Resumo: Examina-se a noção de estilo para estudara antropologia social que aborda povos indígenas no contexto de quatro países diversos, Brasil, Argentina, Canadá e Austrália. Roberto Cardoso de Oliveira, partindo da noção de antropologias periféricas, aquelas antropologias que surgiram fora dos países onde a disciplina se consolidou - Grã-Bretanha, França e os Estados Unidos - passou a dar preferência à noção de estilo, desde a noção do filósofo Gilles Gaston-Granger, para abordar as particularidades de cada tradição antropológica que se desenvolveu no contexto de Estados nacionais diversos com histórias diferentes, para não se confundir com a noção de periferias no sentido político-econômico. A noção de estilo, por ser mais amplo, oferece uma ferramenta que abrange as particularidades da antropologia no contexto de qualquer país.
Palavras-chave: Estilos de antropologia, antropologias periféricas, contextos nacionais, etnologia indígena, Roberto Cardoso de Oliveira.
Resumen: Se analiza la noción de estilo para examinar la antropología social que aborda los pueblos indígenas en el contexto de cuatro países: Brasil, Argentina, Canadá y Australia. Roberto Cardoso de Oliveira partiendo de la noción de antropologías periféricas, aquellas que surgieron fuera de los países en los que la disciplina se consolidó - Gran Bretaña, Francia y los Estados Unidos -, pasó a dar preferencia a la noción de estilo, desde la perspectiva del filósofo Gilles Gaston-Granger, para abordar las particularidades de cada tradición antropológica que se desarrolló en los contextos de Estados nacionales diversos con historias diferentes, para que no se confundiera con la noción de periferia en sentido político-económico.
Palabras-claves: Estilos de antropología, antropologías periféricas, contextos nacionales, etnología indígena, Roberto Cardoso de Oliveira.
Abstract: The notion of style is used to study social anthropology that addresses indigenous peoples in the context of four different countries, Brazil, Argentina, Canada and Australia. Roberto Cardoso de Oliveira, starting from the notion of peripheral anthropologies, those anthropologies that emerged outside the countries where the discipline was consolidated - Great Britain, France and the United States - began to give preference to the notion of style, borrowed from the philosopher Gilles Gaston-Granger, to look at he particularities of each anthropological tradition that has been developed in the context of different national states with different histories, so as not to be confused with the notion of peripheries in the political-economic sense. The notion of style, being wider in scope, offers an analytical tool that covers the particularities of anthropology in any country.
Keywords: Styles of anthropology, peripheral anthropologies, national contexts, indigenous ethnology, Roberto Cardoso de Oliveira.
Résumé: La notion de style est analysée pour examiner l’anthropologie sociale qui s’adresse aux peuples autoch-tones dans le contexte de quatre pays : le Brésil, l’Argentine, le Canada et l’Australie. Roberto Cardoso de Oliveira, qui etait partir de la notion d’anthropologies périphériques - celles-ci qu’ont émergé en dehors des pays dans lesquels la discipline était consolidée (Grande-Bretagne, France et États-Unis), a commencé à privilégier la notion de style, selon l’a proposée le philosophe Gilles Gaston-Granger, pour aborder les particularités de chaque tradition anthropologique qui s’est développée dans le contexte d’États nationaux divers aux histoires différentes, afin d’éviter la confusion avec la notion de périphérie au sens politico-économique
Mots-clés : Styles d’anthropologie, anthropologies périphériques, contextes nationaux, ethnologie indigène, Roberto Cardoso de Oliveira.
Dossier
A noção de estilo para um estudo comparativo da antropologia social junto a povos indígenas no Brasil, Canadá, Austrália e Argentina
La noción de estilo para un estudio comparado de la antropología social al lado con los pueblos indígenas de Brasil, Canadá, Australia y Argentina
The notion of style for a comparative study of social anthropology with indigenous peoples in Brazil, Canada, Australia and Argentina
La notion de style pour une étude comparative de l’anthropologie sociale avec les peuples autochtones du Brésil, du Canada, de l’Australie et de l’Argentine
Recepção: 03 Abril 2023
Aprovação: 01 Setembro 2023
Publicado: 26 Novembro 2023
Este artigo visa examinar como a noção de “estilos de antropologia” proposta por Roberto Cardoso de Oliveira tem muita rentabilidade como ferramenta analítica para estudar as particularidades da antropologia praticada no contexto de Estados nacionais diversos em uma disciplina científica que se pretende universal. Parto do projeto de pesquisa que realizo no Departamento de Antropologia da Universidade de Brasília (UnB) com bolsa de pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), intitulado, “Etnologia indígena em contextos nacionais: Brasil, Argentina, Canadá e Austrália”, que constitui uma ampliação e avanço sobre o projeto de pesquisa anterior “Etnologia Indígena em Países Diversos: Brasil Austrália e Canadá”, sendo o Brasil o país onde realizei o doutorado na UnB entre 1981 e 1988, e onde, desde 1989, sou docente no mesmo departamento e universidade. Iniciei a pesquisa na Austrália a partir de 1992, e no Canadá desde 1995, a partir de uma linha de pesquisa inaugurada no Brasil pelo professor Roberto Cardoso de Oliveira, e em cujo Grupo de Pesquisa, “Estilos de Antropologia”, participei entre 1990-1997. No meu caso, iniciei um estudo sobre o estilo de etnologia indígena que se pratica na Austrália, no Canadá, e mais recentemente na Argentina, dentro da disciplina antropológica.
O projeto atual, portanto, trata de dar continuidade e ampliar uma pesquisa sobre etnologia indígena em contextos nacionais diversos, mantendo o estudo sobre os estilos de etnologia indígena na Austrália e no Canadá a partir do estilo de etnologia indígena que se faz no Brasil. Assim, com base na pesquisa anterior, ampliei o projeto para incluir a antropologia social junto a povos indígenas que se produz na Argentina, experiência já iniciada em 2016, em estadia de três meses na Universidad de Buenos Aires (UBA). A proposta de incorporar um novo país latino-americano, Argentina, além de outros desdobramentos e atualizações em curso, segue as linhas de pesquisa que venho desenvolvendo. A inclusão da Argentina se justifica para completar uma comparação entre dois países de colonização britânica e francesa (Austrália e Canadá) e dois países da América Latina de colonização portuguesa e espanhola (Brasil e Argentina). Parto de uma comparação da história da disciplina antropológica nestes quatro Estados nacionais, o papel da etnologia indígena dentro da Antropologia, e questões como as políticas indigenistas e as relações entre os Estadosnacionais e as sociedades indígenas que vivem dentro dos seus territórios e nas suas fronteiras. Assim, o acréscimo da Argentina, país muito diferente do Brasil, visa o aprofundamento do estudo do estilo de antropologia com povos indígenas em contexto latino-americano, por meio de novas entrevistas com antropólogas(os) que realizam pesquisas com povos originários na Argentina e o acompanhamento de pesquisas em campo.
O projeto de pesquisa está profundamente enraizado na prática de uma etnologia indígena politicamente engajada junto a povos indígenas no Brasil, desde o doutorado sob a orientação do professor Julio Cezar Melatti, e além do tema principal, estilos de etnologia em contextos nacionais nos quatro países referidos. Inclui, também, a continuação de pesquisas etnográficas no Brasil sobre a criminalização de indígenas no sistema penitenciário de Roraima e sobre etnicidade e nacionalidade entre os povos Wapichana e Macuxi na fronteira Brasil-Guiana.
A pesquisa se justifica pelo fato que visa estabelecer e consolidar laços entre pesquisadores que trabalham dentro de estilos de etnologia indígena não-hegemônicos (no Brasil, na Argentina, no Canadá, e na Austrália - dois em países de colonização por países não-hegemônicos da antropologia, sendo Portugal e Espanha, dois em países de colonização por países onde a disciplina surgiu e se consolidou, sendo os Estados Unidos da América, a Grã-Bretanha e a França), embora sempre em diálogo com a antropologia internacional. A metodologia de pesquisa usada foi realizar pesquisa de campo junto a comunidades de antropólogos(as), com estadias de vários meses em departamentos de antropologia nos respectivos países, em que convivi com grupos de antropólogos(as) e entrevistei antropólogos(as) em alguns dos principais centros de antropologia, além de entrevistar alguns indígenas antropólogos(as) e lideranças políticas indígenas a respeito das suas experiências com a disciplina. Essa convivência com comunidades de antropólogos(as) permitiu um aprofundamento na compreensão das particularidades dos estilos de antropologia dentro do contexto internacional da disciplina.
Cardoso de Oliveira afirma que toma,
emprestado a noção de estilo, na forma pela qual ela foi desenvolvida pelo filósofo francês, Gilles-Gaston Granger, em seu livro Essai d'une philosophie d'style, que a entende associada à noção de redundância - não mais como meras metáforas linguísticas, mas como conceitos operacionais (1998: 113).
Cardoso de Oliveira em "Notas sobre uma estilística da antropologia", apenas mostra a possibilidade aberta pela utilização dos mesmos em direção a uma estilística.
Este autor ressalta que a antropologia
que aufere todas as suas potencialidades de explicação mediante a atualização de sua matriz disciplinar, lança-se simultaneamente à aventura da compreensão; a rigor, uma aventura não-metódica, profundamente individualizante, cujas consequências, impressas no discurso antropológico resultante, só podemos considerar como fator de estilo (Cardoso de Oliveira, 1998: 114).
Este autor acrescenta que, nesse sentido,
podemos considerar os elementos individualizantes nas antropologias periféricas que lhes conferem particularidades que, por mais marcantes que sejam, não nos autorizam a classificá-las com o epiteto de nacionais. Assim, não ha necessidade de buscarmos nacionalizar nossas antropologias para alcançarmos maior autonomia ou, mesmo, independência frente às antropologias centrais. Tal busca parece-me fundada em um falso problema. Para as antropologias periféricas e, evidentemente, também, para as metropolitanas, o objetivo das diferentes comunidades profissionais esta em dominar cada vez mais a matriz disciplinar, sua dinâmica gerada pela tensão inter-paradigmática, bern como os resultados que alcança, ou tem alcançado, nas diferentes latitudes do planeta (Cardoso de Oliveira, 1998: 114).
Acrescenta Cardoso de Oliveira ainda, “que uma estilística [...] nada mais é do que um acréscimo, uma ênfase especial no discurso da antropologia, portanto, um recurso a mais destinado a ampliar nossa capacidade de compreender as particularidades de uma disciplina nos novos ambientes sócio-culturais que a encerram” (Cardoso de Oliveira, 1998: 120).
Escrevendo em 1995, Robert Crépeau assinala que “poucos estudos antropológicos dedicaram-se ao exame das ligações entre uma antropologia local e o que chamarei aqui estilo de imaginação local” (1995: 141). A noção de estilo traz o potencial de dar conta dos processos de formação das identidades nacionais latino-americanas pensando nas antropologias nacionais. Assinala Crépeau, “o etnógrafo pode mostrar os laços entre seu itinerário individual e o imaginário nacional”. (Crépeau, 1995: 141).
Cardoso de Oliveira ressalta o contexto em que a antropologia é praticada em cada Estado nacional, não omitindo as desigualdades, e as especificidades em relação à matriz disciplinar. Hebe Vessuri (1995), a partir de uma sociologia da ciência, construiu um modelo de análise para o estudo de estilos nacionais em antropologia a partir de A. Jamison (1982) que foi influenciado pelo trabalho de F. H. Brookman (1979), e examina a história da antropologia na Venezuela.
Entretanto, nas últimas décadas, com a difusão de informática e comunicações globalizadas, muitas das limitações locais que a antropologia sofria nos anos 1970 e 1980, têm sido superadas, com exceção de países onde os governos mantêm um forte controle governamental sobre a disciplina como, por exemplo, em Cuba e na China, onde o estilo de antropologia praticado tem de se configurar dentro de ideologias políticas nacionais. Ressalta Mariza Peirano, ao examinar o nacionalismo metodológico, a maneira pela qual conceitos e medidas nas ciências sociais são constrangidos pelo Estado-nação e por tradições acadêmicas nacionais” (Peirano, 2004: 152) e como
a ênfase nas categorias nativas forçou os antropólogos a discernir entre ideologias nacionais como projeto, como um problema cívico para o cidadão comum ou como um modelo mundial - nesse sentido, criando condições para evitar o chamado "nacionalismo metodológico” (Peirano, 2004: 56).
Após suas publicações divulgadas nos anos 1980 e 1990 sobre estilos de antropologia, em que explorou o caso da Catalunha em suas minúcias, Cardoso de Oliveira não prosseguiu, no seu próprio trabalho, com a proposta de estilos de antropologia, apontando um caminho para outros desenvolver.
Roberto Cardoso de Oliveira começou a estudar a antropologia que se faz em contextos nacionais diversos a partir da noção de “antropologias periféricas” (1988, 1998). A linha de pesquisa iniciada no Brasil por Cardoso de Oliveira (1988, 1998) partiu de propostas anteriores de Gerholm & Hannerz (1982), Stocking Jr (1982) , e estudos contemporâneos de autores como Peirano (1981), Ramos (1990) , entre outros, em diálogo estreito com Cardoso de Oliveira.
Mariza Peirano reforça a hipótese da relação inextricável entre os estilos de antropologia em contextos nacionais, com os processos de construção da nação, ao afirmar que "o pensamento do antropólogo é parte da própria configuração sociocultural na qual ele emerge" (Peirano, 1981, p. 237), e que "dado que o desenvolvimento da antropologia coincidiu e se vinculou à formação das nações-estados europeias, a ideologia de construção nacional (nation-building) é um parâmetro e sintoma importante para a caracterização das ciências sociais onde quer que elas surjam" (Peirano, 1981, p. 237).
Minha pesquisa foi inspirada, inicialmente, nas obras de Cardoso de Oliveira (1988a , 1998), dentro da linha de pesquisa sobre “antropologias periféricas” e mais tarde a partir da noção de "estilos de antropologia", em que a dimensão comparativa da investigação passou a ser efetivada. Inicialmente, este autor usou o termo "antropologias periféricas" (Cardoso de Oliveira, 1988a: 143-159), isto é, aquelas antropologias situadas na periferia de centros metropolitanos da disciplina (nos centros científicos e acadêmicos onde a antropologia foi gerada - a Inglaterra, a França e os Estados Unidos da América). Atualmente a minha pesquisa se desdobrou além desta perspectiva, ao focalizar especificamente a antropologia que estuda povos indígenas em quatro países onde esta área de estudo passou a ter uma repercussão internacional e de significância universal na disciplina. Como frisa Cardoso de Oliveira, "A justificação maior de um enfoque estilístico sobre as antropologias periféricas está no fato de que a disciplina nos países não metropolitanos não perde seu caráter de universalidade" (1988: 143-159).
Cabe ressaltar, seguindo Cardoso de Oliveira, que o termo “antropologias periféricas” é usado apenas no sentido de não serem os países onde a antropologia se gerou, e não deve ser confundida com teorias de periferia econômica e/ou política. Cardoso afirma,
Desejo enfatizar - como tenho feito repetidas vezes - que os conceitos de periferia e de centro não possuem mais do que um significado geométrico, certamente em n dimensões, em que espaço e tempo são igualmente levados em conta, sem, porem, implicarem um quadro valorativo, isto e de "boa" ou "má" antropologia [...]” (2000: 111).
Entretanto, Cardoso de Oliveira, posteriormente, passou a usar a noção de estilos de antropologia justamente para evitar essa confusão que estava acontecendo entre seus leitores, entre “periferia” no sentido usado por este autor, de designar todas as antropologias praticadas fora dos três países de centro onde a disciplina se consolidou e com “periferia” no sentido de periferias econômico-políticas.
Outra contribuição para refletir sobre a diversidade de antropologias praticadas em diversos países do mundo no início do século XXI é a de Gustavo Lins Ribeiro e Arturo Escobar (2012) que visam colaborar para a criação de uma comunidade transnacional de antropologia dentro de um projeto chamado “Antropologias Mundiais”. A obra desses autores parte da premissa de que a globalização permitiu que “os objetos de estudo” da antropologia, os povos nativos do planeta, passassem à posição de sujeitos. Este livro e o projeto que o inspirou visam transcender as dicotomias como ocidental e não ocidental, centro e periferia, hegemônico e não-hegemônico, para considerar os espaços comuns onde as antropologias têm se encontrado e podem se encontrar no futuro. Os artigos que constituem a coletânea abordam as transformações da antropologia e as possibilidades de diálogos transnacionais entre antropólogos, e levantam muitas perguntas e temas que revelam a complexidade da proposta, ainda algo utópica, perguntas que muitas vezes não têm respostas, mas que apontam caminhos, num mundo globalizado, para o desafio de estabelecer trocas mais horizontais entre os antropólogos em diversos países do mundo (2014, p. 32). As reflexões apresentadas neste livro, apesar de serem dirigidas mais para a antropologia em termos gerais, oferecem subsídios para refletir sobre estilos de antropologia social junto a povos indígenas, em contextos nacionais diversos. As críticas levantadas pelos organizadores do livro das trocas desiguais entre as antropologias visam ir além das estruturas de poder, vendo a assimetria nos termos da tensão entre o que chamam “provincianismo metropolitano” e “cosmopolitanismo provinciano” (Ribeiro; Escobar, 2012: 32). A contribuição desses autores demonstra que a noção de “antropologias periféricas” é menos proveitosa que a noção de “estilos de antropologia”, ao cair em uma dicotomia entre centros e periferias.
É importante ressaltar que o diálogo entre a disciplina entendida como universal e as assimetrias entre a antropologia praticada em países diversos pode lançar luz sobre algumas das diferenças de estilo a partir do posicionamento do(a) antropólogo(a) nesta configuração internacional.
Cardoso de Oliveira classificou Argentina, Canadá, Austrália e Brasil como "novas nações" (1988 p.143-159), ex-colônias de países europeus, apesar de terem histórias e culturas muito diferentes. Em todos esses quatro países a investigação sobre o “Outro” é conduzida na forma de estudos a respeito de populações indígenas (ainda que não o seja exclusivamente) sobre cujos territórios os Estados nacionais se expandiram. O Canadá e a Austrália, diferentes da Argentina e do Brasil, foram colonizados por "países de centro" da antropologia - a Inglaterra e a França. Uma questão importante a ser levada em consideração é que no Canadá, diferente do Brasil, da Austrália, e da Argentina, a divisão entre a população francófona e anglófona reflete-se em estilos diferentes de antropologia, do ponto de vista dos antropólogos, dentro do mesmo país. Nos países focalizados registra-se um grande dinamismo nas etnologias indígenas, sobretudo a partir do final da década de 1970, e na Argentina a partir do fim da última ditadura militar (1976 - 1983) que silenciou a antropologia social naquele país durante sete anos (Ratier, 2010), com enfoque em temas como etnicidade, política indigenista, e sistemas ideológicos, entre outros, e um crescente interesse em focalizar as relações entre povos indígenas e estados nacionais (Valverde; Baines, em elaboração).
Ressalta Cardoso de Oliveira que “o que se procurou exprimir foi, numa primeira instância, a inviabilidade de dissociar a aplicação da antropologia, como um modo privilegiado de conhecimento do Outro, das condições socioculturais, inclusive políticas, que propiciaram seu surgimento enquanto disciplina” (1988: 149). Acrescenta este autor que “tal conhecimento ocorre num meio ideologicizado, do qual nem o antropólogo, nem a disciplina logram escapar” (1988: 149), distinguindo tipos de sociedades em cujo interior a disciplina se instala: as nações mais antigas da Europa, as antigas nações asiáticas, e as “novas nações”, empenhadas no processo de construção da identidade nacional, que oferecem evidências sobre a inserção da antropologia na problemática da construção da nação. Este autor retém a ideia de “estilo”, apenas aflorada no texto de Gerholm e Hannerz, e parte da oposição centro/periferia para distinguir a antropologia nos países centrais onde a disciplina seoriginou e se consolidou dos países onde foi implantada posteriormente (Cardoso de Oliveira, 1988a: 151). No caso das “novas nações”, a antropologia se estabeleceu a partir do estudo do “Outro” interno, os povos indígenas sob cujos territórios uma nova nação se expandiu, o que levou os estudos indígenas a tenderem a não dissociar a investigação dos povos indígenas do contexto nacional em que estavam inseridos.
Nesta linha de pensamento, ressalta Kapferer, que "a subjetividade do antropólogo, como a de qualquer outra pessoa, está fundamentada nos mundos históricos e ideológicos em que ele(a) está posicionado(a)" (1989: 166). Diversos trabalhos de Cardoso de Oliveira (1988, 1989) - a proposta de estudar antropologias periféricas, isto é países onde a antropologia foi implantada após sua consolidação nos centros metropolitanos - Estados Unidos, França e Grã-Bretanha: Peirano (1981, 1992) Brasil e Índia; Corrêa (1991) Brasil; Trajano Filho; Ribeiro (2004) Brasil; Fígoli (1989) Argentina; Baines (1991, 1993a, 1993b, 1995, 1996a, 1996b, 1997, 2003, 2012, 2018, 2021) Brasil, Canadá, Austrália; Baines; Miller (2021) Brasil. Canadá; Ruben (1990) e Azzan Júnior (2006) Canadá francófono; e Teófilo da Silva (2013, 2014, 2016) Canadá francófono e anglófono; abordam estilos de antropologia, representando tentativas de pensar antropologicamente a disciplina no contexto de Estados nacionais diversos com história e culturas diferentes.
Com o ingresso de indígenas na antropologia, está surgindo uma nova linha de pesquisas realizadas por indígenas antropólogos(as), mais antiga no Canadá e na Austrália, que está obrigando a disciplina a repensar muitos dos seus pressupostos. No Brasil autores como Gersem Luciano (2015) do povo Baniwa, Tonico Benites (2015) do povo Guarani Kaiowá, Felipe Cruz (2017) do povo Tuxá entre outros/as estão contribuindo para uma revigorização da antropologia a partir de perspectivas indígenas.
Voltando para a reflexão sobre estilos de antropologia, defende Cardoso de Oliveira que “há um espaço para o diálogo teórico e epistemológico em nível planetário” (2000: 108). Acresce este autor que
Preocupado com essa relação “centro/periferia”, um grupo de antropólogos vem realizando no Brasil um programa de investigações com o objetivo de estudar comparativamente a singularidade das chamadas “antropologias periféricas” sob a ótica de uma abordagem estilística que contemple, simultaneamente, a vocação universalista de qualquer disciplina que se pretenda científica frente à realidade de seu exercício em contextos nacionais outros que não sejam aqueles de onde se originaram os paradigmas fundadores da antropologia (2000: 108).
Na mesma obra, este autor enfatiza que “teorias e paradigmas são pensados e ativados por comunidades de profissionais de carne e osso” (2000: 108), e, ainda, alerta sobre o perigo de “nacionalizar nossas antropologias” (2000: 114). Assinala, também, que “todos os estudos enfeixados nesse programa devotado à construção de uma estilística envolvem [...] pontos de vista constituídos no quadro social, político e intelectual latino-americano” (2000: 115), entre os quais se encaixa meu primeiro trabalho sobre a etnologia indígena na Austrália (Baines, 1995). Ressalta Cardoso de Oliveira que “todas essas antropologias foram observadas a partir de um lugar perfeitamente definido: a América Latina, mais especificamente o Brasil” (2000: 115).
Salienta Adam Kuper, falando da perspectiva de um país central da disciplina, os EUA, e defensor de uma antropologia internacional e universalista,
Nosso objeto deve ser o confronto dos modelos correntes das ciências sociais com as experiências e modelos dos nossos sujeitos, enquanto insistimos que isso deveria ser um processo recíproco (...). Isso é, inevitavelmente, um projeto cosmopolita, que não pode ser subordinado a qualquer programa político" (Kuper, 1994: 551).
Foi revelado que tendências para o nativismo, observadas, por exemplo, na obra de alguns antropólogos na Grécia, e expressas na forma de uma postura crítica ao hegemônico, têm sua origem no discurso hegemônico que está de moda na academia americana. Kuper, citando a antropóloga grega, Dimitra Gefou Madianou, que critica essas tendências nativistas, observa que "É implícito nas suas obras que os antropólogos nativos gregos têm maior reflexividade e capacidade de `verdadeiramente' compreender a cultura grega e as categorias indígenas" (Gefou Madianou, 1993: 172-3 apud Kuper, 1994: 546). Kuper também cita Herzfeld (1986), que se dirige às limitações da tradição nativa grega de antropologia, "mostrando sua subordinação a programas políticos, e sua relação às vezes escamoteada ao discurso antropológico cosmopolita" (Kuper, 1994: 547). Kuper compartilha com Michael Herzfeld uma "visão cética de etnografia nativista, com suas implicações nacionalistas - e às vezes até racistas" (Kuper, 1994: 547).
Kuper aponta o perigo de debates a nível local, que podem conduzir a uma "espécie de provincialismo etnográfico", e coloca a pergunta: "Esgota-se a discussão ao cruzar as fronteiras entre as tradições regionais de estudos?" (1992, p. 550). Ao comparar a antropologia que se faz na Índia com aquela que se faz no Brasil, Mariza Peirano assinala que
No nosso caso (do Brasil), entre o alto teor de politização local e o fascínio pelo modismo internacional, o viés paroquial parece surgir, estranhamente, na crença de que fazemos parte de um Ocidente homogêneo, (...) desconhecendo o fato de que, no momento em que se cruzam as fronteiras nacionais, o que era aqui uma discussão teórica se transforma imediatamente em simples etnografia regional" (1981, pp. 229-230).
Passando para o caso do Quebec, ressalta Richard Handler que, "a personalidade nacional (quebequense) é freqüentemente discutida em termos de temperamento e sangue" (1984: 60), os quebequenses francófonos distinguindo-se dos anglófonos pela "joie de vivre" e pelo "sangue latino". M. Estellie Smith observa que "Há muito tempo os quebequenses orgulham-se de um certo `cosmopolitismo inato' que eles acham estar faltando nas elites anglófonas `indigestas e antiquadas'" (1984: 67), postura que surge nas declarações de alguns antropólogos quebequenses sobre a disciplina no Quebec.
Ao lidar com estilos de etnologia indígena em contextos nacionais e a configuração complexa de lealdades nacionais, imperiais, étnicas e aborígenes no qual os antropólogos estão imersos, que permeia as suas perspectivas e que pode conduzir a ambiguidades, quando não a contradições e incompatibilidades culturais, remetemos ao trabalho de Cardoso de Oliveira, “Etnicidade, eticidade e globalização” (2000, p. 169-188). Em situações em que ocorre a interseção de dois ou mais campos semânticos diferentes, referimo-nos a uma questão “equacionada pela teoria hermenêutica por meio do conceito de ‘fusão de horizontes’, observável na prática dialógica discursiva” (Cardoso de Oliveira, 2000: 174).
Ao comentar sobre o estilo de etnologia indígena que se faz no Brasil, em 1990, Ramos constata que "o enfoque privilegiado da etnologia brasileira em relações interétnicas é [...] relacionado a um interesse social e um contexto histórico específico [...] associado a uma atitude de compromisso político para a defesa dos direitos dos povos pesquisados” (1990: 453). Ao tentar caracterizar o ethos etnológico brasileiro, Peirano (1981) relaciona o estilo específico de antropologia que se pratica no Brasil às raízes do movimento modernista da década de 1920 e ao esforço para a construção da nação brasileira. Os intelectuais no Brasil se esforçaram em construir uma identidade nacional baseada no que era ‘nativo’. Ressalta Ramos que no Brasil, “a condição de colonizado moldou o estilo de pensamento social específico da inteligência brasileira” (1990: 456). A mesma autora acrescenta que, “a hegemonia de ideias, atitudes, e modas euro-americanas que direta ou indiretamente invadem as mentes da população de países como o Brasil, que, neste aspecto, não é diferente de outras nações latino-americanas”, o que conduz segundo a mesma
à reação contra isso na forma de uma postura crítica em relação a coisas hegemônicas [...] muitas vezes, porém nem sempre, de inspiração marxista, o que teve o efeito de um afastamento do estilo positivista das ciências sociais norte-americanas e britânicas” (Ramos, 1990, p. 456).
Ramos, ainda, enfatiza que, apesar do seu "sabor próprio", a antropologia que se faz no Brasil é de nível internacional (1990: 456).
Mais recentemente, em 2004, ao escrever sobre a antropologia no Brasil, Ruben Oliven, afirma que:
Embora a proporção de antropólogos que se dedicam à etnologia indígena seja pequena, as sociedades indígenas continuam sendo uma referência fundamental em termos tanto de compromisso ético e político da antropologia quanto de referência primeira de elaboração dos temas clássicos da disciplina: parentesco, religião, ritual etc. (OLIVEN, 2004: 226).
Em contraste com a antropologia no Brasil, que foi implantada nas universidades em um período histórico que coincidia com esforços por parte dos intelectuais do país de construir uma nação brasileira, na Austrália, desde a implantação de antropologia como uma disciplina acadêmica na Universidade de Sydney em 1926, por Radcliffe-Brown, até a década de 1970, os antropólogos que trabalhavam na Austrália consideravam a disciplina como uma extensão da antropologia britânica, um dos países em que a antropologia se consolidou, o que reflete a maneira em que pensavam a respeito do país. Em 1 de janeiro de 1901, a federação das colônias foi realizada e a Comunidade da Austrália foi criada com constituição própria, tornando-se um domínio do Império Britânico de 1907 a 1931, quando se terminou formalmente com a maioria das ligações constitucionais entre a Austrália e o Reino Unido. Os laços constitucionais finais entre a Austrália e o Reino Unido foram cortados apenas em 1986 com a aprovação do Australia Act, o que findou qualquer papel britânico no governo dos estados australianos. Durante várias décadas após a criação da Comunidade Britânica de Nações, a Austrália definia seu lugar em assuntos internacionais com referência ao status do seu país como parte do Império Britânico mais do que como um país autônomo e independente dentro do sistema internacional, uma situação muito diferente daquela do Brasil ou da Argentina, e em que não cabia uma ideologia de construção de uma nação independente. Em contraste, perdurava uma ideologia de construção do império (Stocking Jr., 1982). Até a década de 1970, a antropologia que se fazia na Austrália deve ser examinada dentro deste contexto.
A antropologia que se faz no Canadá pode ser considerada um estilo de antropologia que surgiu e foi consolidada sob a influência, sobretudo, dos Estados Unidos da América, da Grã-Bretanha, e da França, facilitada pelas línguas inglesa e francesa, e intercâmbios acadêmicos com estes países, e, mais recentemente, com a Austrália, o que reforça a sua caracterização como "semi-periférica", conforme a opinião de muitas(os) antropólogas(os) que trabalham no Canadá, no sentido usado por Cardoso de Oliveira (1988: 143-159).
É impossível discutir a antropologia que se faz no Canadá, sem destacar as diferenças entre a antropologia no Canadá anglófono e francófono e as tensões criadas na disciplina acadêmica por aspirações políticas para a independência de Quebec da Federação do Canadá. Cardoso de Oliveira ressalta que “No caso do Canadá francês, no Quebec, já vamos observar um forte processo de etnicização da disciplina, gerando, a rigor, duas modalidades de antropologia, uma francófona, outra anglófona, profundamente marcadas por seus horizontes linguístico-culturais” (1995: 188).
Em entrevistas realizadas com antropólogos no leste do Canadá em 1995 Baines, 1996) e, em 2002, aqueles/as antropólogos(as) anglófonos(as) que compartilhavam a ideologia federalista do Canadá como uma nação bilíngue (francófona e anglófona) expressaram seu desejo de que antropólogos francófonos e anglófonos pudessem comunicar-se como membros da nação canadense. Em contraste, muitos dos antropólogos francófonos, que apoiavam a separação de Quebec da federação canadense, enfatizavam a precariedade da comunicação entre antropólogos anglófonos e francófonos, ressaltando os estreitos laços dos antropólogos francófonos com a antropologia dos grandes centros no nordeste dos Estados Unidos e da França, e não com os antropólogos anglófonos do resto do Canadá, tidos como seus opressores coloniais. A forte identificação de antropólogos francófonos no Quebec com os centros metropolitanos da disciplina pode também contribuir para a falta de diálogo entre os antropólogos anglófonos e francófonos na província, ponto de vista ressaltado por Azzan Júnior (2006). M. Estellie Smith nota que “os quebequenses há muito se orgulhavam de um ‘cosmopolitismo inato’ considerado em falta na elite anglófona ‘indigesta e antiquada’” (1984), postura refletida em algumas declarações feitas por antropólogos quebequenses sobre a antropologia em Quebec (Baines, 1996, 2012).
Ao examinar as peculiaridades da antropologia que se faz em relação aos povos originários na Argentina, existe uma divisão no Instituto de Ciências Antropológicas (ICS) da Universidade de Buenos Aires (UBA) entre Antropologia Biológica, Antropologia Social, Etnohistória, Etnologia e Folclore, dos quais os estudos de interesse para este projeto que se concentram nos povos originários são a antropologia social e a etnologia. A Secção de Antropologia Social foi criada em 1968 no âmbito do ICS da Faculdade de Filosofia e Letras (FFyL), tendo crescido enormemente ao longo dos anos. A Seção de Etnologia, que se configura como uma seção distinta da de Antropologia Social, tem como objetivo desenvolver pesquisas etnográficas entre povos indígenas a partir de novas perspectivas na antropologia realizada em Argentina, nutrida pela antropologia cognitiva e simbólica e pelo estruturalismo. Essa divisãose assemelha à divisão na etnologia indígena que ocorre no Brasil entre, por um lado, estudos que enfocam aspectos internos das sociedades indígenas - cosmologia, parentesco e organização social, dos chamados americanistas e, por outro lado, estudos que enfocam, embora não exclusivamente, os povos indígenas no contexto da sociedade nacional, além das especificidades deixadas pela história recente da Argentina, e das particularidades do trabalho colaborativo com os povos originários que surgiram nos últimos anos naquele país.
No Brasil, o mito nacional das três raças inclui os povos indígenas, que são genericamente pensados como parte da nação junto com brancos e negros na construção nacional. A história do Brasil, com as “guerras justas”, as “bandeiras” no sul e os “descimentos” na Amazônia, revela o genocídio sistemático dos povos indígenas e a escravidão dos sobreviventes. As terras do interior do Brasil eram pensadas como vazias, habitadas por bárbaros perigosos que deveriam ser exterminados ou integrados como mão de obra para servir aos colonos brancos (Ribeiro, D. 1970). Ainda persiste um pensamento romântico que busca uma explicação da colonização do Brasil como se fosse um processo mais harmonioso do que na Argentina e em alguns outros países.
A história da antropologia argentina em relação aos povos indígenas também é repleta de paradoxos e aspectos controversos (embora diferentes do caso brasileiro). Em primeiro lugar, porque a própria história nacional tem uma configuração muito particular. Nas palavras de Lenton, referindo-se à história da política indígena na Argentina:
A convicção, fruto de uma política de educação cívica consciente, de que “os argentinos vêm dos navios”, e o projeto de um “caldeirão de raças” amigável, mas limitado a determinados genótipos, fez com que parecesse desnecessário o planejamento ou a reflexão sobre uma realidade indígena diferente de sua próxima extinção ou integração. Portanto, parece lógico que as regulamentações argentinas sobre os povos indígenas tenham sido durante a maior parte do século XX, e ainda hoje em grande medida, erráticas e inorgânicas e, mais ainda, ignoradas pela maior parte da classe política. (2010, p. 57).
Por sua vez, Trinchero destaca que “Uma nação de 'povos transplantados' constrói um imaginário hegemônico no qual não cabem 'povos originários'” (2010, p. 134).
Assim, a construção da história sobre as origens da nação argentina não surge, ao contrário de outros países latino-americanos, da “união” ou “mistura” entre culturas, mas sim afirma-se que a população é presumivelmente europeia. Na Argentina, a mistura entre culturas é negada, retoricamente, ao limitar a ideia de um caldeirão de raças a determinados genótipos, eliminando os povos indígenas supostamente “mortos”, ideias que prevaleciam no imaginário popular até as últimas décadas. A antropologia na Argentina alcançou grandes avanços após o fim da última ditadura militar em 1983, para se tornar parte de uma disciplina internacional, embora com seus traços distintos.
A antropóloga Kirin Narayan (1993), de mãe norte-americana e pai indiano que realizou pesquisas na Índia questiona a noção de “antropólogo nativo”, ao abordar as ambiguidades que ela enfrentou em suas pesquisas no mesmo país e propõe a sua desconstrução pelo fato que, segundo ela, tem suas raízes na situação colonial que “polariza antropólogos ‘nativos’ e antropólogos ‘autênticos’” (1993, p. 672), além do fato de que os(as) antropólogos(as) nacionais de qualquer país ou grupo étnico, ao praticar a disciplina de antropologia estão se engajando em uma prática científica eminentemente ocidental, fato ressaltado por Gustavo Lins Ribeiro (2006) que aborda a antropologia como uma cosmopolítica.
Para este autor,
A antropologia, desde seu começo, é uma cosmopolítica sobre alteridade de origem ocidental. Se o reconhecimento de uma determinada afirmação em antropologia depende da sua validade, esta validade, em última instância, depende de sua consagração por uma comunidade de argumentação que é também uma comunidade cosmopolita. Até perspectivas nativistas teriam que passar por esse tipo de processo (Ribeiro, 2006: 155).
Chamando a atenção para a utilidade da discussão de Cardoso de Oliveira sobre as antropologias centrais versus as antropologias periféricas para problematizar as desigualdades, Ribeiro (2006) ressalta a necessidade de transcender tais desigualdades. Este autor, inspirado pelo movimento coletivo chamado World Anthropologies Network (Redes de Antropologias do Mundo), afirma que esta rede busca contribuir para a articulação de uma antropologia diversificada que seja mais consciente das condições sociais, epistemológicas e políticas nas quais é produzida (Ribeiro, 2006). O mesmo autor enxerga a antropologia como uma cosmopolítica ocidental concernente às estruturas de alteridade que se consolidou como disciplina acadêmica formal no século XX e que tem por objetivo “ser universal, mas que, ao mesmo tempo, é altamente sensível a suas próprias limitações e à eficácia de outras cosmopolíticas” (Ribeiro, 2006: 148). Como um discurso político cosmopolita relativo à importância da diversidade para a humanidade, é parte de uma antropologia crítica da antropologia que descentraliza, re-historiciza e pluraliza a disciplina, enfatizando o papel cada vez mais importante desempenhado por antropologias não-hegemônicas na produção e na disseminação de conhecimento em escala global.
Isso é afirmado por Cardoso de Oliveira em sua preferência pelo termo “estilos de antropologia”, que abrange os estilos da disciplina em contextos nacionais, seja nos países onde a disciplina surgiu historicamente, seja nos países onde foi implantada posteriormente.
Esteban Krotz foi pionero na teorização do conceito das antropologías do sul em América Latina. As classificações de Cardoso de Oliveira e Krotz são úteis para pensar as desigualdades existentes entre as nações. Outras abordagens falam em “antropologias contra-hegemônicas” em oposição a “antropologias hegemônicas” (Teófilo da Silva) e “regimes de alteridade” (Pacheco de Oliveira). Ribeiro propõe a necessidade de transcender modelos duais, pois apesar de refletirem vários tipos de relações de poder, não dão conta de lidar com ordens transnacionais.
Ribeiro e Lima (2004) focalizam a crescente internacionalização da antropologia que se faz no Brasil, portanto, corroboram:
nossa antropologia se caracteriza por uma forte relação com a Europa, em especial com a França, com os Estado Unidos e com a América Latina. No último caso, destaca-se o relacionamento com a Argentina. A antropologia brasileira demonstra, com trocas cada vez mais complexas com os países do Mercosul, sua vocação latino-americana, algo que, certamente se aprofundará no futuro. A internacionalização da antropologia brasileira é um fato que deve se aprofundar também no sentido de geração de conhecimento próprio sobre realidades socioculturais, políticas e econômicas de outros países, à medida que mais e mais pesquisadores realizarem seus trabalhos de campo fora do Brasil (Ribeiro; Lima, 2004: 10).
Ao usar a noção de estilos de antropologia, é importante lembrar que cada conceito destaca apenas certos aspectos da disciplina e por isso, a noção de estilo, apesar das suas limitações, supera as dicotomias como as de “antropologias centrais” versus “antropologia periféricas”, “antropologias hegemônicas” versus “antropologias contra-hegemônicas”, “antropologia do Sul” versus “antropologias do Norte”, etc., estando o pesquisador(a) sempre atento(a) para as desigualdades internacionais que permeiam a antropologia e que realçam essas últimas abordagens. Desta maneira a noção de estilo serve para o estudo da antropologia nos mais diversos contextos mundiais e ainda abre espaço para investigar as suas particularidades e complexidades locais. Nas palavras de Roberto Cardoso de Oliveira,
Imaginei, assim, que poderíamos examinar algumas características que cercam nossa disciplina e que, de alguma forma, possam oferecer-lhe uma identidade própria, talvez urn estilo, sem que devamos nacionaliza-la e, com isso, retirar-lhe sua universalidade, que, para muitos de nos, é condição necessária para uma disciplina que se pretenda científica. (2000, p. 37).