiaçãoIrradiação,TerritórioTerritório,TurismoTurismo.
Abstract: The research aims to demonstrate how the irradiation has been documented and supporting the intercom of pilgrimages in their original places and destination, and also analyze religious territoriality in irradiation, about Alagoas devotion to the representations of Padre Cicero and Juazeiro do Norte - Ceará, in the state of Alagoas and its tourist-cultural and religious implications, mapping out a new geography of faith, seeking to find if there is a center of irradiation of this devotion or if it is under construction. We chose a descriptive and exploratory qualitative / interpretive approach to demonstrate the alter-identity mechanisms of devotion to Padre Cicero are not confined to the Juazeiro and its immediate surroundings. The search for the increase of religious tourism in Alagoas, is justified by the significant tourist demand index not only in times of festivals like Mata Grande calendar and the annual mass of Boca da Mata. The cities of this state somehow become a middle point to another consolidated destination, Juazeiro do Norte - Ceara. Discuss religious territoriality in irradiation of new religious spaces, expanding in the contemporary period, indicating a new territorial configuration of devotional regions and the mystical, cultural and political tangle that has been drawn up based on popular piety which the devotee is territorializing in the name of faith and devotion to Padre Cicero. Alagoas devotees of Padre Cicero, to strengthen their faith, build in their places monument replication of Padre Cicero do Horto, at strategic points, performing liturgical worship as a way to materialize the symbolic territory. Of all the announced issues, we ask: How long will Juazeiro continue to ignore the issues of Alagoas?
Keywords: Devotee, Irradiation, Territory, Tourism.
Resumen: La investigación em tintulada: territorio religioso en irradiación, un mirar geoturistico sobre la devoción alagoana a las representaciones de Padre Cicero en Juazeiro do Norte – Ceara Brasil. El objetivo es demostrar como esa irradiación vienesiendo documentada y apoyando la inter comunicación de los festivales en sus lugares de origen y destino ,bien como ,también ,analizar el territorio religioso em irradiación , sobre ladevoción alagoana y representación de Padre Cicero en Juazeiro do Norte Ceara, em el estado de alagoas en sus implementaciones turístico-religiosas y culturales, mapeando una nueva geografía de fé, apuntando encontrar si ha yun polo de irradiación de esa devoción , o si se en cuentra en etapa de construcción. Optamos por una investigación descriptiva–exploratoria de abordar cualitativa-interpretativa para mejor demostración que los mecanismos de alterar –identidad de devoción a Padre Cicero no están circunscriptas a Juazeiro em su entorno inmediato. En busca por el incremento del turismo religioso , en alagoas, se justifica por el significativo índice de demanda turística no solo em los periodos de festivales como em el calendario de Mata Grande en la misa anual de Boca de Mata ,las ciudades de ese estado de cierta forma se tornan corredor de pasaje para otro destino consolidado, de Juazeiro do Norte-Ceara. Discutir el territorio religioso em irradiación de nuevos espacios, en expansión, en períodos contemporáneos, apuntando una nueva configuración territorial de regiones devocionales, em maraña domixtico cultural y político vien ensiendo marcado con base em la religiosidad popular , que los devotos alagoanos de Padre Cicero , para fortalecer sufe, construyen em su lugar, replicas de monumento de Padre Cicero do Horto, enpuntos estratégicos, realizando cultos litúrgicos como forma de materializar el territorio simbolico. Entre todas las cuestion es anunciadas, Pregunta: hasta cuando Juazeiro va continuar ignorando las cuestiones de Alagoas?
Palabras clave: Devoto, Irradiación, Territorio, Turismo.
TERRITORIALIDADES RELIGIOSAS EM IRRADIAÇÃO: UM OLHAR GEOTURÍSTICO SOBRE A DEVOÇÃO ALAGOANA ÀS REPRESENTAÇÕES DE PADRE CÍCERO E JUAZEIRO DO NORTE/CE
RELIGIOUS TERRITORIALITIES IN RADIATION: A GEOTOURISTIC LOOK ON ALAGOAS DEVOTION TO REPRESENTATIONS OF PADRE CICERO AND JUAZEIRO DO NORTE/CE
TERRITORIO RELIGIOSO EN IRRADIACIÓN, UN MIRAR GEOTURISTICO SOBRE LA DEVOCIÓN ALAGOANA A LAS REPRESENTACIONES DE PADRE CICERO EN JUAZEIRO DO NORTE/CE
Recepção: 11 Fevereiro 2015
Aprovação: 09 Junho 2020
O objetivo maior da pesquisa é, portanto, analisar as territorialidades religiosas em irradiação, sobre a devoção alagoana às representações de Padre Cícero e Juazeiro do Norte-Ceará, no estado de Alagoas, e suas implicações turístico-religiosas e culturais, mapeando uma nova geografia da fé, visando constatar se há um polo de irradiação dessa devoção ou se o mesmo encontra-se em fase de construção.
As dimensões que envolvem o “turismo religioso”, em Juazeiro do Norte, encaminham-se para uma análise maior da percepção do espaço local com a interação com os outros lugares. Os porquês das necessidades dos devotos, que visitam e dedicam alguns de seus dias nessa cidade, centrada na devoção ao Padre Cícero, que não mais se limita somente a Juazeiro do Norte, enquanto lugar central, mas na valorização das territorialidades que se configuram.
Discutir as territorialidades religiosas em irradiação nos direciona para o conhecimento da análise proposta dos novos espaços religiosos em expansão, no período contemporâneo, apontando para uma nova configuração territorial das regiões devocionais e o emaranhado místico, cultural e político, que vem sendo traçado com base na religiosidade popular, que o devoto está territorializando em nome da fé e da devoção ao Padre Cícero.
A partir das devoções ao Padre Cícero, no espaço de origem dos devotos, presenciamos várias manifestações da fé, através da cultura, da religiosidade popular e da vertente político-midiática, apoiando todas elas. Quando Santos (2008), coloca as questões do território e as relações do homem com seu espaço, aponta a vivência do devoto e a irradiação dessa fé, através de seu testemunho pessoal.
Em uma reflexão sobre a construção da multiterritorialidade frente às territorialidades religiosas, em irradiação ao Padre Cícero, sistematizando o campo científico teórico-metodológico, que compreende esta pesquisa, foi pertinente a abordagem realizada sobre os cenários devocionais e os múltiplos territórios.
É nesta complexidade contemporânea dos espaços religiosos, no sentido religioso específico e ampliado, em representação econômica, política e cultural, que novas configurações devocionais estão surgindo e redefinindo a compreensão do papel dos lugares.
Por outro lado, é crescente a nova integração com outros lugares de devoção ao Padre Cícero, nos quais os romeiros/devotos estabelecem suas relações. Não é mais somente um fenômeno religioso local ou regional como era visto por alguns estudiosos, mas um fenômeno que vem estabelecendo suas territorialidades e reconfigurações culturais e devocionais.
Por se tratar de uma pesquisa exploratória, centrada na abordagem humanística imaginativa, os procedimentos metodológicos captaram as vivências dos espaços de fé. Nesse sentido, para a identificação das representações do fenômeno de Juazeiro do Norte-Ceará, realizamos duas visitas técnicas, na cidade de Mata Grande/Alagoas, com realização de uma enquete aos devotos e entrevista com o Padre Sizo. Para encaminhamento maiores da pesquisa visitamos à cidade de Boca da Mata para assistir às celebrações do dia 20 de julho de 2012. Para melhor percebermos como se dão as manifestações de irradiação da devoção em Alagoas, realizamos entrevistas, com um total de doze perguntas, envolvendo um corpus de quarenta e cinco romeiros, escolhidos aleatoriamente, que visitavam a cidade de Boca da Mata, no dia 20 de julho de 2012. Concomitantemente, registramos, através de fotos toda a dinâmica dos rituais devocionais.
Para compreendermos as territorialidades em irradiação da devoção ao Padre Cícero, faz-se necessária uma abordagem, em nível regional, a partir de sua imagem e da cidade de Juazeiro do Norte – Ceará acerca de como essa rede se expande em direção aos diversos estados da região nordeste e a continuidade dos cultos religiosos ao “santo”.
Presente na construção do pensamento geográfico, as concepções regionais são sempre abordadas na sua elaboração. Como os demais conceitos ou categorias dessa ciência, a região será analisada com base nas territorialidades e na rede de relações que elas exercem no/do lugar[1], ultrapassando suas fronteiras, especificamente Juazeiro do Norte-Ceará para a possível “irradiação” da fé em Alagoas.
O estado de Alagoas foi selecionado para a pesquisa, considerando, no momento atual, termos identificado em várias cidades alagoanas devoções, cultos e atos religiosos, tendo o Padre Cícero como inspiração maior. Além de outros aspectos como a sua organização para participar das romarias juazeirenses. Em todo âmbito histórico de Juazeiro do Norte, registram-se visitas de alagoanos, quando ainda no povoado de “joaseiro”, época do Padre Cícero, em que os devotos vinham pedir seus conselhos.
Neste contexto, o estado do Ceará vai suspender a devoção e a visitação ao Juazeiro, após a excomunhão do Padre pela Igreja pelo temor que ele criasse uma igreja dentro da própria igreja, acusando-o de atos de idolatria e heresia. Foi uma deliberação da Igreja, no Ceará, para não expandir a devoção ao Padre Cícero. Nesse sentido, observamos que não há essa devoção fervorosa e perceptível no Ceará, diferentemente de Pernambuco, Paraíba, Sergipe e Alagoas.
A pesquisa traz um diferencial: sair do lugar Juazeiro do Norte, para melhor discutir e refletir sobre a imagem e o imaginário sobre Padre Cícero na sua amplitude devocional alagoana. É interessante destacarmos que algumas cidades de Alagoas estão iniciando seu processo religioso como foi Juazeiro no passado.
Conforme Haesbaert (2007, p. 68), diante do mundo globalizado como o nosso, o acesso a um território como “experiência integrada do espaço” só se dará quando todos os atores envolvidos, de alguma forma, vivenciarem o mundo ou suas regiões, em suas múltiplas escalas, pois assim é o território hoje, multiescalar e um território-rede, onde a fé dos devotos alagoanos não conhecem fronteiras.
Para acrescentar essa leitura, Beltrão (2010) define o território como relações de poder, evidenciando que este é constituído por atores, indivíduos e natureza interconectados a desvendar a intrincada rede de processos e tramas a ele vinculados. Nesta perspectiva, Lefebvre (1984) diz que o território envolve uma dimensão simbólica, cultural por meio de uma identidade territorial, atribuída pelos grupos sociais, como controle simbólico e apropriação sobre o espaço, mas político também.
Na abordagem religiosa, é visível o lançamento crescente, no mercado de feiras de artigos religiosos, exposições, em várias regiões, com produtos musicais, romarias e uma série de eventos. Todo esse conjunto demarca muito bem as territorialidades múltiplas de identificação, incluindo ainda os veículos midiáticos de promoção da fé, programas religiosos ligados a uma rede mundial.
Enfatizando a importância do território e o sentimento de pertencimento, que adquirimos na medida em que com ele nos relacionamos, Haesbaert (2007, p.51) destaca a dimensão do território, na sua representação simbólica, cultural e política, refletindo assim no lugar. Como bem nos mostra o autor, pertencemos a um território; Não o temos; mas sim guardamo-lo, habitamo-lo, impregnamo-nos dele. Entretanto, o território não diz respeito apenas à função ou ao ter, mas ao ser, neste caso, um devoto ou romeiro.
Esquecer deste princípio espiritual é se sujeitar a não compreender a violência de muitas lutas e conflitos, que afetam o mundo de hoje, sendo o mais importante neste contexto: “perder seu território é desaparecer”. A percepção do território acima descrita enfatiza muito bem a dimensão cultural e sentimental da vivência do homem, não apenas como matéria, mas a historicidade que este registra no seu território.
O contexto territorial, em rede, nos permite compreender a organização da região e a dinâmica do espaço nas atividades econômicas, nas mudanças paisagísticas, na manutenção e na divulgação da cultura e na inter-relação das manifestações religiosas com outros centros de maior expansão religiosa. Essa dinamicidade não poderia ser concretizada sem as redes de comunicação informacional.
Saquet (2010, p.77) comenta a expansão da territorialidade na concepção de Claude Raffestin[2] e destaca que:
A territorialidade como multidimensional é inerente à vida em sociedade. O homem vive relações sociais, a construção do território, interações e relações de poder; diferentes atividades cotidianas, que se revelam na construção de malhas, nós e redes, constituindo o território; manifesta-se em distintas escalas espaciais e sociais e varia no tempo. “Eis por que pensamos que a análise da territorialidade só é possível pela apreensão das relações reais recolocadas no seu contexto sócio-histórico e espaço-temporal.” (RAFFESTIN, 1993, p.162).
Diante do contexto sócio-histórico e espaço-temporal, na análise da territorialidade de Raffestin, notamos que a historicidade, em momento algum, pode ser desconsiderada do raciocínio sobre tempo-espaço, enfatizando que podemos entender a evolução do lugar, da cidade e da região e de sua construção do cotidiano do homem.
Nesta leitura, Massey (2008, p.139) diz que o espaço é mais do que distância, é uma esfera de configurações de resultados imprevisíveis, dentro de multiplicidades, levantada pela aceleração, pela “revolução nas comunicações” e pelo ciberespaço. Não é se o espaço será aniquilado ou não, mas que tipos de multiplicidades e relações serão co-construídas, através desses novos tipos de configurações espaciais e territoriais.
O que caracteriza e identifica o território pode ser interpretado e compreendido diante da rede de intercâmbio que a territorialização adensa além região. Por exemplo: a gestão associada dos equipamentos a serem implantados no Cariri. Seria impossível analisar o dimensionamento da região sem rever a abrangência das ações territoriais exercidas na mesma; e isso nós presenciamos com o adensamento da rede urbana, comunicacional e das relações entre essas redes.
Esses aspectos evidenciam que a região vem buscando redesenhar seu território numa escala nacional para internacional, enquanto sua política de ação ocorre num determinado local, influenciando e agindo num raio de abrangência às vezes considerado pequeno, diante da modernização, mas irradiado pela internacionalização da economia.
Sposito (2010), ao analisar a metamoforse do território em região, afirma que é necessário que se considere a força dos símbolos, das imagens e do imaginário, na construção dos limites de uma região e outra. Nesse sentido, entendemos que as diferenças estabelecidas pela cultura, economia, dinâmica populacional, como também paisagem deveria considerar o processo histórico de ocupação dessa porção do Estado em sua fragilidade.
E, para apreendermos essa complexidade, que envolve a região convém lembrar Becker (2008), quando diz que: “um primeiro passo para avançar no conhecimento sobre a região é dissipar os mitos e as representações simplificadoras que a envolvem”. Todavia, não se limitara apenas à identidade regional, ao regionalismo, mas, na dinâmica dos fluxos da rede, na organização das redes de serviço e na estruturação espacial do território.
De acordo com Carleial (1993, p. 44), para termos essa compreensão da região, deveria ser analisada a categoria espaço, imprescindível para entender a questão regional, quando as modificações decorrentes na relação homem/natureza acabam por redefinir a relação homem/espaço. Logo, o espaço não pode ser considerado em si mesmo, independente da ação dos homens sobre ele. E esta ação é evidenciada mediante o trabalho humano. Nesses aspectos fica evidente a necessária base espacial-territorial importante a toda discussão regional.
Quando nos referimos às territorialidades, reportamos-nos à concepção de Haesbaert (1997) sobre território-rede, ao considerar que as novas concepções como as de território-rede e de redes regionais indicam não a simples superação ou substituição de antigas realidades (que em muitos casos ainda permanecem) e dos conceitos que procuravam traduzi-las, mas a necessidade concomitante de situações mais complexas em que o controle e os enraizamentos convivem numa mesma unidade com a mobilidade, a fluidez e os desenraizamentos.
Partindo do exposto, o devoto do Padre Cícero, em tese, manifesta, no Juazeiro, uma parte fundamental de sua devoção. Mas a densidade de carências e vivências multiterritoriais faz com que novos “Juazeiros” - e aqui a territorialidade fomenta a diversidade de lugares simbólicos” - se consolidem. As tipologias desses “novos Juazeiros” não dispensam o “velho”; ao contrário, tecem a expansão/profundidade das multiterritorialidades na regionalização sertaneja Cariri/Alagoas, hoje viabilizada por diversos serviços, incluindo o turismo religioso.
Neste espaço de mobilidade do território-rede, o viés político da região apresenta uma complexidade, na configuração regional, com a interação entre regiões, objetivando um desenvolvimento e uma expansão promissora, no sentido da ampliação das redes de relações sociais, culturais, econômicas, pois é impossível considerar a região sem essa caracterização política e a visão territorial de alcançar novas áreas estratégicas financeiramente.
No imaginário do homem, pensar um cenário que relembre Juazeiro do Norte-Ceará, na época do Padre Cícero, em pleno Século XXI, pode parecer meio estranho e confuso, mas se considerarmos a complexidade política e religiosa dos acontecimentos de tal cidade, aí sim poderíamos compreender a cooptação ou reconfiguração desse fenômeno em outro lugar.
Partindo do pressuposto do processo de Juazeiro do Norte, ao se iniciar em abril de 1872[3], tomando uma dimensão maior, em 1889, de um pequeno povoado, inserido no semiárido nordestino, quando o Padre Cícero inicia sua catequese e acompanhamento aos fiéis, surgindo posteriormente o movimento das romarias, através de seus conselhos espirituais. Assim, podemos imaginar a representação de Mata Grande no estado de Alagoas.
No período contemporâneo, assiste-se ou revive-se esse cenário, numa pequena cidade alagoana, conhecida como Mata Grande, numa área de sertão com uma população de 24.702 habitantes (IBGE, 2010). Como, em Juazeiro do Norte, tudo repercute em torno do Padre Cícero, em Mata Grande tal representação vai se dá através do Padre Sizino Telles Junior, conhecido como Padre Sizo (Figuras 1 e 2).
Assim, observaremos a imitação desse cenário espiritual da fé e porque não dizer político e econômico, que vem sendo construído em Mata Grande, em pleno sertão de Alagoas, reterritorializando a sua devoção (a partir de Juazeiro do Norte) com a orientação e a catequese espiritual do Padre Sizo, tendo como madrinha Santa Teresinha das Rosas.
É possível ilustrar essas territorializações com um exemplo, como destaca o registro da imprensa Alagoana, em 03 de julho de 2010, que comenta o caso do Padre Sizo:
O caso do padre alagoano Sizino Telles Júnior, mais conhecido como Padre Sizo, remete à disputa travada pelo Padre Cícero Romão Batista e o bispo de Fortaleza – que, no começo do século 20, o impediu de celebrar missas e o puniu. Igual ao padre cearense, o padre alagoano sustenta uma briga com o bispo de Palmeira dos Índios, Dom Dulcênio – que o proibiu de celebrar missa e o puniu. O motivo da perseguição ao Padre Sizo vem sendo o Santuário que ele construiu em homenagem a Santa Teresinha. (Jornal Mais Notícias/Cada minuto)
Considerando o registro acima, encontramos em destaque em outros jornais alagoanos o caso do Padre Sizino Telles Júnior. Para alguns devotos, ele seria uma espécie de “retorno” do Padre Cícero, diante das semelhanças de catequese e conduta política e pastoral, cujo exercício gera reações das hierarquias locais. No Santuário de Santa Teresinha (de iniciativa particular), em Mata Grande, observa-se a “reprodução/imitação” ou “incorporação” do fenômeno de Juazeiro do Norte-Ceará.
A atuação religiosa do Padre Sizo trata-se de um cenário complexo de ser analisado. Situações dessa natureza, conforme Heidrich (2010), fortalece o potencial analítico da abordagem territorial que pressupõe não anular o espaço. E, neste caso, pressupõe poder analisar a possível homogeneidade espaço-território, na especificidade alagoana.
Faz-se interessante percebermos que, diante da leitura de região, no contexto territorial em rede, torna-se necessário compreendermos como essa territorialização cria novas regiões devocionais, lembrando um dos problemas do objeto de estudo - “a construção dos novos espaços religiosos dos devotos do Padre Cícero”-, como o caso de Mata Grande e Boca da Mata no estado de Alagoas.
Saindo de Mata Grande/AL, para Boca da Mata, também Alagoas, uma notável evidência é o fato de, em Boca da Mata, também em Alagoas, o dia 20 de julho é feriado municipal, pois em Juazeiro do Norte se comemora o aniversário de morte do Padre Cícero. Assim, é possível observar a representação e a reprodução espacial ou irradiação devocional de Juazeiro do Norte, na pequena Boca da Mata, a cada ano no dia 20 de julho. O Jornal Coisas de Maceió- Portal Alagoano destaca em 21 de julho de 2009:
Durante o dia de ontem, a cidade das serras como é conhecida Boca da Mata, mais uma vez foi tomada por milhares de fiéis do Padre Cícero Romão Batista. Foram romeiros de toda parte de Alagoas, que tradicionalmente todo dia 20 de julho, se deslocam para aquela cidade, a fim de celebrar a passagem da morte do mais tradicional santo milagreiro nordestino, que agora entrou para seus 75 anos. Os organizadores da festa religiosa estimam que cerca de 15 mil pessoas entre visitantes e nativos prestigiaram ativamente as celebrações; desde a procissão que saiu às 8:00 hs, pelos principais trechos da cidade, até a concentração da missa campal, considerada a maior do gênero no estado, e que ontem foi comandada pelo bispo de Penedo/ AL, Dom Valério Brêda e pelo padre Nivaldo, da Paróquia de Santa Rita de Cássia [...]
No citado jornal, a Assessoria ainda destaca o vetor político, registrado pela presença de lideranças políticas, como coloca o Prefeito de Boca da Mata sobre a realização do ato litúrgico:
É impressionante como se multiplica a cada ano, a presença de romeiros em nossa cidade. E olhe que hoje é um dia de segunda-feira”, dizia o prefeito José Tenório, contente acima de tudo, com a badalação que tem se firmado a festa do Padre Cícero em Boca da Mata. O prefeito também fez questão de ressaltar, que a predominância em nome do santo nordestino lá em sua terra é tão forte, que veio tornar o dia 20 de julho como feriado municipal. “pelo que tenho visto, hoje somos considerado o, Juazeiro do Norte‟ de Alagoas”, comparou o prefeito.
Haesbaert (2010, p.300) complementa a análise do discurso acima, quando destaca que a territorialização se faz hoje em grande parte em torno dos diversos “territórios-rede”, interrogando que a possibilidade é um fato, mas que a mobilidade é também um instrumento de poder extremamente diferenciado e que não pode ser sobrevalorizada.
A complexidade que envolve os espaços religiosos manifesta uma paisagem mística e econômica, traçando seu emaranhado geopolítico e, acima de tudo, o religioso. Observamos que a expansão religiosa, irradiada pela fé e devoção ao Padre Cícero, é esboçada no registro das festividades nos locais de intensa emissão de romeiros. Como bem coloca Rosendahl (1994, p. 50): “é possível reconhecer o sagrado não como aspecto da paisagem, mas como elemento de produção do espaço”.
Reconhecemos a irradiação carismática do Padre Cícero, contribuindo para sedimentar a constituição de um imaginário nordestino, marcando novas formas de religiosidade popular, que vão se fortalecendo devocionalmente a cada década frente ao poder eclesiástico oficial.
Considerando que “o destino cria a origem”, percebemos que novos santuários[4] devocionais pela força da devoção ao Padre Cíceroirão surgir, de acordo com as perspectivas do poder político e de algumas Dioceses Alagoanas. Neste contexto, nos defrontamos com a cidade de Boca da Mata/Alagoas, que manifesta, principalmente a partir da última década, o fortalecimento crescente do santuário devocional, na perspectiva de tornar-se o segundo centro de devoção ao Padre Cícero, no Nordeste. Nesse sentido, os atos religiosos, sobretudo as romarias, são realizados em parceria com o poder público, Diocese e iniciativa privada.
Para expandir essa análise sobre a procura de santuários, Santos (2008, p. 81) considera que os que se dirigem a um santuário possuem uma finalidade e, assim,
Um santuário distingue-se de outros lugares religiosos por se reconhecer que aí está presente um grau mais elevado de sacralidade, independentemente da forma concreta que esta manifeste. Até certo ponto cada lugar é único na sua natureza e nas características peculiares de que se reveste numa perspectiva espácio-simbólica.
Com efeito, essas características peculiares de cada lugar como demonstra Santos, nos levam a uma compreensão do destino de Boca da Mata pelos devotos de Padre Cícero (Figuras 3 e 4). Qual o diferencial de Boca da Mata para receber quase dez mil devotos em sua tradicional missa: Acolhida paroquial? Tradição? Ou as belezas naturais da cidade?
Temos, nessa abordagem, mais uma cidade alagoana que apresenta interesses econômicos fundamentados no religioso. O deslocamento e a permanência de pessoas longe de seu local de moradia provocam profundas alterações econômicas, políticas, culturais, sociais e ambientais que podem apresentar aspectos positivos e negativos. Pensando no aspecto da lucratividade, o poder local vem intensificando o investimento no setor de peregrinação, através das ações diretas sobre a realidade local e do uso da mídia e do marketing para incentivar o fluxo de visitantes.
Nesta dimensão, a territorialidade sagrada representa o espaço da concretização e da materialidade da fé sendo legitimada. Como nos lembra Rosendahl (2008), “o território favorece o exercício da fé e da identidade religiosa do devoto. A religião só se mantém se sua territorialidade for preservada”.
Constitui-se, dessa forma, a busca pela preservação dos costumes, hábitos na devoção ao padre e a amplitude dessa devoção, no estado de Alagoas, sendo estes aspectos bem visíveis na preocupação da continuidade de geração a geração. O uso dos símbolos[5] faz parte de seus costumes, como também a importância da imagem para celebrar a fé renovada a cada dia. Ali eles depositam seus votos em torno da imagem do Padre Cícero, rezam, compram e se reencontraram com os amigos; como em toda romaria, todos os laços são reafirmados naquele momento.
Para melhor percebermos como se dão as manifestações de irradiação da devoção em Alagoas, realizamos entrevistas com um total de doze perguntas, envolvendo um corpus de quarenta e cinco romeiros, escolhidos aleatoriamente, que visitavam a cidade de Boca da Mata, no dia 20 de julho de 2012, conforme o Gráfico 1, observa-se os significados da festa em Boca da Mata para alguns devotos.
Observamos que 27 pessoas responderam que a fé é o principal motivo de participarem da missa, enquanto que 14 pessoas colocaram a emoção de ser devoto e 4 pessoas para pagar promessas. O comércio não foi citado dentro dos valores religiosos da festa de Padre Cícero.
Um fato importante que deve ser registrado é em relação a uma “espécie de angústia” por parte de alguns devotos entrevistados acerca da influência das igrejas evangélicas[6] sobre alguns de seus membros da família, que se afastam da devoção ao Padre Cícero e a sua imagem. Para um devoto da cidade de Pilar/AL, a imagem do “Padim” significa que ali eles [os evangélicos] não terão vez. Todo bom devoto “tem que ter a imagem do Padim e o rosário da Mãe de Deus, não tem como eles chegarem perto”.
Com relação ao item fé, observamos uma preocupação dos entrevistados com o crescimento de outras crenças. Nesse sentido, o próprio Padre Sizo expressa, nas suas pregações, que a adesão à religião protestante deve ser combatida com “a maior adesão ao Padre Cícero”. Percebemos que o Padre Cícero seria uma espécie de “vacina” em seus romeiros para não se deixarem levar pelos “falsos profetas”, como ele mesmo pregava[7].
Essa realidade envolve um conceito de fé mais voltado para uma dimensão “espiritual,” no sentido de somente aceitar a fé no Padre Cícero como absoluta. Não há criticidade nos ensinamentos nem reflexão acerca de valores voltados para uma formação humana, pautada na diversidade e no respeito ao pluralismo religioso.
Evidencia-se, assim, o cenário juazeirense, no espaço de Boca da Mata. A partir de uma leitura geográfica, observamos uma espécie de fotografia de um espaço “periférico” onde encontramos o grande monumento do Padre Cícero, o espaço de compras, de lazer e uma verdadeira feira de artigos religiosos. Para complementar, verificam-se os fiéis devotos, ao longo das diversas ruas com suas vestimentas pretas ou em caravanas com camisas padronizadas. E, finalizando, o Bispo para oficializar e respaldar a fé desses devotos.
As territorialidades devocionais demonstram a necessidade de uma articulação do território em rede, como uma das alternativas viáveis para manter um melhor relacionamento entre igreja (Diocese de Crato) e (Diocese de Penedo e Palmeira dos Índios), pensando na formação religiosa do devoto e na expansão da devoção ao Padre Cícero, uma vez que o próprio conceito de rede aplica-se à rede simbólica.
Ressaltamos que o modelo de irradiação, em Alagoas, não é uma concorrência com Juazeiro do Norte, Ceará, mas um compromisso de fé com a irradiação da imagem devocional do Padre Cícero. Assim, há uma polarização no estado com a transferência de devotos para Boca da Mata, Mata Grande e outras cidades, ou seja, uma renegociação com as idas (romarias) a Juazeiro do Norte.
A irradiação territorial do turismo religioso ao Padre Cícero e às romarias realizadas ao Juazeiro, apresenta crescimentos satisfatórios no interior alagoano. Considerando que o mesmo não foi canonizado, de acordo com a Congregação do Vaticano, não impede que o Padre Cícero manifeste, nestes milhares de romeiros, alagoanos ou não, que visitam Juazeiro do Norte sentimentos de fé e esperança, estendendo ao seu lugar de origem, a irradiação carismática de Padre Cícero e a constituição de um imaginário nordestino.
Nessa abordagem, o adensamento dessas novas localidades devocionais cria mecanismos de reconstrução da fé, no lugar do devoto, reconstruindo o lugar de origem do fenômeno religioso e da devoção em si. A rede de comunicação apresenta-se como o vetor midiático, que propicia a interdependência do devoto com o vetor político e econômico, estabelecendo as bases de comercialização e de capitalização da fé com a criação dos novos territórios.
A Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico-FUNCAP pelo apoio na pesquisa.