O Jardim de Infância Aurea Barros: uma breve história

The Kindergarten Aurea Barros: A Brief History

Sarah de Lima Mendes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil
Antônio Basílio Novaes Thomaz de Menezes
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Brasil

O Jardim de Infância Aurea Barros: uma breve história

Research, Society and Development, vol. 7, núm. 8, pp. 01-16, 2018

Universidade Federal de Itajubá

Recepção: 09 Maio 2018

Aprovação: 16 Maio 2018

Resumo: Estudar a História das Instituições de Educação Infantil nos permite estabelecer relações com a história da infância e da criança, e compreender as concepções pedagógicas que fundamentam as propostas e práticas educacionais direcionadas para as crianças de zero a seis anos de idade. Neste sentido, o presente artigo aborda como se deu o processo de implantação do Jardim de Infância Aurea Barros no Município de Natal/Rio Grande do Norte, na década de 1930, assim como, busca compreender as práticas educativas destinadas criança pequena. Como procedimento teórico-metodológico adotamos autores que se ocupam em analisar a História da Educação Infantil, como Kuhlmann Junior (1998). Como critério de análise nos apoiamos aos estudos referentes a História Social da Infância (Heywood, 2004) e Cultura Escolar (Julia, 2012) servindo de viés condutora compreensão da escola como um espaço de produção de saberes, de formação hábitos e comportamentos civis. Ao que concerne os procedimentos metodológicos, debruçamo-nos sobre fontes históricas, tais como: as mensagens governamentais, a legislação educacional e jornais. Nesta perspectiva, ponderamos a relevância histórica e social de um dos primeiros espaços educativos para a criança natalense.

Palavras-chave: História da Instituição, Jardim de Infância e Prática Educativa.

Abstract: Studying the History of Early Childhood Education allows us to establish relationships with the history of childhood and children and to understand the pedagogical conceptions that underlie educational proposals and practices directed at children from zero to six years of age. In this sense, the present article approaches how the process of implantation of the Aurea Barros Kindergarten in the Municipality of Natal / Rio Grande do Norte, in the decade of 1930, as well as, seeks to understand the educative practices destined small child. As a theoretical-methodological procedure, we adopt authors who analyze the History of Early Childhood Education, such as Kuhlmann Junior (1998). As criterion of analysis, we support the studies related to the Social History of Childhood (Heywood, 2004) and Cultura Escolar (Julia, 2012), serving as a conductive bias understanding of the school as a space for the production of knowledge, formation habits and civil behavior. As far as methodological procedures are concerned, we focus on historical sources, such as: government messages, educational legislation and newspapers. In this perspective, we consider the historical and social relevance of one of the first educational spaces for the natal child.

Keywords: History of the Institution, Kindergarten and Educational Practice.

1. Introdução

Atualmente há no campo educacional um maior investimento para os estudos referentes à Educação Infantil. Pesquisadores da História da Educação têm buscado entender esse campo tão complexo e ainda pouco explorado. Diante deste pressuposto, opto pelo desenvolvimento de uma pesquisa que se inscreve, em certa medida, no campo da História da Educação e da Infância. Neste sentido, o presente artigo aborda como se deu o processo de implantação do Jardim de Infância Aurea Barros, na década de 1930, no Município de Natal/Rio Grande do Norte, assim como, busca compreender as práticas educativas destinadas criança pequena.

Acreditamos que a pesquisa histórica acerca das primeiras instituições de Educação Infantil no Brasil, nos possibilita visualizar a influência da construção de tais espaços educativos ou não educativos pelas leis governamentais, pelas concepções de criança e infância e pelo contexto histórico-cultural de cada sociedade. Assim, para melhor compreender o surgimento dessas instituições nos debruçamos nas leis e decretos, jornais e legislação local.

Autores brasileiros como Kuhlmann (1998), Bujes (2001), nos revelam que durante muito tempo a educação e o cuidado destinado às crianças eram de total responsabilidade das famílias, pois era por meio das interações estabelecidas no seu grupo que as mesmas iam adquirindo valores e padrões sociais. Deste modo, a criança, nesse contexto, fazia parte do mundo adulto, ela era vista como um “pequeno adulto”. Com a modernidade e as mudanças nas concepções acerca da criança, família e escola, começam a surgir as primeiras instituições educativas para a pequena infância.

Na Europa Moderna surge “uma visão mais otimista da infância e de suas possibilidades, com outros objetivos do tipo corretivo, disciplinar, que viam principalmente nas crianças uma ameaça ao progresso e à ordem social” (BUJES, 2001, p.15), influenciando as propostas e forma de atuação dos educadores nas primeiras instituições de educação infantil.

Deste modo, os pioneiros da educação pré-escolar tinham uma grande preocupação, eles buscavam descobrir uma nova forma de ensinar, abrindo mão dos métodos rígidos que usavam da força física como punição para os erros das crianças na escola. Segundo Oliveira (2005), educadores como Comênius, Rousseau, Pestalozzi, Decroly, Froebel e Montessori, pensam numa educação com um sistema de ensino centrado na criança. Deste modo, as propostas educativas idealizadas por esses pensadores, “reconheciam que as crianças tinham necessidades próprias e características diversas das dos adultos, como o interesse pela exploração de objetos e pelo jogo” (OLIVEIRA, 2005, p.63).

O Kindergarten, criado por Froebel em 1840, passou a ser referência em vários países, “de modo que chegamos a encontrar diversos estabelecimentos de educação infantil que se auto-intitularam jardins de infância, uns mais outros menos coerentes com as idéias e práticas propostas por aquele educador” (KUHLMANN, 1998, p. 69). Ao fundar o kindergarden, Froebel

[..] pretendia não apenas reformar a educação pré-escolar, mas por meio dela a estrutura familiar e os cuidados dedicados à infância, envolvendo a relação entre as esferas pública e privada. A educação ministrada no lar ou na escola fomentaria nas crianças a preguiça e a indolência. (KUHLMANN, 2001, p. 10)

Na segunda metade do século XIX, as instituições de educação infantil começam a ser difundidas no âmbito internacional. As novas ideias educacionais, advindas das teorias de Frõebel ganham espaço pelo mundo e chegam ao Brasil com entusiasmo.

Assim, os famosos “Kindergartens” chegam ao Brasil, no final do século XIX e passam a ser chamados de jardins de infância. Em nosso país são criados primeiro instituições privados e somente anos depois surgem as instituições públicas. Em 1875, foi criado o primeiro jardim de infância, pelo Dr. Menezes de Vieira juntamente com sua esposa D. Carlota de Menezes de Vieira, chamado Jardim de Crianças, localizado no Colégio Menezes Vieira, no Rio de Janeiro, recebendo um grande prestígio da sociedade, uma vez que os Jardins de Infância foram criados seguindo uma concepção pedagógica de educação infantil, a partir de Froebel, pensando em um trabalho que proporcionasse às crianças uma formação educativa, moral e civilizadora (BASTOS, 2001). Nessa época, foram fundadas algumas escolas privadas pré-escolares no Brasil, como veremos a seguir:

[...] o setor privado da educação pré-escolar, voltado para as elites, com os jardins-de-infância, de orientação froebeliana, teve como principais expoentes, no Rio de Janeiro, o do Colégio Menezes Vieira, fundado em 1875; e, em São Paulo, o da Escola Americana, de 1877. No setor público, o jardim-deinfância, anexo à escola normal Caetano de Campos, de 1896, (...), atendia aos filhos da burguesia paulistana. (KUHLMANN, 1998, p. 82).

No setor público, fruto de um projeto político republicano, a elite cafeeira instaura no poder uma plataforma educacional que possibilita a instalação do primeiro Jardim de Infância público em São Paulo. O Jardim de Infância Oficial é inaugurado em 10 de maio de 1896, oferecendo 102 vagas, tendo como finalidade servir de estágio aos professores da Escola Normal. Esse Jardim da Infância nasceu ancorado no modelo froebeliano, determinado pelo decreto nº 397, de 9 de outubro de 1896, em cujo art. 181, capítulo III, aparece assinalado: “O jardim de infância, anexo à Escola Normal da Capital, é destinado a preparar pela educação dos sentidos, segundo os processos de Froebel, os alunos de ambos os sexos, que se destinam às escolas modelo” (KISHIMOTO,1988, p.111, grifo do autor).

Os jardins de infância públicos, eram destinados para a elite social brasileira, os quais possuíam um programa pedagógico voltado para o desenvolvimento educativo das crianças e para a formação moral e cívica desses novos cidadãos republicanos.

2. A história da educação infantil na cidade do Rio Grande do Norte

A História da Educação Infantil é fortemente marcada pela preocupação explícita do fortalecimento da burguesia. A ideia de modernidade e o crescimento do Estado burguês constituem parte de um processo social e histórico caracterizado pelos interesses de classe (Kramer, 2001). Dois setores da administração pública - seja nos planos municipal, estadual e federal - responsabilizaram-se pela educação infantil, compartilhando ou até mesmo disputando atribuições e recursos, ou seja, a saúde e educação.

Durante as primeiras décadas, houve uma expansão na criação de jardins de infância por todo o Brasil. No Estado do Rio Grande do Norte, o primeiro Jardim de Infância público foi criado em 1908 e implantado em 1910, com a oferta do Ensino Infantil no Grupo Escolar Modelo Augusto Severo. A figura 1 retrata a fachada do Grupo Escolar Modelo Augusto Severo. A instituição foi referência para a edificação de uma rede de escolas que foram construídas a posteriori no Rio Grande do Norte. O prédio possuía uma riqueza de detalhes arquitetônicos, apresentando salas espaçosas, adequação do mobiliário, um museu, vestiário.

Grupo Escolar Modelo Augusto Severo
Figura 1
Grupo Escolar Modelo Augusto Severo
Fonte: Jornal Tribuna do Norte

De acordo com Moreira (1997), a construção e a localização dos prédios educacionais deveriam ter um cuidado específico. Havia a necessidade de um planejamento criterioso relacionado à edificação dos grupos escolares, passando pela avaliação do Conselho de Instrução Pública do Rio Grande do Norte.

Nesse primeiro momento, a história do Jardim de Infância de Natal, entrelaça-se com a história da Escola Normal e do Ensino Primário, uma vez que ainda não existia no Estado do Rio Grande do Norte um regulamento específico para a oferta dos jardins de infância. Desse modo, o mesmo passou por períodos de tensões, irregularidades e migrações que são características da história educacional natalense. Acreditamos que essa fase seja marcada pela busca constante por um espaço físico próprio. A configuração inicial do Jardim de Infância, era ofertada em anexo ao Grupo Escolar Augusto Severo. Sua organização educacional distribuía-se em três cadeiras ou classes, sendo duas elementares uma mista infantil. De acordo com Moreira (1997, p. 45)

[...] compreendia três escolas graduadas, uma infantil, mista, e duas outras, uma para cada sexo. A instrução era primaria, infantil e elementar, desenvolvida obedecendo às condições physio-phychologicas do aluno.

Mas, somente em 1953, houve uma adequação na estruturação física e pedagógica, com a inauguração do Jardim de Infância Modelo na Cidade de Natal, fruto do modelo educacional idealizado por Anísio Teixeira, materializado nos Institutos de Educação. O principal objetivo da instituição era o de proporcionar as crianças de quatro a seis anos uma educação que primasse a formação integral do indivíduo, ou seja, intelectual, moral e física, pautados em valores cívicos, religiosos, culturais e de cuidados corporais. Esse imaginário de educação estava vinculado às ideias escolanovistas de modernidade e progresso a que a nação visava.

Contudo, o nosso intuito neste artigo é o de abordar a história de outro Jardim de Infância natalense, valorizando a história das primeiras instituições educativas destinadas à infância norte-rio-grandense. Deste modo, conheçamos a história do Jardim de Infância Aurea Barros, na cidade de Natal, na década de 1930.

3. O Jardim de Infância “Aurea Barros”

Em âmbito nacional, a década de 30 caracteriza-se pelas modificações políticas, econômicas e sociais. Essas mudanças foram decisivas para a reorganização do aparelho estatal, incluindo-se o sistema educacional do país. Podemos citar importantes acontecimentos como a criação do Ministério da Educação e Cultura (1930) e a publicação do Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova (1932). Após a Constituição de 1946, têm início os primeiros debates acerca da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

Todos esses acontecimentos vão influenciar diretamente o cenário educacional de Natal. Em 1930 o Departamento de Educação decidiu separar a direção da Escola Normal do Grupo Escolar Augusto Severo, consequentemente das classes anexas pertencentes ao grupo, ficando a cargo do professor de Pedagogia essa responsabilidade. O que havia entre as duas Instituições era uma articulação política, sempre que houvesse a necessidade da utilização das instituições pré-escolares pertencentes ao grupo, ou seja, o Ensino Primário e o Jardim de Infância, elas serviriam à Escola Normal.

Na Mensagem Governamental apresentada pelo presidente do Estado do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine de Faria, em 1930, explica como era realizada essa articulação. Segundo ele, caberia a direção a distribuição

(...) dos alumnos-mestres pelas differentes classes, para o fim de realizarem a pratica profissional; fiscalizar o preparo das aulas-modelo, quando feitas pelos respectivos professores do referido grupo, fazendo depois a critica dessas aulas em presença do mesmo professor e dos alumnos-mestres, para attrair-lhes a attenção, quanto ao methodo, processo e demais aspectos didáticos da lição; fazer aulas práticas com respectivos alumnos, no Jardim de Infância mantido pela <>, sempre que se tiver de occupar, theoricamente, das instituições pré-escolares. (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1930, p.51-65).

Depois de lutar por anos, para que fosse construído um jardim de infância na capital do Rio Grande do Norte, a Associação dos Professores realizam tal feito. O terreno para a construção do jardim foi doado pelo Governo do Estado que acompanhou todas as fases de sua criação. No dia 18 de Maio de 1930, é inaugurado o Jardim de Infância Aurea Barros, situado na Av. Afonso Pena, nº 650, local onde hoje é a Casa do Professor. O Jardim de Infância Aurea Barros, criado pela Associação dos Professores do Rio Grande do Norte, assume o status de Jardim de Infância Modelo devido a sua materialização organizacional, apresentando a sociedade natalense um espaço estruturado para o atendimento à infância.

Sua inauguração foi noticiada em 21 de Maio de 1930, no jornal “O Paiz”, do Rio de Janeiro. Nele era expressado a relevância da instituição para o Rio Grande do Norte, afirmando seu caráter experimental para uma educação da pequena infância, com aulas ministradas ao ar livre, em lugares floridos e arejados, conforme Cavalcante (1999). Na imagem abaixo, podemos ler o texto (na íntegra) publicado no Jornal O Paiz. A nota, intitulada “Em prol da infância”, apresenta um discurso inovador proposto pelo presidente Juvenal Lamartine, com um programa de ações educacionais moderna.

Jornal O Paiz, 20 de Maio, 1930
Figura 2
Jornal O Paiz, 20 de Maio, 1930
Fonte: Site Hemeroteca Digital

Segundo Araújo e Medeiros (2002, p.8), neste contexto ocorre:

A ampliação da escolarização primária tanto para crianças como para jovens e adultos, de todos os segmentos da sociedade, e a formação de operários e técnicos agrícolas e industriais, além de artífices e professores primários, tornava o programa de governo de Lamartine perpassado por pressupostos de caráter social, além de econômico. Com objetivos mais gerais direcionados para a ampliação da economia potiguar

Para a associação, a criação do jardim preencheria uma lacuna no Programa de Ensino da capital e completaria iniciativas anteriores defendendo a criança como parte do processo educacional, visando o desenvolvimento de suas faculdades e a preparação para a vida social.

Sua inauguração foi considerada um progresso para a educação do Estado, anunciada por jornais locais, como “A República”, em ocasião especial do encerramento da Terceira Semana Brasileira de Educação

A Terceira Semana Brasileira de Educação encerrará hoje os seus trabalhos, realizando uma brilhante festividade na Associação dos Professores, às 15horas, sob a presidência de honra do Presidente Juvenal Lamartine.

A solennidade, que será um tanto mais expressiva quanto nellase fará a inauguração do Jardim de Infancia “Aurea Barros”, terá a assistencia das autoridades do Estado, do Prefeito, o clero, do magisterio, familias dos alumnos e demais pessôas que queira participar do movimento educativo que a Associação dos Professores está desenvolvendo em nossa terra.

O dr. Luiz da Camara Cascudo fará uma conferencia, tendo por thema “As relações entre as creanças de todo o Mundo”, pois o dia de hoje é universalmente festejado sob este aspecto (...) (A REPUBLICA, 1930, p.4)

Natal estaria tomando rumos modernos para a educação do Estado, sendo bem reputado também, em jornais nacionais, O Paiz, demostrando tamanha importância para a sociedade natalense. Na publicação de 1930, o Jornal O Paiz noticiava a instalação do novo jardim de infância da capital.

“A associação de Professores deste Estado, por iniciativa do seu presidente, Dr.Amphiloquio Camara, instalará, no dia 18 de maio próximo, um Jardim da Infancia, nesta capital, o qual está despertando o maior interesse”. (17 de Abril)

“Comemorando o encerramento da Semana da Educação, será inaugurado o Jardim de Infancia Aurea Barros, a cargo da Associação dos Professores” (20 de Maio).

“Em comemoração ao encerramento dos trabalhos da Terceira Semana Brasileira de Educação, realizou-se, no dia 18 de maio, a inauguração do Jardim de Infancia Aurea Barros, a cargo da Associação dos Professores” (21 de Junho).

A Federação Nacional das Sociedades de Educação também expressa sua satisfação em obter a criação da instituição infantil, segundo a Federação seria um triunfo para a cidade de Natal e pede em sua nota no jornal “O paiz” para que o resto do Brasil tome como exemplo o que a associação tem feito, multiplicando jardins de infância. A figura a seguir contêm o texto na íntegra.

Jornal O Paiz, 06 de Julho, 1930.
Figura 3
Jornal O Paiz, 06 de Julho, 1930.
Fonte: Site Hemeroteca Digital

Gostaríamos de destacar a mensagem do Governador Juvenal Lamartini de 1930, em que afirmava no seu discurso, à Assembleia Legislativa, a satisfação e o prestigio com a criação da Instituição. O Jardim de Infância Aurea Barros foi considerado, por técnicos da época, como sendo a primeira instituição de educação infantil do Norte do Brasil.

E digno de especial menção o modo patriótico por que está agindo a <>, não somente mantendo com resultados efficientes o grupo escolar <>, onde, alem do ensino primario, se ministra o ensino de musica e trabalhos manuaes para as meninas, e o ensino agricola para os meninos, como installando o Jardim de Infancia<>, que está sendo classificado por technicos no assumpto, como sendo o primeiro estabelecimento dessa natureza existente no Norte do Brasil. (MENSAGEM GOVERNAMENTAL, 1930, p.60-61)

Em seu primeiro ano de funcionamento, o Jardim de Infância, atendia a 42 crianças, sendo 19 do sexo masculino e 23 do sexo feminino. A turma ficava a cargo da professora Edilzêta Athayde e Melo que ministrava suas aulas ao ar livre propondo uma educação fundamentada nas teorias de Froebel e Montessori. A Instituição trabalharia articulada à Escola Normal e ao Ensino Primário, desenvolvendo um ensino experimental, prestando assistência educativa para as crianças que tanto carecem receber influências educacionais. Sendo assim, utilizando-se do conceito de prática em Chartier acredita-se que as atividades desenvolvidas na instituição produziam uma identidade social própria, exibindo “uma maneira própria e estar no mundo, significar simbolicamente um estatuto e uma posição” (CHARTIER, 1990, p.23), permitindo a composição da identidade educacional de uma instituição para infância.

Froebel acreditava que a formação do novo sujeito deveria começar com as crianças pequenas. O reformador educacional propunha uma perspectiva de educação pré-escolar. Para ele, essa formação na pré-escola serviria para o desenvolvimento dos “dons” na alma, na mente e no corpo do infante. Sendo assim, a infância se torna uma fase de descoberta e aquisição dos conhecimentos. Caberia aos adultos serem “bons cultivadores”, assumindo a função de “jardineiros” de crianças, adubando, regando e moldando a criança.

O método de ensino incitava a autonomia dos alunos no cuidar do próprio corpo e higiene, as percepções sensoriais e motoras, valorizando suas iniciativas. O desenvolvimento da criança acontecia por meio de uma aprendizagem aplicada, assim o conhecimento não seria infligido ao aprendiz, mas construído mediante estímulos externos como livros e objetos didáticos. Desse modo, as crianças aprendiam a cuidar do seu corpo e higiene, lazer e hábitos sadios e da organização do ambiente de estudo.

A cultura escolar vivenciada no interior dessa instituição proporcionava as crianças à participação social, lá elas eram disciplinadas em valores morais, civis e patrióticos, objetivava-se representar a Instituição como um modelo de sociedade que almejavam. Neste sentido, conforme Julia (2001, p.22) a escola,

(...) não é somente um lugar de aprendizagem de saberes, mas é, ao mesmo tempo, um lugar de inculcação de comportamentos e habitus que exige uma ciência de governo transcendendo e dirigindo, segundo sua própria finalidade, tanto a formação cristã como as aprendizagens disciplinares.

Ou seja, ao adentrarmos no universo das normas e práticas escolares percebemos que seu direcionamento ultrapassa a apropriação tão somente de saberes. Mas, o entendimento que se tem sobre a criança que se pretende formar, entrelaça os conhecimentos civis, morais, religiosos, intelectuais, físicos.

Fato interessante é que em Abril de 1932, o presidente da Associação dos Professores determinou o uso obrigatório de uniformes para todos os alunos e professores que faziam parte do Grupo Escolar Antônio de Souza, Curso Profissional, Curso de Música e Jardim de Infância Aurea Barros. Compreendemos o uniforme como uma forma de considerar a coesão de um grupo, ao nível das aparências, pois caracteriza uma categoria, profissão ou função dentro de um contexto pré-determinado.

Assinado pelo professor Anphilóquio Câmara, a portaria determinava no Art.3 que

(...) as crianças do Jardim de Infância usarão uma indumentária, constando, para ambos os sexos, de calças ou saias azul-marinho, com suspensório de mesmo tecido e blusa branca, com pequena gola e abotoadura até o meio da mesma e mangas até a metade do braço, com as iniciais J.I no braço direito; sacola a tira-colo, para o lanche, branca, retangular, sistema pasta, boina azul-marinho, alpercatas, de preferência pretas, com ou sem meias. (DUARTE, p.33, 1985)

Por meio do uniforme era almejado um controle e disciplinamento escolar, elas são atribuições inerentes ao uso do uniforme, pois era “condição sine qua non que o aluno começasse a se engajar no contexto social através da aceitação de imposições regulamentares, para que se acostumasse desde logo a obedecer às regras de convívio na sociedade” (LONZA, 2005, p.22). (Autor(es), por obséquio, juntem as frases). Além do controle, buscava-se uma educação estética, o uniforme era uma maneira de se distinguir as escolas, a vestimenta adotada era capaz até de balizar a origem social do aluno.

Nesse mesmo segundo ano de inauguração do Jardim de Infância Aurea Barros é criado o Centro de Educação Física da Associação dos Professores, em 1932. O Conselho Diretor cria esse “centro”, pois considerava ser indispensável ao robustamento do organismo das crianças, com o desenvolvimento de exercícios corporais mais eficientes. Segundo o Art.1 da portaria,

(...) esse “centro” que se destina a difundir, sistematizar e controlar a educação física nos estabelecimentos de ensino da Associação, funcionará, (...) sob a direção de pessoa especializada na matéria. (DUARTE, p.36, 1985).

Após a saída do Governador Juvenal Lamartini, o Estado foi administrado por uma junta governativa até 1935, terminando com a posse do novo governador Rafael Fernandes. Foi no seu governo (1935-1940) que houve um grande incentivo na educação, sendo criadas várias escolas. O Jardim de Infância pertencente à Associação dos Professores recebia incentivos governamentais que sustentavam a Instituição.

Com a expansão dos Grupos Escolares e a criação do Jardim de Infância Aurea Barros, percebemos significativas iniciativas do Governo em melhorar a educação das crianças no Rio Grande do Norte. Era imprescindível um plano de ensino que tornasse mais completo e organizado o Ensino Primário Estadual. Como parte desse programa teria a criação e expansão de Jardins de Infância por todo o Estado.

4. Considerações

Ponderamos que os resultados desta pesquisa ainda encontra-se em fase inicial, ou seja, temos um longo caminho pela frente na investigação historiográfica na história da educação infantil em Natal. Como foi apresentado no início do texto, nosso intuito era trazer um breve relato sobre o Jardim de Infância Aurea Barros, pois consideramos de suma relevância para a pesquisa histórica brasileira.

Vimos que no início do século XX, no Brasil, as instituições de educação à infância, foram marcada pela presença médico-higienista. Segundo Kuhlmann (1998, pg. 90) “os higienistas discutiam os projetos para construção de escolas, a implantação dos serviços de inspeção médico-escolar e apresentavam sugestões para todos os ramos do ensino, em especial com relação à educação primária e infantil”. É nesse contexto social, histórico e cultural que surgem os primeiros jardins de infância brasileiro.

É possível perceber também que a História da Educação Infantil é marcada pelas diferenças sociais, é notória essa discrepância. Cabia aos órgãos educativos a fundação dos jardins-de-infância, as creches e pré-escolas criadas para as classes ricas, ao contrário do que era proposto para as classes populares que eram vinculadas aos órgãos da saúde, assistência e ações jurídicas. Na capital do Rio Grande do Norte acontece da mesma forma, com a oferta de instituições de caráter assistencialista, cientificista, educacional.

Compreendemos que as primeiras instituições de educação infantil na cidade de Natal surgem para servir de apoio às práticas pedagógicas das normalistas ou na Escola Doméstica. Estas instituições serviam como salas de aplicação ou laboratórios pedagógicos, onde as crianças não eram protagonistas desses espaços, mas o foco era a formação educacional das alunas normalistas ou domésticas.

Até o presente momento, pode-se constatar que o Jardim de Infância Aurea Barros, caracterizava-se por ser uma instituição educativa, que seguia preceitos frobelianos. Suas práticas educativas voltavam-se para os cuidados corporais e possibilitavam um ensino baseado numa proposta de experiência. Diante do exposto ao longo deste artigo científico, algumas inquietações foram geradas, as quais nos move na tentativa de responder em pesquisas futuras, como por exemplo:

• Por que há poucos registros sobre as instituições educativas da infância em Natal? Qual era a concepção de criança e infância defendida no Jardim de Infância Aurea Barros? Qual o motivo para a duração da instituição ter sido tão pequeno?

O que nos instiga na busca por informações é saber que essa procura nunca será esgotada numa perspectiva histórica. Para além das questões que envolvem todos os percalços que comprometem a história da educação infantil em Natal, consideramos que muitos são os desafios que nos assolam para documentação da nossa história educacional. A idéia é que esse olhar para a infância e para a criança deve ir além das instituições estudadas, mas que ele retorne e ressignifique essa mesma instituição, a nós educadores e a nós pertencentes da história da educação norte-rio-grandense.

Por fim, quem acha que falar de criança, das suas especificidades e do seu universo infantil é tarefa fácil, tem ainda um longo caminho a percorrer.

Referências

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