Investigación
O Canal Campos-Macaé e sua importância como patrimônio hidráulico na região Norte Fluminense: uma análise sobre sua construção e viabilidade turística nos dias atuais (Brasil)1
El canal Campos-Macaé y su importancia como patrimonio hidráulico en la región norte Fluminense: un análisis sobre su construcción y viabilidad turística en los días actuals (Brasil)
Campos-Macaé Channel and its importance as hydraulic heritage in the Northern Fluminense region: An analysis of its construction and tourist viability today (Brazil)
Le canal de Campos-Macaé et son importance en tant que patrimoine hydraulique dans la région nord du Fluminense: une analyse de sa construction et la viabilité touristique de nos jours (Brésil)
O Canal Campos-Macaé e sua importância como patrimônio hidráulico na região Norte Fluminense: uma análise sobre sua construção e viabilidade turística nos dias atuais (Brasil)1
Boletín de Antropología, vol. 31, núm. 52, pp. 129-150, 2016
Universidad de Antioquia
Recepção: 20 Janeiro 2016
Aprovação: 27 Abril 2016
Resumo: O Canal Campos-Macaé foi a maior obra de engenharia do Império do Brasil: uma hidrovia para o trânsito de pessoas e o escoamento da produção açucareira, no século xix. Esse patrimônio hidráulico estende-se por quatro municípios da região Norte Fluminense-RJ. Atualmente, sua navegabilidade se tornou precária em alguns municípios devido ao descaso do poder público em implementar políticas públicas que promovam sua preservação e também novos usos. No município de Quissamã sua conservação propiciou novos usos, com destaque para o turístico. Para o embasamento deste estudo, fazemos uso de fontes documentais e bibliográficas, bem como de entrevistas.
Palavras-chave: patrimônio hidráulico, canal Campos-Macaé, preservação, turismo.
Resumen: El canal Campos-Macaé fue la más grande obra de ingeniería del Imperio Brasileño: una hidro-vía para el tránsito de personas y el flujo de la producción azucarera en el siglo xix. Ese patrimonio hidráulico se estiende por cuatro municipios de la región Norte Fluminense-RJ. Actualmente, du navegabilidad se volvió precaria en algunos municipios debido a la desatención del poder público al implementar políticas públicas que promuevan su preservación y también nuevos usos. En el municipio de Quissamã, su conservación propició nuevos uso, principalmente el turístico. Para el fundamento de este estudio, usamos documentación, fuentes bibliográficas y entrevistas.
Palabras clave: herencia hidráulica, canal Campos-Macaé, preservación, turismo.
Abstract: Campos-Macaé Channel was the largest engineering project of the Empire of Brazil: a waterway for the transit of people and for the transportation of sugar production in 19th Century. This hydraulic heritage spans four cities of Northern Rio de Janeiro - RJ. Currently, its navigability became precarious in some cities because of the government´s indifference to implement public policies that promote new uses, allowing its preservation. In Quissamã city, the conservation of the Campos-Macaé Channel contributed to new uses, especially for tourism. For the basis of this study, we use documentary and bibliographic sources as well as interviews.
Keywords: hydraulic heritage, Campos-Macaé Channel, preservation, tourism.
Résumé: Le canal Campos-Macaé était la plus grande œuvre d’ingénierie de l’Empire du Brésil: une hydrovoie pour le transit des personnes et le flux de production de sucre au XIXe siècle. Ce patrimoine hydraulique étend sur quatre municipalités du nord-Fluminense RJ. Actuellement, sa navigabilité est devenue précaire dans certaines municipalités en raison de l’indifférence du gouvernement à mettre en œuvre des politiques publiques qui favorisent leur préservation et aussi de nouvelles utilisations. Dans la municipalité de Quissamã la conservation conduit à de nouveaux usages, en particulier pour le tourisme. Pour la base de cette étude, nous utilisons des sources documentaires et bibliographiques et des entretiens.
Mots-clés: patrimoine hydraulique, canal Campos-Macaé, conservation, tourisme.
Introdução
Construído no século xix,2 o canal Campos-Macaé, com 100 km de extensão, pode ser considerado a maior obra de engenharia no Brasil, durante o Império, de acordo com Silva Telles (1994), e o segundo maior canal no planeta. Em seu percurso corta quatro municípios da região Norte-Fluminense do estado do Rio de Janeiro.3 Por seu valor histórico e pela importância ambiental que adquiriu neste último século, podemos afirmar que este canal constituium importante patrimônio hidráulico da região Norte Fluminense que pode adquirir novos significados a partir do desenvolvimento de seu uso no segmento do turismo ecológico nos municípios de Quissamã e Carapebus, trecho melhor favorecido pela preservação do curso das águas e de seu entorno. A sua construção, no século xix, teve como estímulo a necessidade de melhorar principalmente as condições de transporte para o escoamento da produção do açúcar e outros gêneros, e o trânsito de pessoas interligando as bacias do Rio Paraíba do Sul, da Lagoa Feia e do Rio Macaé.
Com 144 anos de sua conclusão, o canal se encontra nos dias atuais assoreado em toda sua extensão e intensamente poluído nos trechos urbanos, principalmente nos municípios de Campos dos Goytacazes e Macaé devido ao imenso descaso e abandono por parte dos gestores públicos, desde sua inauguração. Nos municípios onde está melhor preservado -Quissamã e Carapebus- há um potencial turístico ainda não plenamente explorado, sobre o qual pretendemos refletir neste trabalho. A atividade turística tem reconhecido potencial como alternativa de desenvolvimento econômico para diversas cidades que aspiram, por meio dessa prática, a uma possibilidade de geração de emprego e renda às comunidades. O trecho do canal que poderá ser utilizado pelo turismo em Quissamã e Carapebus se insere nesse contexto,4 em atrair turistas para um segmento diferenciado de contemplação da natureza, além de seus aspectos históricos vinculados aos seus usos anteriores e ao patrimônio cultural relacionado à produção de açúcar no século xix. O canal, considerado como patrimônio, adquire a tutela pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, (Inepac), em 2002, reforçando assim, a sua relevância por um órgão de cultura. Assim, o canal Campos-Macaé ganha um repaldo legal pela figura do tombamento e, a partir disso, surgem novos instrumentos que garantam sua preservação e possibilidades de uso.
Nosso objetivo com este artigo é destacar a importância desse patrimônio hidráulico e seu potencial uso turístico ecológico na região, como forma de estratégia para garantir a sua preservação.
O Canal Campos-Macaé: aspectos históricos e relevância cultural
O canal Campos-Macaé, revela sua importância como legado cultural à região Norte Fluminense, sendo caracterizado pelo curso das águas, que ligava diferentes áreas em uma região produtora de açúcar, no século xix, para a otimização do comércio regional. Essa importante hidrovia é reconhecida nos dias de hoje como um patrimônio cultural sobre o qual faz-se necessário construir novas semânticas de valor e uso. Lembramos que a noção de patrimônio, esteve inicialmente ligada a um contexto de herança familiar, na transferência de propriedade aos descendentes, seja numa perspectiva de um simples repasse de bens, seja pelo status de propriedade, o que implicava na continuidade de um grupo social. Somente no final do século xviii, com o advento da Revolução Francesa, é que o termo adquire um sentido de herança social, abarcando os bens de valor histórico para uma comunidade ou nação (Choay, 1999). O termo patrimônio como tal, ganha então outras abordagens e uma maior amplitude conceitual, fortalecida pelos debates internacionais e nacionais a respeito dessa temática e de um maior respaldo legal em prol de sua preservação. Com a evolução do termo, o patrimônio pôde se referir a lugares, expressões culturais, objetos e múltiplos outros elementos, que representem a memória e identidade de uma comunidade, exprimindo relevância social, cultural e econômica a esse grupo. De acordo com a Declaração de Caracas, em 1992, “o patrimônio cultural de uma nação, de uma região ou de uma comunidade é composto de todas as expressões materiais e espirituais que lhe constituem, incluindo o meio ambiente natural” (Declaração de Caracas, 1992: s. p.).
Atualmente, a complexidade dos estudos no campo da cultura e das políticas culturais, especialmente as de preservação, permitem a percepção e surgimento de novas tipologias de patrimônio tais como: natural, cultural, industrial, hidráulico, arqueológico, artístico, histórico, dentre outras. A especificidade da tipologia a que denominamos patrimônio hidráulico, “tem como elemento de diferenciação paisagística a água, tomada como marca distintiva como fator de identidade no território e na memória” (Teixeira, 2014: 300). Costa e Cordeiro, ainda assinalam que,
As diferentes formas de utilização da água ao longo da História revelam-nos o papel fundamental que desempenharam no desenvolvimento urbano e industrial, legando-nos um importante património que importa conhecer e salvaguardar. De facto, se o abastecimento de água aos núcleos populacionais constituiu, historicamente, o principal problema urbano que se colocou ao desenvolvimento das sociedades, a utilização da água como fonte energética representou igualmente um papel fundamental nos primórdios da industrialização (2013: 709).
O canal Campos-Macaé adquire um amparo legal na figura do tombamento realizado pelo Instituto Estadual do Patrimônio Cultural, órgão estadual de preservação do patrimônio na cidade do Rio de Janeiro do qual trataremos mais adiante. Do ponto de vista histórico, durante sua construção, a hidrovia adquiria um primeiro significado frente aos anseios dos agricultores e proprietários da terra norte fluminense, resolver os problemas relacionados ao escoamento da produção de açúcar, que enfrentava grandes dificuldades face a alguns problemas que enumeramos brevemente: assoreamento do rio Paraíba do Sul, complicações da navegação, a partir do porto de São João da Barra e cabo de São Tomé. É importante lembrar que a produção de açúcar da região era a mais importante neste período, superando a produção nordestina. Com isso, na época em que foi construído, a finalidade era somente uma, o escoamento da produção para a cidade do Rio de Janeiro, ou seja, para fins comerciais e de aumento de receitas para os empresários.
A ideia de se construir um canal artificial para navegação entre estas cidades foi do José Joaquim da Cunha de Azeredo Coutinho, que no ano de 1794, propôs a criação de um canal de comunicação das nascentes dos rios Ururaí e Macabu que se encontrariam com a Lagoa Feia em direção às lagoas de Quissamã e Carapebus, até desembocar no rio Macaé (Soffiati, 2007: 14). O canal teve sua construção iniciada no ano de 1844, e a proposta original era a de levar o canal até a cidade de Niterói, situada a 261 km de Campos dos Goytacazes. Os custos -econômicos e humanos-5 para a construção do canal foram altos e sua extensão foi forçosamente reduzida.
A proposta de se construir um canal coaduna com os inúmeros projetos de canais que desde o século xviii se desenvolviam por toda Europa e conhece grande expansão na América do Norte no século xix, inspirando os espíritos mais ousados e empreendedores (Tascón, 1990). Por todo o planeta, diversas hidrovias e vias foram projetadas e construídas sob a perspectiva do progresso e do domínio dos elementos naturais, interferindo na paisagem natural, tornando-se cultural pela intervenção humana e pelas novas possibilidades de interpretação. No caso do Brasil e de acordo com Penha (2012: 8): “a construção do canal era assim tomada como redenção de todo o atraso imputado pela colonização. Através da jovem nação independente, estava destinada a ingressar no concerto das nações civilizadas e prósperas”.
O relato de viajantes que passavam por esta região na segunda metade do século xix, no período de construção do canal, dentre estes o francês Charles Ribeyrolles (1980: 34), assim como os Relatórios de Presidentes de Província6 indicam que antes mesmo de estar concluído, havia intenso tráfego de barcos no canal, onde circulavam os mais variados gêneros alimentícios produzidos na região,7 o que denota o dinamismo econômico da região para além da produção de açúcar. No entanto, a longa demora em terminar resultou na sua obsolescência; dois anos depois de concluído foi inaugurada a estrada de ferro que ligaria as cidades de Campos e Macaé que acolheu com eficiência o transporte da produção açucareira. Neste processo, o canal perde paulatinamente seu significado e, apesar de todo investimento econômico e social a ele associado, teve vida útil curta (Teixeira e Vieira, 2005: 173). A implantação das estradas de ferro impunham outra lógica, aquela da acumulação capitalista que ocorre em um contexto geográfico, como disse Harvey, tendo em conta que esse modo de produção trata de estimular “formas baratas e rápidas de comunicação e transporte” (2005: 44 e 50). Sua rápida implantação solapa na região os sistemas de comunicação baseados nas hidrovias e canais que com o abandono vão se colapsando lentamente.
Além do transporte de cana-de-açúcar, o canal atendia à drenagem de brejos e lagoas, ampliando as áreas para o plantio da cana-de-açúcar por meio da dissecação dos terrenos alagados. O canal Campos-Macaé foi em realidade, apenas um dos vários canais construídos no século xix na região Norte Fluminense. No mesmo período foram abertos outros canais importantes: canal do Nogueira, canal de Cacimbas e canal da Onça (Teixeira, 2014). Até os anos 1970, a abertura de canais se destacou como solução para a drenagem de terrenos e conquista contínua de novas áreas para o cultivo da cana, chegando hoje a alcançar uma rede com 1.500 km de extensão. A imensa maioria destes canais ainda existem e servem timidamente à população. A falta de manutenção desta imensa rede de canais (que requer limpeza e consolidação constante de suas margens), o uso dos canais como despejo de esgotos, a eliminação da vegetação de floresta em toda a região que favorece ao assoreamento dos canais e as facilidades impostas pelo transporte rodoviário (ainda que não seja, do ponto de vista ambiental, a melhor solução) tem reduzido sua capacidade de circulação das águas e, consequentemente, são hoje estruturas com pouco uso.
Em que pese sua grande importância histórica, Soffiati alerta que “atualmente, encontra-se abandonado em vários pontos, poluído, assoreado e eutrofizado” (2007: 15). Não apenas o curso do canal Campos-Macaé, mas também a
a extensa rede de canais a ele articulado se encontra absolutamente colapsada. O abandono de ramais importantes, a falta de manutenção, as intervenções descuidadas, a construção de diques na área rural, e o descaso já descrito para o trecho urbano, tem tido conseqüências desastrosas para a população local. Ano após ano, no período das chuvas, as enchentes se tornam cada vez mais violentas e devastadoras (Teixeira, 2013: 167).
O canal, ao longo de sua história, foi alvo de negligência dos agentes públicos, que além de não atentarem para as possibilidades de sua manutenção e favorecerem a circulação de pessoas e de mercadoria, não valorizam outros aspectos, como seu valor histórico e paisagístico.Tendo em conta justamente estes dois critérios, o canal Campos-Macaé foi tombado pelo Instituto de Patrimônio Cultural do Rio de Janeiro/Inepac, em dezembro de 2002 (processo E-18/001.134/2002), atendendo à uma mobilização da sociedade, que buscava conter ações depredatórias, no ambiente urbano na cidade de Campos dos Goytacazes e ao longo de toda sua extensão (Teixeira e Vieira, 2005: 178-179). Apesar de tornar-se um bem cultural de importância estadual, abrangendo quatro municípios, até a presente data não foi contemplado com nenhuma política de preservação que resgate sua importância histórica. Isso significa que não há propostas em nenhuma esfera do poder público, ou órgãos públicos competentes, que promova a recuperação, preservação e salvaguarda do canal, nem em seu aspecto cultural nem no aspecto ambiental, tendo em conta o processo de “naturalização”8 dos trechos rurais.
Uma leitura atenta do processo de tombamento estadual do canal Campos-Macaé, verifica-se que a intencionalidade de salvaguarda desse legado, deve-se especialmente à presença de alguns interlocutores do interior do Estado do Rio de Janeiro com o Inepac. É o aspecto histórico e paisagístico que se destaca na peça que abre o processo de tombamento. De acordo com o documento enviado ao Instituto, elaborado por esses interlocutores, sua importância está no fato deste canal interligar as “bacias do rio Paraíba do Sul, da Lagoa Feia e do rio Macaé, para fins de navegação, atendendo a interesses econômicos os mais diversos, além do transporte de passageiros”. Os autores da solicitação de tombamento argumentam ainda que em seu curso o canal corta os municípios de Campos dos Goytacazes, Quissamã, Carapebus e Macaé, “aproveitando vários ecossistemas lóticos e lênticos da planície aluvial e da restinga situada entre Macaé e Barra do Furado”, o que explica seu processo de “naturalização”.
A proposta de tombamento ressalta a negligência do poder público, especialmente o de Campos dos Goytacazes, quanto à sua preservação, posto que o canal “se apresenta bastante poluído por esgotos lançados pela empresa Águas do Paraíba, responsável pelo abastecimento público de água da cidade e pela coleta de esgotos domésticos, por despejos de efluentes de pequenas empresas industriais, comerciais e por lixo” (SEC/INEPAC - E-18/001134, 2002: 7). Essas condições afetam a população como um todo, criando um ambiente urbano insalubre e favorecendo a proliferação de doenças. Os autores da demanda lembram que nos dias atuais há um movimento nos países do norte, impulsionados pela recuperação de paisagens e patrimônios culturais em recuperar os antigos canais, criando ambientes mais amigáveis à população. No documento podemos ler a assertiva a seguir: “levando-se em conta a tendência, nos países europeus, é a de redescobrir os cursos d’água nativos e antrópicos, restaurando sua fisionomia original através de medidas como reconstrução de meandros, desassoreamento, recriação do leito de cheia (...)”, que sugere que ações semelhantes fossem levadas a cabo para recuperar o canal (E-18/001134/2002 - Canal Campos).
Os problemas socioambientais também já neste momento foram apontados pelos autores do pedido de tombamento, quando observam que “o canal foi praticamente bloqueado por uma comunidade de baixíssima renda que ergueu casas frágeis em fins dos anos de 1970, sem saneamento básico e habitando área de risco ambiental” (E-18/001134/2002 - Canal Campos).
A exploração turística também já apontada neste processo como possível alternativa ao canal: “Nos municípios de Quissamã, Carapebus e Macaé, seu aspecto é bem mais alentador. Cogita-se, inclusive, restaurá-lo com vistas à navegação turística no interior do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba” (SEC/INEPAC - E-18/001134, 2002: 9).
Em 4 de novembro de 2002, Antônio Carlos Grassi, Secretário de Estado de Cultura, emite um ofício para a governadora Benedita Souza da Silva Sampaio, com a seguinte redação:
encaminho para ciência de Vossa Excelência, o presente processo referente ao tombamento provisório do bem de valor histórico e paisagístico cultural denominado canal Campos-Macaé, em toda sua extensão que, atualmente, corta os municípios de Campos dos Goytacazes, Quissamã, Carapebus e Macaé e do trecho urbano do Canal do Cula ou Grande Canal a esse associado, localizado no município de Campos dos Goytacazes.
Em 30 de dezembro de 2002, o processo de tombamento provisório foi publicado no Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
O Inepac vem ao encontro de uma nova dimensão de patrimônio, não somente do valor de um bem edificado, mas do seu contexto histórico, natural e cultural. Desde sua gênese preocupava-se com os bens naturais pelo valor ecológico e ambiental, e por suas referências culturais, na perspectiva do todo integrado à paisagem e não dissociada a ela, atendendo aos princípios da Carta de Veneza, em 1964, quando o monumento passa a ser visto não somente pela sua arquitetura, mas também por sua ‘moldura’, segundo Peixoto (1990).
No histórico de tombamento desse instituto, é curioso analisar o seu caráter de prioridade de conservação, em que opta, primeiramente, por tombar o Parque Henrique Lage. De acordo com Peixoto (1990: 8) “ao mesmo tempo que se preservava a construção, protegia-se também o amplo parque, importante área de lazer e área verde para a Cidade”. O instituto consistia em um órgão de preservação visionário atentando para os diversos eventos ocorridos no mundo, como a Conferência Geral da ONU, em 1962, em que se considera os centros históricos como parte do planejamento territorial, as discussões da cartas patrimoniais desde Atenas, Veneza, Normas de Quito, até as mais atuais.
Sob esse viés de preservação do patrimônio natural, os tombamentos realizados foram os mais diversos, neles continham árvores, parques, ilhas, reservas, pedras e morros, como pode-se citar a Ilha de Brocoió, dez árvores em Paquetá, o antigo Jardim Zoológico de Vila Isabel, o Parque Ary Barroso, a Reserva Biológica de Jacarepaguá, dentre muitos outros tombamentos. O órgão de preservação do Estado também primava pelos bens simbólicos, em especial, pode-se citar, a Pedra do Sal, na Saúde, Rio de Janeiro, tombada em 1984, espaço de religiosidade e arte afro-brasileira. Sua institucionalização foi marcada pela originalidade das propostas de tombamento, que pode-se dizer excêntricas para aquela época, enfatizando a diversidade cultural e a manutenção dos ecossistemas para a melhoria da qualidade de vida.
Esse aspecto particular por um órgão estadual de cultura em valorizar as paisagens, áreas naturais denota uma amplitude conceitual entre natureza e cultura. Isto estimulou a publicação e apresentação de alguns artigos pelas autoras deste trabalho, em alguns eventos em São Paulo, Chile e El Salvador. O canal Campos-Macaé é mais um tombamento que demonstra a versatilidade pelo órgão de cultura frente à novas demandas que vão surgindo, de forma mais ampla do que se constitui um patrimônio para a sociedade. O processo de tombamento legitima o patrimônio como tal, mas depende de parcerias para torná-lo de fato efetivo, no sentido de promover sua preservação.
A ausência de sinergia entre alguns municípios contribui para a limitação de ações preservacionistas em todo trecho tombado. Nas cidades de Campos dos Goytacazes e Macaé, por exemplo, as consequências do abandono do canal são mais visíveis na área urbana e também não tem recebido nenhum tipo de manutenção, mesmo após ser tutelado pelo estado.9 Diversos trechos no rio Macaé estão poluídos, como a sua foz, que recebe grande parte do esgoto da cidade. No município de Campos dos Goytacazes, estão previstas ações de preservação no Plano Diretor da cidade, mas não há perspectiva de que estas propostas saiam do papel. Apesar de tombado pelo Inepac, os gestores públicos insistem na cobertura do mesmo e não há propostas de saneamento para o trecho urbano, sem nenhuma proposta de revitalização.
Apesar de seu tombamento ter sido motivado por um movimento social, face à sua importância histórica e aos problemas decorrentes da má conservação, é de se observar a pouca mobilização civil subsequente ao tombamento. As propostas oferecidas por aqueles que iniciaram o movimento caiu no esquecimento e nenhuma ação incidiu sobre o bem. Discussões foram promovidas logo após o tombamento, envolvendo questões relacionadas à importância da sua salvaguarda e dos aspectos ambientais, no entanto, o movimento perdeu força e, embora ainda haja por parte de alguns, manifestações mais veementes com relação aos problemas que afligem o canal Campos-Macaé, pouco se tem feito para garantir a efetivação de ações que visem à sua preservação (crf.Teixeira, e Vieira, 2003 e Teixeira, 2013). É importante notar o processo de “naturalização” ou integração à paisagem rural que vem ocorrendo no canal Campos-Macaé, com a presença de uma fauna e flora plenamente adaptadas e acolhidas em seu curso. As tentativas de tornar o canal viável turisticamente integrando-o ao plano de manejo do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (PARNA Jurubatiba), somente foram pensadas para os municípios de Quissamã e Carapebus. Nestes municípios, o canal ainda mantém a boa qualidade das águas e suas características originais. No município de Carapebus, o canal corta uma área bem preservada de manguezal, parte do PARNA Jurubatiba, e está protegida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), órgão ambiental do Ministério do Meio Ambiente que, desde 2007 é o responsável por proteger, fiscalizar e monitorar as unidades de conservação federais.
O Canal Campos-Macaé e o turismo: alternativa de desenvolvimento econômico e valorização do patrimônio
O enfoque deste estudo baseia-se no trecho do canal referente aos municípios de Quissamã e Carapebus, que possuem ações que buscam implementar atividades de turismo que garantam a sua preservação. O canal Campos-Macaé possui um apelo turístico vinculado ao segmento do turismo fluvial e ecológico, que pode ser comparado ao Canal du Midi (Meio-Dia), no sul da França reconhecido como patrimônio da humanidade pela Unesco. Esse país dispõe da maior malha de vias navegáveis na Europa, cujo desenvolvimento hoje como atividade permite aos turistas o conhecimento do imenso patrimônio da região. O canal du Midi, construído no século xviii, assim como o canal Campos-Macaé, destaca-se pela sua paisagem cultural e natural. O canal du Midi teve também como motivação o viés comercial, servindo como via para o transporte de trigo. No entanto, com a perda de sua função original como hidrovia, seu aproveitamento hoje está voltado para o turismo. Essa prática surgiu como alternativa de desenvolvimento econômico e incentivou a criação de novos usos desse patrimônio hidráulico na França, anteriormente vinculado ao transporte de mercadorias, sendo destinado atualmente, para o lazer e a recreação. Além do turismo fluvial propiciado pelas diversas embarcações, seja por barcos de passeio, restaurantes, moradias ou palco de exposições, surgem outras alternativas para a prática de diversas atividades, como a esportiva, pelo remo e nas áreas urbanas, à margem do canal, pela patinação quando congelado, caminhada e ciclismo nas suas bem cuidadas margens. Estes usos são considerados benéficos à preservação e ao setor turístico.
No entanto, há também muitos fatores de risco que devem ser considerados, pois a capacidade do turismo na transformação das estruturas territoriais, sociais e urbanas implica uma superexploração do patrimônio natural e cultural no contexto de modelos de desenvolvimento turístico marcados pela improvisação e sobretudo pela cultura do curto prazo. (Dias, 2008: 159)
O turismo consiste em uma atividade que pode beneficiar a região em que é desenvolvido e estimulado, seja por órgãos públicos ou entidades privadas. A prática do turismo, utilizando o canal Campos-Macaé, tem como clara inspiração o canal du Midi, segundo o depoimento de representantes do poder público em Quissamã. Além da perspectiva ecológica a ser desenvolvida nesse atrativo, o apelo turístico também se caracteriza pelo seu aspecto cultural, seja pela construção do canal, sua relevância histórica, seja pelo seu entorno, que reúne edificações importantes do auge da produção açucareira na região Norte Fluminense.
O conceito de turismo cultural ainda enfrenta algumas indefinições sobre as quais se debruçam os pesquisadores do tema. A princípio este seria o turismo cujos atrativos se constituem das coisas feitas pelos seres humanos, materiais e imateriais. No caso do canal Campos-Macaé, o interesse é tanto pelo seu valor natural (considerando-se o processo de “naturalização” de seu curso), quanto por seu valor cultural e histórico. Seu interesse pode ser visto como turismo de natureza, para paisagem transformada durante séculos pelo homem. Haveria, assim, um patrimônio religioso, um patrimônio civil (castelos, palácios, museus), um patrimônio arqueológico, um patrimônio industrial e um humilde, mas não menos interessante -e já em vias de desaparecer, totalmente desprezado- patrimônio agrícola (velhas granjas, construções rurais e pastoris, etc.) (Ruiz Baudrihaye, apudCosta, 2009:41).
Tendo em conta esta proposta de definição, o canal Campos-Macaé possui, do ponto de vista cultural diversos atrativos, para além da história de sua construção. Em uma de suas margens se destaca o primeiro Engenho Central da América do Sul,10 movido com energia a vapor (portanto, patrimônio industrial), casas senhoriais do século xix (patrimônio civil) e o próprio canal que para além do já mencionado aspecto histórico, pode ser observado como patrimônio civil e hidráulico.
No entanto, os outros usos do canal Campos-Macaé despontam principalmente no segmento do ecoturismo, atraindo visitantes que estão ávidos pelo contato com as belezas naturais, podendo apreciar lagoas e uma rica fauna e flora expressivas da região. Esse tipo de segmentação intensificou-se na década de 1960 com os movimentos ecológicos e a preocupação com os impactos no meio ambiente. O ecoturismo baseia-se nos princípios de impacto mínimo ao meio e às culturas das comunidades, geração de benefícios econômicos a elas e os fundamentos da interpretação ambiental para os visitantes, agregando valor ao espaço em que eles se inserem naquele determinado período, pelas suas especificidades naturais e culturais.
O ecoturismo pode ser caracterizado também como sendo um meio para o aumento da compreensão dos valores ambientais. Isto devido à mudança do modo como a natureza é vista pela sociedade. Para se alcançar um equilíbrio entre ser humano e natureza, é preciso verificar a sustentabilidade, a conservação e o fortalecimento da comunidade receptora de atuação do ecoturismo. Esses seriam alguns princípios básicos a se seguir. (Campos, 2005: s.p.)
Ruschmann (1994), em sua abordagem sobre desenvolvimento sustentável, reforça que são necessárias diversas medidas, a fim de mitigar os impactos ao meio como restringir o acesso, determinar cotas ou custos extras que limitem a instalação de equipamentos receptivos, dentre outros. O desenvolvimento sustentável representa, para este autor, “um novo direcionamento da atividade e, consequentemente, um grande desafio para os órgãos responsáveis pela preservação ambiental e pelo turismo nos países com recursos naturais consideráveis” (Ruschmann, 2004: 115). O turismo pode ser uma alternativa viável de desenvolvimento econômico, social e cultural, mas deve-se atentar para as relações entre os diversos elementos capazes de atenderem ao seu objetivo principal. A atividade turística gera desenvolvimento econômico intersetorial devido ao seu efeito multiplicador que promove a todos os envolvidos direta e indiretamente no turismo. Assim, o canal apresenta um potencial a ser desenvolvido em vários segmentos, entretanto a vocação mais evidente para ele seria na vertente do ecoturismo, favorecida pela criação do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba.
Os produtos de Ecoturismo apresentam peculiaridades que vão desde a escolha da área natural, a identificação da legislação ambiental pertinente, a seleção de atrativos naturais a serem ofertados, as atividades contempladas, até a aplicação de um marketing responsável, associado à promoção e comercialização, observando-se o caráter ecológico - que ampliam as reflexões ambientais e a interpretação socioambiental com inserção das comunidades locais receptoras. (BRASIL, 2010: 12)
De acordo com Molina (2001), o ecoturismo consistiria em mais uma tendência e não em um novo segmento, de forma a ser regido por uma nova consciência ambiental de um turismo responsável, contrapondo-se às ideologias de um turismo de massas. Assim, esse novo direcionamento de turismo alia-se à questão ecológica e aos diversos vieses do desenvolvimento sustentável, sejam eles culturais, ambientais ou econômicos.
Sob este aspecto, o passeio pelo canal Campos-Macaé contempla uma área vinculada ao Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba (PARNA Jurubatiba), em que o visitante pode avistar animais característicos da restinga. A abertura do PAR- NA Jurubatiba para as atividades turísticas estão previstas no seu plano de manejo, a fim de propiciar atividades de cunho ecológico e de ações educativas. Essas atividades têm por finalidade incentivar o segmento de ecoturismo, atraindo cada vez mais visitantes conscientes da preservação ambiental e de um desenvolvimento sustentável para as comunidades.
O projeto turístico do canal Campos-Macaé, no município de Quissamã, iniciou-se em 2005, através do Plano de Ações para o Desenvolvimento do Turismo no Município de Quissamã, exercício 2005-2008, elaborado pelo Departamento de Turismo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, integrando-se ao Plano Diretor do Município.11 A motivação para o desenvolvimento do plano de ações corresponde aos aspectos históricos, naturais e rural que o atrativo incorpora, bem como aos demais aspectos presentes no Plano Diretor (transporte, lazer, pesca, agricultura, dentre outros). Segundo a municipalidade, o principal problema enfrentado desde a época do estudo de viabilidade turística para a realização dos passeios pelo canal, referente ao projeto turístico, seria o assoreamento, devido à pouca circulação da água, só havendo melhorias em período de abertura das barras das lagoas costeiras, necessitando de limpeza constantemente.
Por falta de manutenção e de limpeza, atualmente, o canal encontra-se assoreado e, para o representante do poder público local, é por esta razão que os passeios não estão sendo realizados. Quando o canal está desassoreado, o percurso explorado é o da Lagoa Feia às lagoas do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba: Lagoa do Paulista e Lagoa de Carapebus.12 Nosso entrevistado/informante acrescenta que, algumas medidas de viabilização dos passeios pelo canal são negligenciadas pela inconstância nos serviços de limpeza e medidas preventivas para se evitar o assoreamento.
Em entrevista concedida às pesquisadoras, o responsável pela empresa Jurubatiba Turismo relata que a empresa se constituiu há 14 anos atrás, iniciando suas atividades com pequenos barcos de alumínio, mas que não eram adequados ao tráfego pelo canal. A implementação dos passeios, de forma efetiva, ocorreu aproximadamente há 10 anos, ainda que informalmente pelo interior do Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba. O entrevistado ressalta ainda a relevância histórica do canal, afirmando que o mesmo poderia ser utilizado como hidrovia pelos próprios moradores, pois interliga vários pontos da cidade, passando pelo centro. As pessoas poderiam ir até às localidades de Canto de Santo Antônio e Imbiú, por exemplo, com um barco próprio, se fosse morador à margem do canal. Neste caso, poderia haver em nosso entendimento, algum serviço de transporte, aproveitando a hidrovia.
Segundo o entrevistado, o que dificulta o tráfego pelo canal seria sua inconstante limpeza pelo poder público municipal. O entrevistado afirma que não somente o poder público local seria o responsável, mas deveriam ser estabelecidos acordos entre o governo federal e as prefeituras para a manutenção da limpeza do canal. O responsável pela empresa Jurubatiba evidencia os altos custos para tal ação, pois já atuou como gestor público, em Quissamã, e destaca que faz-se necessária mão de obra expressiva e disponibilidade de equipamentos capazes de manter a limpeza no local. Atualmente, os passeios não estão sendo realizados por conta do nível de água, nos trajetos que não precisariam de limpeza, como por exemplo, do Imbiú à Lagoa do Paulista, passando pelo canal do Maracujá, chegando até a Lagoa de Carapebus. Esses trajetos são beneficiados pelo contato com a água do mar que desfavorece a formação e acúmulo de vegetação que impede a realização desses passeios. Os trajetos feitos anteriormente, iniciavam no centro de Quissamã, passando por Machadinha e dando sequência até Ponta Grossa dos Fidalgos, atravessando a Lagoa Feia, além da Lagoa do Paulista e de Carapebus. Atualmente, só se faz o passeio no sentido Imbiú ao mar.
O entrevistado afirma que estudou os índices pluviométricos dos últimos 50 anos em Quissamã. Verificou-se que o índice de chuva permanece quase o mesmo, o que modificou foi a capacidade de armazenamento de água, seja por maior ocupação do homem nas áreas marginais ao canal, desmatamento e a retificação dos rios, o que considera um dos maiores crimes ambientais. Com isso, há o assoreamento do canal e também da Lagoa Feia, que vem reduzindo sua profundidade ao longo dos anos.
O entrevistado em sua assertiva, reforça que o canal está em seu período de seca intensa, mas que estaria dentro dos “padrões” estabelecidos e estudados ao longo do tempo. Acrescenta ainda que, em 1957, houve uma intensa seca que fez com que a Lagoa da Ribeira secasse. Isso demonstra que há períodos de seca e de cheia no município.
A motivação para a abertura da empresa se deve ao fato de o entrevistado apreciar o ecoturismo e acreditar nos potenciais turísticos de Quissamã. O entrevistado afirma que, inicialmente e até uns seis anos atrás, as pessoas poderiam trafegar pelo canal, de Carapebus até Ponta Grossa dos Fidalgos e degustar um peixe à beira da Lagoa Feia e retornar. O entrevistado ressalta que o trecho de Quissamã e Carapebus seria o único percurso livre de contaminação. O esgoto é tratado nesses dois municípios, o que não ocorre com os municípios de Macaé e Campos dos Goytacazes. Nessas cidades, além da inexistência de tratamento, as suas ligações com Quissamã e Carapebus estão assoreadas, o que facilita o controle pelos outros municípios que tratam o esgoto.
Além da utilização do canal como atrativo turístico, o mesmo apresenta outras funções nos dias de hoje, como irrigação para os produtores rurais, que possuem terras às suas margens, bebedouros para os animais, possuindo também a função de drenagem. O entrevistado ressalta que também o próprio pescador se beneficiaria com a constante limpeza do canal, pela migração do pescado, da Lagoa Feia para a Lagoa do Paulista, por meio dele. Quissamã, segundo nos informa, está no meio do canal, beneficiando-se pelo potencial turístico da região. O canal teria sua relevância econômica e turística, além de beneficiar atividades que envolvam agricultura e pecuária.
Quanto às iniciativas pelo poder público, o entrevistado reforça que houve contribuição da prefeitura durante a formação de sua empresa, a partir da elaboração de políticas públicas que favorecessem a concretização de seu propósito, que seria trabalhar com o ecoturismo. Com a criação do PARNA Jurubatiba, a prefeitura teve papel fundamental, na contratação de empresas para a realização do Plano de Manejo e o estudo de capacidade de carga, a fim de estabelecer critérios para a realização dos passeios e visitação pelo interior do Parque.
O canal, atualmente, funcionaria perfeitamente se estivesse limpo. Durante a implementação das ações em prol do desenvolvimento turístico, foram retirados obstáculos que dificultavam a passagem das embarcações como algumas pontes que não eram mais utilizadas. O visitante, ao passear pelo canal, poderia ir até Machadinha, assistir ao jongo, almoçar na Casa de Artes, passar pelas comunidades até o Parque Nacional, unindo os segmentos histórico-cultural ao ecológico. O entrevistado afirma que a atividade turística ainda é uma possibilidade de lucratividade, pois hoje só mantém sua empresa, porque atua em outras áreas obtendo receitas da mesma e não do turismo. Entretanto, acredita na possibilidade de um turismo responsável que gere benefícios econômicos à população. O entrevistado cita o exemplo da cidade de Bonito, no interior do estado de Mato Grosso do Sul. Para ele, a cidade precisou de dezessete anos para conscientizar a comunidade sobre a importância do turismo como alternativa de desenvolvimento econômico. Em Quissamã, observa-se que a cidade estaria no mesmo caminho há uns anos atrás, o que não permaneceu pela descontinuidade das políticas públicas na área.
O empresário reforça que não há outras empresas realizando passeios e que grande parte das pessoas que realiza o passeio seria de São Paulo e do Rio de Janeiro, atribuindo grande incentivo de indicações ao próprio parque nacional, em sua divulgação. Os moradores de Quissamã, em sua maioria, não conhece o canal e as belezas no interior do Parque. Quanto à atuação da prefeitura de Quissamã, atualmente, o entrevistado afirma que não se observam políticas públicas sendo implementadas no setor e que isso dificulta ainda mais a articulação entre o trade turístico.
Quanto à duração do passeio, geralmente, é de aproximadamente três horas, passando pelo interior do Parque, a um custo de R$ 60,00 por pessoa. O passeio tem parada para banho nas lagoas. Além desse, há passeios mais baratos, mas devido ao baixo nível de água e falta de limpeza, esses trajetos não estão sendo realizados. Dessa forma, verifica-se que os dois entrevistados corroboram em suas assertivas quanto ao potencial notável do canal nos segmentos de ecoturismo e turismo cultural, e ainda dos principais problemas enfrentados para a efetivação dessa vocação turística. A convergência da perspectiva de exploração turística responsável e preservação pode ser vista tanto no órgão responsável pela preservação quanto no setor empresarial. As políticas públicas implementadas durante um determinado período favoreceram o desenvolvimento da atividade pelo canal, em Quissamã e Carapebus, o que foi totalmente descontinuada pela negligência do poder público por todos os municípios, nos últimos três anos.
Considerações finais
O canal Campos-Macaé apesar de sua relevância histórica e cultural, lamentavelmente, esteve marcado pelo descaso do poder público após a sua desativação como hidrovia para escoamento de produção, sendo em vários trechos, depósito de lixo e esgoto, principalmente na área urbana. O canal só é lembrado, quando há alagamentos nos trechos urbanos, como consequência da ineficiente ação pública de prevenção simples, como a limpeza do canal e do seu entorno.
Os municípios de Quissamã e Carapebus, entretanto, otimizaram os trechos em que o canal encontra-se despoluído e que serve de ligação para as principais lagoas da região, viabilizando passeios de barco e promovendo novas alternativas de desenvolvimento econômico para essas respectivas cidades por meio da atividade turística.
Consideramos que estes municípios, beneficiados pela preservação do canal em seus municípios, devem reforçar as práticas de preservação e valorização do patrimônio que podem ser otimizadas pela atividade turística. Devem por isso mesmo, clamar a uma participação integrada dos municípios envolvidos e do governo do estado, e primar, de forma sinérgica, por parcerias entre poder público e iniciativa privada.
O canal Campos-Macaé adquiriu novos usos pelo turismo, de forma a tornálo expressivo como patrimônio na região e não mais esquecido por alguns órgãos públicos, míopes nas áreas que não são de interesse particular, ao invés de público, que tragam visibilidade e garantam a elegibilidade. Visto de forma integrada por todos os municípios, o canal seria um grande potencial turístico para a região Norte Fluminense, assim como em vários países que usufruíram das potencialidades dos canais e atrelaram novos usos de acordo com as demandas atuais
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Notas