O ensino de 2° grau no Rio Grande do Norte entre 1971 e 1996
Second degree teaching in Rio Grande do Norte during the decades of 1970 and 1990
O ensino de 2° grau no Rio Grande do Norte entre 1971 e 1996
Research, Society and Development, vol. 5, núm. 4, pp. 338-350, 2017
Universidade Federal de Itajubá

Recepção: 28 Junho 2017
Aprovação: 01 Agosto 2017
Resumo: Neste trabalho, busca-se analisar as ações do estado do Rio Grande do Norte (RN) para implantação do sistema de ensino profissional de 2º grau entre as décadas de 1970 e 1990. Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica e documental, na qual as fontes foram coletadas na Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do estado do Rio Grande do Norte. No processo de compreensão e investigação do objetivo de estudo, questiona-se: quais as ações produzidas pelo estado do Rio Grande do Norte para a implantação do ensino de 2° grau? Os resultados parciais da pesquisa indicam três categorias de escolas existentes no período: as criadas, as transformadas e as estadualizadas. Também se pode constatar que o estado do RN teve escolas de ensino de 2° grau em todas as suas quatro mesorregiões, assim como ainda se verifica que a distribuição dessas instituições de ensino não manteve um critério explicito ou inerte. O que se averigua é um maior número de escolas concentradas nas regiões mais urbanizadas e nas proximidades da capital do estado.
Palavras-chave: Ensino de segundo grau, História da Educação, Educação Profissional.
Abstract: This paper tries to analyze the actions developed by the government of Rio Grande do Norte (RN) to implement the professional second degree level in the schools of the state, between the decades of 1970 and 1990. It is both a bibliographical and documental study, with sources collected in the Rio Grande do Norte’s Secretary of Education and Culture. On the process to understand the subject of study, the main question is: which actions did the State develop to implement the changes on the second degree at the period in focus? The partial results indicate three categories of schools at that time: the created schools, the transformed schools and the schools assumed by the state. The results also indicate that the state of RN had high schools in all its mid regions, and the distribution of these teaching institutions among its regions did not had a clear criteria. What this paper concludes is that more schools were implemented in urban areas next to the capital of the state than in the regions away of the urban centers.
Keywords: Second degree level of teaching, History of Education, Professional Education.
1. Introdução
Neste trabalho, busca-se analisar as ações do estado do Rio Grande do Norte (RN) para implantação do sistema de ensino de 2º grau entre as décadas de 1970 e 1990. O objetivo é fazer o levantamento da disposição e distribuição das instituições de ensino no estado. Como foi ocorrendo a implantação dessas escolas ao longo do período investigado. No processo de compreensão e investigação, questiona-se: quais as ações produzidas pelo estado do RN para a implantação do ensino de 2° grau?
Trata-se de um estudo de revisão bibliográfica e documental cujas fontes foram coletadas na Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do estado do Rio Grande do Norte (SEEC), na Subcoordenadoria de Organização e Inspeção Escolar (SOINSPE), nos livros de abertura e inspeção das escolas das Diretorias Regionais de Educação e Cultura (DIRED).
No que tange à metodologia, foi necessário criar um código para análise das fontes, posto que foram encontrados um total de 169 documentos. Para explicar a codificação, usa-se como exemplo o documento D15LUE40. A nominação significa: D15 = Dired 15ª; LU: L = Livro e U = único, caso haja mais de um livro haverá um número, como por exemplo: LI, LII e assim sucessivamente; E40: E = Escola e 40 é o número da página que se encontra o registro no livro.
Este trabalho se estrutura em três tópicos. O primeiro situa o leitor, de forma breve, no que concerne à compreensão da Lei n. 5.692/71 e da conjuntura nacional. O segundo tópico já faz referência à história da educação do estado do RN, no qual são apresentados e analisados os dados da pesquisa documental. Por fim, as considerações finais fazem um levantamento geral dos resultados a que se chegou ao longo do estudo.
2. A Lei n 5.692/71 e o ensino de 2º grau na conjuntura nacional: uma breve contextualização
Mesmo sabendo que o objetivo desse trabalho não é o próprio ensino de 1º e 2º graus, se faz necessário, ainda que de forma aligeirada, explicar o que foi essa proposta de educação e seus objetivos, sua organização, para que e para quem se propunha. Dessa maneira, ficarão mais claras e compreensíveis as nuances do ensino técnico profissionalizante e as finalidades da Lei n. 5.692 de 11 de agosto de 1971, que tornou esse sistema educativo obrigatório em todo o território nacional.
No período do regime militar ocorreram duas grandes reformas na educação brasileira. A primeira delas foi a reforma do ensino superior, promulgada por meio da Lei n. 5.540, de 11 de novembro de 1968, e a reforma do ensino de 1º e 2º graus, constituída pela Lei n. 5.692/71. A reforma universitária ocorreu em um momento de muita efervescência dos movimentos sociais, enquanto a segunda aconteceu em um momento no qual as manifestações populares contra o regime militar tinham sido abafadas devido a efetividade do Ato Institucional de número 5 (AI-5), assinado em 13 de dezembro de 1968, pelo então presidente da república, o general Costa e Silva.
Mesmo neste período, conhecido como “linha dura”, a resistência não parou totalmente, Harbert (1996, p. 32) afirma que durante esse período “[...] manifestaram-se várias formas de resistências empreendidas por organizações de esquerda, grupos operários, populares, estudantis, intelectuais, artistas, setores da Igreja, parlamentares de oposição”. O início da década de 1970 também foi de grande desenvolvimento econômico no país, ficando conhecido como milagre econômico.
Foi nesta conjuntura nacional, brevemente comentada, que a reforma de 1° e 2° graus se constituiu no país. No caso do ensino de 1° grau ocorreu a fusão dos ramos do 1° ciclo, dando ênfase à educação geral e propedêutica, porém havia a sondagem vocacional e a iniciação para o trabalho já neste período. Enquanto no 2° grau houve a fusão de todos os ramos do 2° ciclo: o ensino normal, o ensino técnico industrial, o ensino técnico comercial e o ensino agrotécnico. As escolas de ensino médio (2° grau) passariam, obrigatoriamente, a fornecer o ensino técnico profissionalizante. O ensino público de 2° grau profissionalizante tinha um currículo que compreendia as disciplinas gerais apenas no primeiro ano do 2° grau e os dois anos posteriores voltados exclusivamente para as disciplinas da área profissional do estudante em formação.
A Lei n. 5.692/71 tornou o ensino profissionalizante universal e compulsório e tinha como objetivo para o ensino de 1º e 2º graus, conforme descrito em seu Art. 1º, “proporcionar ao educando a formação necessária ao desenvolvimento de suas potencialidades como elemento de auto-realização, qualificação para o trabalho e preparo para o exercício consciente da cidadania.” (BRASIL, 1971, grifo nosso). A relação entre educação e produtividade demonstra que essa proposta de ensino prepararia o aluno predominantemente para o trabalho manual, pois essa educação se preocupava em formar técnicos para ingresso no mercado de trabalho em todos os espaços da economia. Conforme situa Saviani (2007, p. 157)
[...] após o surgimento da escola, a relação entre trabalho e educação também assume uma dupla identidade. De um lado, continuamos a ter, no caso do trabalho manual, uma educação que se realizava concomitantemente ao próprio processo de trabalho. De outro lado, passamos a ter a educação de tipo escolar destinada à educação para o trabalho intelectual.
O que ocorreu nesse período na educação brasileira foi que dentro do sistema de ensino existiam dois tipos de escola: a pública, preocupada com a preparação para o trabalho, destinada para os pobres e filhos de trabalhadores e as escolas privadas, que continuaram com uma educação propedêutica para a elite brasileira. Segundo Cunha (2005), a profissionalização universal foi a solução encontrada para desviar o foco do público jovem que se candidatava ao ensino superior, pois o alvo a partir de então passaria a ser o mercado de trabalho.
Essa prática aumentou a dualidade na educação e proporcionou aos mais abastados a entrada nas universidades, enquanto os mais pobres, sem as mesmas condições educacionais, ingressavam direto no mercado de trabalho. Apesar de a reforma ter a intenção de dificultar o acesso dos alunos das classes menos favorecidas às universidades, a demanda de candidatos para os concursos de vestibulares não diminuiu.
O último elemento trazido pelo artigo primeiro da Lei n. 5.692/71 expressa que a educação profissionalizante também deveria preparar o discente para o “exercício consciente da cidadania”, que neste momento, talvez, significasse obedecer aos preceitos e as bases ideológicas do regime militar, regidas pela Doutrina de Segurança Nacional.[1] Para Borges (2007, p. 30) “[...] não resta a menor dúvida de que a Doutrina põe em risco a defesa dos direitos humanos, pois exclui os pressupostos mínimos da cidadania”. Dessa forma, pode-se entender que a escola deveria preparar o sujeito para obedecer ao Estado militar sem questionamentos ou manifestações contrárias ao seu querer.
O Art. 2º da Lei n. 5.692/71 determinava que “o ensino de 1º e 2º graus será ministrado em estabelecimentos criados ou reorganizados sob critérios que assegurem a plena utilização dos seus recursos materiais e humanos, sem duplicação de meios para fins idênticos ou equivalentes.” (BRASIL, 1971, grifo nosso). Nota-se neste artigo que os estados teriam liberdade tanto para criar como para reorganizar escolas que permitissem a aplicabilidade do ensino de 1° e 2º graus, o que realmente ocorrerá no Rio Grande do Norte como será possível perceber adiante.
O texto da Lei n. 5.692/71 também especificava que a organização administrativa, didática e disciplinar dos estabelecimentos de ensino seria regulada pelos respectivos Conselhos de Educação de cada estado. A organização das instituições de ensino por meio dos Conselhos Estaduais, referenciada pela Lei n. 5.692/71, é importante, pois norteia a implantação do ensino de 2° grau no estado do Rio Grande do Norte tanto ao criar quanto ao transformar (reorganizar) estabelecimentos de ensino no seu território geográfico para oferecer o ensino técnico profissionalizante.
Após conhecer a proposta de formação da Lei n. 5.692/71, de forma breve, foi feito um levantamento dos principais tópicos da lei que importam para a compreensão e para o melhor entendimento do objeto de estudo deste artigo: as ações produzidas pelo estado do Rio Grande do Norte no que concerne à concretização do sistema de ensino de 2º grau.
3. O ensino de 2º grau no estado do Rio Grande do Norte
No estado do RN a implantação do ensino de 2º grau se inicia na década de 1970, a partir da aprovação da Lei n. 5.692, em 1971, e segue até o ano de 1998, segundo pesquisa realizada na Secretaria de Estado da Educação e da Cultura (SEEC), na Subcoordenadoria de Organização e Inspeção Escolar (SOINSPE), nos livros de abertura e inspeção das Diretorias Regionais de Educação e Cultura (DIREDs). Entretanto, é importante deixar claro que o presente levantamento se ateve até o ano de 1996, quando a Lei n. 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (LDB-96) entra em vigor e consequentemente revoga a Lei n. 5.692/71.
A partir dos livros de abertura e inspeção das escolas, foram detectadas três categorias de instituições gerenciadas pelo estado: escolas criadas, escolas transformadas e escolas estadualizadas. As escolas criadas são aquelas que por meio de decretos, o estado do RN criou com a finalidade de executar o ensino de 2º grau. O segundo tipo, as escolas transformadas, eram estabelecimentos de ensino existentes antes da Lei n. 5.692/71 e o estado as transformou e adaptou para que esses estabelecimentos pudessem fornecer o ensino de 2º grau, neste caso, era necessário que as escolas tivessem um corpo docente capacitado para atuar no ensino técnico profissionalizante, apresentassem uma infraestrutura como laboratórios, salas de aulas e todo o aparato necessário para que pudessem ser desenvolvidos os cursos profissionais. E o terceiro conjunto, as escolas estadualizadas, foram estabelecimentos de educação privados, municipais ou ainda a Campanha Nacional de Escolas da Comunidade (Escolas Cenecistas)[2] que passaram a fazer parte da rede estadual de ensino, em algumas dessas escolas o ensino de 2º grau já existia e o estado passou a se responsabilizar por ele, em outros casos o estado implanta o ensino do 2º grau no ato da estadualização ou algum tempo depois.
Ao todo constatou-se a existência de 169 (cento e sessenta e nove) escolas no estado do RN que forneceram o ensino de 2º grau, e elas foram sendo criadas, transformadas ou estadualizadas ao longo de vinte e cinco anos, entre o período de 1971 e 1996. É bem verdade que o ensino técnico profissionalizante foi previsto na Lei n. 5.692/71 para ser implantado de forma gradual, de acordo com a disponibilidade dos recursos materiais, humanos e didáticos, conforme disposto no Art. 72.
Além desse longo período para a implantação do ensino de 2º grau no território estadual, a maioria das escolas que ofertava este ensino foram as denominas “transformadas”, como se pôde constatar durante a pesquisa na SEEC e conforme demonstra o Gráfico 1:

É importante informar que, para fins de escrita, as “escolas transformadas” podem também ser denominadas de “adaptadas” ao longo desse texto. Posto isso, ao observar o Gráfico 1, fica claro que o maior número de escolas que ofertava o ensino de 2° grau foram as adaptadas, das 169 (cento e sessenta e nove) instituições de ensino técnico profissionalizante, 105 (cento e cinco), um total de 62% (sessenta e dois por cento) delas já existiam e, sofrendo ou não as adequações necessárias para oferecer o ensino de 2° grau, passaram efetivamente a ministrá-lo. Essas escolas, em sua grande maioria, não preenchiam os requisitos mínimos exigidos pela Lei n. 5.692/71. Segundo Cunha (2005, p. 195)
A não ser algumas concessões a essa realidade (implantação gradativa e alguma permissibilidade na titulação dos professores), não se levou em consideração o fato de que grande número de escolas tinham prédios adaptados, sem dispor sequer de instalações adequadas às disciplinas de educação geral, à recreação dos alunos, bibliotecas e laboratórios passíveis de utilização prática.
Pode-se verificar indícios de que várias escolas sofriam com alguma falta de estrutura, quer fosse ela humana ou material. Os indícios são extremamente importantes para este estudo, pois segundo Ginzburg (1989, p. 152) é possível “[...] a partir de dados aparentemente negligenciáveis, remontar uma realidade complexa não experimentável diretamente”. Como os documentos não narram os acontecimentos em sua totalidade, mas apenas trazem alguns dados pontuais, tenta-se, aqui, a partir dos indícios, remontar os fatos.
O exemplo a seguir teve suas percepções construídas a partir da análise do documento como um todo, até mesmo das suas rasuras. Os livros da SEEC indicam problemas tanto na implantação como na execução do ensino de 2° grau. Um dos documentos especifica que a escola, apesar de fazer parte da rede estadual, nunca recebeu nenhum tipo de incentivo financeiro por ocupar um prédio municipal, sendo posteriormente municipalizada, conforme se pode constatar por meio do documento D14L1E53, ao registrar que:
Embora a escola tenha sido transformada em estabelecimento de ensino de 1° e 2° graus com fins de oferecer o 2° grau – 7.044, o Estado não arcou com nenhuma despesa, visto que os alunos eram atendidos na E. M. Fco Gomes Pinto, com professores e funcionários pagos pelo município. A partir de 1996 o município assumiu de fato e de direito o 2° grau, solicitando através do proc: nº 02224/96, a sua regulamentação. (RIO GRANDE DO NORTE, [s.d])
Neste caso, a prefeitura do município assumiu todos os custos com o 2° grau, devido o estado não arcar com as despesas geradas pela escola que, desde o ano de 1994, ofertava o ensino de 2° grau. Não foi encontrada até o momento, na pesquisa, nenhum outro caso semelhante a este, entretanto essa fonte demonstra apenas uma das tantas dificuldades na manutenção do ensino de 2° grau no estado do RN.
Assim, nesta situação, o que se pode notar nitidamente são as relações de força expressas pelos entes federativos. Segundo Remond (2003, p. 20) “[...] as iniciativas dos poderes públicos, as decisões dos governos são apenas a expressão da relação de forças”. Portanto, observa-se que as decisões adotadas pela administração estadual e municipal não foram neutras, de alguma forma expressavam sua força e interesse.
Ao se comparar o total de escolas criadas com o total de escolas adaptadas há uma grande discrepância. Apenas 45 (quarenta e cinco) escolas foram construídas para receber e ofertar o ensino de 2º grau e possivelmente estavam preparadas materialmente e com recursos humanos para tal fim. Do total das escolas, apenas 27% (vinte e sete por cento) delas foram fundadas para o ensino de 2° grau, contra um total de 62% (sessenta e dois por cento) de escolas adaptadas. Das 19 (dezenove) escolas estadualizadas, apenas duas foram criadas para ofertar o ensino de 2° grau, o restante delas foi adaptada.
Se forem somadas as instituições de ensino adaptadas com as estadualizadas, que também foram adaptadas, há um total de 122 (cento e vinte e duas) escolas estaduais que não se constituíram concretamente para o ensino de 2º grau, o que significa dizer que mais de 72% (setenta e dois por cento) das escolas estaduais ofertavam o ensino técnico profissionalizante, mas não foram inicialmente instituídas para esse fim. Ao observar a implantação do ensino de 2° grau a partir das décadas em foco se verifica uma disparidade considerável entre elas, como se pode averiguar no Gráfico 2:

Inicialmente, na década de 1970, existem apenas 21 (vinte e uma) escolas ofertantes do ensino de 2° grau. Já na década de 1980, o estado implanta 104 (cento e quatro) estabelecimentos de ensino com essa modalidade. Enquanto na década de noventa percebe-se um decréscimo, se comparada com a década de 1980, pois até o ano de 1996, foram implantadas apenas 42 (quarenta e duas) escolas. A escola estadualizada na década de 1960 passou a ofertar o ensino de 2° grau apenas em 1990, assim, somada esta escola com as outras 42 (quarenta e dois) que passaram a ofertar o ensino técnico profissionalizante na década de 1990, ao todo foram 43 (quarenta e três) estabelecimentos no período.
Em termos percentuais, a distribuição por décadas se dispõe da seguinte forma: a década de 1970 contemplou apenas 12% (doze por cento) do ensino de 2° grau; a década de 1980 deteve 62% (sessenta e dois por cento), comprovando um acréscimo do ensino profissional; e durante a década de 1990 verifica-se decréscimo, pois foi implantado apenas 25% (vinte e cinco por cento) do total. Ainda nessa conjectura, existe 1% (um por cento) - um estabelecimento de ensino - no qual os documentos não informam a data da sua criação, contudo, por meio dos indícios, pode-se constatar que esse colégio se enquadra na categoria de “escolas criadas”. Quando comparado o panorama macro (gráfico 1) ao cenário em cada mesorregião[3], essa conjuntura piora consubstancialmente ao se analisar as três categorias, conforme demonstra o Gráfico 3 a seguir:

A partir das analises, constata-se que na mesorregião Central Potiguar apenas uma escola foi criada para fins do ensino de 2° grau, enquanto na mesorregião Leste Potiguar, por exemplo, foram criadas 20 (vinte) escolas ao todo. Na mesorregião Oeste foram criadas 14 (quatorze) escolas. Se comparada com mesorregião Leste, a diferença entre as duas não é tão grande, mas quando relaciona-se a quantidade de municípios que as duas mesorregiões comportam, a disparidade é marcante, como se pode ver mais à frente. Na região Agreste foram criadas 10 (dez) escolas, dessa forma, a região Central ficou abaixo da média.
Outro ponto que chama atenção é o fato da mesorregião Oeste ter tido o maior número de escolas estadualizadas no período em análise. Enquanto as outras regiões mantiveram uma média de duas ou três escolas estadualizadas, a Oeste Potiguar teve 11 (onze) instituições estadualizadas. Os documentos analisados até o momento não explicam o que motivava as estadualizações, assim não se percebeu indício de o porquê dessas escolas migrarem para a rede estadual de ensino, contudo, observando-se pelo viés político, Rémond (2003, p. 442) afirma que “ o político não tem fronteiras naturais. Ora ele se dilata até incluir toda e qualquer realidade e absorver a esfera do privado: este é um traço das sociedades totalitárias. Ora ele se retrai ao extremo. Essas variações obedecem a necessidades externas [...]”.
Essas articulações deveriam estar imbuídas do querer e do poder político, das alianças que essa esfera proporcionava. Diante do exposto, se pode afirmar que a esfera pública absorvia a esfera privada em alguns casos, e isso demonstra sua dilatação. Em outros casos, demonstra a sua retração, quando o estado absorvia a própria esfera pública, no caso das escolas municipais.
No que concerne às escolas transformadas, a média de maior número se mantêm na região Leste e Oeste Potiguar, sendo que a região Oeste transforma 33 (trinta e três) escolas, enquanto a Leste transforma 29 (vinte e nove). A região Agreste e a Centro Oeste têm, respectivamente, 24 (vinte e quatro) e 19 (dezenove) escolas transformadas.
Apesar dos critérios de ocupação e distribuição do ensino de 2° grau no estado não serem claros, o que se pode compreender é o fato da região Leste Potiguar, por ser a mais urbana, devido à proximidade com a capital, ocupar em termos comparativos a maior oferta do ensino de 2° grau no estado. Assim, pode-se dizer que as ações do estado do RN na implantação do ensino de 2° grau demonstra uma certa continuidade no que concerne a quantidade de escolas ofertantes desse ensino, contudo, ficam evidentes as oscilações no que tange à concretização desse ensino, devido as dificuldades para mantê-lo. Nesta perspectiva, corrobora-se com Rémond (2003) ao tratar que os resultados se constituem a partir de uma diversidade de fatores que dizem respeito tanto ao domínio político, quanto, em alguns casos, a elementos externos à esfera política.
4. Considerações finais
Este trabalho tem um relevante papel para a história da educação do estado do Rio Grande do Norte, uma vez que as produções sobre historia e historiografia produzidas no estado quase nada versam sobre o período em análise. Para o âmbito da educação profissional, a pesquisa em curso traz grandes contribuições, pois a ausência dessa construção histórica para essa modalidade da educação é ainda muito negligenciada, e não apenas no estado do RN, mas a nível nacional, são poucas as produções históricas que tratam sobre história da educação no campo da educação profissional. Assim, são devido a estes aspectos que este artigo se mostra tão importantes.
As análises produzidas demonstram apenas um pequeno aspecto da história da educação do RN que deve ser posta dentro de um todo tanto no que diz respeito ao período estudado, quanto deve ser incluído na própria história do estado. Os aspectos levantados aqui, no que concerne à implantação do ensino de 2° grau, constituiu um caminho que demonstrou serem três os tipos de escolas que ofertavam o ensino de 2° grau: as criadas, as transformadas e as estadualizadas.
Ao analisar os dados por região, foi possível obter um panorama geral da educação profissional no estado do Rio Grande do Norte neste período. Apesar das dificuldades, essa modalidade de ensino estava presente em quase todo o território estadual, sendo oferecido nas quatro mesorregiões do estado.
Contudo, não se deve deixar de levar em consideração os problemas diagnosticados por meio da documentação, tanto na implantação quanto na manutenção do ensino de 2° grau. Mesmo não sendo este o tema principal deste trabalho, de forma breve, foi possível identificar algumas das dificuldades para a execução do ensino de 2° grau no território estadual, como a pouca quantidade de material humano capacitado para atuar neste ensino, exposto por um dos documentos avaliados, ou ainda a dificuldade financeira do estado em manter o ensino de 2° grau, como foi possível identificar em outro documento.
No que concerne à oferta do ensino de 2° grau por região, como se pôde notar, não se encontrou um critério explícito para a distribuição das escolas, contudo, implicitamente percebe-se que a mesorregião Leste Potiguar, onde se encontra a capital do estado, foi a privilegiada. Enquanto outras regiões, como o caso da região Central, teve a menor oferta de ensino de 2° grau. Um possível argumento que se pode vislumbrar, porém sem poder afirmar, é que essa disparidade pode ter ocorrido pela diferença demográfica, aspecto esse que se mostra como possível elemento de estudos futuros. Assim como também, devido a interesses políticos intrinsecamente ligados ao panorama demonstrado nesta pesquisa.
Ao analisar a implantação do ensino de 2° grau por décadas constata-se que o período de 1980 foi o que trouxe maior expansão desse nível de ensino. No que concerne às categorias, averigua-se que o grupo “escolas transformadas” foi a mais privilegiada, demonstrando uma regularidade no que diz respeito a sempre ser a de maior número quando relacionada às outras duas categorias, independente da década observada.
Dessa forma, resumidamente, os resultados parciais da pesquisa indicam três categorias de escolas existentes no período: as criadas, as transformadas e as estadualizadas. Também se pode constatar que o estado do RN teve escolas de ensino de 2° grau em todas as suas quatro mesorregiões, assim como ainda se verifica que a distribuição dessas instituições de ensino não manteve um critério explicito ou inerte. O que se averigua é um maior número de escolas concentradas nas regiões mais urbanizadas e nas proximidades da capital do estado.
Referências
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Notas