Regime de colaboração na educação – uma história em construção em um campo de disputa política e conceitual

Collaboration scheme in education – a story in construction in a field of political and conceptual dispute

Rosilene Lagares
Universidade Federal do Tocantins, Brasil
Jemima G. Barreira Cavalcante
Sistema Estadual de Educação do Tocantins, Brasil
Damião Rocha
Universidade Federal do Tocantins, Brasil

Regime de colaboração na educação – uma história em construção em um campo de disputa política e conceitual

Research, Society and Development, vol. 7, núm. 4, pp. 01-22, 2018

Universidade Federal de Itajubá

Recepção: 15 Dezembro 2017

Aprovação: 21 Dezembro 2017

Resumo: Este texto aborda o tema regime de colaboração na educação. Seu objetivo é expressar como tem sido construído o sentido e a natureza do regime de colaboração no campo da educação na contemporaneidade. Para a sua sistematização, ancora-se metodologicamente em revisão de literatura e análise de normas e documentos produzidos em espaços distintos de gestão: no Poder Legislativo (Constituição Federal de 1988, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, Plano Nacional de Educação (2014-2024) e Projetos de Lei), no Executivo (Ministério da Educação) e em espaços designados para a gestão democrática da educação (Conselho Nacional de Educação e Conferências Nacionais de Educação). Como resultados, trabalha com a hipótese de que é uma tese de boa parte dos defensores da escola pública, universal, gratuita, laica, emancipatória e de qualidade referenciada socialmente na classe trabalhadora que é no regime de colaboração que a educação nacional toma o seu sentido sistêmico. Todavia, conclui que não é possível dissimular a emergência da contradição reforçada pelo modelo de Estado após a reforma nos anos 1990, e ancorada no modo de produção capitalista.

Palavras-chave: Políticas públicas e gestão da educação, Federalismo cooperative, Pesquisa documental.

Abstract: This text addresses the theme collaboration scheme in education. Its purpose is to express how the meaning and nature of the collaboration regime in the field of contemporary education has been constructed. For its systematization, it is anchored methodologically in literature review and analysis of norms and documents produced in distinct management spaces: in the Legislative Branch (Federal Constitution of 1988, National Education and Guidelines Directive 1996, National Education Plan (2014-2024) and Draft Laws), in the Executive (Ministry of Education) and in spaces designated for the democratic management of education (National Council of Education and National Conferences of Education). As results, it works with the hypothesis that it is a thesis of a good part of the public schoolers, universal, free, secular, emancipatory and of socially referenced quality in the working class that is in the system of collaboration that national education takes its meaning systemic. However, he concludes that it is not possible to conceal the emergence of the contradiction reinforced by the state model after the reform in the 1990s, and anchored in the capitalist mode of production.

Keywords: Public policies and education management, Cooperative Federalism, Documentary research.

1. Introdução

Se, a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), muitos acontecimentos contribuíram para mudar os rumos da educação, pouco aconteceu no domínio da normatização específica do regime de colaboração em âmbito nacional, ao ponto de transformar as relações entre os entes federados e entre os sistemas de ensino, para a garantia da educação pública em todos os níveis, etapas e modalidades, para todas as pessoas indistintamente, com qualidade referenciada socialmente na classe trabalhadora, gratuita, laica e emancipatória.

Esse regime não pode deixar de ser considerado um processo, cujos resultados são fruto duma história e de uma sociedade e, portanto, configurando-se em uma contradição. E por assim ser não é produto acabado. E, por estar em constante construção, oscila entre as possibilidades de descentralização e os limites centralizadores.

Em uma arena permeada por controvérsias, incertezas e dificuldades (ARAÚJO, 2005; OLIVEIRA; SANTANA, 2010; CAVALCANTE, 2015; TEIXEIRA; MUTIM, 2009), levantamos a hipótese de que é uma tese de boa parte dos defensores da escola pública, universal, gratuita, laica, emancipatória e de qualidade referenciada socialmente na classe trabalhadora que é no regime de colaboração que a educação nacional toma o seu sentido sistêmico. Todavia, reiteramos, não é possível dissimular a emergência da contradição reforçada pelo modelo de Estado após a reforma nos anos 1990, e ancorada no modo de produção capitalista.

Certamente, os problemas relacionados com a frágil implementação do regime de colaboração vinculam-se a causas maiores, de natureza estrutural, ligadas ao nosso regime federativo, localizadas no desenho institucional que hoje preside a relação entre os diferentes atores do jogo federativo na formulação, implementação, controle e avaliação das políticas setoriais de educação. (BRASIL, 2012, p.1).

Do exposto, concordamos com as teses de que o regime de colaboração só é possível quando o poder decisório está descentralizado, não na acepção da desconcentração de tarefas; ou da conversão em estratégias privatizantes de bens públicos (COSTA, 2010); ou desconsiderando o caráter predatório da história da federação brasileira (ARAÚJO, 2005); nem sem considerar as desigualdades devidas aos condicionantes históricos, geográficos e sociais de cada região (LAGARES, 1998).

Assim posto, neste artigo, nosso objetivo é expressar como tem sido construído o sentido e a natureza do regime de colaboração no campo da educação na contemporaneidade. Isto, com a preocupação de contribuir para a compreensão do princípio constitucional denominado regime de colaboração entre os sistemas de ensino: “Sua efetividade dá-se pela inserção no Sistema Nacional de Educação – forma de organização matricial federativa para superar as ações pontuais e assegurar a unidade nacional da educação –, constituindo-se no seu método de operação.” (BRASIL, 2012, p. 24).

2. Metodologia

Para a coleta de informações e a sistematização do texto, nos ancoramos metodologicamente em dois tipos de procedimentos:

i) revisão de literatura (LIMA; MIOTO, 2007), cujo corpus teórico sustenta-se em teóricos do campo das políticas públicas e da gestão da educação que compartilham e defendem a gestão democrática e o regime de colaboração, implicando no planejamento político social/participativo.

ii) análise documental (SHIROMA; CAMPOS; GARCIA, 2005):

  1. a) Normas/Poder Legislativo:

    1. - Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988);

    2. - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei nº 9.394/1996 (BRASIL, 1996a);

    3. - Plano Nacional de Educação (2014-2024) – Lei nº 13005/2014 (BRASIL, 2014);

    4. - Projetos de Lei que objetivam a regulamentação específica do regime de colaboração (BRASIL, 2006; BRASIL, 2001a; BRASIL, 2001b; BRASIL, 1998; BRASIL, 1996b).

  2. b) documentos produzidos em espaços distintos de gestão:

    1. - Poder Executivo/Ministério da Educação: Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Compromisso) (BRASIL, 2007a); Plano de Ações Articuladas (PAR) (BRASIL, 2007b); e Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (Sase)[1];

    2. - Conselho Nacional de Educação (CNE) (BRASIL, 2012);

    3. - Conferências Nacionais de Educação de 2010 (BRASIL, 2010) e 2014 (BRASIL, 2014) – sendo os dois últimos espaços designados para a gestão democrática da educação.

3. Resultados e Discussão

Para uma exposição lógica dos resultados da pesquisa e a discussão das informações, com vistas ao alcance do objetivo geral (expressar como tem sido construído o sentido e a natureza do regime de colaboração no campo da educação na contemporaneidade), além da introdução e das considerações finais, organizamos o artigo em três seções primárias, com algumas seções secundárias[2], tratando respectivamente: do regime de colaboração nas normas, como princípio nacional para a gestão da educação; das diretrizes para o regime de colaboração, emanadas do Poder executivo, por meio do Ministério da Educação; e da explícita disputa política e conceitual acerca do regime de colaboração, em dois espaços para a gestão democrática, sendo no Conselho Nacional de Educação e nas Conferências Nacionais de Educação de 2010 e de 2014.

3.1 Normas – regime de colaboração como princípio nacional para a gestão da educação

A partir do final dos anos 1980, com a promulagação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), a educação brasileira passa a apresentar um contexto diferenciado em se tratando das políticas públicas e da gestão, com o regime de colaboração disposto como um princípio em normas e em documentos, e, ao mesmo tempo, perpassado por acirrada disputa política e conceitual.

3.1.1. Constituição Federal (anos 1980)

O federalismo cooperativo é desenhado na Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988), sobretudo nos arts. 1º, 18, 21, 22, 23, 24, 25, 30, 34 e 35, que estabelecem: a formação da República Federativa do Brasil pela união indissolúvel dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, constituindo-se em Estado Democrático de Direito (art. 1º); a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreendendo a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos da Constituição (art. 18); as competências da União (art. 21); as competências legislativas privativas da União (art. 22); as competências comuns da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 23); as competências legislativas concorrentes da União, dos Estados e do Distrito Federal (art. 24); as possibilidades de os Estados se organizarem e regerem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal (art. 25); as competências dos Municípios (art. 30); a garantia da autonomia dos Estados e do Distrito Federal, mas com possibilidades de intervenção da União em seus espaços (art. 34); a garantia da autonomia dos Municípios, mas com possibilidades de intervenção do Estado e da União em seus espaços (art. 35); possibilidades de consórcios públicos e convênios de cooperação entre os entes federados, disciplinados por meio de lei, autorizando a gestão associada de serviços públicos, bem como a transferência total ou parcial de encargos, serviços, pessoal e bens essenciais à continuidade dos serviços transferidos (art. 241).

Essa forma federativa do Estado brasileiro encontra-se protegida no art. 60 do ADCT, no § 4º (BRASIL, 1988), que, ao tratar das possibilidades de emendas à Constituição, explicita que “Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I – a forma federativa de Estado;”.

Cumpre ressaltarmos que esse modo de organização do Estado nacional contrapõe-se, pelo menos formalmente, ao modo centralizador que perpassa a história político-administrativa do país.

No campo da educação, a cooperação entre os entes federados União, Estados, Distrito Federal e Municípios e o regime de colaboração entre os sistemas de ensino encontram fundamentos constitucionais, em especial, nos arts. 22, 23, 24, 25, 30, 35, 205, 206, 208, 209, 211, 212, 213, 214 e no art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que estruturou um sistema de repartição de competências e atribuições legislativas entre os integrantes do sistema federativo, dentro de limites expressos pelas normas e diretrizes nacionais, reconhecendo a autonomia: a competência privativa da União de legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional (art. 220, XXIV); a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios em proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência (art. 23, V); a necessidade de leis complementares para fixar as normas para a cooperação entre todos os entres federados, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (parágrafo único); a competência concorrente de todos os entres federados na legislação da educação, cultura, ensino e desporto; na proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência; e na proteção à infância e à juventude (art. 24, IX, XIV e XV); a limitação da competência da União em estabelecer normas gerais no âmbito da legislação concorrente (art. 24, § 1º); a competência suplementar dos Estados para legislar sobre normas gerais (art. 24, § 2º); a competência legislativa plena dos Estados no caso da inexistência de lei federal sobre normas gerais, para atender a suas peculiaridades (art. 24, § 3º); a suspensão da eficácia da lei estadual no caso da superveniência de lei federal sobre normas gerais no que lhe for contrário (art. 24, § 4º); a organização dos Estados pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios da Constituição Federal (art. 25); a reserva aos Estados das competências que não lhes sejam vedadas pela Constituição Federal (art. 25, § 1º); a possibilidade dos Estados de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, constituídas por agrupamentos de municípios limítrofes, para integrar a organização, o planejamento e a execução de funções públicas de interesse comum, mediante lei complementar (art. 25, § 3º); as competências dos Municípios em legislar sobre assuntos de interesse local; suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local ; e manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; a possibilidade de intervenção da União nos Estados e no Distrito Federal quando não assegurarem a aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde (art. 34, VII); a possibilidade de intervenção do Estado em seus Municípios e da União nos Municípios localizados em Território Federal quando não aplicarem o mínimo exigido da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde; (art. 35, III); a garantia da educação como um direito de todos e dever do Estado e da família e em colaboração com a sociedade (art. 205); os princípios do ensino (art. 206); os deveres do Estado na garantia de todos os níveis, etapas e modalidades da educação (art. 208); a liberdade de ensino a iniciativa privada, atendidas as normas gerais da educação nacional e a autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público (art. 209); o regime de colaboração como princípio para a organização dos sistemas de ensino da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (art. 211); a necessidade de formas de colaboração entre todos os entes federados na organização de seus sistemas de ensino, para assegurar a universalização do ensino obrigatório (art. 211, § 4º); os percentuais mínimos obrigatórios de aplicação de recursos financeiros por todos os entes federados na manutenção e desenvolvimento do ensino (art. 212); a destinação dos recursos públicos às escolas públicas e a rede privada não particular (art. 213); o plano nacional de educação com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas (art. 214); o Fundo para a manutenção e o desenvolvimento da educação básica e à remuneração condigna dos trabalhadores da educação (art. 60, ADCT).

Do mesmo modo que para as outras dimensões de gestão dos direitos sociais (BRASIL, 1988, art. 6º), no campo da educação, a cooperação federativa e o regime de colaboração, pelo menos formalmente, trazem outro formato para uma estrutura de gestão historicamente verticalizada de cima para baixo, com a simples desconcentração de tarefas da União para os Estados e desses para os Municípios. Em outras palavras, é uma organização que possibilita a institucionalização do Sistema Nacional de Educação responsabilizando todos os entes federados e os sistemas de ensino com atribuições específicas, que se desempenhadas adequadamente poderão desenhar outro mapa educacional.

Todavia, é preciso considerar a tese de Cury (2002, p. 3), para compreendermos as possibilidades e os limitas desse regime:

A Constituição fez escolha por um regime normativo e político, plural e descentralizado no qual se cruzam novos mecanismos de participação social com um modelo institucional cooperativo e recíproco que amplia o número de sujeitos políticos capazes de tomar decisões. Por isso mesmo, a cooperação exige entendimento mútuo entre os entes federativos e a participação supõe a abertura de arenas públicas de decisão.

Do exposto, concluímos que a opção por um tipo específico de regime para a gestão da educação nacional demonstra a disputa política e conceitual entre projetos societários distintos.

3.1.2. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (anos 1990)

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9.394 (BRASIL, 1996a), reitera o princípio do regime de colaboração no título que trata da organização da educação nacional, ao explicitar uma organização plurisistêmica: “Art. 8º A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão, em regime de colaboração, os respectivos sistemas de ensino”. (Grifos nossos).

Essa Lei apresenta certa divisão de atribuições entre os entes federados, explicitando o papel da União na coordenação da política nacional de educação e na articulação dos diferentes níveis e sistemas, exercendo função normativa, redistributiva e supletiva em relação às demais instâncias educacionais (art. 8º, § 1º).

A cooperação e a colaboração são disposições da LDB nº 9.394 quando traz incumbências aos entes federados e aos sistemas de ensino: União (arts. 9º, 16), Estados (arts. 10, 17), Municípios (arts. 11, 18). Nessa divisão de atribuições, para colaboração e cooperação, inclui as instituições educacionais (art. 12) e os docentes (art. 13). Neste formato de organização, demarca, também, a sua concepção de gestão, sendo a democrática (arts. 14 e 15). E, os artigos 19 e 20 explicitam aspectos para a estruturação e o funcionamento da educação privada, de certa forma, também, como parte da cooperação.

A LDB recepciona o princípio constitucional do regime de colaboração e, de certo modo, traça algumas bases para a sua materialização. Entretanto, é imprescindível pensarmos que o regime de colaboração, nos anos 1990, carrega outra natureza e outro sentido, distintos da tese do período constitucional, considerando o acirramento do projeto neoliberal no país com a eleição de Fernando Collor e Fernando Henrique Cardoso.

3.1.3. Plano Nacional de Educação (anos 2000)

A Lei nº 13.005/2014, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) (BRASIL, 2014a), é outra norma que dispõe a respeito do regime de colaboração, em seu texto e no Anexo que traz as Metas e Estratégias. Especificamente, é o art. 7º do PNE que trata do regime de colaboração e da cooperação, inaugurando a ideia das instâncias permanentes de negociação e cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, com a justificativa de fortalecimento do regime.

No art. 11 reitera-se a colaboração e a cooperação nos processos de avaliação da educação nacional e o 13 trata do Sistema Nacional de Educação, a ser normatizado, como o “responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação.” (Grifos nossos). Ainda, explicita a necessária articulação interfederativa na implementação das políticas educacionais (BRASIL, 2014a, arts. 6º, 8º e 13).

No Anexo do PNE, há pelo menos 25 Estratégias que fazem menção ao regime de colaboração e a cooperação, envolvendo educação infantil; direitos e objetivos de aprendizagem e desenvolvimento para ensino fundamental e médio; diversidade e modalidades de educação e ensino/atendimento educacional especializado/educação de jovens e adultos, pessoas privadas de liberdade/trabalhadores e trabalhadoras/educação profissional; atendimento em tempo integral/educação em tempo integral, avaliação institucional; avaliação da educação básica; insumos para escolas públicas com vistas à equalização regional das oportunidades educacionais; parâmetros mínimos de qualidade da educação básica; formação inicial e continuada/política nacional de formação dos profissionais da educação/formação continuada para os profissionais da educação de outros segmentos que não os do magistério; política nacional de formação dos profissionais da educação/ formação continuada para os (as) profissionais da educação de outros segmentos que não os do magistério; gestão democrática, transparência e controle social na utilização dos recursos públicos aplicados em educação; equilíbrio na repartição das responsabilidades e dos recursos e efetivo cumprimento das funções redistributiva e supletiva da União.

Nesse documento, não há a diferenciação de que a colaboração deva ser entre os sistemas de ensino e a cooperação entre os entes federados. Cabe-nos, também, expor que no contexto da elaboração do PNE, o regime de colaboração foi uma das teses centrais dos defensores da escola pública, como uma das possibilidades para a institucionalização do Sistema Nacional de Educação e a descentralização da gestão da educação.

3.1.4. Projetos de Lei (anos 1990 e 2000)

Na discussão para a normatização nacional do regime de colaboração, Cassini (2011) e Fernandes (2013) enumeram cinco Projetos de Lei que tramitaram no Congresso Nacional brasileiro:

a) Projeto de Lei nº 1.946, 21 de maio de 1996 (BRASIL, 1996b), apresentado pelo deputado Maurício Requião, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB/PR), e arquivado em 1999. O Projeto dispõe sobre competências e formas de colaboração entre os sistemas de ensino.

b) Projeto de Lei nº 4.553, de 27 de maio de 1998 (BRASIL, 1998, s/p), de autoria do deputado Ivan Valente, do Partido dos Trabalhadores (PT/SP), sendo arquivado em 1999, com a alegação de fim da legislatura, e sem nenhum debate ou relatoria (CASSINI, 2011). O Projeto responsabilizava todos os entes federados pela oferta de ensino fundamental, sob o regime de colaboração, alegando que a atual redação sobrecarrega o Município.

c) Projeto de Lei nº 4.283, de 14 de março de 2001 (BRASIL, 2001a), apresentado pelo deputado Paulo Lima, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB/SP), e arquivado com dois relatórios pela rejeição, sendo um da Comissão de Educação, Cultura e Desporto e outro da Comissão de Seguridade Social e Família, sem ir à Plenário, pelo fato dos relatores julgarem que a ementa referia-se a matéria da oferta da educação infantil, uma etapa da educação já regulamentada na Constituição Federal de 1988 e na LDB nº 9.394. O Projeto tratou do atendimento a crianças de zero a três anos em regime de colaboração entre a União, os Estados e os Municípios. A explicação da ementa era a criação de Centros Públicos de Educação Infantil, com a participação dos pais na manutenção do centro, mediante contribuição mensal de acordo com seu nível de renda (art. 2º, § 4º) (CASSINI, 2011): “Art. 1º A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, anos em regime de colaboração, promoverão o atendimento a crianças de zero a três anos de idade, com a finalidade de promover o seu desenvolvimento integral.”

d) Projeto de Lei nº 237, de 06 de novembro de 2001 (BRASIL, 2001b), proposto pelo deputado Ricardo Santos, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB/ES), e arquivado ao final da legislatura, sem relatoria (CASSINI, 2011). A norma visava regulamentar o regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios na organização dos seus sistemas de ensino, “com o fim de obter pleno cumprimento dos seus deveres constitucionais e legais para com a educação” (art. 1º), devendo os entes federados atuar “de maneira entrosada e harmônica, visando primordialmente ao atendimento das necessidades educacionais dos alunos e ao melhor funcionamento dos estabelecimentos de ensino.” (art. 2º).

e) Projeto de Lei nº 7.666, de 14 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2006), proposto por Ricardo Santos, deputado do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB/ES), tendo como coautor Carlos Humberto Manato, deputado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT/ES). O Projeto dispunha acerca do regime de colaboração entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios na organização dos seus sistemas de ensino, “com o fim de obter pleno cumprimento dos seus deveres constitucionais e legais para com a educação” (art. 1º) e, da mesma forma que o projeto anterior, devendo todos os entes federados atuar “de maneira entrosada e harmônica, visando primordialmente ao atendimento das necessidades educacionais dos alunos e ao melhor funcionamento dos estabelecimentos de ensino.” (art. 2º). Esse Projeto previa “A transferência progressiva de encargos e serviços do Estado para os Municípios, conforme as suas competências constitucionais e legais [...]” (BRASIL, 2006, art. 5º), abrangendo a educação infantil e o ensino fundamental. Ainda, facultava ao Município o oferecimento do ensino médio em consórcio com o Estado (art. 5º, § 3º).

Os Projetos de Lei carregam disputa política e conceitual a respeito do sentido e da natureza do regime de colaboração, já observando que têm autores de partidos distintos, cujas teses educacionais são contrárias. Nesse meandro, a disputa continua, pois até o momento nenhum dos Projetos de foi aprovado, nem outro apresentado, nem o regime de colaboração regulamentado especificamente.

3.2. Poder executivo (Ministério da Educação) – diretrizes para regime de colaboração

3.2.1. Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Compromisso) (anos 2000)

Em 2007, o Decreto nº 6.094 (BRASIL, 2007a, art. 1º), dispôs sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação (Compromisso), por meio de programas e ações de assistência técnica e financeira, visando à mobilização social pela melhoria da qualidade da educação básica. Esse Compromisso, como afirma o próprio documento, “é a conjugação dos esforços da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, atuando em regime de colaboração, das famílias e da comunidade, em proveito da melhoria da qualidade da educação básica.” (Grifos nossos).

A vinculação do Município, Estado ou Distrito Federal ao Compromisso deveria acontecer por meio de termo de adesão voluntária, o que implicaria a assunção da responsabilidade de promover a melhoria da qualidade da educação básica em sua esfera de competência, expressa pelo cumprimento de meta de evolução do IDEB [Índice de Desenvolvimento da Educação Básica], observando-se as diretrizes definidas (arts. 4º e 5º). O Compromisso reiterava: o Município que não preenchesse as condições técnicas para a realização da Prova Brasil seria objeto de programa especial de estabelecimento e monitoramento das metas. (art. 5º, § 3º).

O Plano de Metas é um documento construído em âmbito governamental, diretamente pelo Ministério de Educação e sem a participação dos demais entes federados, o que fortalece a ideia de que o regime de colaboração pode, por um lado, ser compreendido como um elemento para a democratização da gestão da educação, mas pode, também, ser compreendido com base em outros discursos e ações.

3.2.2. Plano de Ações Articuladas (PAR) (anos 2000)

O Plano de Ações Articuladas (PAR) é o conjunto articulado de ações, apoiado técnica ou financeiramente pelo Ministério da Educação, visando o cumprimento das metas do Compromisso Todos pela Educação e a observância das suas diretrizes (BRASIL, 2007b, art. 9º). Nesse Plano, os Estados poderão colaborar, com assistência técnica ou financeira adicionais, para a execução e o monitoramento dos instrumentos firmados com os Municípios. A participação dos Estados nos instrumentos firmados entre a União e o Município, será formalizada na condição de partícipe ou interveniente (art. 10, § 2º e 3º). Ainda, com base na norma, a participação da União no Compromisso “será pautada pela realização direta, quando couber, ou, nos demais casos, pelo incentivo e apoio à implementação, por Municípios, Distrito Federal, Estados e respectivos sistemas de ensino de 28 diretrizes.” (art. 2º).

O Plano de Ações Articuladas encerra elementos de democratização da gestão da educação, reiterando o regime de colaboração como previsto constitucionalmente, mas, por outro lado, traz práticas sustentadas por outro sentido e natureza de regime de colaboração.

3.2.3. Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino do Ministério da Educação (anos 2000)

No Ministério da Educação, em 2011, é criada a Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino (Sase) com as atribuições específicas de apoiar o desenvolvimento de ações para a criação de um sistema nacional de educação, aprofundando o regime de cooperação entre os entes federados; assistir e apoiar o Distrito Federal, os Estados e os Municípios na elaboração, adequação, acompanhamento e avaliação democrática de seus planos de educação em consonância com o estabelecido no PNE, bem como no aperfeiçoamento dos processos de gestão na área educacional; e promover a valorização dos profissionais da educação, apoiando e estimulando a formação inicial e continuada, a estruturação da carreira e da remuneração e as relações democráticas de trabalho (LAGARES, 2015).

Na Sase deflagra-se em 2013, como uma das ações no regime de colaboração, apoio técnico no processo de elaboração ou adequação, monitoramento e avaliação dos planos municipais (e estaduais) de educação, visando ao alcance das metas e à implementação das estratégias do PNE – Lei n° 13.005/14 (art. 7º). Nesse processo de colaboração, os Estados e Municípios participarão de instância permanente de negociação e cooperação[3] entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; poderão adotar medidas adicionais ou instrumentos jurídicos que formalizem a cooperação entre os entes federados, podendo ser complementadas por mecanismos nacionais e locais de coordenação e colaboração recíproca; deverão instituir instâncias permanentes de negociação, cooperação e pactuação em cada Estado; os Municípios poderão adotar os arranjos de desenvolvimento da educação (ADEs); deverão elaborar seus correspondentes planos de educação, ou adequar os planos já aprovados em lei, em consonância com as diretrizes, metas e estratégias previstas no PNE; por fim, nos planos, construídos com a ampla participação da sociedade, os referidos entes federados deverão assegurar a articulação das políticas educacionais com as demais políticas sociais, particularmente as culturais; considerar as necessidades específicas das populações do campo e das comunidades indígenas e quilombolas, asseguradas a equidade educacional e a diversidade cultural; garantir o atendimento das necessidades específicas na educação especial, assegurado o sistema educacional inclusivo em todos os níveis, etapas e modalidades; promover a articulação interfederativa na implementação das políticas educacionais (LAGARES, 2015).

Importa-nos reforçar que, nos espaços do Poder Executivo, a definição de atribuições e responsabilidades entre os entes federados e os sistemas de ensino, não pode constituir-se unicamente na distribuição e demarcação de tarefas, pois não é esse o sentido e a natureza do regime de colaboração constitucionalmente definido. Nesse, são essenciais o compartilhamento de responsabilidades comuns e a mútua complementação, num regime de interdependência, como forma de alcançar os objetivos nacionais comuns aos entes.

3.3. Espaços para a gestão democrática – o regime de colaboração em disputa política e conceitual

3.3.1. Conselho Nacional de Educação (anos 2000)

Em 2011, o Conselho Nacional de Educação (CNE), por meio da Câmara de Educação Básica (CEB), aprova o Parecer CNE/CEB nº 9 (BRASIL, 2011), da comissão composta por Mozart Neves Ramos, Cesar Callegari, Adeum Hilario Sauer, Jose Fernandes de Lima e Rita Gomes do Nascimento, publicizando a proposta de Arranjos de Desenvolvimento da Educação (ADEs) como ideia de fortalecimento e implementação do regime de colaboração. Os ADEs são propostos como instrumentos de gestão pública, para assegurar o direito à educação de qualidade, para contribuir na estruturação e aceleração de um Sistema Nacional de Educação e como uma forma possível de se efetivar o regime de colaboração. Assim, seus objetivos são:

Analisar proposta de fortalecimento e implementação do regime de colaboração entre entes federados, basicamente entre Municípios, numa espécie de colaboração horizontal, mediante arranjos de desenvolvimento da educação. Isto significa trabalhar em rede, onde um grupo de Municípios com proximidade geográfica e características sociais e econômicas semelhantes busca trocar experiências e solucionar conjuntamente dificuldades na área da educação, trabalhando de forma articulada com os Estados e a União, promovendo e fortalecendo a cultura do planejamento integrado e colaborativo na visão territorial e geopolítica. (BRASIL, 2011, p.2).

O CNE, no Conselho Pleno (CP), aprova o Parecer nº 11/2012 (BRASIL, 2012), tratando do regime de colaboração entre os sistemas de ensino, da comissão composta por Adeum Hilário Sauer (Relator), Maria Beatriz Luce, Francisco Aparecido Cordão, Maria Izabel Noronha e Paulo Speller. Com base em um histórico, o Parecer expõe que a efetivação do regime de colaboração está condicionada a criação de Sistema Nacional de Educação. Nesse histórico, reitera a ideia implícita dos pioneiros da educação de regime de colaboração e de Sistema Nacional de Educação: “Os pioneiros defendiam uma organização baseada em princípios a dar coerência interna a unidade nacional, respeitando a multiplicidade das características locais, via democratização e descentralização, por meio da organização em sistemas de ensino, com responsabilidade próprias.” (BRASIL, 2012, p.5).

O Documento adota a tese de que a previsão no ordenamento jurídico nacional e a ausência de regulamento específico permite que o regime de colaboração seja objeto de formulações e entendimentos variados, segundo as particulares visões de mundo, ou ponto de vista dos atores desde as diferentes posições que ocupam (BRASIL, 2012). Traz, também, uma fundamentação política acerca do regime de colaboração, explicitando os principais impasses e desafios a serem superados para a sua efetivação:

a) superação da cultura política centralizadora, verticalizada e patrimonialista, pois as relações entre os entes federados, embora a Constituição conceba um federalismo não hierárquico, são caracterizadas pela verticalidade;

b) correção das assimetrias regionais, pois a diversidade nacional aponta para a necessidade de políticas territorializadas, com formas de colaboração locais, como estratégias para a superação das desigualdades;

c) definição de papéis, responsabilidade e compromissos entre os entes federados, pois embora a Constituição estabeleça certa divisão (art. 211 e parágrafos), as três esferas não atuam de forma coordenada. Na prática, observa-se o funcionamento de sistemas paralelos, às vezes concorrentes, onde governos estaduais e municipais administram, num mesmo lugar, sistemas separados com a mesma finalidade. Há desarticulação no atendimento aos diferentes níveis da educação (infantil, fundamental, médio e superior), em boa parte devido à forma de distribuição de competências e atribuições entre os entes federados. São definidas prioridades, mas não responsabilidades comuns.

No entanto, a definição de atribuições e responsabilidades não pode constituir-se em uma pura e simples distribuição e individuação institucional de tarefas. Requer compartilhamento de responsabilidades comuns e mútua complementação, em um regime de interdependência no conjunto da gestão pública brasileira, como forma de alcançar os objetivos nacionais, superar as desigualdades corrigindo as assimetrias entre os entes federados, sem prescindir de políticas nacionais. É a busca da equidade com qualidade social que justifica, dá razão de ser, constitui a essência do Regime de Colaboração. Neste sentido, o Regime de Colaboração deve ser fator constitutivo da democracia brasileira.

d) Organização sistêmica das ações, pois, muitas vezes, as políticas públicas, ainda, se traduzem em ações de caráter pontual e esparso, apesar de todo o avanço conquistado, fruto de longa conquista democrática. Resta ainda o grande esforço para concretizar a articulação entre os sistemas de ensino e entre as diferentes políticas, com o objetivo central de fazer cumprir o disposto na Constituição Federal, e em especial os desafios trazidos pela Emenda Constitucional nº 59/2009.

Também, elenca os avanços recentes:

Políticas de financiamento, planos e programas governamentais, conferências, fóruns, entidades nacionais, organização institucional e experiências regionais fortaleceram as articulações locais, regionais e nacionais, a partir da Constituição de 1988, viabilizando a caminhada instituinte do Regime de Colaboração. [...]

Assim, lado a lado às constatações dos limites de um regime federativo assimétrico, da cultura política centralizadora, verticalizada e patrimonialista, e da falta de clareza na definição de atribuições e responsabilidades, é fundamental ressaltar esforços, políticas e programas em outra direção. (BRASIL, 2012, p.12).

No Parecer (BRASIL, 2012, p.16), são apontados alguns caminhos como “agenda de práticas sociais instituintes para a implementação do regime de colaboração como política de Estado”:

No Documento, o regime de colaboração é apontado como consequência da organização sistêmica da educação nacional, necessitando de uma agenda instituinte, também, do Sistema Nacional de Educação. Por fim, destaca que o regime de colaboração é mandamento constitucional a ser observado para a organização da educação nacional entre os sistemas de ensino dos entes federados autônomos; a valorização das experiências e práticas existentes na realidade educacional como caminho de sua implementação; os planos de educação (nacional, estaduais, distrital e municipais) como sendo elementos constitutivos do sistema e instrumentos para articular a unidade na diversidade; a necessidade do compromisso e da corresponsabilidade solidária dos entes federados para promover um padrão nacional de qualidade, no atendimento do direito à educação, e o papel central do financiamento como meio de construção dessa qualidade e de correção das assimetrias; e a adoção de uma perspectiva instituinte dos processos de (re)construção institucional, reconhecendo nos avanços de educação e em seus movimentos constituintes um ponto de partida para a consolidação do novo arranjo institucional (BRASIL, 2012).

3.3.2. Conferências Nacionais de Educação (anos 2000)

No documento da Conferência Nacional de Educação de 2010, intitulado Construindo o Sistema Nacional Articulado de Educação: O Plano Nacional de Educação, Diretrizes e Estratégias de Ação (BRASIL, 2010, p.21-26), também, é defendida a necessidade do regime de colaboração:

A construção de um sistema nacional de educação requer o redimensionamento da ação dos entes federados, garantindo diretrizes educacionais comuns a serem implementadas em todo o território nacional, tendo como perspectiva a superação das desigualdades regionais.

b) a ausência de um efetivo sistema nacional de educação configura a forma fragmentada e desarticulada do projeto educacional ainda vigente no País. Assim, a sua criação passa, obrigatoriamente, pela regulamentação do regime de colaboração.

c) a regulamentação do regime de colaboração e a efetivação do sistema nacional de educação dependem da superação do modelo de responsabilidades administrativas restritivas às redes de ensino.

Desse modo, de forma cooperativa, colaborativa e não competitiva, União, Estados, Distrito Federal e Municípios devem agir em conjunto para enfrentar os desafios educacionais de todas as etapas e modalidades da educação nacional.

d) para a regulamentação do regime de colaboração entre os entes federados algumas ações devem ser aprofundadas: (i) estimular a organização dos sistemas municipais de ensino [...].

Em 2014, no Documento Referência para a segunda Conae, intitulado O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração (BRASIL, 2014b, p.11), reitera-se a tese da educação como bem público e direito social e apresenta como objetivo geral para a Conferência “propor a Política Nacional de Educação, indicando responsabilidades, corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os entes federados e os sistemas de ensino”. Assim, após cada um dos seus sete eixos temáticos, traz um quadro com proposições e estratégias, indicando as responsabilidades, corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os entes com vistas à efetivação do regime de colaboração.

Ainda, enfatiza-se que “a construção do Sistema Nacional de Educação articula-se à regulamentação do regime de colaboração e à construção e efetivação de um Plano Nacional de Educação como política de Estado, que envolva as esferas de governo no atendimento à população em todas as etapas e modalidades de educação, em regime de corresponsabilidade”. (BRASIL, 2014b, p.19).

No regime de colaboração, enfatiza-se o papel da União e a necessidade de uma política de financiamento visando à qualidade da educação:

[...] deve explicitar a participação da União na cooperação técnica e, especialmente, na determinação de transferências regulares e contínuas de recursos financeiros às instituições públicas dos estados, DF e municípios, priorizando os entes federados com baixos índices de desenvolvimento socioeconômico e educacional, indicando os que mais demandam apoio para a garantia do custo aluno qualidade (CAQ). Essa regulamentação deve prever meios de superação das desigualdades regionais, especialmente pela construção de uma política de financiamento ancorada na perspectiva de qualidade para a educação básica e superior. (BRASIL, 2014b, p.19-20).

Dos documentos descritos, nas normas, o regime de colaboração aparece como princípio nacional para a gestão da educação; do Poder executivo (Ministério da Educação), emanam diretrizes nacionais; e, nos espaços para a gestão democrática, o regime aparece em uma disputa política e conceitual.

Todavia, reiteramos que o regime é um campo minado, pois:

[...] é objeto de formulações e entendimentos variados, segundo as particulares visões de mundo, ou pontos de vista dos atores desde as diferentes posições que ocupam nas estruturas dos governos, nos conselhos de controle social, nas representações de trabalhadores, representações empresariais e em diferentes organizações sociais na federação. (BRASIL, 2012, p.3). (Grifos nossos).

Com esse sentido, compreendemos a necessidade de fortalecimento da discussão acerca dos condicionantes políticos que encerram esse regime.

4. Considerações finais

Com o objetivo de expressar como tem sido construído o sentido e a natureza do regime de colaboração no campo da educação na contemporaneidade, pinçarmos e analisarmos disposições sobre o regime nas principais normas nacionais do campo da educação e em documentos e espaços fundamentais de gestão, todos de acesso em âmbito nacional no campo das políticas públicas e da gestão da educação. Feito isso, consideramos que o regime, mesmo sendo objeto de formulações e entendimentos variados, é a forma de gestão escolhida no Brasil no desenho institucional do regime federativo, com a distribuição de competências e responsabilidades entre os sistemas de ensino, de modo a preservar, ao mesmo tempo, a unidade nacional e a autonomia desses sistemas. Como essa ideia, entendemos que esse artigo pode contribuir com pesquisadores e com profissionais da educação, situando-os a respeito das disposições normativas acerca do regime, bem como trazendo o elemento da contradição para as suas análises e atuações na gestão da educação e na definição de políticas públicas educacionais. Reiteramos, assim, que não é possível compreender o sentido e a natureza do regime de colaboração sem essa fundamentação.

Ainda, sem desconsiderar a importância do aparato normativo e documental existente regulando esse regime, compreendemos que as normas e os documentos dispersos não conseguem imprimir a sistematicidade necessária a esse regime, como seria possível por meio de uma norma nacional específica e única. E, no movimento de sistematização desta norma, não há como fugir da complexidade da discussão política e teórica a respeito deste regime, pois, os problemas relacionados com a frágil implementação do regime de colaboração vinculam-se a causas maiores.

No entanto, consideramos de fundamental importância enfrentar este desafio posto aos cidadãos brasileiros com a promulgação da Constituição Federal de 1988, cuja gestão da educação tenta passar da centralização ao regime de colaboração como descentralização. É com esse sentido, também, que desenvolvemos uma pesquisa em Rede (2015 a 2018), em nove Estados brasileiros (Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Rio de Janeiro, Maranhão, Piauí, Ceará, Pará, Tocantins), intitulada Rede MAPA: Gestão democrática do ensino público: mapeamento das bases normativas e das condições político-institucionais dos sistemas municipais de ensino, na qual, necessariamente, discutimos o regime de colaboração e a cooperação federativa.

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Notas

[1] Disponível em: www.mec.gov.br/sase. Acesso em: 24/10/2017.
[2] Ver Norma ABNT/NBR 6024, de maio de 2003: Informação e documentação - Numeração progressiva das seções de um documento escrito – Apresentação.
[3] Ver Portaria MEC nº 619, de 24 de junho de 2015, que institui Instância Permanente de Negociação Federativa no Ministério da Educação.
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