RESUMO
Objetivo: Apresentar um conjunto de competências para empreendedores de healthtechs.
Método: É uma pesquisa de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e objetivos exploratórios. O método empregado foi o Delphi. O estudo contou com a participação de 22 especialistas, os quais contribuíram para compreender a temática investigada.
Principais Resultados: Os resultados apresentam 22 competências para empreendedores das healthtechs, categorizadas em quatro grupos: competências para atuar na saúde, competências para atuar em startups, competências para empreender na saúde e competências para inovar na saúde.
Relevância / Originalidade: Este estudo apresenta uma abordagem integrada das competências no campo da saúde, inovação e startups. Outra contribuição original é o uso do método Delphi para estudar competências em healthtechs.
Contribuições Teóricas / Metodológicas: Este estudo apresenta uma sistematização de competências essenciais para healthtechs, avançando em relação aos estudos anteriores, pois aborda inovação, saúde e startups de forma integrada.
Palavras-chave: Inovação, Startups, Competências, Saúde.
ABSTRACT
Objective: To present a set of skills for healthtech entrepreneurs.
Method: It is applied research, with a qualitative approach and exploratory objectives. The method used was Delphi. The study included the participation of 22 experts, who contributed to understanding the topic investigated.
Main Results: The results present a set of 22 skills for healthtechs entrepreneurs, categorized into four groups: skills to work in health, skills for startups, skills to undertake in health and skills to innovate in health.
Relevance / Originality: This study presents an integrated approach to skills in the field of health, innovation and startups. Another original contribution is the use of the Delphi method to study competencies in healthtechs.
Theoretical / Methodological Contributions: Theoretical/methodological contributions: This study presents a systematization of essential skills for healthtechs, advancing in relation to previous studies, as it addresses innovation, health and startups in an integrated way.
Keywords: Innovation, Startups, Skills, Health.
Original Artigo
COMPETÊNCIAS PARA EMPREENDEDORES DE HEALTHTECHS
SKILLS FOR HEALTHTECH ENTREPRENEURS
Received: 18 April 2023
Accepted: 07 July 2024
Published: 09 September 2024
Competência é a capacidade do indivíduo para resolver determinado problema e alcançar seus objetivos, acarretando assim resultados para a organização ( Hamad, 2020). Quando se trata de empreendimentos inovadores, como é o caso das healthtechs, as competências direcionadas para inovação são essenciais para permitir o aumento das capacidades de inovação desses empreendimentos ( Dionello et al., 2020).
Competências para inovação e suas formas de desenvolvimento e mensuração em certas áreas específicas são pouco exploradas na literatura ( Ferreras-Garcia et al., 2021; Keinänen et al., 2018; Marín García et al., 2013; White et al., 2016). Elas dizem respeito a um agrupamento de competências necessárias ao indivíduo, que torna possível a criação de algo novo, tais como criatividade, pensamento crítico, iniciativa, trabalho em equipe e networking ( Andreu-Andrés et al., 2018; Hamad, 2020).
Habitats de inovação são ambientes planejados para amparar o crescimento de empresas com foco em inovação. Como um dos habitats de inovação, as startups são empresas com grau elevado de inovação e tecnologia, que operam no mercado de modo a transformar ideias em produtos. Diferentemente de empresas tradicionais, as startups são organizações temporárias que visam a um modelo de negócios que seja escalável, rentável e lucrativo ( Blank & Dorf, 2014).
No Brasil, o avanço das healthtechs é notável, representando o terceiro maior segmento de startups no país e refletindo uma demanda crescente por soluções inovadoras na área da saúde ( Associação Brasileira de Startup s, 2022 ). Segundo a Associação Brasileira de Startup s (2022 ), é o setor que apresenta o maior volume de movimentações financeiras nos últimos anos (150 operações movimentaram mais de R$ 20 bilhões.
Esse crescimento é percebido nas healthtechs, que surgem como uma oportunidade de empreendimento no qual a inovação é utilizada para aprimorar os serviços e produtos voltados à área da saúde. A fim de atender a esse propósito, as healthtechs buscam conhecimento fora de seus domínios para desenvolver competências ( Martins, 2020).
As healthtechs oferecem uma gama de benefícios, incluindo melhora na eficiência, redução de preços e aumento da satisfação do cliente, além de possibilitar atendimento básico e secundário em áreas menos favorecidas (OCDE, 2020). Esse modelo de negócio tem demonstrado capacidade para promover inovações que enfrentam desafios como altos custos e uso ineficiente de recursos escassos por meio da tecnologia (Chakraborty et al., 2021).
Uma investigação conduzida nas bases de dados Scopus e Web of Science proporcionou insights sobre o panorama das pesquisas relacionadas às competências para inovação em healthtechs. Utilizando o termo de busca " healthtech" na base de dados da Web of Science, foram obtidos 456 resultados, dos quais apenas 325 eram artigos científicos, incluindo os artigos com acesso antecipado. Por sua vez, a busca na Scopus resultou em 116 documentos, dos quais 69 eram artigos científicos. Lidos os títulos dos 394 artigos científicos, constatou-se que nenhum deles abordava especificamente competências. Entre os que mais se aproximavam do tema, identificou-se um artigo sobre liderança de médicos ( Raj, 2021) e outro sobre fatores críticos de sucesso das healthtechs, tais como processo de conhecimento e comunicação do ator, valor e eficácia do serviço, infraestrutura tecnológica robusta, capacidade de geração de receita e capacidade de gerenciamento de regulação ( Chakraborty et al., 2021). A maioria dos estudos voltaram-se à análise de técnicas específicas, principalmente no campo da medicina. Entre os artigos com foco em competências, foram identificadas pesquisas sobre competências na área da saúde ( Perez et al., 2021; Peruzzo et al., 2020; Vieira et al., 2019), contudo, não focaram em startups. Desse modo, dada a importância da saúde e o crescimento das healthtechs, bem como a escassez de estudos sobre competências, optou-se por explorá-las nesta pesquisa.
Assim, em razão da relevância do desenvolvimento de competências específicas para esses empreendimentos inovadores ( Dionello et al., 2020), esta pesquisa visa responder à seguinte questão: quais competências para inovação são necessárias, segundo a percepção de empreendedores de healthtechs? Desta forma, esta pesquisa tem por objetivo apresentar um conjunto de competências para empreendedores de healthtechs, apresentando como contribuição teórica uma sistematização de competências essenciais para startups que atuam na área da saúde. Estudos anteriores, tanto na área de competências quanto da saúde ou inovação, não abordaram essa questão de forma específica, associando as competências com inovação, saúde e startups.
Outra contribuição teórica é o uso do método Delphi para estudar competências de heatlhtechs, propiciando uma análise de competências no setor estudado não apenas por meio da teoria, mas também de empreendedores que atuam nesse campo. Como contribuição prática, as competências para healthtechs podem auxiliar esses empreendedores a buscarem melhoria de suas competências de acordo com as apresentadas neste estudo. Com isso, eles poderão aumentar as chances de internacionalização e expansão de suas atividades. Além disso, o presente estudo pode servir como parâmetro para formuladores de políticas de inovação no campo da saúde.
Este artigo é estruturado da seguinte forma: na próxima seção, apresentam-se as bases teóricas desta pesquisa. A seção subsequente relata os aspectos metodológicos que alicerçaram este estudo, seguida pela apresentação dos resultados alcançados e de discussão. Finalmente, as considerações finais são pontuadas, seguidas das referências.
Competência, de modo geral, significa o conjunto de habilidades humanas que envolvem conhecimento, habilidades e atitudes, que por sua vez justificam o alto desempenho das pessoas, que está fundamentado em sua inteligência e personalidade ( Fleury & Fleury, 2001; Hamad, 2020; Marín García et al., 2013; Montero-Fleta, 2013). Para Man e Lau (2000), competência refere-se a características que englobam diferentes traços da personalidade, habilidades e conhecimentos, que são influenciados pela experiência, educação, capacitação e vivências que são particulares a cada pessoa.
A literatura apresenta as competências em duas esferas, a individual e a organizacional. A competência individual pode ser definida como o agir responsável do indivíduo que transforma seus conhecimentos em resultados, permitindo assim a resolução de problemas e a execução de tarefas ( Pranciulytė-Bagdžiūnienė & Petraitė, 2019). Por sua vez, as competências organizacionais referem-se à aplicação das competências individuais para as atividades da organização. Os indivíduos que fazem parte das organizações utilizam de suas competências para criar valor, tanto interna quanto externamente, para a empresa. Vale lembrar que a competência só será de fato reconhecida quando gerar valor para a organização ou para a sociedade ( Fleury & Fleury, 2001; Gomes Júnior, 2013). Cria-se valor quando o indivíduo desenvolve suas competências e as compartilha, aumentando assim seus conhecimentos e melhorando suas competências por meio da cocriação de conhecimento com a equipe ( Sveiby, 2000).
Embora as competências sejam inerentes aos indivíduos, elas precisam ser alinhadas com as demandas dos cargos, a fim de gerar uma dinâmica de compartilhamento, criação e transformação das competências individuais que fortaleça as competências das organizações. Assim, as organizações precisam assumir a responsabilidade de desenvolver equipes com as competências necessárias para alcançar seus objetivos ( Stefano et al., 2020).
As competências dos indivíduos é que tornam a organização capaz de solucionar problemas e criar soluções inovadoras ( Stefano et al., 2020), sendo que as competências individuais resultam no desenvolvimento das competências organizacionais ( Cassol et al., 2017; Oliveira et al., 2019). Empresas que lidam com inovação, como as de base tecnológica, precisam de competências específicas ( Alves Filho et al., 2019), que serão comentadas a seguir.
As competências para inovação podem ser apresentadas em três dimensões: individual, interpessoal e em rede ( Ferreras-Garcia et al., 2021; Keinänen et al., 2018; Marín García et al., 2013). Na dimensão individual, surgem habilidades como criatividade, perseverança, pensamento divergente e atitude, habilidades essas que auxiliam no processo de inovação, visto que criar ideias não é o mesmo que aplicá-las. Assim, é necessário conseguir lidar com diferentes imprevistos e problemas que exigem pensamento e reações inovadoras a fim de superar as dificuldades. A dimensão interpessoal está relacionada com o trabalho em equipe, a liderança e comunicação. Na dimensão de redes, é possível construir ideias coletivas, criar redes de cooperação para inovação, estabelecer cooperação em contextos multidisciplinares e multiculturais e trabalhar com empreendimentos locais, regionais e internacionais ( Ferreras-Garcia et al., 2021; Keinänen et al., 2018; Marín García et al., 2013).
Em outra perspectiva, Noronha et al. (2022) mapearam as competências de startups na literatura e identificaram oito grupos: (1) competência de mercado; (2) competência de construção e reconfiguração; (3) competência de inovação; (4) competência de networking; (5) competência digital; (6) competência tecnológica; (7) competência de alavancagem; e (8) competência de expansão. Eles também identificaram que essas competências são mencionadas para exploração de mercados internacionais.
Ambientes inovadores precisam apresentar abertura para obter insights, capacidade de geração de ideias, promoção de soluções criativas, além de facilitar o relacionamento interpessoal, o gerenciamento de conflitos e vínculo entre competências gerenciais e criatividade ( Alves Filho et al., 2019). Empresas inovadoras precisam transformar o conhecimento em ideias inovadoras ( Keinänen et al., 2018; Oliveira et al., 2011; Pranciulytė-Bagdžiūnienė & Petraitė, 2019).
Além disso, no processo de gestão delas, é importante a liderança, a visão mercadológica do negócio, bem como atentar para a comunicação interna na empresa. O desenvolvimento de projetos inovadores requer habilidades e competências associadas à negociação, trabalho em equipe e capacidade de resolução de conflitos ( Alves Filho et al., 2019; Malec & Stańczak, 2022). Para transformar o conhecimento em ideias inovadoras ( Hsiao et al., 2019; Keinänen et al., 2018; Oliveira et al., 2011; Pranciulytė-Bagdžiūnienė & Petraitė, 2019), empresas de base tecnológica precisam de criatividade, pensamento crítico, aprendizado rápido, iniciativa, trabalho em equipe, resiliência e networking ( Andreu-Andrés et al., 2018; Pranciulytė-Bagdžiūnienė & Petraitė, 2019; Toyin & Modupe, 2023).
O processo de gestão de projetos inovadores requer habilidade para negociação, para avaliação do potencial comercial das inovações, a elaboração de um planejamento operacional e organização da gestão das atividades de inovação, além da gestão de todas as fases do projeto de inovação, do trabalho com parceiros e o controle de medidas para promover inovações no mercado ( Kurmanov et al., 2021; Toyin & Modupe, 2023).
No âmbito de empresas de base tecnológica, é relevante o uso de tecnologias digitais que contribuem para o estabelecimento de uma relação complexa e não linear de interdependência dessas tecnologias e das habilidades, sendo que ambas coevoluem ( Ciarli et al., 2021). O desenvolvimento de competências digitais para essas empresas é importante para internacionalização e expansão ( Cahen & Borini, 2020). Além do uso de tecnologias, o desenvolvimento de novas ideias necessita de conhecimento externo, tais como fornecedores, universidades, clientes, empresas de consultoria, competidores, inventores externos, institutos de pesquisa e os chamados brokers ( Salter et al., 2014). Por isso, os inovadores precisam se manter atualizados com as mudanças mercadológicas e tecnológicas ( Alves Filho et al., 2019).
É importante ressaltar ainda que empresas de base tecnológica são suscetíveis à internacionalização e, nesse sentido, Kurmanov et al. (2021) consideram que são importantes as habilidades de escrita e negociação, domínio de línguas e culturas estrangeiras, ética, habilidades de apresentação e capacidade de interação multifuncional e interdisciplinar.
Na Tabela 1 estão sintetizadas as competências para inovação apontadas por autores.
Vale ressaltar que cada organização irá exigir habilidades distintas que complementarão as competências citadas na Tabela 1, formando assim um conjunto de habilidades necessárias para o desempenho das atividades organizacionais ( Andreu-Andrés et al., 2018).
As competências são entendidas como um conjunto de conhecimentos, habilidades e atitudes essenciais para os gestores que atuam com saúde ( Peruzzo et al., 2020). Segundo Perez et al. (2021) e Peruzzo et al. (2020), são necessárias estratégias para desenvolver os gestores de serviços de saúde, visando melhorar suas capacidades de gestão, isso porque as competências na saúde impactam diretamente a eficiência dos processos, a qualidade do cuidado prestado, bem como a satisfação dos pacientes e a eficácia nas políticas de saúde.
As competências para inovação são cruciais para superar os desafios presentes na gestão em saúde ( Ferreras-Garcia et al., 2021; Keinänen et al., 2018; Marín García et al., 2013). Chakraborty et al. (2021) destacam a necessidade de haver novas formas de gestão na saúde e a integração de tecnologias informacionais.
Os recursos humanos e materiais são fundamentais para as healthtechs, que estão inovando em áreas tradicionais, como gestão hospitalar e prontuário eletrônico ( Chakraborty et al., 2021). A pandemia de Covid-19 acelerou o desenvolvimento e a adoção de soluções tecnológicas na saúde, como a telemedicina ( Pereira et al., 2021); a transformação tecnológica está revolucionando a maneira como a saúde é gerenciada e entregue, com benefícios como tomada de decisão mais inteligente, otimização de tempo e melhoria na qualidade do atendimento ( Araujo et al., 2024). Para além da telemedicina, outras tecnologias digitais vêm sendo aplicadas na saúde, incluindo a internet das coisas, blockchains, manufatura aditiva, big data, inteligência artificial, computação em nuvem e realidade aumentada e virtual ( Ciarli et al., 2021).
Empresas tecnológicas que atuam na saúde, como as healthtechs, precisam lidar com imprevistos e promover o pensamento inovador, trabalhar em equipe, liderar e comunicar-se eficazmente, mas precisam manter o controle interno, bem como o monitoramento e a melhoria contínuos ( Chakraborty et al., 2021). Essas empresas precisam cultivar uma cultura que promova a criatividade, a colaboração e a capacidade de adaptação ( Pereira et al., 2021).
Outras competências na área da saúde são: administração e gerenciamento de recursos, conhecimento em relação aos cuidados em saúde, comunicação interpessoal e liderança ( Perez et al., 2021; Peruzzo et al., 2020).
Vieira et al. (2019) identificaram um conjunto de vinte competências técnicas para a área da saúde, distribuídas em cinco eixos temáticos: economia e demografia; política, planejamento e avaliação em saúde; gestão do trabalho e educação em saúde; administração e contabilidade; e metodologias estruturantes. Entre as competências técnicas, os autores identificaram o conhecimento de políticas de saúde, economia e educação da saúde, bem como planejamento e avaliação em saúde. Entre as competências comportamentais, destacam-se: ética, trabalho em equipe, resiliência e relacionamento interpessoal. No caso de healthtechs, competências empreendedoras também são importantes em razão da relevância do papel dos empreendedores nessas empresas.
Cualheta et al. (2020) sugeriram a mensuração de competências empreendedoras, partindo da análise de cinco fatores: a) competências para elaborar o modelo de negócios; b) competências para vender e assumir riscos; c) competências para identificar oportunidades; d) competências para aceitar erros; e e) competências de trabalho em equipe.
Deste modo, as competências para healthtechs abrangem competências para empresas inovadoras e empresas que desejam se internacionalizar, e também competências empreendedoras específicas na área da saúde. Todas elas desempenham um papel crucial na capacidade de lidar com os desafios complexos e as oportunidades de transformação proporcionadas pela tecnologia. Ao desenvolver e fortalecer essas competências, os profissionais e as organizações poderão não apenas enfrentar os desafios atuais, mas também prosperar em um ambiente em constante evolução, com demanda crescente.
Esta é uma pesquisa de natureza aplicada, com abordagem qualitativa e objetivos exploratórios, instrumentalizada por uma pesquisa bibliográfica e pela condução do método Delphi.
O método Delphi foi conduzido com vistas a obter o consenso de um grupo de especialistas, por meio de rodadas de questionários intercalados por feedbacks, sobre quais competências são relevantes para atuar em healthtechs. O Delphi proporciona uma forma para estruturar um processo de comunicação em grupo que seja eficaz e permita aos indivíduos lidarem com problemas complexos ( Linstone & Turoff, 2002). Trata-se de uma técnica sistemática para coletar opiniões de especialistas no assunto e validá-las cientificamente ( Meyrick, 2003; Munaretto et al., 2013; Wright & Giovinazzo, 2000). Na área médica, o método vem sendo amplamente utilizado para lidar com estimativas de necessidade e conveniência de pesquisas, bem como a utilização de dados históricos para determinar a incidência de doenças e a taxa de sucesso de vários tratamentos ( Linstone & Turrof, 2002).
Diversas são as fases para conduzir o Delphi em pesquisas. Costa (2021), Haughey (2010), Marques e Freitas (2018) e Skulmoski et al. (2007) indicam sete etapas essenciais: (1) escolha de um mediador responsável por contatar especialistas, enviar questionários, analisar dados e apresentar feedbacks; (2) estabelecimento claro do problema e dos objetivos da pesquisa; (3) seleção dos especialistas; (4) convite aos especialistas para participar da pesquisa (ao fim de breve explicação); (5) condução das rodadas de questionários e envio de feedback entre as rodadas; (6) busca de consenso em duas a quatro rodadas de consulta, buscando 75% de unanimidade; e (7) análise dos dados e elaboração do relatório final depois de estabelecido o consenso. Essas etapas estão representadas na Figura 1.
Na primeira etapa do Delphi (escolha de mediador), a condução do método foi facilitada pelas pesquisadoras, as quais foram responsáveis por contatar os especialistas, enviar os questionários, analisar os dados e apresentar o feedback entre as rodadas. Na segunda etapa, os objetivos foram determinados de acordo com o objetivo desta pesquisa, qual seja: apresentar um conjunto de competências para inovação para empreendedores de healthtechs. Na terceira (seleção de especialistas para participar das rodadas de questionário), efetuou-se uma pesquisa no Google Busca com a utilização dos termos " healthtechs paranaenses", " startups da área da saúde no Paraná" e " healthtechs no estado do Paraná". Nesta busca, foram identificadas cinco healthtechs, além do site startupbase.com.br, onde é possível filtrar startups por segmento e estado, onde estão localizadas 29 healthtechs, totalizando 34 healthtechs paranaenses.
Na quarta etapa (convite aos especialistas), uma mensagem eletrônica foi encaminhada para as 34 healthtechs paranaenses identificadas na fase anterior, solicitando a participação nas rodadas de questionário; 22 responderam positivamente, portanto, 65% dos empreendedores das healthtechs aceitaram participar da primeira rodada de questionário. A segunda rodada de questionários contou com a participação de 20 desses empreendedores, uma vez que dois não responderam aos contatos efetuados.
Para a quinta etapa, a de condução do questionário, inicialmente esse instrumento foi elaborado com base nas competências identificadas na literatura e na contribuição de empreendedores de healthtechs e de pesquisadores de instituições de ensino superior (IES) que atuam em programas de pós-graduação na área da saúde e/ou inovação, os quais foram convidados a participar de uma entrevista com vistas a fornecer informações para a elaboração do questionário. Dessa etapa, participaram sete empreendedores de healthtechs e cinco pesquisadores. Conforme Minayo e Costa (2018), os entrevistados podem fornecer informações subjetivas e percepções que constituem a representação da realidade, as quais são expressas em opiniões, comportamentos, ideias e ações dos entrevistados, o que auxilia na compreensão da realidade investigada.
Para selecionar os pesquisadores, foi realizada uma pesquisa no site de dois programas de pós-graduação s tricto sensu do estado do Paraná, um da área de saúde de uma instituição privada e outro de inovação de uma instituição pública. A escolha desses programas foi efetuada por meio de seleção intencional, em que, de acordo com Saunders e Townsend (2019), o pesquisador tem a intenção de selecionar participantes e, portanto, procura pessoas com determinado perfil com base no seu julgamento, considerando o problema de pesquisa. Prosseguindo, analisou-se o currículo dos pesquisadores vinculados a esses programas, com vistas a verificar se o foco de suas pesquisas se alinhava aos objetivos deste estudo. Deste modo, cinco foram selecionados, sendo dois da área da saúde e três de inovação. Em seguida, uma mensagem eletrônica foi encaminhada a esses pesquisadores solicitando a participação na pesquisa; todos responderam positivamente. Participaram da entrevista para a elaboração do questionário 12 pessoas (cinco pesquisadores e sete empreendedores de healthtechs).
As entrevistas foram previamente agendadas e realizadas em novembro de 2022, de forma remota, por meio do Google Meet. Para tanto, foi utilizado um roteiro composto por quatro questões: (1) De acordo com sua experiência, quais são as competências para atuar na área da saúde? (2) De acordo com sua experiência, quais são as competências para atuar em uma startup? (3) De acordo com sua experiência, quais são as competências para empreender na área da saúde? (4) De acordo com sua experiência, quais são as competências para trabalhar com inovação na área da saúde?
As entrevistas com os 12 especialistas foram transcritas, totalizando 21 páginas. Analisando-se a temática desses dados, identificou-se um conjunto de 34 competências, as quais foram agrupadas em quatro categorias: (a) cinco competências para atuar na área da saúde; (b) sete para trabalhar em startup; (c) nove para empreender na área da saúde; e (d) 13 para trabalhar com inovação na saúde, conforme sistematizado na Figura 2.
Em seguida, tendo como base as competências identificadas na literatura e indicadas pelos de empreendedores de healthtechs e de pesquisadores das IES, elaborou-se o primeiro questionário para a condução do Delphi, construído no Google Forms, estruturado em cinco blocos com 14 questões, das quais: (a) seis eram abertas e relacionavam-se à identificação da startup e do respondente da pesquisa; (b) quatro eram afirmativas e solicitavam ao respondente indicar o nível de importância das competências necessárias para cada uma das quatro categorias — atuar na saúde, atuar em startup, empreender na saúde e inovar na saúde; e (c) quatro eram questões abertas que solicitavam indicar se havia alguma competência considerada necessária que não tivesse sido listada em cada uma das categorias.
Nas afirmativas, utilizou-se uma escala de opinião do tipo Likert, com cinco pontos, cujas respostas oscilavam desde o nível 1 (sem importância) até o nível 5 (muito importante). Likert é uma escala para mensurar atitudes ou opiniões, usando, tradicionalmente, cinco pontos para avaliar a intensidade com que alguém concorda ou discorda de um conjunto de afirmações ( Antonialli et al., 2016). Esse questionário foi encaminhado, por mensagem eletrônica, aos 22 empreendedores de healthtechs que aceitaram o convite para participar da pesquisa, conforme a quarta etapa do método.
Baseando-se nos resultados desse primeiro questionário, posteriormente, um segundo questionário contendo, em forma de gráficos ( Apêndice 1), o feedback da primeira rodada, foi elaborado no Google Forms e enviado por mensagem eletrônica aos 22 empreendedores de healthtechs. Esse questionário foi composto por oito questões, sendo quatro fechadas, dicotômicas, que solicitavam informar se os empreendedores concordavam ou discordavam das competências listadas em cada uma das categorias, e quatro abertas, que solicitavam aos respondentes indicar se teriam alguma crítica ou sugestão referente ao resultado da ordem de importância das competências listadas. Responderam a este questionário 20 empreendedores de healthtechs.
A sexta etapa do Delphi (consenso entre as rodadas de consulta aos empreendedores de healthtechs) foi executada usando-se o percentual recomendado pelo método, i.e., o mínimo de 75% de conformidade para cada competência relacionada no questionário, e caso esse valor não fosse alcançado, a competência seria então desconsiderada para a próxima rodada de questionários. Foram necessárias duas rodadas para estabelecer o consenso entre os empreendedores de healthtechs. Como afirmam Gallego et al. (2008), quanto maior o número de rodadas, mais lenta será a convergência entre os especialistas. Outras pesquisas ( Lima et al., 2008; Linstone & Turoff, 2002; Munaretto et al., 2013) que utilizaram o método Delphi, comprovam que o número recomendado de rodadas é dois ou três.
Por fim, na sétima e última etapa do Delphi (análise dos dados obtidos com a condução do método), os resultados do primeiro questionário foram exportados para uma planilha do Microsoft Excel e, em seguida, atribuídos valores numéricos a cada um dos níveis de importância da escala Likert, conforme demonstrado no Tabela 2. Essa atribuição numérica foi necessária para identificar o percentual do nível de importância de cada competência investigada.
Para estabelecer o consenso sobre cada competência desse primeiro questionário, considerou-se que, no mínimo, 75% dos especialistas deveriam avaliá-la como importante ou muito importante. Osresultados obtidos foram apresentados por meio de representação gráfica de colunas, que são gráficos simples e eficientes na demonstração dos resultados ( Loch, 2006).
A análise dos dados do segundo questionário consistiu na verificação do consenso dos especialistas em relação aos resultados obtidos com a condução do primeiro questionário. Assim, o consenso também foi estabelecido quando 75% dos especialistas concordassem com a lista de competências sugeridas.
Por fim, ressalta-se que esta pesquisa foi aprovada por um comitê de ética em pesquisa, com vistas a salvaguardar a dignidade, os direitos, a segurança e o bem-estar dos sujeitos da pesquisa. Foi entregue aos participantes respondentes o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que apresentava os aspectos éticos, tais como confidencialidade dos participantes, garantia do anonimato e adesão voluntária à pesquisa.
Os resultados decorrentes da primeira e segunda rodadas do método Delphi são apresentados nas subseções a seguir.
As healthtechs estão em operação há no máximo cinco anos, possuem uma quantidade reduzida de colaboradores e propõem soluções em sua maioria para o segmento de bem-estar das pessoas. Seus fundadores, por sua vez, têm entre 20 e 29 anos e formação acadêmica em áreas distintas da saúde.
Para compreender o ponto de vista dos empreendedores de healthtechs em relação à importância das competências necessárias para atuar na área da saúde, solicitou-se a estes indicarem o nível de importância das seguintes competências: empatia, ética, formação técnica, humanização e trabalho em equipe. Os resultados evidenciam que todas as cinco competências foram consideradas como muito importantes. Houve unanimidade em relação à ética ser uma competência muito importante para atuar na área da saúde. Na Tabela 3, visualiza-se o resultado da pesquisa com os empreendedores de healthtechs para as competências avaliadas como importante e muito importante e respectivos percentuais.
Como se pode observar na Tabela 3, houve consenso entre os empreendedores de healthtechs em relação às competências para atuar na saúde, o que se deve ao fato de estarem intimamente ligadas aos serviços prestados nessa área. Cangussu et al. (2020) explicam que a humanização na saúde remete a um resgate da forma de cuidar que respeite os princípios básicos da ética e dos direitos do paciente. Por sua vez, a empatia, para esses autores, é necessária no trabalho em equipe para que os saberes sejam compartilhados e ser ofertado ao paciente um serviço de qualidade.
Sobre trabalho em equipe, Peduzzi et al. (2020) apontam que se trata de uma prática colaborativa interprofissional que contribui para melhorar o acesso à saúde de qualidade, com potencial para produzir os melhores resultados na atenção à saúde de pacientes, familiares e comunidade.
Para compreender o ponto de vista dos empreendedores de healthtechs em relação à importância das competências necessárias para atuar em startups, solicitou-se a estes indicarem o nível de importância das seguintes competências: criatividade, disciplina, empatia, foco em resultados, inglês fluente, inteligência emocional e proatividade. Na Tabela 4 visualiza-se o resultado da pesquisa com os empreendedores de healthtechs para as competências avaliadas como importantes e muito importantes e respectivos percentuais.
Os dados da Tabela 4 evidenciam consenso entre os empreendedores de healthtechs quanto ao fato de que criatividade, disciplina, foco em resultados, inteligência emocional e proatividade são competências necessárias para atuar em startups, o que não ocorreu quanto à empatia e inglês fluente. Para 50% dos participantes, não é necessário ter inglês fluente para atuar em startups, e para 32%, a empatia não é essencial. No entanto, esse resultado não define que a empatia não seja importante em startups, mas sim que, em relação às demais competências apresentadas, seu nível de importância é menor. No caso do inglês fluente, foi indicado na entrevista como uma competência caso a startup tenha pretensão de expandir seu negócio para outros países.
A proatividade e a criatividade são competências essenciais para a atuação em startups, visto tratar-se de empreendimentos inovadores, que sofrem mudanças constantes. Autores como Ferreras-Garcia et al. (2021) e Ovbiagbonhia et al. (2019) ressaltam que a criatividade é uma das competências para inovação, o que a torna ainda mais relevante nesse tipo de empreendimento. Por sua vez, disciplina é essencial para qualquer empreendimento. Uma pessoa disciplinada é aquela que segue ordens, métodos ou regras, sendo sinônimo de pessoas ordeiras, metódicas, organizadas e sistemáticas ( Disci, 2023).
Já a inteligência emocional diz respeito à habilidade do indivíduo de gerir as próprias emoções e refletir, regulando essas emoções para um crescimento emocional e intelectual ( Costa et al., 2023). Já o foco em resultados se refere à capacidade de articular esforços a fim de alcançar objetivos e metas, contudo, para chegar ao resultado esperado, deve existir um foco inicial, uma origem para a ação ( Rahn, 2017).
Para compreender o ponto de vista dos empreendedores de healthtechs em relação à importância das competências necessárias para empreender na área da saúde, solicitou-se a estes indicarem o nível de importância das seguintes competências: compreensão jurídica, entusiasmo, experiência na área da saúde, negociação, persistência, proatividade, relacionamento interpessoal, resiliência e visão de mercado. Os resultados evidenciam que essas nove competências foram consideradas como muito importantes. Na Tabela 5, visualiza-se o resultado da pesquisa com os empreendedores de healthtechs para as competências avaliadas como importantes e muito importantes e respectivos percentuais.
Os resultados apresentados na Tabela 5 mostram que houve consenso entre os empreendedores de healthtechs quanto ao fato de que proatividade, resiliência, visão de mercado, persistência e relacionamento interpessoal são competências necessárias para empreender na área da saúde, o que não ocorreu em relação a negociação, entusiasmo, experiência na área da saúde e compreensão jurídica. As competências que obtiveram consenso são, de modo geral, necessárias para qualquer empreendimento, não apenas da área da saúde. Como afirmam Braum e Nassif (2018), para que o empreendedor possa alcançar seus objetivos, assumindo riscos ao lançar um produto novo, precisa de criatividade e visão de mercado para novos negócios. Por sua vez, o potencial proativo nas ações auxilia no avanço de práticas profissionais ( Richter et al., 2019), e a resiliência é considerada como fator decisivo, pois caso o empreendedor não seja resiliente ele pode abandonar o negócio em momentos de crise.
Quanto ao relacionamento interpessoal, Eloia et al. (2019) destacam sua importância para o trabalho em saúde com vistas a estabelecer vínculos saudáveis, que gerem sentimentos positivos e facilitem a harmonia entre as pessoas. A persistência também é considerada uma competência para empreender, visto que, em virtude das dificuldades para iniciar um negócio, é fundamental aos empreendedores se manterem persistentes na busca de seus objetivos. Sánchez-García e Suárez-Ortega (2017) mencionam que a persistência está relacionada a não desistir diante de obstáculos impostos a um negócio e se esforçar para atingir as metas estabelecidas.
Com respeito às competências que não alcançaram consenso entre os empreendedores de healthtechs, i.e., negociação, entusiasmo, experiência na área da saúde e compreensão jurídica, 68% dos participantes da pesquisa indicaram a negociação como importante ou muito importante, o que se justifica por se tratar de uma competência ligada ao empreendedorismo. A negociação é um fator relevante para o desenvolvimento do negócio, na medida que o empreendedor não trabalha sozinho e existe a necessidade de firmar parcerias. Assim, é fundamental compreender as complexidades envolvidas em um processo de negociação para estabelecer relacionamentos duradouros e vantajosos para ambas as partes.
A despeito de não atingir percentuais que implicassem em consenso entre os participantes, os empreendedores de healthtechs concordam que o entusiasmo é uma competência necessária para empreender na saúde, uma vez que 64% consideram essa competência como importante e muito importante. O entusiasmo está relacionado à determinação, que se traduz em dedicação e foco no que se pretende alcançar, portanto, manter-se entusiasmado com uma ideia permite o engajamento para o cumprimento das metas estabelecidas.
Contudo, a experiência na área da saúde foi indicada por 63% dos participantes como sendo importante ou muito importante, o que se alinha com o que Barbosa (2018) descreve sobre empreender na saúde, quando destaca que se foi o tempo que, para atuar no setor da saúde, era necessária a formação em cursos tradicionais ligados à área, pois atualmente é possível empreender e propor inovações que impactam positivamente o setor sem formação específica, por meio das healthtechs, que precisam alinhar a tecnologia aos serviços de saúde. Entretanto, nesta pesquisa, esse resultado pode ser explicado pelo fato de que apenas 30% dos empreendedores das healthtechs têm formação na área da saúde.
Com relação à compreensão jurídica, esta foi indicada como importante ou muito importante para 59% dos empreendedores de healthtechs. Em qualquer negócio, compreender as leis que regem suas atividades é essencial, em especial no setor da saúde, no qual existem protocolos e leis que devem ser atendidos. No entanto, para empreender em saúde, por mais que seja relevante a pessoa ter uma compreensão, mesmo que básica, de fatores jurídicos, ela também pode receber assistência externa especializada.
Para compreender o ponto de vista dos empreendedores de healthtechs em relação à importância das competências necessárias para inovar na área da saúde, solicitou-se a estes indicarem o nível de importância das seguintes competências: comunicação, criatividade, liderança e influência social, negociação, habilidades com ferramentas tecnológicas, networking empresarial, pensamento disruptivo, persistência, proatividade, relacionamentos interdisciplinares, solução de problemas complexos, trabalho em equipe e visão de mercado. Os resultados evidenciam que essas 13 competências foram consideradas como muito importantes para todos os participantes da pesquisa. Na Tabela 6, visualiza-se o resultado pesquisa com os empreendedores de healthtechs para as competências avaliadas como importantes e muito importantes para inovar na saúde e respectivos percentuais.
Como se pode observar na Tabela 6, houve consenso (acima de 75%) entre os participantes em relação às 13 competências. Esse resultado corrobora a literatura, uma vez que oito delas (criatividade, solução de problemas complexos, networking empresarial, comunicação, habilidade com ferramentas tecnológicas, liderança e influência social, trabalho em equipe e relacionamentos interdisciplinares) foram identificadas como competências para inovação, conforme apresentado na Tabela 7.
Assim, as 13 competências ( Tabela 6) indicadas pelos empreendedores de healthtechs como necessárias para atuar com inovação na área da saúde se alinham com o identificado na literatura sobre o tema competências para inovação. As outras cinco apontadas por esses empreendedores (persistência, visão de mercado, proatividade, negociação e pensamento disruptivo) se alinham às competências para empreender e inovar.
A segunda rodada de questionários consistiu na verificação do consenso entre os especialistas em relação aos resultados obtidos com a condução do primeiro questionário. Essa rodada contou com a participação de 20 especialistas. Os resultados estão sistematizados na Figura 3.
Observa-se, na Figura 3, consenso entre os especialistas em relação às competências presentes em cada uma das quatro categorias. As competências para atuar em startup (criatividade, disciplina, foco em resultados, inteligência emocional e proatividade) foram as que obtiveram maior consenso (95%), pois 19 dos 20 empreendedores de healthtechs indicaram concordar com tais competências. Com 85% de consenso estão as competências para empreender na área da saúde (persistência, proatividade, relacionamento interpessoal, resiliência e visão de mercado). Nessa categoria, houve concordância de 17 dos 20 empreendedores. As competências para atuar na área da saúde (empatia, ética, formação técnica, humanização e trabalho em equipe) alcançaram 80% de consenso, uma vez que 16 dos 20 empreendedores de healthtechs afirmaram concordar com essas competências.
Por fim, as competências para inovar na área da saúde (comunicação, criatividade, habilidades com ferramentas tecnológicas, liderança e influência social, negociação, networking empresarial, pensamento disruptivo, persistência, proatividade, relacionamentos interdisciplinares, solução de problemas complexos, trabalho em equipe e visão de mercado) foram as que obtiveram menor consenso (75%).
Deste modo, seguindo a recomendação do método Delphi, o consenso entre os participantes da pesquisa foi estabelecido, resultando em 28 competências ( Figura 3), que foram analisadas com vistas a identificar as competências para atuar em healthtechs.
As 28 competências que obtiveram consenso entre os empreendedores de healthtechs foram ordenadas alfabeticamente e excluídas aquelas em duplicidade (6), restando 22 que, na opinião desses empreendedores, são consideradas necessárias para atuar em healthtechs. Essas 22 competências são aderentes àquelas elencadas na literatura como necessárias para o desenvolvimento da inovação. Dessas, 13 são consideradas como competências para inovação, conforme detalhado na Tabela 8.
As duas últimas competências apresentadas na Tabela 8 são essenciais para atuar na saúde ( Peruzzo et al., 2020). Salienta-se, no entanto, que os empreendedores não consideraram como competências importantes para inovar na saúde o domínio de tecnologias ( Ciarli et al., 2021) e de competências digitais ( Cahen & Borini, 2020; Noronha et al., 2022). Outro ponto pouco valorizado foi o conhecimento do idioma inglês e de aspectos culturais, os quais são citados na literatura como competências importantes para ampliar níveis de internacionalização ( Kurmanov et al., 2021).
Observa-se também que entre as competências que representam consenso não aparece a avaliação do potencial de mercado de inovações ( Kurmanov et al., 2021; Toyin & Modupe, 2023). Por fim, Chakraborty et al. (2021) e Vieira et al. (2019) destacam a relevância do monitoramento e da melhoria contínua na saúde, bem como o conhecimento de políticas, planejamento e avaliação da saúde, que não foram indicadas pelos empreendedores de healthtechs.
Este estudo contou com a participação de especialistas em inovação e saúde, bem como de empreendedores de startups na área da saúde, e teve como objetivo apresentar um conjunto de competências para inovação para empreendedores de healthtechs. Os resultados mostraram o conjunto de 22 competências para empreendedores de healthtechs, como disposto na Figura 4.
Esse conjunto de competências é multidimensional, abarcando conhecimentos necessários para atuar em saúde, em startups, bem como para empreender e inovar. Essas competências demonstram que os empreendedores de healthtechs precisam buscar conhecimento fora de seus domínios para desenvolver competências ( Martins, 2020).
Considerando o avanço das healthtechs no Brasil e, consequentemente, o aumento da competitividade, o preparo dos empreendedores que atuam nesse setor, por meio de competências, pode propiciar melhoria dos seus processos e/ou criação de novas formas de gestão da saúde, além de integrar tecnologias informacionais ( Chakraborty et al., 2021).
As competências sugeridas na Figura 4, quando desenvolvidas, trarão contribuições práticas para as empresas, a saúde e os empreendedores, como pode ser observado a seguir.
Em nível macro, a melhoria de competências de empreendedores de healthtechs pode impactar a qualidade do cuidado prestado, bem como a satisfação dos pacientes e a eficácia de políticas públicas na saúde ( Perez et al., 2021; Peruzzo et al., 2020). Uma contribuição significativa que as startups podem oferecer para a saúde, em âmbito geral, é a agilidade na solução de problemas por meio de tecnologias e, nesse sentido, o aprimoramento dessas competências tende a favorecer a agilidade na solução de problemas complexos e críticos na saúde ( Sartori et al., 2023).
Em nível micro, as competências para healthtechs, listadas neste estudo, podem ser desenvolvidas com as equipes, buscando elevado desempenho. Compreender quais habilidades são necessárias em ambientes inovadores pode fortalecer os níveis de conhecimento e inovação das equipes, bem como o processo de cocriação ( Sveiby, 2000), o que é fundamental para as startups. Para os empreendedores, as competências sugeridas tendem a favorecer os seguintes aspectos:
lidar com imprevistos, criar valor e soluções inovadoras ( Gomes Júnior, 2013; Stefano et al., 2020);
lidar com escassez de recursos ( Chakraborty et al., 2021);
melhorar habilidades para negociação e relacionamentos com equipe e parceiro ( Alves Filho et al., 2019; Malec & Stańczak, 2022; Toyin & Modupe, 2023);
transformar o conhecimento em ideias inovadoras ( Hsiao et al., 2019; Keinänen et al., 2018);
desenvolver competências da organização ( Oliveira et al., 2019);
criar redes de cooperação ( Keinänen et al., 2018);
melhorar o preparo para interagir com tecnologias, uma vez que a interação entre as habilidades e as tecnologias promove o processo de coevolução dessas startups ( Ciarli et al., 2021);
aprimorar competências empreendedoras ( Man & Lau, 2000);
desenvolver sensibilidade para solucionar problemas sociais ( Perez et al., 2021; Peruzzo et al., 2020).
A Tabela 9 ilustra a associação entre as competências do modelo sugerido nesta pesquisa e a aplicabilidade para os empreendedores de healthtechs.
Por fim, como contribuição prática, esse panorama de competências para healthtechs pode ser utilizado por outros ambientes de inovação (ecossistemas, incubadoras, parques tecnológicos) em processos de capacitação de empreendedores que atuam ou pretendem atuar nesse segmento.
Os resultados desta pesquisa apresentam contribuições para o estudo de competências, explorando o tema em um contexto específico, o de healthtechs. Deste modo, os achados desta pesquisa associaram competências para inovação, atuação na área da saúde e empreendedores de startups, apresentando um recorte original, não explorado em estudos anteriores. Embora outros estudos tenham discutido competências na área da saúde, tais como Perez et al. (2021), Peruzzo et al. (2020) e Vieira et al. (2019), eles não focaram em startups. Considerando que estas apresentam uma dinâmica de ação diferente de médias e grandes empresas, na medida que precisam promover a criatividade, a colaboração e a capacidade de adaptação ( Pereira et al., 2021) e que o empreendedor ocupa um papel central nelas, este estudo traz um enfoque direcionado para competências nesses espaços, especificamente no campo da saúde.
Outra contribuição teórica desta pesquisa refere-se ao uso do método Delphi, não identificado em estudos anteriores sobre competências na saúde. Ao trazer a avaliação de empreendedores e de especialistas sobre competências necessárias para atuação em healthtechs, este estudo apresenta elementos da realidade e do contexto brasileiros, propiciando assim uma análise contextualizada do fenômeno, segundo as lentes dos empreendedores e especialistas que atuam nesse campo.
Por fim, este estudo oferece insights importantes para compreender a inovação em startups brasileiras, evidenciando percepções de empreendedores de healthtechs sobre capacidades necessárias para criar algo, corroborando estudos anteriores, que salientaram a importância do trabalho em equipe e networking ( Andreu-Andrés et al., 2018; Hamad, 2020) para a inovação. Além disso, os resultados desta pesquisa, por meio da percepção de empreendedores, reforçam a importância de competências como humanização, ética e empatia ( Vieira et al., 2019) para atuação na saúde, bem como a valorização de habilidades com ferramentas tecnológicas, que se mostram indispensáveis para empresas inovadoras no campo da saúde ( Chakraborty et al., 2021).
A principal limitação deste estudo está associada ao fato de os empreendedores das startups e os especialistas atuarem apenas no estado do Paraná. Outros estados, que contam com empresas mais antigas, podem trazer novos insights sobre o tema, incluindo competências associadas à internacionalização, que não emergiram neste estudo.
Outra limitação diz respeito à busca de consenso com especialistas e empreendedores de healthtechs. Estudos futuros podem abranger usuários da saúde e formuladores de políticas públicas, ampliando o olhar externo sobre as competências importantes para atuação em healthtechs.
Ainda como estudos futuros, convém salientar que as healthtechs não representam um segmento homogêneo. Com isso, estudos setorizados podem evidenciar outros aspectos singulares a serem observados para competências de healthtechs. Outra avenida de pesquisa pode ser direcionada para avaliar efeitos dessas competências na expansão de healthtechs, o que pode ocorrer no âmbito de outros ambientes de inovação.
*Autor correspondente: pryscyla martins@hotmail.com