Resumo: O presente trabalho tem por objetivo problematizar o contexto de emergência e desenvolvimento da Engenharia de produção nos ambientes acadêmicos do Brasil e da Coréia do Sul. A comparação se justifica na medida em que ambos os países deram início a suas políticas de Ciência e Tecnologia a partir de origens comuns, que remontam às décadas de 1960 e 1970. Contudo, as trajetórias de desenvolvimento bastante díspares destes países podem ser compreendidas pelo modo como investiram na formação em ciências aplicadas, tais como a Engenharia de Produção. A partir da comparação dos cursos desta área em ambos os países, utilizando-se estatística multivariada, é possível discutir os rumos que tem seguido a formação em Engenharia de Produção, as barreiras à inovação curricular e os diferenciais de cada contexto, além do modo como estes impactam na profissão de engenheiro.
Palavras-chave:AprendizagemAprendizagem, Inovação Inovação, Ciência e Tecnologia Ciência e Tecnologia.
Abstract: The project here presented aims to discuss the context of emergency and development of the Production Engineering in academic environments in Brazil and South Korea. The comparison makes sense taking into account that both countries started their Science and Technology policies from similar points, back in the 1960s and 1970s decades. However, the way these trajectories differ can be understood by the way each country invested in Applied Science training, such as Industrial Engineering. Starting by the comparison of undergraduate programs from both countries, using multivariate statistics, it is possible to discuss how the Industrial Engineering is thought and developed, the main issues related to curriculum innovation and how each environment differ in terms of engineering profession.
Keywords: Learning, Innovation, Science and technology.
Ensino em Engenharia de Produção com base no desenvolvimento de habilidades e competências
Teaching in Production Engineering based on the development of skills and competences

Recepção: 09 Setembro 2017
Aprovação: 17 Setembro 2017
Já não é mais novidade, para pesquisadores e formuladores de políticas públicas, a existência de uma estreita conexão entre os investimentos feitos em Ciência e Tecnologia (C&T) e o desenvolvimento econômico de um país. Inclusive na mídia, em meios de divulgação massificada de informação, são cada vez mais comuns artigos e reportagens reafirmando, a partir de diferentes espectros políticos, o quão necessários são estes tipos de investimento.
Nesse sentido, o aprofundamento do debate exige que sejam discutidas algumas questões neste âmbito que são mais complexas, e nem sempre possuem respostas prontas. Em que consiste um investimento em C&T? Como quantificar e, ainda mais difícil, qualificar os investimentos necessários para que um país emergente, tal qual o Brasil, avance em termos de desenvolvimento? Qual seria o patamar ótimo de investimentos que traria o maior retorno para a sociedade de uma maneira geral?
Não obstante, a própria noção de desenvolvimento só faz sentido se tomada a partir de uma perspectiva comparativa. E isso ocorre por dois motivos: em primeiro lugar porque o desenvolvimento é algo dinâmico e, na ausência de parâmetros a serem perseguidos, não segue uma direção específica. Imagine, por exemplo, que há 100 anos atrás seria impossível imaginarmos que setores inteiros da economia seriam baseados em conhecimento e informação, sem a necessidade de transformação material para gerarem valor.
O segundo motivo, em partes decorrentes do primeiro, está ligado ao fato de que não faz sentido dizer que uma dada economia é desenvolvida sem que haja, por consequência, uma outra economia não desenvolvida (ou em desenvolvimento). Isto porque, tomada a perspectiva cronológica, praticamente todas as sociedades avançaram nos últimos 200 anos em termos econômicos, de infra-estrutura e qualidade de vida. Porém, seria uma contra-senso, ou uma redundância epistemológica, dizer que todas estas sociedades são, de fato, desenvolvidas. Isto significa dizer que um país não pode ser seu próprio parâmetro de desenvolvimento, deve sempre haver uma contraposição, sobre a qual decisões são tomadas e políticas públicas desenvolvidas.
Dado este contexto, de discussão do papel da Ciência e Tecnologia para o desenvolvimento econômico, a pesquisa aqui apresentada procura contribuir com um aspecto que tem ganhado cada vez mais atenção na literatura acadêmica: a formação de recursos humanos qualificados em C&T. Mais especificamente, procura-se analisar de modo comparativo dois países em termos das trajetórias de desenvolvimento e formação destes recursos: Brasil e Coréia do Sul.
Nesta direção, podem ser identificados dois clusters de países: o grupo inferior, caracterizado por países com baixo índice de cientistas e engenheiros e menores valores percentuais despendidos em P&D; e o grupo superior, com maior índice em ambos os critérios. Em relação a estes clusters, vale ressaltar dois aspectos principais:
1. Em ambos os grupos há uma variação significativa no valor bruto despendido em P&D (portanto em C&T aplicada), podendo-se encontrar em países que investem pouco e muito, o que indica que o valor bruto investido não é um critério adequado para explicar as diferenças de cientistas e engenheiros nas diferentes realidades. Especialmente no grupo inferior, a China é o caso mais diferenciado, pois apesar de ter um valor bruto investido praticamente semelhante ao dos Estados Unidos, ainda possui um baixo índice de cientistas e engenheiros. Este caso é excepcional pois tem-se um país com uma população extremamente grande. Aliás, levando-se em consideração a população chinesa, poder-se-ía dizer que caso atinja os níveis do grupo superior, o gigante asiático ultrapassaría rapidamente todas as outras economias citadas.
2. Assim, quando se leva em conta o tamanho das economias destacadas, ou seja, usando-se o percentual do PIB que é investido em P&D, as relações entre investimento e formação de pessoal fica claramente caracterizada:
A partir disso, pode-se concluir, com um alto grau de certeza, que investir em C&T, apesar de toda complexidade e debates que surgem, indubitavelmente significa investir em formação de cientistas e engenheiros, ou seja, profissionais qualificados em C&T.
A comparação Brasil-Coréia, por sua vez, advém de constatações que aproximam as realidades de ambos os países, e também dos fatores que diferenciam ambos, gerando posicionamentos díspares na economia mundial. Se por um lado os dois países são caracterizados pela industrialização tardia, experiência com governos militares nas décadas de 1960 e 70 e crises de dívidas externas, por outro se diferenciam no tocante às bases culturais, enfrentamento de certos problemas e visão a respeito do papel da educação na economia. Todos estes fatores, em maior ou menor grau, tornam a comparação rica do ponto de vista da formação de profissionais de C&T.
Por fim, a escolha final do objeto de estudo desta pesquisa emerge a partir da ideia de que investir em C&T é mais do que apenas produção de conhecimento técnico; implica também em desenvolver uma boa gestão deste conhecimento e sua posterior aplicação no processo produtivo, tarefa por excelência da Engenharia de Produção. Ou seja, investir em C&T é também proporcionar condições para o desenvolvimento de modelos de negócios inovadores e sustentáveis, gerando assim novos focos para a economia de um país. Esta é uma tarefa que, como veremos, a Coréia aprendeu a realizar com maestria.
Portanto, dada a contextualização apresentada, a pesquisa propõe uma análise comparativa dos processos de formação inicial em Engenharia de Produção no Brasil e na Coréia do Sul, ou seja, procura entender quais são as diferenças e semelhanças do ensino de Engenharia de Produção em ambos os países.
Apesar de aparentemente simples, esta temática exige um questionamento mais aprofundado em 02 vertentes fundamentais:
1. Qual o posicionamento da Engenharia de Produção no campo da Ciência e Tecnologia?
2. O que caracteriza fundamentalmente a trajetória de desenvolvimento da Coréia, e como esta se diferencia do Brasil?
Não é dificil, assim, enxergar as similaridades destes apontamentos com as ideias presentes no senso comum a respeito da formação em C&T. Ainda persiste, no imaginário coletivo (e às vezes até mesmo no corpo docente e discente), que cursos como Engenharia, Ciência da Computação, ou mesmo Química e Matemática, são de formação técnica, que preparam para o exercício profissional de modo automático. Esta percepção, inclusive, tem provocado alguns debates a respeito da qualidade de instituições universitárias, uma vez que há discrepâncias entre aquilo que se espera dos cursos, e o projeto para o qual estes cursos foram idealizados de fato. (RAMOS, 2010; ZANCAN, 2000)
No entanto, estes conhecimentos tiveram poucas aplicações práticas. Enquanto milhares de descobertas científicas foram realizadas em campos do conhecimento diversos, as inovações tecnológicas de fato ocorriam nas fábricas e espaços de formação técnica. Eis então uma das heranças da postura e contexto de Rousseau para o ensino de C&T, ou seja, o distanciamento entre pesquisa científica e inovação tecnológica.
Nesse sentido, o nascimento da Engenharia de Produção, enquanto área do conhecimento, permite-nos enxergar diversas dimensões do debate contemporâneo acerca da formação (inicial e continuada) do profissional por ela constituído. Para tanto, é imprescindível considerar, em linhas gerais, o contexto de emergência tanto da prática quanto dos cursos de Engenharia de Produção.
Embora seja difícil situar exatamente o início das práticas associadas ao que hoje conhecemos por Engenharia de Produção (EP), é possível traçar alguns marcos fundamentais na história da consolidação deste campo do saber. O primeiro deles foi a ascensão da administração científica, desenvolvida por Frederick Taylor, no interior de empresas e indústrias norte-americanas. Essa, que se transformou num divisor de águas na forma de se pensar e enxergar as organizações, foi paulatinamente implementada por consultores que se auto-intitulavam industrial engineerings, para somente então chamar a atenção e sensibilizar as universidades e escolas politécnicas para tal área profissional. (CUNHA, 2002)
Com isso, a gerência da produção (englobando estudo de tempos e métodos) foi a primeira das sub-áreas desenvolvidas dentro do escopo da EP. No entanto, ainda durante esse período, que compreende a primeira metade do século XX, houve também um crescimento significativo da chamada Engenharia Econômica, uma vez que propunha soluções para problemas práticos de custos, investimentos, economia de equipamentos, avaliação de propriedades e aplicações de matemática financeira. Por fim, completando o ciclo de “consolidação” da EP enquanto área específica, tem-se o desenvolvimento da Pesquisa Operacional, a partir da experiência da Segunda Guerra Mundial, em que, passado o conflito, o aprendizado do emprego de pesquisa científica em resolução de problemas produtivos invadiu o mundo dos negócios, proporcionando o avanço de técnicas de programação linear, entre outras.
No entanto, diferentes caminhos foram tomados por aqueles egressos dos primeiros cursos de Industrial Engineering (construídos em resposta às demandas do mercado), de modo que novas atuações foram se desenvolvendo, uma vez que não somente o setor de transformação, como os setores primário e terciário apresentavam absorção do profissional da área de Produção (FAÉ, 2004/2005). Uma das consequências dessa pluralização das atuações pode ser vista a partir dos nomes dos cursos que estão inscritos na grande área que é a EP: Engenharia de Produção, Engenharia Industrial, Engenharia de Produção Mecânica (Elétrica, Civil, Química, etc), Engenharia de Gestão, Engenharia de Produção Cultural, etc.
Além disso, à medida que se configurava um perfil específico do engenheiro de Produção, novas áreas foram enriquecendo sua formação, tais como engenharia de produto, engenharia do trabalho, ergonomia e segurança do trabalho, ciências econômicas, dentre outras áreas das ciências naturais e humanas. Seja como for, a questão principal, para efeitos deste projeto, é compreender que o processo de formação e delineamento do perfil esperado para um engenheiro de Produção é algo dinâmico, e deve se modificar à medida que o mercado muda, bem como a sociedade. (MUMMOLO, 2007)
A partir desta perspectiva, vale refletir e problematizar em que medida os cursos de graduação, em especial de EP, têm se comportado com vistas a construir profissionais aptos aos cenários socioeconômicos em que vivemos. Ora, se tivermos em mente que o papel da educação superior é [...] formar estudantes que têm o dever de aprender, assimilar e aplicar seus conhecimentos em favor da comunidade, trazendo benefício ao maior número de pessoas [...] (NÉRIGI apud GOMES & FERNANDES, 2008, p. 01)
Fica claro que é impossível conceber de maneira estanque os processos de formação profissionais, com especial atenção à EP, que é um dos cursos de maior crescimento no ensino superior brasileiro. Além disso, os supracitados cenários socioeconômicos podem ser compreendidos a partir das dimensões que os caracterizam: constante mudança tecnológica, tempos de vida cada vez menores para produtos e plantas produtivas, novos mercados de atuação, integração cada vez maior das atividades, constituição de um sistema-mundo em termos econômicos (e socioculturais), e informações em grande quantidade (muitas vezes sem o necessário tratamento para sua gestão).
Conforme aponta sua própria história, a EP nasceu da prática, ou seja, foi a partir das mudanças na configuração das organizações produtivas que emergiu o profissional engenheiro de produção (LEME, 1983). Esta constatação nos informa que indubitavelmente tal profissão estará ligada ao mercado e às necessidades profissionais de determinadas realidades socioeconômicas.
Essa trajetória pode ser vista como uma das explicações para o aumento acelerado de abertura de novos cursos de graduação em EP no Brasil: se em 1990 o Brasil contava com apenas 15 graduações, em 2008 este número aumentou para 287 (Bittencourt et al, 2010). Isso quer dizer que em menos de 20 anos, o país criou mais de 250 graduações em EP em todo seu território, conforme é demonstrado na figura 1.
Conforme exposto, é preciso haver uma análise crítica sobre essa onda de novos cursos: é necessário compreender quais perfis de engenheiros de produção estão sendo formados nos diversos cursos, e de que forma esses perfis são compatíveis, ou não, com as necessidades contemporâneas dos mercados profissionais.
É justamente diante de casos como o acima citado que uma pluralidade cada vez maior de concepções e cursos em Engenharia de Produção vêm sendo construídos e disseminados. Segundo dados do Ministério da Educação, atualmente podem ser encontrados cursos que convergem à área de Produção os mais diversos possíveis: Produção Sucro-Alcooleira, Produção com ênfase em Gestão da Informação, Engenharia de Gestão, Produção de Software, Produção Cultural, Produção e Qualidade, Produção com ênfase em Serviços, Produção de Energias Alternativas, Produção e Sistemas, etc. Vale então problematizar: em que medida, tais cursos são de fato convergentes? O que significa “Produção” para esses diversos projetos pedagógicos, que se desdobram em diversos currículos? Perguntas como essa são imprescindíveis para que se possa traçar direções para a EP mais compatíveis com as reais necessidades do mercado, e da sociedade.
Para delimitar a análise da pesquisa aqui apresentada de modo a ser possível estabelecer um comparativo entre os dois países, construiu-se um modelo de Engenharia de Produção com base nas duas grandes áreas que foram berço para sua emergência, a saber a Engenharia e a Administração. Além disso, tendo em mente o contexto de paralelismo dos ensinos por conteúdos e por competências e habilidades (já que, conforme apontado anteriormente, convivem atualmente em diferentes níveis), a matriz de conhecimentos gerada pelo cruzamento de ambas as dimensões supracitadas é capaz de enquadrar os cursos da área de EP.
Os conteúdos são apresentados apresentados a partir dos diferentes conhecimentos que podem fazer parte da formação de um engenheiro de produção, divididos pelos graus de aprofundamento e aparente papel que exercem na formação deste profissional, desde conhecimentos mais básicos (de formação geral), passando pelos profissionalizantes (que formam de modo técnico e específico o perfil profissional), chegando até a categoria de conhecimentos que, com o advento da globalização e revolução informacional, tornam-se instrumentos necessários e urgentes para um profissional como o engenheiro de produção (instrumentais contemporâneos).
Consequentemente, cada célula da matriz formada representa não apenas uma área de estudo, mas um conjunto de algum modo coeso de competências associadas às áreas delimitadas, esperadas a partir do desenvolvimento dos conteúdos destas. O quadro 1 apresenta a síntese do modelo apresentado, sendo complementado pelo quadro 2, que apresenta a associação entre cada área com suas respectivas competências e habilidades esperadas.

Os quadros 1 e 2, trazem a tona expertises de formação tanto em Engenharia de Produção quanto em Adminsitração, o objetivo dos mesmos é demonstrar que essas duas áreas são correlatas e, portanto complementares no que tange ao desenvolvimento de ciência e tecnologia, aqui se rege um esforço maior para comparar habilidades e competências de formação no modelo brasileiro e sul coreano, conforme sequência apresentada.

Após esse necessário recorte, esse artigo apresenta a trajetória de desenvolvimento da Coreia do Sul e suas conexões com o Brasil, onde num primeiro olhar, Brasil e Coreia guardam poucas semelhanças históricas e culturais. Não somente pela distância que os separa, mas também pelas influências exercidas sobre cada um deste países, parece difícil qualquer ímpeto de comparação.
Em nenhum momento de sua história, por exemplo, a Coreia esteve sob as mesmas estruturas de domínio colonial como se deu no Brasil durante a colonização portuguesa, inserindo o país numa rota internacional de exploração e produção de riquezas consumidas pela Europa. Foi, no entanto, subjugada pelos japoneses ao final da Dinastia Yi (1393-1910), libertando-se com o fim da Segunda Guerra Mundial para então cair nos braços da influência estadunidense do período da Guerra Fria.
Além disso, as diferenças culturais mais marcantes são aquelas fundamentais nas estruturas sociais de ambos os países. Fortemente influenciada pelo confucionismo, a Coreia é um país cuja identidade nacional foi forjada em meio a lutas para se manter independente, especialmente por sua localização entre ao menos 3 grandes potências (Rússia, China e Japão). Com isso, é reconhecida por ser uma das nações mais homogêneas e coesas da Ásia, com uma filosofia majoritariamente voltada para a ordem e manutenção do status quo.
Já o Brasil, por sua vez, despertou sua identidade nacional baseado no mito da miscigenação e diversidade, em especial por conta das muitas imigrações que para cá trouxeram povos de diferentes origens. Um país relativamente novo, com uma população dos mais diversos credos religiosos e morais.
Um terceiro aspecto ainda diferencia os dois países: a geografia. Por um lado, a Coreia do Sul tem uma área menor do que o Estado de São Paulo, carente de recursos naturais, localizada no extremo leste asiático, região de calor e frio muito bem determinados. Por outro, o Brasil tem a maior floresta tropical do mundo, incontáveis reservas de recursos minerais e vegetais, com diferentes regiões climáticas, e o 5º maior território mundial.
Diante de tudo isso, um dos questionamentos mais comuns à pesquisa é: Qual a eficácia de se propor uma análise comparativa destes dois países? Sendo tão diferentes, é praticamente uma obviedade que tenham trajetórias de desenvolvimento econômico díspares.
Em resposta a este tipo de inquérito, basta que se tenha um pouco de aprofundamento na temática específica deste trabalho. De fato, as diferenças sociais e culturais são muitas, no entanto, em termos econômicos há diversos aspectos que aproximam a realidade de cada um deles, em especial no que tange à economia industrial desenvolvida por ambos.
Ao lado de diversos outros países emergentes, Brasil e Coreia são considerados países de “industrialização tardia”, isto é, deram início ao desenvolvimento de suas indústrias de modo acentuado somente a partir da segunda metade do século XX, quando o capitalismo no hemisfério norte já se encontrava plenamente desenvolvido e expandindo.
Essa constatação tem implicações muito mais profundas, em especial pelo fato de colocar estes países (os emergentes) na periferia do sistema econômico mundial, em posição de fornecedores de matéria-prima, e consumidores de produtos acabados, geralmente com alto valor agregado. Ou seja, Brasil e Coreia deram início às suas políticas industriais à margem das maiores cadeias produtivas, precisando elaborar estratégias de superação desta condição.
É justamente aí que a comparação se faz não apenas possível, mas até necessária. Dentre os países de industrialização tardia, a Coreia do Sul foi o único (ou um dos únicos, mais recentemente) que conseguiu superar a condição marginal e se colocar como um global player no sistema mundial. Foi o único país (com exceção recente da China), por exemplo, a desenvolver uma indústria automobilística capaz de concorrer com países de economias centrais, além de produzir uma das maiores indústrias de eletrônicos do mundo, a maior fabricante de smartphones.
Portanto, enquanto o Brasil tem lutado, por décadas, para conseguir construir um parque industrial capaz de produzir e inovar, a Coreia viveu o famoso “milagre do rio Han”, e referência ao desenvolvimento econômico praticamente dado por impossível por muitos. Vale a pena, então, entender as diferenças fundamentais das estratégias de desenvolvimento que cada um destes países empreendeu deste a metade do século XX.
Para compreender as diferenças fundamentais entre Brasil e Coreia no que tange às estratégias de desenvolvimento econômico, é preciso levar em conta 4 aspectos fundamentais: papel do Estado, capital privado, ajuda externa, e as estratégias de exportações).
No que tange ao papel do Estado, vale notar que, desde o fim (ainda que não oficial) da guerra da Coreia, em 1953, o Estado tem tido papel protagonista na criação e desenvolvimento de uma economia estável e ascendente na Coreia do Sul. Apesar dos governos militares que permaneceram no poder até a década de 1970, as políticas econômicas sul-coreanas apresentaram efeitos milagrosos, justamente por conta da competência em agir sobre a atividade econômica (CANUTO, 1993).
O maior diferencial dessas políticas foi a orientação vertical da política industrial, que privilegiou os setores de eletrônicos e naval, além do ramo automobilístico, e formou grandes conglomerados industriais nacionais, os chamados chaebols (채벌). Somente com a centralização destes capitais é que foi possível para as empresas e produtos coreanos competirem no mercado internacional com alguma eficiência.
No Brasil, por outro lado, tem-se uma trajetória que, desde a proclamação da República, o Estado se mostrou oscilante em termos de intervenção na economia. Se, por um lado, até a década de 1970 foram observadas políticas de natureza desenvolvimentista, com a criação de diversas empresas nacionais e investimento em infra-estrutura (às custas do endividamento público), as últimas décadas do século XX foram marcadas por inúmeras crises e pela emergência de políticas neoliberais. Ou seja, houve um processo de desconexão, ou rompimento da continuidade da política, gerando comportamentos oscilantes por parte do Estado.
Uma consequência direta do nascimento dos grandes conglomerados sulcoreanos subjaz exatamente sobre o segundo aspecto fundamental que diferencia as estratégias de desenvolvimento de ambos os países: o capital privado.
Se por um lado a coordenação estatal dos investimentos privados gerou o potencial econômico percebi pela Coreia, no Brasil o maior desenvolvimento industrial se deu no setor primário, com a exploração dos recursos naturais aqui presentes. Com isso, não houve a formação de grandes grupos nacionais, capazes de competir internacionalmente. Consequentemente, a burguesia brasileira optou por unir-se ao capital estrangeiro interessado em investir no Brasil (MIOZZO, 2002).
Em terceiro lugar, é preciso situar a posição em que se encontrava a Coreia do Sul durante todo o final do século XX. Com o desenrolar da Guerra Fria, e a ameaça de avanço do comunismo nos demais países asiáticos, era de fundamental importância, para os Estados Unidos, que o projeto de país da Coreia desse certo, na medida em que significaria o triunfo do capitalismo na região, historicamente marcada pela pobreza. Com isso, Dias (2008) cita que, de 1953 a 1973, mais de US$ 2,7 bilhões entraram na economia coreana, com vistas ao cresciment e expansão das atividades econômicas, majoritariamente vindo dos EUA. A isso soma-se o tamanho diminuto do país e se tem um dimensionamento do quão forjado foi o “milage do rio Han”.
Por último, vale citar as diferenças fundamentais entre as estratégias de exportação praticadas por Brasil e Coreia ao longo do século XX. No caso brasileiro, as políticas de exportação estiveram sempre ligadas ao suprimento das demandas de mercados externos, uma vez que, sendo um país de maioria pobre, o potencial consumidor do mercado interno era baixo (esse contexto foi se modificando a partir do final da década de 1990). Logo, não havia um enfoque estratégico para a realização das exportações, visto que eram vistas como atividades geradoras de receita. Neste sentido, diversas empresas estrangeiras se fixaram em território nacional, produzindo e gastando apenas o necessário, e enviando todos os lucros às matrizes localizadas nos países centrais.
No caso sul-coreano, por outro lado, percebe-se um direcionamento das exportações voltado para a geração de capacidades técnicas e gerenciais nacionais. Assim, as políticas de substituição de importações, operadas em forma de modo similar ao Brasil, tiveram diferenças significativas em seu conteúdo. Como eram planejadas a longo prazo, a cada período deste ciclo as empresas eram nacionalizadas tão logo fosse atestada a capacidade coreana de produção própria (Dias, 2008).
Percebe-se, assim, uma política de desenvolvimento industrial bastante ligada ao aprendizado. O mercado sul-coreano se abriu às indústrias estrangeiras com o intuito de realizar transferência tecnológica e aprendizado industrial, desenvolvendo assim competências técnicas para adentrar o mercado global de produtos manufaturados e, posteriormente, alta tecnologia.
Cabe, então, ressaltar que nenhuma destas políticas de aprendizado industrial teria surtido efeito se não houvesse um massivo investimento em Ciência e Tecnologia, tanto na forma de Pesquisa e Desenvolvimento, quanto de formação de recursos humanos qualificados. Eis, aqui, uma das principais justificativas do trabalho ora apresentado.
Comparativamente, o processo de industrialização brasileira ocorreu de forma acentuadamente heterogêneo, por conta dos fatores citados anteriormente. A consequência mais direta desta característica está nos diferentes níveis de intensidade tecnológica empregada na indústria brasileira. Ocorre então aquilo que Furtado (1968, p77) chama de “coexistência de funções de produção essencialmente distintas em um mesmo sistema econômico, na obtenção de um mesmo produto”.
Logo, esse descompasso entre diversos setores da cadeia produtiva, gera maior fragilidade nos laços intersetoriais, fragilizando portanto, a economia como um todo. Se não há integração entre elos da cadeia, a disponibilidade tecnológica nunca atingiria seu potencial pleno de realização, característica essencial da dinâmica tecnológica. É neste ponto que a Coreia do Sul soube gerenciar sua economia, principalmente a partir das políticas de Ciência e Tecnologia.
Até a década de 60 – momento em que os coreanos passaram a desenvolver políticas diferenciadas de investimentos em Ciência e Tecnologia, bem como Educação – ambos os países, Brasil e Coreia, possuíam índices de cientistas e engenheiro per capita semelhantes (TERRA & WEISS, 2002). Contudo, até a década de 80, o desempenho brasileiro no mercado internacional mostrava-se superior ao coreano, em casos como PIB, índice de exportações e importações, bem como depósito de patentes (KIM, 1996).
Entretanto, a partir da década de 80, o que poderíamos dizer que foi uma geração posterior ao início dos investimentos em formação de cientistas e engenheiros, a Coreia passa a desempenhar papel global como exportador de bens com alto valor agregado. E não há dúvidas, a própria literatura apoia essa ideia, de que os investimentos em formação de profissionais bem qualificados, foram essenciais para essa guinada (DAHLMAN & ANDERSON, 2000). Nesse contexto, o quadro 3 caracteriza as diferentes políticas de industrialização dos países
Com base nessas informações e analisando o Quadro 4, é possível questionar, para efeitos deste projeto: tendo em vista que uma grande parte do mercado de trabalho do engenheiro de produção é na indústria, e que ambos os países tiveram diferentes formas de buscar a industrialização, que perfis, competências e habilidades são esperados de tais profissionais em cada país? Como esses se materializam em cursos de graduação da área? Que aprendizados podemos obter a partir dessas diferenças? Perguntas como esta última são tratadas, inclusive, pela literatura específica da área de inovação tecnológica e aprendizado tecnológico (KIM, 2005).
Com isso, conclui-se que o presente projeto tem potencialidade para dar uma real contribuição à área, tanto de Engenharia de Produção de modo geral, como de Ensino em Engenharia de modo específico. A partir de três pilares, a emergência do Ensino por competências e habilidades, o contexto de pluralização e dinâmica de constituição da EP no Brasil, e a relevância da análise comparativa Brasil-Coreia, este projeto se mostra importante e constitui uma discussão importante para uma compreensão mais profunda do que significa a Engenharia de Produção, e seu profissional, no mercado e na sociedade. Passemos, portanto, à metodologia realizada na pesquisa.
Os objetivos desta pesquisa foram construídos com base nas questões que emergiram a partir da problematização do tema, qual seja, a Engenharia de Produção e seu ensino. Deste modo, os objetivos podem ser assim sintetizados:

Explicitadas as concepções que balizam a metodologia do trabalho, seguimos o artigo apresentando os procedimentos propriamente ditos. Para operar a investigação proposta, a metodologia do trabalho dividiu-se em duas etapas ou processos: levantamento do marco regulatório e análise documental de currículos.
Uma primeira investida no universo dos cursos de graduação em Engenharia de Produção no Brasil e na Coréia exige que se faça um levantamento da legislação a respeito destes cursos. É de profunda importância, neste sentido, conhecer em que medida os cursos de cada um dos países devem seguir uma diretriz específica, obrigatória.
Ambos os países possuem diversos órgãos que agem com maior ou menor grau de regulação. Contudo, em termos mais rígidos, foram selecionados dois documentos para análise com relação às diretrizes dos cursos de Engenharia. Especificamente em relação à modalidade de Produção existem documentos que indicam aspectos gerais dos cursos, sem no entanto gerarem constrangimentos legais à abertura de cursos que nao os sigam.
No caso brasileiro, o documento selecionado foi o Parecer CNE/CES 1.362/2001, que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Engenharia. O documento encontra-se disponível no site do MEC.
Já para os cursos coreanos, foi selecionado o documento do Accreditation Board for Engineering Education of Korea, intitulado “Criteria for accrediting engineering programs”. Apesar de não ser formalmente um órgão governamental, o Accreditation Board opera com caráter regulatório para os cursos que desejam receber a acreditação internacional. Logo, possuem um caráter mais global e em harmonia com as estratégias produtivas da Coréia.
A análise de ambos os documentos é apresentada no capítulo com os resultados da pesquisa.
Uma consequência direta do marco regulatório para os cursos de Engenharia de Produção em ambos os países é a forma como são estruturados os currículos nas universidades. Já que pretendemos comparar, em última instância, o ensino de Engenharia de Produção no Brasil e na Coreia, foi necessário analisar as instituições responsáveis pela formação e pelo ensino desta área.
A abordagem que se tomou, aqui, foi a de analisar os currículos praticados por estas universidades, seguindo uma definição de currículo que não leva em consideração apenas dados como grade de disciplinas. Uma série de informações contribui para engendrar o que se entende atualmente por currículo: perfil idealizado para o egresso, carga horária do curso, relações com empresas e estágios, programas e atividades contemplados no curso, e é claro a grade de disciplinas.
Vale ressaltar, ainda, que em termos epistemológicos, a análise curricular permite-nos compreender o modo como é enxergada a Engenharia de Produção em diferentes instituições. Ora, uma vez que os documentos com compõem a formalização do curso são, de fato, narrativas e discursos engendrados pelo trabalho conjunto de docentes, técnicos, pesquisadores e empresas, devemos compreender que são diversificados na medida em que diferentes sujeitos estiverem envolvidos com sua constituição. (SILVA, 2002)
Ao mapear os cursos, verificou-se um total de 486 no Brasil (segundo dados disponibilizados pela ABEPRO), e pelo menos 80 cursos na Coréia do sul (segundo dados do Accreditation Board for Engineering Education of Korea – o número certamente é maior, uma vez que estes dados são dos cursos que recebem a certificação, que é opcional). Diante da quantidade de cursos, fez-se necessário elaborar um procedimento de recorte para quais cursos teriam seus currículos analisados.
O recorte utilizado para seleção das universidades em ambos os países foi baseado no “Webometrics Ranking of World Universities”, um ranqueamento da presença das universidades em termos de pesquisa, informações, bancos de dados, reconhecimento externo e excelência. Este ranking, cujos dados estão disponíveis online, se mostrou especialmente útil por conta da possibilidade de separar países de interesse e poder comparar a posição das universidades. Além disso, ele subdivide os ranqueamento dependendo do critério escolhido. Para efeitos deste trabalho, foi utilizado o ranking de excelência (Excellence rank).
Na medida em que tivessem graduação na área de Engenharia de Produção e dados disponíveis, foram selecionadas as primeiras 16 universidades coreanas e as primeiras 16 universidades brasileiras da lista. Os quadros 6 e 7 apresentam as universidades selecionadas para análise.


Finalizadas as escolhas das universidades, bem como dos cursos de graduação a serem analisados, a pesquisa deu prosseguimento com a seleção dos documentos de cada curso. A análise documental, aqui proposta, é compreendida como uma metodologia qualitativa que busca reconstruir, no plano da pesquisa, as práticas do cotidiano de um curso de graduação (LUDKE & ANDRE, 1986). Seria, contudo, ingenuidade, imaginar que todas as dimensões descritas nos documentos sejam postas em prática da mesma maneira; contudo, por tratarem-se de documentos oficiais, algum grau de confiabilidade pode ser atribuído a estes, de modo que permitem operá-los como instrumentos de pesquisa.
No Brasil, todo curso de graduação possui um Projeto Pedagógico, no qual constam as informações apresentadas sobre essa noção ampliada de currículo acadêmico. Em todo Projeto Pedagógico, explicitam-se os perfis de egresso, as grades de disciplinas, a infraestrutura do curso, os modos de avaliação, bem como as atividades complementares que dele fazem parte. Portanto, estes documentos foram selecionados em virtude da riqueza que apresentam de informações que nos permitiriam discutir as categorias e análises desejadas.
Contudo, o caso coreano não é operacionalizado da mesma forma. Não bastasse a dificuldade linguística, os cursos de graduação na Coreia do Sul não funcionam do mesmo modo como no Brasil. Vale ressaltar, aliás, que nem ao menos funcionam de modo unificado. Cada universidade opera com uma lógica distinta, o que contribui para dificultar o trabalho de acesso aos dados que permitirão a comparação com o Brasil.
De um modo geral, entretanto, essas lógicas de funcionamento distintas já podem ser consideradas dados da pesquisa, justamente em função da percepção ampliada que se tem do currículo. Questões como liberdade de escolha de disciplinas e formação integrada com outras graduações são alguns dos dados que podemos obter a partir desses procedimentos e dessas dificuldades, e que aparecerão na análise posterior do trabalho.
Por fim, a última etapa da fase metodológica de análise de currículo é constituída pela seleção das categorias e dimensões a serem mobilizadas para a análise. Mediante o levantamento das universidades, dos cursos e dos documentos relativos ao ensino de Engenharia de Produção nos dois países, e tendo em vista os objetivos da pesquisa, bem como a etapas seguintes, optou-se por fazer a comparação com base na estrutura curricular (vale ressaltar que é diferente de currículo – a estrutura se refere especificamente à matriz de disciplinas e/ou atividades que o aluno desempenha para sua formação), uma vez que a mesma permite construir um caleidoscópio sobre a formação de engenheiros de produção no Brasil e na Coréia, bem como perceber os modos como essa formação é apresentada nos currículos.
A principal fonte de dados da pesquisa situou-se na análise curricular dos cursos da área de Engenharia de Produção. Portanto, a análise que recai principalmente sobre eles é de natureza qualitativa, em consonância inclusive com os próprios objetivos propostos ao trabalho. Contudo, esta análise em muito seria dificultada caso tentássemos apenas interpretar as informações sem ajuda de uma ferramenta para sintetizar e processálas. É justamente nesta direção que optou-se por estabelecer perguntas-chave a serem respondidas com a utilização de um software estatístico. Logo, a partir da revisão de literatura, e de uma análise sensível dos dados obtidos, foram testadas hipóteses iniciais a respeito das diferenças entre os cursos da área.
Foi escolhido o software Stata em virtude da simplicidade e agilidade no retorno dos resultados dos testes, além da conveniência em termos de usabilidade. Foram utilizados testes de médias e variâncias matizados por grupos de universidades, sempre divididas entre Brasil e Coreia, e eventualmente entre cursos de perfis tradicionais e diferenciados. As hipóteses foram testadas utilizando-se testes estatísticos básicos, apenas para garantirem a acurácia das informações obtidas e das afirmações que a partir delas podem ser feitas. Com isso, a análise desta pesquisa será posteriormente apresentada segundo as hipóteses levantadas e testadas, proporcionando uma conexão eficiente entre as questões levantadas com a revisão teórica e os dados obtidos com a pesquisa empírica.
Ambos os documentos relativos às necessidades de implantação de cursos de Engenharia, no Brasil e na Coreia do Sul, estabelecem critérios a serem seguidos de modo que a universidade em questão esteja qualificada a submeter para avaliação a criação do mesmo. De modo sintético, estes critérios estão relacionados a três pilares: perfil e competências desejados, grade curricular, e requisitos extraclasse.
No que tange aos requisitos extra-classe, vale citar que, a partir da publicação do documento brasileiro, torna-se obrigatória a existência de atividades de estágio e a realização de um trabalho final, a ser definido de acordo com as regras de cada instituição. Para o estágio, nota-se:
Os estágios curriculares deverão ser atividades obrigatórias, com uma duração mínima de 160 horas. Os estágios curriculares serão obrigatoriamente supervisionados pela instituição deensino, através de relatórios técnicos e de acompanhamento individualizado durante o período de realização da atividade. (MEC, 2002).
Já o documento coreano foca também nas competências esperadas dos docentes associados aos programas de graduação em Engenharia, bem como frisa a necessidade de constante avaliação do corpo discente e transparência nas regras específicas. Em relação aos docentes, cita:
The faculty must have professional qualifications and actively participate in operation of the program. […] There must be sufficient faculty to cover all of the curricular areas of the program and to accommodate student advising. […] The faculty members must actively participate in improvement of the program. […] Participation and performance of faculty in improvement activities must be evaluated by the educational institutions.
Por fim, com relação aos tópicos que aparecem de modo similar em ambos os documentos, serão apresentadas, de modo sistematizado, as diferenças e semelhanças dos marcos regulatórios em termos destes pilares, conforme pode-se inferir no quadro 8.


Em continuidade, se apresenta tabelas que sintetizam os dados obtidos a partir da análise de currículo das 32 universidades brasileiras e coreanas. Para facilitar o entendimento a respeito destes dados, os mesmos foram fracionados em três partes.
A primeira parte dos dados, representados pelas próximas tabelas, mostram informações iniciais e básicas a respeito dos cursos em cada universidade. Dentre estes dados encontram-se, em colunas:
1. Nome do curso;
2. Anos: a duração estimada oficialmente apresentada para o curso;
3. Quantidades de disciplinas;
4. Disciplinas obrigatórias básicas


Diferentemente da divisão anterior, estas tabelas permitem comparar os cursos em termos de carga horária, deste modo incluindo o efeito das diferenças entre cada disciplina, permitindo uma comparação com relação ao tempo absoluto dedicado à busca pelo título de engenheiro de produção.
A diferença mais fundamental dos cursos de Engenharia de Produção no Brasil e na Coreia, cuja percepção fica evidente em todos os materiais reunidos para análise, é a da carga horária total em cada país. Enquanto no Brasil é esperado, em média, que a duração de um curso de EP seja de 5 anos, na Coreia do Sul a média é de 4 anos, como os demais cursos de nível superior no país.
Esta diferença fundamental pode ser explicada, em grande medida, pelos diferentes status que possuem os cursos de Engenharia. Enquanto no Brasil, historicamente, esta tem sido uma profissão de alto prestígio, e sinônimo de privilégios sociais, na Coreia do Sul caracteriza-se por ser uma profissão de nível semelhante aos demais bacharelados de outras áreas.
Não é o objetivo desta pesquisa explorar as diferentes percepções acerca de status quo que possui um engenheiro em cada país, no entanto vale notar que é na história de formação social e cultural deles que se pode encontrar explicações a este respeito. Se por um lado o Brasil é marcado por grandes desigualdades sociais e deficiência de mão de obra qualificada, a Coreia conseguiu, ao longo de sua trajetória, socializar e tornar mais igualitário o acesso à educação e ao emprego. Portanto, os diversos cursos de nível superior exercem o papel de suprir a demanda por profissionais qualificados, em detrimento de fornecer meios de ascensão social e econômica ou manutenção do status quo (como ocorre em grande medida no Brasil).
É justamente nesta direção que se encontra, também, uma boa explicação para o fato de haver maior liberdade de escolha dentro de cursos como o de Engenharia de Produção. A figura acima apresenta os resultados dos testes estatísticos das médias percentuais de disciplinas obrigatórias, optativas e livres agrupadas pelo país de origem.
Nos três casos pode-se notas que a coluna do meio “Ha: diff !=0” apresenta valores de P menores do que 5%, indicando a rejeição da hipótese nula do teste, que afirma serem iguais as médias percentuais. Este é um indicativo, portanto, de que há diferenças significativas na composição dos cursos no Brasil e na Coreia do Sul.
Nota-se que o Brasil possui uma média de disciplinas obrigatórias (primeiro quadro da figura) maior do que a Coreia. Esta, por sua vez, possui um percentual maior de optativas e livres.
A diferença nos níveis de liberdade encontram um aporte explicativo tendo em vista as realidades locais. O Brasil, por apresentar um desenvolvimento mais conturbado, com períodos ascendentes na economia e outros de crise, torna mais difícil a propecção acurada de perfis profissionais para gerenciamento e planejamento da cadeia de produção, tornando os cursos mais estáticos e calcados nas escolhas seguras, em áreas já consideradas tradicionais dentro da área de Engenharia de Produção.
A Coreia, por outro lado, delineou seu desenvolvimento econômico de modo mais planejado e com objetivos e metas de longo prazo. A este fato soma-se a noção de que é um país com alto grau de coesão e homogeneidade, e portanto torna os cursos mais adaptados à realidade global de mudança tecnológica e produtiva.
Estes perfis, mais arrojados no sentido da formação profissional, fazem com que, de alguma maneira mais natural, se opte por modelos de ensino-aprendizagem mais focados em competências e habilidades. Tendo uma realidade produtiva que já se volta à era pós-industrialização, marcada pela economia da informação e do conhecimento, os cursos sul-coreanos da área de Produção procuram deixar a cargo do aluno que monte um perfil determinado, aumentando assim a flexibilidade e adaptabilidade às condições dinâmicas da economia mundial. O gráfico representado pela figura abaixo, mostra de modo mais claro essas diferenças.

O gráfico acima foi obtido a partir de uma regressão logística binária. O uso deste tipo de regressão se justifica na medida em que a variável dependente, neste caso a origem do curso, é do tipo binária (Brasil ou Coreia). Com isso, procurou-se compreender como a origem do curso pode ser explicada a partir da composição das disciplinas entre obrigatórias, optativas e livres (conforme citado no capítulo metodológico, utilizaram-se as variáveis em termos percentuais, para que não houvesse contaminação em função das diferenças de duração dos cursos como um todo). A partir do gráfico acima, portanto, é possível perceber uma dicotomia importante. Por um lado tem-se a composição brasileira, na parte superior, na qual existe uma distância significativa entre as disciplinas obrigatórias e aquelas optativas e livres, indicando, assim, que a carga obrigatória é bem maior do que aquela de disciplinas sobre as quais o aluno tem algum poder de escolha. Por outro lado, na parte inferior do gráfico, tem-se a composição dos cursos sul-coreanos, onde há uma aparente aproximação entre estes 3 tipos de disciplinas, confirmando o que fora dito anteriormente.
Vale ressaltar, neste momento, o significado que assume a liberdade dada ao aluno dentro do contexto de ensino em Engenharia. De acordo com o modelo proposto na introdução, percebe-se que a liberdade é um dos critérios fundamentais para a construção de currículos mais voltados ao ensino por competências e habilidades, uma vez que parte dos interesses pessoais e se consolida através da curiosidade e motivação. Já o ensino metodológico pressupõe necessariamente menos liberdade de escolha por parte do aluno, tendo este uma postura mais passiva e receptiva dos conteúdos e do currículo, cujo perfil será determinado pelo corpo docente majoritariamente. Não é de espantar, portanto, que não haja menção ao corpo docente no documento brasileiro a respeito das diretrizes dos cursos de engenharia (enquanto no documento sul-coreano, ao contrário, menciona critérios mínimos relacionados ao corpo docente).
O impasse fica, assim, no equilíbrio entre nivelamento e abertura, havendo certamente um ponto ótimo de geração de novos conhecimentos e inovação. Não é à toa, portanto, que o governo coreano incentive seus alunos a terem experiências fora do país, bem como oferece oportunidades para estudantes estrangeiros de estudarem em universidades sulcoreanas.
Por fim, vale citar também que há uma similaridade interessante entre os cursos, apesar de já esperada. Em termos das variações, ou seja, em termos do quão diferentes são os cursos entre si, Brasil e Coreia apresentam a mesma variância. Isto significa dizer que em ambos os países os marcos regulatórios tiveram mesma aceitação e eficácia, gerando cursos que convergem em termos da composição curricular.
É preciso que fique claro, ao final deste trabalho, que a análise comparativa dos cursos de Engenharia de Produção não deve ter por objetivo selecionar as experiências em termos de melhor ou pior, mas compreender em que medida, a partir de realidades tão diferentes, diferentes programas de ensino-aprendizagem emergem no ambiente de formação profissional em Ciência e Tecnologia.
A experiência sul-coreana tem muito a nos ensinar. Desde o desenvolvimento econômico planejado, até a constituição de cursos mais livres e adaptativos, muitas são as características que tornam a realidad sul-coreana interessante à investigação científica. Contudo, não para que sejam emuladas estas experiências, mas para que se possa conhecer trajetórias diferentes, pluralizando a visão que se tem acerca do que é a própria Engenharia.
Os problemas contemporâneos pelos quais passam os cursos de Engenharia de Produção em diferentes meios acadêmicos, como os analisados aqui, têm ressonância em diversos campos do conhecimento. Como visto anteriormente, as crises conceituais impulsionam questionamentos e, consequentemente, dão origem a novidades teóricas e práticas, cujos impactos são sentidos diretamente na formação de profissionais de áreas sensíveis a mudanças estruturais, como a Ciência e Tecnologia.
Se por um lado existem discussões a respeito do ensino de tópicos complexos, como empreendedorismo e inovação, também é verdade que modelos diferentes de ensino-aprendizagem convivem, mais do que nunca, num diversificado meio acadêmico. E a Engenharia de Produção ocupa uma posição privilegiada para a análise crítica. Percebe-se, então, que as dificuldades dos atuais cursos em gerar soluções inovadoras reside, em parte, na disputa de paradigmas de ensino-aprendizagem presente atualmente.
Como foi possível perceber a partir desta pesquisa, cursos da área de Engenharia de Produção no Brasil e na Coréia guardam diferenças significativas. Na medida em que se proporciona mais liberdade ao estudante, garante-se um substrato comum em sua formação, dando a ele a opção de traçar sua trajetória acadêmica de acordo com seus anseios pessoais e profissionais, o que segue aparentemente uma linha mais subjetiva de ensino-aprendizagem.
Por outro lado, no Brasil há uma clara preocupação com a sedimentação de conhecimentos técnicos e administrativos mais densos, procurando-se formar os estudantes com o mesmo repertório de conteúdos. Esta massificação, bem como a preocupação técnica, remetem ao modelo de Engenharia de Produção brasileiro um caráter metodológico de ensino-aprendizagem.
Por fim, a diferenciação dos perfis de cursos da área ocorre principalmente a partir de diferentes visões a respeito da composição da Engenharia de Produção, em detrimento de uma nova visão acerca do processo de ensino-aprendizagem. Isto implica, desta forma, que é a mudança da área de conhecimento que tem impactado de maneira mais significativa para modificações nos perfis dos cursos, e não a modificação dos paradigmas de ensino-aprendizagem.
Portanto, uma das sugestões que a presente pesquisa pode levantar seria a implementação de cursos de Engenharia com perfis diferenciados, mas também assentados em bases contemporâneas de ensino-aprendizagem, proporcionando mais liberdade ao aluno, e voltados ao desenvolvimento de competências e habilidades em detrimento de conteúdos demasiado específicos. Apesar das diversas dificuldades que este projeto de curso certamente teria em termos legais, as possibilidades de geração de inovações e conhecimentos arrojados são grandes.









