Original Artigo
CASO DE ENSINO: A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS TELENOVELAS BRASILEIRAS NA ERA DO STREAMING: O CASO DO GRUPO GLOBO
TEACHING CASE: THE INTERNATIONALIZATION OF THE BRAZILIAN SOAP-OPERAS IN THE STREAMING ERA: THE GLOBO CASE
CASO DE ENSINO: A INTERNACIONALIZAÇÃO DAS TELENOVELAS BRASILEIRAS NA ERA DO STREAMING: O CASO DO GRUPO GLOBO
Revista Eletrônica de Negócios Internacionais (Internext), vol. 19, no. 1, pp. 24-41, 2024
São Paulo
Received: 03 June 2023
Accepted: 15 September 2023
Published: 28 November 2023
RESUMO
Objetivo: Este estudo de caso propõe-se a apresentar a trajetória percorrida pela TV Globo em busca de alternativas para internacionalizar seus produtos audiovisuais, a partir da consolidação do Padrão Globo de Qualidade das Telenovelas até a disputa atual com as plataformas de streaming.
Método: Os dados para a construção do contexto histórico foram extraídos de fontes secundárias como jornais, revistas e teses, e as demais informações de relatórios da empresa e de agências publicados na internet.
Principais Resultados: Constatação das melhores estratégias de internacionalização do produto audiovisual por meio da análise VRIO.
Relevância / Originalidade: Este caso promove um debate sobre a internacionalização de produtos do audiovisual para uma empresa líder de segmento, que agora precisa formular novas estratégias para se internacionalizar na era do streaming. O dilema do caso diz respeito ao fato de a empresa seguir padronizando ou ter que adaptar suas produções.
Contribuições Teóricas / Metodológicas: Uso da análise VRIO no contexto de análise da internacionalização do produto audiovisual brasileiro
Contribuições Sociais / para a Gestão: O caso é recomendado para alunos da área de administração de empresas e negócios internacionais. Sua aplicação é sugerida para disciplinas de internacionalização de empresas, marketing internacional e inovação, que queiram tratar temas como estratégias internacionais, padronização ou adaptação de produtos internacionais e novos modelos de negócio por plataforma.
Palavra-chave: Mercado Audiovisual+ TV Globo+ Estratégias de Padronização e Adaptação+ Plataformas de Streaming.
ABSTRACT
Objective: This case study aimed to present the trajectory taken by TV Globo for alternatives to internationalize its audiovisual products, from the consolidation of the Globo Quality Standard of Soap-operas to the current dispute with Streaming Platforms.
Method: The data for the construction of the historical context were extracted from newspapers, magazines and academic theses, and other information from company and agency reports published on the internet.
Main Results: Use of VRIO analysis in the context of analyzing the internationalization of Brazilian audiovisual products.
Relevance / Originality: This case promotes a debate on the internationalization of audiovisual products for a leading company in the segment that now needs to formulate new internationalization strategies in the Streaming era. The dilemma in this case concerns whether the company continues to standardize or must adapt its productions?
Theoretical / Methodological Contributions: Use of VRIO analysis in the context of analyzing the internationalization of Brazilian audiovisual products.
Social / Management Contributions: This Teaching Case is recommended for students in the field of business administration and international business. Its application is recommended for courses on business internationalization, international marketing and innovation, which want to address topics such as international strategies, standardization or adaptation of international products, and new business models by platform.
Keywords: Audiovisual Market, TV Globo, Strategies of Standardization and Adaptation, Streaming Platforms.
INTRODUÇÃO
Em 2020, obrigada a fechar seus estúdios em razão da pandemia, a Rede Globo, maior grupo do audiovisual brasileiro que nesse ano de queda registrou receitas líquidas totais de 12,5 bilhões de reais, segundo a Valor Econômico ( Góes, 2021), passou a ter que apostar na reexibição de antigas produções que foram sucesso de audiência de forma a preencher a sua programação. Como parte dessa estratégia, em julho de 2020, a empresa adquiriu os direitos de Pantanal, uma telenovela da Rede Manchete, de 1990, que marcou toda uma geração ao exibir imagens do bioma do centro-oeste brasileiro, ainda pouco conhecido pelo restante do país.
Visando ao arrefecimento da pandemia e à reabertura de seus estúdios para o ano seguinte, os produtores da TV Globo pretendiam fazer um remake da história, com proporções e investimentos antes nunca vistos, de forma que a superprodução pudesse inaugurar um novo capítulo para a emissora, tornando-se símbolo da retomada das suas operações presenciais. Entretanto, com 180 milhões de reais envolvidos no projeto, segundo fontes da própria emissora, diversas decisões estratégicas tinham que ser tomadas antes mesmo de se iniciar a escrita do novo roteiro, caso contrário a empresa corria o risco de acabar no prejuízo.
Mesmo com toda a capacidade do mercado brasileiro, os produtores da TV Globo sabiam que a viabilidade econômica do investimento dependia também da receptividade que a nova produção teria com outros públicos internacionais. Nesse sentido, Angela Colla, Head of Sales da divisão de distribuição internacional do Grupo Globo (Globo International Distribution), esteve envolvida no projeto desde o início. O papel de Ângela e sua equipe seria justamente avaliar as adaptações ainda na fase de planejamento do projeto, de forma que os resultados da produção fossem capazes de atrair receitas de outras emissoras internacionais que mantinham relacionamento com a marca.
Ângela havia chegado no Grupo Globo no ano de 2005 e, desde então, sempre estivera ligada às estratégias de vendas e prospecção de mercados internacionais para as produções originais da empresa. No entanto, nos últimos anos, sobretudo a partir de 2010, a emissora já vinha sofrendo com o problema da concorrência gerado pelas plataformas de streaming (observar comparação nos Anexos 1 e 2). A executiva sabia que, embora o Grupo Globo tenha criado sua própria plataforma em 2015, nomeada de Globoplay, com a aceleração da transformação digital a partir de 2020, cada vez mais, a briga pela atenção do consumidor de entretenimento se acirrava.
Mesmo atenta a todas essas mudanças, a produção da TV Globo ainda enfrentava a resistência dos executivos mais conservadores do grupo, que acreditavam que o principal produto da emissora, suas telenovelas originais, deveria continuar sendo ofertado na TV aberta, como sempre havia sido. Afinal, até 2022, esse modelo, que lançou o grupo à sua posição atual no mercado, até mesmo internacional, continuava a ser sua principal fonte de receitas. Caberia agora sobretudo a Ângela e sua equipe avaliarem o novo panorama em que viviam, bem como tecer recomendações para o grupo de produtores da emissora, de forma que o maior investimento da Globo nos últimos anos pudesse ser um sucesso de audiência e de vendas, sobretudo no mercado internacional.
1. AS TELENOVELAS E O PADRÃO GLOBO DE QUALIDADE
As telenovelas, em geral, consistem em histórias desenvolvidas em capítulos, apresentados geralmente de segunda a sábado, em horários específicos. Diferentemente de outras produções audiovisuais, as novelas funcionam com a interferência da opinião do público ao longo da exibição, de modo que o roteiro pode ser adaptado para agradar aos telespectadores. Para tanto, são feitas pesquisas de opinião simultâneas à transmissão e à gravação dos episódios. Essas e outras características comumente observadas nas telenovelas são listadas no Anexo 3.
Essas produções constituem uma modalidade de produção importante para a América Latina, não apenas por seu impacto no mercado audiovisual, como também por todo o seu papel na representação cultural e pela influência sobre as audiências locais. Nesse contexto, os maiores produtores de telenovela no mercado latino-americano são, respectivamente, México, Brasil, Argentina, Colômbia e Venezuela, conforme se observa no Anexo 4. Nesses países, as emissoras costumam dar preferência para a transmissão das telenovelas locais, embora algumas vezes seja possível observar a importação de produções estrangeiras.
Entre os países latino-americanos, o Brasil é o que mais se diferencia na produção de novelas, sobretudo no que diz respeito ao tipo de conteúdo. Enquanto as produções dos demais países da América Latina seguem o padrão mexicano, com enredo maniqueísta (dividindo os lados sempre entre mocinhos e vilões), as produções brasileiras são mais realistas e complexas. Além disso, as telenovelas brasileiras são reconhecidas mundialmente por redes televisivas e produtores do setor audiovisual por terem uma qualidade técnica muito superior à das concorrentes vizinhas.
As telenovelas começaram a ser transmitidas no Brasil em 1951, um ano após a primeira transmissão oficial no país (1950). Inicialmente, as emissoras brasileiras transmitiam novelas produzidas em outros países ou pelo menos com roteiros importados. Somente em 1968 a já extinta TV Tupi produziu a primeira novela roteirizada no Brasil: Beto Rockfeller, que marcou o cenário das novelas no país por seu grande sucesso de audiência. Para as emissoras, que em breve viriam a apostar no abrasileiramento das novelas, o sucesso dessa produção deu-se por aproximar os dramas novelescos do cotidiano da população, diferentemente das narrativas de condes e barões características dos dramas mexicanos.
Contudo, o produto da indústria audiovisual e cultural que as telenovelas brasileiras representam internacionalmente só se consolidou a partir de 1970 com a ascensão da TV Globo, que até 2022 ditava os padrões das produções do gênero no Brasil. A Rede Globo foi fundada em 1964 pelo empresário Roberto Marinho para integrá-la aos outros já existentes veículos de comunicação de propriedade da Família Marinho: o jornal O Globo (1925), a Rádio Globo (1944) e a Rio Gráfica Editora (1952). Para além dessa integração com outros veículos de comunicação, ainda na década de 1960, a emissora diferenciou-se das concorrentes por meio da criação do que ela chamou de "Padrão Globo de Qualidade" — que consistia em um conjunto de estratégias de marketing, eficiência empresarial, competência técnica e pesquisas de mercado com o objetivo de tornar-se líder do mercado nacional.
Tal padrão de qualidade foi alcançado a partir do momento que a empresa contratou uma administração profissional, focada em um projeto de longo prazo para torná-la líder no país. Em seguida, essa administração contratou profissionais qualificados na produção audiovisual de outras emissoras, além de grandes personalidades e elenco fixo. Ainda de forma a seguir desenvolvendo a qualidade de seus profissionais, na mesma década o grupo da família Marinho implementou escolas de atores e roteiristas, que seriam posteriormente aproveitados nas suas produções.
Após a implementação de toda essa estratégia, a administração ainda apostou em pesquisas de perfil e opinião do público, as quais passaram a adequar as produções ao gosto popular, uma vez que, até 1970, grande parte das novelas não se aproximava tanto do cotidiano do brasileiro. Ao mesmo tempo, a Rede Globo criou faixas de horário para a exibição de suas a telenovelas: às 17h30 transmitia uma novela voltada para o público infanto-juvenil; a "novela das seis" era de temática histórica ou romântica; a "novela das sete" reproduzia um tema atual e de caráter cômico; e, por fim, o principal produto da emissora, a "novela das oito", que em 2011 passou a chamar-se "novela das nove", tinha tema social e adulto. Esse último horário era tradicionalmente aquele em que sempre houvera maior audiência na televisão brasileira.
Desse modo, as telenovelas da Rede Globo começaram a ganhar cada vez mais espaço no cenário do audiovisual brasileiro. Pouco tempo depois, na década de 1980, o sucesso foi tanto que as novelas passaram a ser financiadas com base no vínculo direto entre as produções e o patrocínio de grandes marcas que apostavam em campanhas de publicidade, além da comercialização de subprodutos derivados, como as trilhas sonoras. Até 1985, a TV Globo já havia alcançado seu objetivo de ser a emissora líder em audiência no Brasil, muito atribuído à ligação direta entre a produção das novelas que fizeram sucesso e seus subprodutos e os ganhos em publicidade.
Nos anos seguintes, foi a vez de a emissora executar o Projeto Jacarepaguá (PROJAC). Idealizado em 1989 e inaugurado em 1995, o projeto consistiu na construção do maior complexo televisivo da América Latina. Localizado na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, o empreendimento possibilitou a centralização das produções e a redução dos custos operacionais da Rede Globo, o que, consequentemente, permitiu consolidar a emissora como líder nacional em produtos do audiovisual. Com um investimento inicial à época de aproximadamente 122 milhões de reais, o PROJAC possuía suas próprias cidades cinematográficas, salas de controle, estúdios, ilhas de edição, estações de computação gráfica, acervo de mídia, complexo de efeitos especiais e estações para a produção de conteúdo para a internet.
Sendo assim, toda essa infraestrutura permitiu que os Estúdios Globo se tornassem autossuficientes, não precisando mais terceirizar recursos técnicos, o que deixou seus produtos mais competitivos em questões de qualidade de produção e preços de comercialização. Consolidada nacionalmente, os anos que se seguiram na emissora foram importantes sobretudo para a aceleração do processo de expansão dos produtos da marca do Grupo Globo também para novos mercados internacionais, conforme pode ser visto no Anexo 5.
2. INTERNACIONALIZAÇÃO DAS NOVELAS BRASILEIRAS E O GRUPO GLOBO
O processo de internacionalização das novelas brasileiras ocorreu a partir do momento em que as produções nacionais passaram por um processo de diferenciação perante novelas de outros países latino-americanos. Nesse sentido, embora já tivesse produzido outras novelas abrasileiradas, nenhuma outra até então havia tido uma linguagem tão tipicamente brasileira como O Bem-Amado, exibida pela TV Globo em 1973. Além da linguagem, tal produção foi extremamente marcante para o mercado audiovisual brasileiro por duas principais razões: primeiramente por ter sido a primeira novela nacional em cores; e segundo porque acabaria sendo a primeira telenovela de produção nacional a ser exportada para outro país.
Inicialmente, os direitos de O Bem-Amado foram exportados para o Uruguai e, em seguida, para o México, por meio da maior emissora mexicana, a Televisa. Contudo, a primeira telenovela brasileira a ser vendida para além da América Latina foi Gabriela, também produção da TV Globo, que passou a ser exibida em Portugal a partir de 1977, além de outros países de língua portuguesa. Assim, as décadas de 1970 e 1980 foram um marco importante para a internacionalização das telenovelas brasileiras. Nesse contexto, um dos maiores exemplos de sucesso foi Escrava Isaura, exibida no Brasil em 1976 pela TV Globo. Cerca de seis anos depois, em 1982, sua estreia internacional aconteceu na Itália, e, ao longo dos anos seguintes, a produção foi sucesso de audiência ao ser vendida para mais de 80 países dos mais diversos continentes, entre os quais podemos destacar Cuba, China, Rússia, Polônia, França, Alemanha e Suíça.
Nesse sentido, a internacionalização das novelas brasileiras confunde-se com a própria internacionalização do Grupo Globo: a marca foi a pioneira e desde então tem sido a principal exportadora de novelas no Brasil. É preciso, no entanto, entender como as estratégias adotadas permitiram à marca alcançar esse patamar. Diante desse contexto, de início as produções eram vendidas a baixíssimo preço no mercado internacional a fim de alavancar o nome do grupo a cada novo país. Tal baixo custo de aquisição, em conjunto com o sucesso de audiência e consequente lucratividade para as emissoras adquirentes, fizeram das telenovelas da Globo um produto visado por diversas companhias de mídia ao redor do mundo, com destaque para a mexicana Televisa e a portuguesa Sociedade Independente de Comunicações (SIC).
Em 1976, foi criado o Departamento de Negócios Internacionais (DPI) do Grupo Globo, atualmente Globo International Distribution. Tal departamento foi responsável por liderar a participação do grupo nas maiores feiras de comercialização de produtos televisivos do mundo, como a MipCom, na França, a National Association of TV and Program Executives, nos Estados Unidos, a MipAsia e o Festival de Dubai. Além disso, o DPI mantinha escritórios próprios em Nova Iorque e Roma, pontos permanentes de venda de seus produtos no mundo.
Na década de 1980, a estratégia de entrada em mercados externos do Grupo Globo mudou. Nesse contexto, este passou a investir diretamente no exterior, com a compra de 90% da italiana Telemontecarlo e de 15% da portuguesa SIC. No entanto, em 1994 e 2002, respectivamente, o Grupo Globo acabou recuando em seus investimentos diretos no exterior (IDE) ao vender todas as suas participações acionárias na Itália e em Portugal, alegando serem investimentos mais custosos e com uma demora maior para obter retornos. Com esse movimento, o grupo pretendia otimizar seus recursos e reduzir riscos financeiros antes de alçar novos voos.
Após esse período, na década de 2000, o Grupo Globo voltou a adotar uma postura mais proativa no mercado externo, com a implementação das seguintes estratégias:
desenvolvimento de coproduções internacionais;
estabelecimento de mais acordos e parcerias estratégicas com grandes players internacionais;
criação de programas, canais e formatos de produção especialmente para o exterior;
desenvolvimento de uma carteira de clientes por todos os continentes;
maior investimento em marketing;
diversificação do portfólio, com documentários e minisséries.
Esse conjunto de estratégias foi de fato muito eficiente para a concretização da presença do Grupo Globo no mercado internacional, vindo a se tornar, em 2016, o 14º maior conglomerado de mídia do mundo de acordo com a agência ZenithOptimedia. Em 2022, seu valor de mercado era de 15,8 bilhões de reais.
No entanto, embora tenha investido em novos produtos para o portfólio internacional, a telenovela seguia como o produto mais exportado e rentável da Globo. Desde a adoção das novas estratégias acimas descritas, as novelas produzidas ultrapassaram todos os recordes de exportação ( Anexo 4). Entre as produções da marca que fizeram sucesso com o público internacional, é possível destacar: O Clone (2001), Caminho das Índias (2009) e Passione (2010). O grande diferencial das três novelas mencionadas residia justamente na combinação de diferentes locações do Brasil com outros lugares do mundo, como Itália, Marrocos e Índia, gerando assim a identificação de públicos também fora do Brasil.
Para além de todos os recordes esteve Avenida Brasil, de 2012. Essa produção foi o drama brasileiro mais exportado de todos os tempos, conforme o Anexo 6, chegando a 148 dos 193 países reconhecidos pela Organização das Nações Unidas. Assim como os primeiros sucessos de exportação, Avenida Brasil foi uma novela notavelmente abrasileirada em questões de linguagem e ambientação, retratando uma trama de vingança e as diferenças entre as classes sociais no Rio de Janeiro. No Brasil, o último capítulo da novela esvaziou ruas de todas as cidades e até mesmo fez a então presidente da república Dilma Rousseff transferir o horário de um discurso oficial para depois do episódio. Internacionalmente, a novela foi transmitida em horário nobre na Colômbia e no México, países também produtores de teledramaturgia e que tradicionalmente costumavam transmitir, quase que exclusivamente, as suas próprias novelas nesse horário.
No entanto, embora um grande sucesso, na década de 2010 as novelas passaram a enfrentar a forte concorrência das séries de streaming, que na última década acabaram se tornando o padrão com que pessoas consomem conteúdo audiovisual. Segundo dados de pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) de 2020 ( Anexo 1), a audiência dos canais de streaming em geral (Netflix, Amazon Prime, Disney +, HBO Max, entre outros) havia ultrapassado a de todos os canais de TV paga e TV aberta no Brasil, à exceção da Rede Globo. Vale destacar que esse movimento estava muito relacionado também com o avanço da internet, que em 2010 já alcançava 72 milhões de usuários no país, segundo pesquisa do Comitê Gestor da Internet do Brasil, publicada pela Agência Brasil ( Léon, 2021).
Em uma tentativa de se adaptar aos novos gostos do público nacional e internacional, em 2011 a TV Globo lançou um novo horário de telenovelas. Tais novelas passaram a ser transmitidas no horário das 23 horas, inicialmente com remakes de grandes sucessos e, em um segundo momento, com produções inéditas de conteúdo mais adulto. Em 2015, com a exibição de Verdades Secretas, o grupo Globo viu mais uma vez decolar suas vendas para o exterior. A produção acabou representando mais um marco para a emissora, que naquele mesmo ano, após o lançamento da plataforma Globoplay, passou a ser ofertada também na modalidade on-line, on-demand.
O sucesso de Verdades Secretas também no streaming abriu os olhos para os executivos da emissora, sobretudo em razão da diversificação de receitas trazida pela nova plataforma. Um dos fatores determinantes para esse sucesso, no entanto, estava na diferença entre as "novelas das 23" em relação às demais. Pela primeira vez, essas novas tramas misturaram elementos de telenovelas convencionais com elementos das séries, que, além de possuírem menor número de capítulos, já eram um modelo de produção tradicionalmente adotado e assistido por públicos de outros países. Dada essa diferença, a partir de 2017, o Grupo Globo passa a chamar as obras exibidas neste horário de "superséries".
Em 2021, de forma a testar se as superséries podiam de fato concorrer com demais seriados internacionais disponíveis no streaming, o Grupo Globo lançou a continuação Verdades Secretas II em sua plataforma própria. A sequência foi o lançamento mais assistido da Globoplay, com cerca de 9 milhões de horas assistidas pelo público logo na primeira semana. Com isso, Ângela Colla, Head of Sales da divisão de distribuição internacional do Grupo Globo, mencionada no início do caso, e sua equipe observaram uma mudança no padrão com que o grupo poderia monetizar internacionalmente sobre suas produções. Restava ainda saber se as potencialidades trazidas pelo streaming poderiam trazer mais retorno do que o antigo modelo de produção, venda e parcerias internacionais adotado pela companhia até então.
3. DILEMAS INERENTES AO LANÇAMENTO DA NOVA PANTANAL
A produção original da novela Pantanal, lançada pela TV Manchete em 1990, foi um grande sucesso de opinião pública e audiência, uma vez que havia sido, até então, a única novela não produzida pela Rede Globo a frequentemente alcançar a marca de mais de 40 pontos de audiência no IBOPE. Além disso, a versão original da produção ocupou recentemente o Top 5 no ranking da Revista Veja das melhores novelas da TV brasileira de todos os tempos ( Anexo 7).
Ao inovar em 1990 exibindo as paisagens do bioma predominante no centro-oeste brasileiro, as imagens da fauna e flora exuberantes praticamente intocadas trazidas por Pantanal impressionaram o público. Para a nova versão, no entanto, o cenário era bem diferente. Mais de 30 anos depois do lançamento da versão original, a Rede Globo sabia que as novas gravações em algum momento dividiram espaço com uma natureza abalada pelo desmatamento, bem diferente da beleza quase intocável de antes.
Na realidade, parte da motivação para a produção de um remake em 2020 vinha pela alta repercussão do bioma na mídia internacional. Desde 2019, o Pantanal vinha sofrendo com a crescente onda de queimadas intensas e secas, provocadas pela ação humana. Por consequência, havia se tornado cada vez mais comum observar o protesto de grandes organizações internacionais como o Greenpeace e o World Wildlife Fund, além de organizações não governamentais (ONG) nacionais ligadas ao meio ambiente, celebridades e políticos pela preservação do bioma majoritariamente brasileiro (77% do território pantaneiro está situado no país).
Ângela Colla já sabia que a repercussão da refilmagem poderia ser grande entre públicos nacionais e internacionais, com a inclusão de uma discussão sobre a preservação ambiental e o desenvolvimento sustentável no enredo da produção. Uma grande incógnita era saber, no entanto, se isso poderia ser convertido em receitas para a companhia. Executivos do grupo sabiam que, apesar das altas taxas de crescimento do streaming nos últimos anos, a plataforma continuava sendo vista como um investimento de alto risco. Até então, para sustentar esse risco, o Grupo Globo tinha concentrado seus maiores investimentos e lançamentos na TV aberta, justamente pelo fato de ser considerada mais segura. No entanto, a estratégia conservadora de somente reinvestir parte desse excedente para a alavancagem da plataforma gerava um sentimento de perda de oportunidades para os executivos mais inovadores do grupo.
Dadas todas as potencialidades que se apresentavam e o investimento envolvido, era quase certo para o departamento de International Distribution da Globo que a novela deveria estar presente no catálogo de produtos para a venda no mercado internacional. No entanto, uma vez que os Estúdios Globo estavam dispostos a fazer o maior investimento já realizado em uma produção dessa natureza quando comparada aos demais produtos nacionais, era necessário ter certeza de que ela seria um sucesso também no mercado internacional.
Tendo em vista o objetivo de logo exportar o conteúdo, coube à Head of Sales da Globo International Distribution analisar as variáveis para decidir qual o melhor formato a ser adotado pelo remake, de forma que fosse possível gerar um impacto positivo aos públicos dos mercados nacional e estrangeiro. O desafio de fato era enorme, tendo em vista as diferentes características que ambos os grupos historicamente haviam apresentado no consumo de conteúdo audiovisual. Nesse momento, havia duas opções: um folhetim de 50 capítulos, em formato de série exclusiva para a plataforma Globoplay e que mais se aproximava do modelo adotado por séries internacionais, ou uma telenovela de 200 capítulos em formato tradicional exibida em horário nobre de televisão. No entanto, muito mais do que essa simples decisão, o caminho a ser seguido mostraria uma sinalização pela continuidade ou ruptura da estratégia de adoção de canal prioritário para lançamentos de produtos adotado pelo grupo até então.
A primeira opção, mais curta e exclusiva para o streaming da Globoplay, poderia trazer novos assinantes para a plataforma, além de estar mais alinhada às preferências de consumidores internacionais. Por outro lado, a segunda opção, que trazia a proposta de ser uma novela produzida para a TV aberta, colocava a Rede Globo em sua zona de conforto por ser um formato em que a marca já era mundialmente reconhecida por seu histórico de exportações, além de facilitar parceiros potenciais para a venda dos direitos de exibição.
Em meio à clara divisão entre os diferentes executivos do grupo, Ângela sabia da importância do posicionamento da divisão de distribuição internacional. A grande pergunta que pairava era: por qual caminho seguir?
4. NOTAS DE ENSINO
4.1. Objetivos do caso
O caso tem por objetivo colocar os alunos na posição da executiva Ângela Colla, Head of Salles da Globo International Distribution, de forma que:
consigam adquirir conhecimento sobre diferentes estratégias de lançamento de produtos no mercado internacional;
possam compreender como as mudanças de paradigmas no consumo de produtos do audiovisual no Brasil e no mundo afetam empresas do setor; e
sejam capazes de aplicar o modelo Valor, Raridade, Imitabilidade e Organização (VRIO) diante de estratégias internacionais de padronização e adaptação de produtos.
4.2. Público-alvo
O caso é recomendado para alunos de graduação e pós-graduação das áreas de administração de empresas e negócios internacionais. Sua aplicação é recomendada para disciplinas de internacionalização de empresas, marketing internacional e inovação, que queiram tratar temas como estratégias internacionais, padronização ou adaptação de produtos internacionais, bem como novos modelos de negócio por plataforma.
4.3. Fontes de informação
A coleta de dados ocorreu entre os meses de maio de 2022 e janeiro de 2023, por meio de fontes de dados secundárias como artigos científicos, jornalísticos, bem como demais informações de relatórios publicados da empresa.
4.4. Sugestão de plano de ensino
4.4.1. Questões para discussão em pequenos grupos
4.4.2. Plano de aula
Este plano de aula considera que tenha havido preparação prévia dos estudantes e prevê uma aula de 2 horas, com a seguinte proposta:
Início da aula e divisão da classe em pequenos grupos de cinco estudantes (5 minutos);
Discussão em pequenos grupos (40 minutos);
Apresentação do caso pelo instrutor (10 minutos);
Discussão em plenária (60 minutos);
Fechamento (5 minutos).
Sugere-se que, após a divisão da turma em pequenos grupos, o instrutor distribua as assignment questions de 1 a 5 de forma a gerar uma primeira etapa de discussão. Findada essa parte, é sugerido que o instrutor solicite o retorno dos grupos em sala de forma a dar início à segunda etapa de discussão em plenária. Para essa etapa, apresenta-se um roteiro de discussão a ser seguido pelo instrutor, que está dividido em introdução, análise e encerramento, conforme observado a seguir. Vale ressaltar que adaptações no plano de aula são bem-vindos de forma a ajustar o planejamento ao perfil do grupo e à disciplina que está sendo aplicada.
Introdução
Sugere-se aquecer a discussão pedindo que, durante os minutos iniciais, os alunos contribuam com a contextualização do processo de internacionalização dos produtos audiovisuais da Globo ao longo dos anos. Nesse momento, o professor poderá fazer a seguinte pergunta à turma:
Diante do contexto do caso, quais as vantagens e desvantagens de cada modelo de lançamento do remake de Pantanal para o Grupo Globo?
Nesse momento, é sugerido que o professor faça anotações no quadro com as principais contribuições dos alunos. Verificar possibilidades de resposta conforme Tabelas 1 e 2.
À medida em que os principais espaços forem sendo preenchidos, o instrutor poderá seguir para a primeira pergunta de discussão, que se segue.
Análise
Discussão 1: Quais transformações estão acontecendo na indústria do audiovisual e entretenimento que afetam o paradigma no qual o Grupo Globo vinha pautando o lançamento das suas principais produções?
Na última década os serviços de streaming têm se tornado cada vez mais populares no Brasil e tomado parcela considerável dos consumidores de produtos audiovisuais, vindo a ocupar o segundo lugar no ranking de audiência do Ibope 2020, com 15,1%, atrás apenas da TV Globo, com 32,6%. No Brasil, a primeira plataforma foi a Netflix, presente no país desde 2011. Em seguida, muitas outras plataformas chegaram ao mercado nacional, dado o expressivo tamanho demográfico de quase 220 milhões de habitantes e o consequente potencial de mercado para a televisão distribuída pela internet do país ( Meimaridis, Mazur, & Rios, 2020). Se, em 2011, a Netflix foi a primeira e única plataforma de streaming no mercado brasileiro, em 2022 já era possível observar pelo menos outros 33 players ( Cardoso, 2022). A Figura 1 mostra os principais serviços de streaming disponíveis no Brasil no ano de 2022, bem como suas respectivas participações de mercado.
Seguindo os passos da pioneira Netflix, as plataformas de streaming no Brasil passaram a oferecer produtos audiovisuais estrangeiros que antes os consumidores só conseguiam acessar por meios não convencionais e, que por vezes, feriam o direito de propriedade das empresas. Além disso, essas plataformas conseguiram atrair os consumidores com a disponibilização do conteúdo sem intervalos comerciais, com lucro advindo das assinaturas dos clientes e não mais das marcas anunciantes, causando assim mudanças significativas na publicidade e no modelo de monetização do negócio. Vale destacar ainda que esse movimento acompanha o aumento do acesso à internet no país. Se em 2010 esse número correspondia a 72 milhões de pessoas, em 2020 já se viam 152 milhões de usuários, o que significa que 81% da população brasileira com mais de 10 anos de idade tinha acesso à internet em casa ( Léon, 2021). Agora com maior disponibilidade de plataformas e opções de conteúdo, o tempo que originalmente era disponibilizado para a TV aberta sofre impactos diretos.
Com o tempo, o hábito de consumo das séries no estilo estadunidense e do formato específico das produções para o streaming moldaram a preferência dos consumidores brasileiros. Criou-se até mesmo um novo modo de consumir conteúdo, que é o de assistir a vários episódios de uma só vez, já que não ocorrem intervalos comerciais e não se segue uma grade horária como na TV linear — comportamento chamado de "maratonar" ou, na língua inglesa, binge-watching ( Ballerini & Künsch, 2022).
Diante disso, a Globo, assim como outras companhias de broadcasting, percebeu o movimento dos consumidores para novas formas de consumo do audiovisual e buscou estabelecer-se como uma "empresa de tecnologia e conteúdo" ( Ballerini & Künsch, 2022) desde 2015. Assim, a ficção televisiva nacional passou a buscar e encontrar diálogo com novas formas de produção, compartilhamento e distribuição de conteúdo, de modo a manter sua centralidade no cenário audiovisual brasileiro ( Lemos & Lopes, 2020), além de reforçar sua posição internacional.
Agora, o desafio para o Grupo Globo é estabelecer-se internacionalmente nesse novo ambiente, contando com sua ainda predominante posição no mercado audiovisual nacional, mas enfrentando a universalidade das plataformas de streaming do Atlântico Norte ( Meimaridis et al., 2020). No entanto, há ainda na América Latina uma forte tendência ao arco melodramático das telenovelas, de forma que as novas plataformas buscam também aplicar isso às suas produções, visando a uma aproximação cultural ( Lemos & Lopes, 2020), que a TV aberta nacional já possui.
Diante disso, a partir dos anos 2010, com tal popularização das séries norte-americanas e das plataformas de streaming, observou-se uma tendência de "serialização" das telenovelas e de "telenovelização" das séries. Enquanto o primeiro fenômeno pode ser exemplificado com Verdades Secretas (Globo em 2015) ( Ramos & Caravela, 2021), o segundo, Coisa Mais Linda (Netflix em 2019), embora tenha o formato de episódios das séries, conta com uma narrativa melodramática característica das telenovelas. Ambos os fenômenos seriam, nesse sentido, reflexos da pressão competitiva entre as produtoras de audiovisual ( Lemos & Lopes, 2020).
Sendo assim, o atual cenário de rearranjos narrativos e tecnomercadológicos, no âmbito do audiovisual nacional e global, tensiona cada vez mais as novas mídias (plataformas de streaming) e as mídias tradicionais (TV linear), de modo que ambas têm feito movimentos de aproximação na perspectiva de tomarem para si a audiência das respectivas concorrentes ( Lemos & Lopes, 2020).
Foi nesse cenário que o Grupo Globo decidiu criar a sua própria plataforma de streaming em 2015, a Globoplay. Inicialmente, o diferencial desta plataforma em relação às outras estava na possibilidade de acesso gratuito do usuário para assistir ao canal aberto da TV Globo ao vivo pela internet, além do on-demand de alguns conteúdos próprios da emissora. Na versão paga, ainda havia o diferencial de assistir-se a outros canais do grupo, porém exibidos na TV por assinatura (como GloboNews, GNT, SporTV, entre outros da rede), para além dos conteúdos de séries de plataforma de streaming.
Ademais, assim como as plataformas, a Globoplay também apostou na criação dos seus conteúdos originais. Esse tipo de conteúdo foi lançado pela Netflix, com a série House of Cards, de 2013, como alternativa ao endurecimento das negociações com os detentores de direitos sobre a distribuição de obras licenciadas. Posteriormente, a produção de conteúdo original, não só pela Netflix, mas também pelas suas concorrentes, tornou-se um modo de fidelização do cliente. Assim, os originais tornaram-se grandes diferenciais das plataformas, como Game of Thrones, da HBO; Loki, da Disney+; ou O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder, da Amazon Prime Video. A Globoplay, por sua vez, teve como suas maiores séries originais Verdades Secretas II (que, na realidade, mescla o formato de série com o de telenovela), de 2021, e Sob Pressão (2017–2022). Todavia, a quantidade de originais aclamados pelo público da Globo ainda é baixa se comparada com a da pioneira Netflix, que conta com obras como The Crown, Narcos, Stranger Things, La Casa de Papel e Round 6 ( Amaral, Pereira, & Conejero, 2021).
Mais recentemente, o maior diferencial da Globoplay está em uma estratégia que começou a ser implementada em 2020: a disponibilização de telenovelas clássicas que marcaram época na TV. Esse movimento fez com que a plataforma ganhasse mais 2,5 milhões de assinantes, de 4 para 6,5 milhões de 2020 para 2021 ( Ramos & Caravela, 2021). Tal estratégia é um ganho não apenas no sentido de número de assinantes, mas também porque disponibiliza uma memória afetiva nesse público que as concorrentes dificilmente conseguirão alcançar, ao mesmo tempo que também não representa um gasto significativo, dado que o conteúdo já se encontra produzido e armazenado no acervo do Grupo Globo.
Um questionamento que fica, porém, é até quando essa estratégia da Globoplay irá funcionar. Isso porque o saudosismo com relação às novelas clássicas não é algo que atinge todas as gerações, e sim aquelas mais antigas. Enquanto isso, as gerações mais novas já nasceram no mundo do streaming e não necessariamente enxergam o mesmo valor nessas produções históricas. Sendo assim, com o passar das gerações, o Grupo Globo precisará continuar inovando de forma a desenvolver outras fontes de vantagem competitiva perante seus concorrentes.
Após cobertos os principais pontos dessa primeira parte, o instrutor poderá se voltar então para a segunda parte da análise do caso, conforme se sugere na pergunta de discussão 2:
Discussão 2: Tendo em vista a mudança nos modelos de negócios e padrões de consumo de clientes nos últimos anos, qual seria a melhor estratégia de lançamento do remake de Pantanal no mercado internacional?
A estratégia de uma empresa é o planejamento de ações em que os administradores fazem o melhor uso dos recursos e competências da companhia para ganhar vantagens competitivas. A estratégia internacional é aquela em que essas competências e recursos precisam ser alocadas em dois ou mais países ( Riesenberger, Knight, & Cavusgil, 2020). Nesse sentido, no que tange à expansão internacional, para decidir a melhor estratégia, gestores e estrategistas consideram fatores como as metas e objetivos da companhia, como o lucro visado, market share e posição competitiva; os recursos e capacidades financeiras, tecnológicas e organizacionais disponíveis; o grau de risco que a administração está disposta a assumir; as características do produto ou serviço a ser oferecido; a natureza e a capacidade de competição de empresas adversárias já existentes ou que empresas que possam entrar no mercado futuramente; e a disponibilidade de parceiros no mercado ( Riesenberger et al., 2020).
Para além disso, segundo Riesenberger et al. (2020), é preciso também pensar a estratégia de marketing global, isto é, o plano de ação para mercados estrangeiros que guia a empresa em como se posicionar e se ela deveria padronizar ou adaptar seu produto. Ainda para esse autor, adaptação significaria modificar o produto para acomodar os requerimentos de um tipo de consumidor no mercado, enquanto padronizar seria uniformizar os produtos com o objetivo de abranger regiões ou mercados no mundo todo com o mesmo serviço.
Conforme Vrontis, Thrassou e Lamprianou (2009), a estratégia de padronização possuiria as seguintes vantagens: a redução de custos, melhor planejamento e controle e possibilidade de construir uma imagem consistente e uma marca global. Por outro lado, as vantagens da adaptação seriam: atender com mais precisão as necessidades dos consumidores, cumprir mais facilmente com as regulações governamentais de cada localidade e atingir maior sucesso em combater a resistência dos consumidores. Dito isso, no caso da produção audiovisual na década de 2020, a adaptação significa produções mais próximas do modelo norte-americano de streaming, enquanto a padronização significaria seguir com o modelo audiovisual consagrado das telenovelas, em que os direitos de exibição são repassados para parceiros internacionais.
No sentido de fazer uma análise quanto à melhor estratégia a ser seguida pelo Grupo Globo, aqui se sugere desenvolver uma estrutura VRIO. De acordo com Messineo (2018), a análise VRIO é uma ferramenta de planejamento estratégico projetada para ajudar as organizações a descobrir e proteger os recursos e capacidades que lhes dão uma vantagem competitiva de longo prazo.
Nesse contexto, para entender cada uma dessas partes da sigla, fazem-se as perguntas apresentadas a seguir.
Valor: a empresa oferece um recurso que agregue valor aos seus clientes?;
raridade: a empresa controla um recurso escasso?;
imitabilidade: é difícil imitar os recursos e capacidades ofertados pela empresa?;
organização: a empresa possui sistemas, processos, estruturas e cultura de gerenciamento organizados para capitalizar recursos e capacidades?
Tal análise foi desenvolvida por Barney e Hesterly (2011) e descreve, com base na análise dos quatro fatores, qual a posição competitiva da empresa, conforme a Tabela 3.
Conforme a Tabela 3, se o recurso da empresa não tiver valor, ela está em desvantagem competitiva, de forma que não há motivo para investir nesse recurso. Se o recurso possuir valor, mas não for raro, a empresa está em paridade competitiva, de modo que não está em vantagem em relação às outras empresas. Quando o recurso tem valor e é raro, mas não há dificuldade em ser imitado, a empresa possui uma vantagem temporária, uma vez que outras companhias podem reproduzir o recurso. Já quando o recurso tem valor, é raro e é difícil de ser imitado, mas a empresa não o explora, diz-se que ela tem uma vantagem competitiva não aproveitada. No entanto, se esse recurso estiver sendo adequadamente explorado, diz-se que a empresa possui uma vantagem competitiva sustentável ( Barney & Hesterly, 2011).
Na Tabela 4, pode-se observar a aplicação da análise VRIO para a opção de padronização do remake de Pantanal pelo Grupo Globo.
Na Tabela 5, pode-se observar a aplicação da análise VRIO para a opção de adaptação do remake de Pantanal pelo Grupo Globo.
Sendo assim, o modelo de padronização apresentaria vantagem competitiva sustentável na tradição da marca nacionalmente tanto quanto internacionalmente. Por sua vez, o modelo de adaptação apresentaria essa tradição apenas nacionalmente, estando em desvantagem competitiva internacionalmente quando se trata de produções no modelo norte-americano de séries para streaming.
Em se tratando de experiência no tipo de produção, as telenovelas (modelo de padronização) também representariam vantagem competitiva sustentável. Isso porque as telenovelas da TV Globo seguem o chamado Padrão Globo de Qualidade, mundialmente reconhecido pelo público e por outras produtoras. No entanto, o Grupo Globo não possui experiência relevante na produção de séries para streaming, sendo seu maior sucesso Sob Pressão (2017–2022), uma produção muito longe da qualidade e aclamação do público e crítica se comparada com as produções da Netflix, por exemplo.
Por fim, está em paridade competitiva quando se fala de produção exclusiva em ambos os modelos, de adaptação ou padronização.
Diante dos levantamentos, a Globo International Distribution observará as tendências da indústria audiovisual para os próximos anos e quais desafios serão encarados. A Ângela Colla, caberá, portanto, recomendar, entre as duas alternativas levantadas, aquela que fará maior sentido para a empresa.
Fechamento
Ao final da discussão, o professor pode fechar o caso com uma enquete com os participantes, que os leve a se colocar, novamente, no lugar da protagonista, como sugerido:
Dentre as alternativas de padronização, em um modelo tradicional de telenovela, e de adaptação, em um modelo de série de streaming , qual o que você recomendaria para o remake de Pantanal ? Justifique sua resposta.
Cabe ainda ao instrutor destacar que não existe alternativa correta.
4.5. Disclaimer
Este caso de ensino foi construído com base em informações coletadas de fontes secundárias e na observação participante de um dos autores. Alguns dos fatos e dilemas aqui narrados são fictícios e não necessariamente representam a opinião ou o ponto de vista oficial dos protagonistas ou da organização. Além disso, os autores declaram não possuir conflito de interesses a reportar e não receberam nenhum tipo de auxílio financeiro no desenvolvimento desta pesquisa.
4.6. Links teóricos
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatísta (Ibope) (2022). Ibope Media 2022. Ibope.
Nota: Essa leitura é sugerida para os alunos, de forma a fornecer uma melhor compreensão sobre as novas tendências do mercado audiovisual.
Messineo, RJ (2018). Explaining the VRIO Framework (With A Real-Life Example). ClearPoint Strategy. Recuperado de https://www.clearpointstrategy.com/vrio-framework/
Nota: Essa leitura é sugerida para o professor, de forma a fornecer uma melhor compreensão sobre o tipo de análise VRIO.
Riesenberger, J., Knight, G., & Cavusgil, T. (2020). International Business: The New Realities (pp. 354-357). Pearson.
Nota: Essa leitura é sugerida em caráter adicional para alunos interessados, caso queira compreender melhor sobre as diferentes estratégias de entrada no mercado externo.
REFERÊNCIAS
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Amaral, H. V., Pereira, J. G. D., & Conejero, M. A. (2021). A adaptação do Grupo Globo ao negócio do streaming: O caso Globoplay. Revista de Casos e Consultoria, 12(1), e27008. Recuperado de https://periodicos.ufrn.br/casoseconsultoria/article/view/27008
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Anexo 1
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) de audiência nacional em maio de 2020.
Anexo 2
Pesquisa do Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE) de audiência nacional 2022.
Anexo 3
Características das telenovelas.
Anexo 4
Maiores produtores de telenovelas na América Latina (2011).
Anexo 5
Linha Temporal: Rede Globo e a Internacionalização das Novelas.
Anexo 6
Novelas Brasileiras mais exportadas até 2021.
Anexo 7
As melhores novelas da TV brasileira produzidas até 2016.
Notes
Author notes
*Autora correspondente:sophiadiasjunior@gmail.com