As implicações do divórcio no desenvolvimento psíquico na primeira infância na perspectiva psicanalítica
The implications of divorce in psychoantic development in first childhood in the psychoanalytic perspective
Las implicaciones del divorcio en el desarrollo psíquico en la primera infancia en la perspectiva psicoanalítica
As implicações do divórcio no desenvolvimento psíquico na primeira infância na perspectiva psicanalítica
Research, Society and Development, vol. 8, núm. 1, pp. 01-14, 2019
Universidade Federal de Itajubá
Recepção: 06 Setembro 2018
Revised: 26 Setembro 2018
Aprovação: 06 Outubro 2018
Resumo: Este estudo de cunho qualitativo e exploratório tem por objetivo compreender as implicações da separação conjugal no desenvolvimento psíquico de crianças de 0 a 6 anos na perspectiva psicanalítica de Freud e Winnicott a fim verificar as implicações do divórcio no desenvolvimento psíquico de crianças de 0 a 6 anos a partir da Psicanálise. Encontrou-se como resultado que as crianças podem vivenciar sentimento de abandono, culpa, fantasias de reconciliação dos pais ou agressivas, passam por reorganização edípica e muitas vezes podem ser colocadas pelos pais em uma posição a qual não podem suprir a demanda. Concluiu-se que os filhos devem continuar recebendo atenção, afeto e sendo investidos narcisicamente por ambos os genitores, que o divórcio é um momento de crise, contudo, as implicações da separação conjugal dependem muito do comportamento dos pais para com a criança e do relacionamento entre eles.
Palavras-chave: Separação conjugal, Crianças, Psicanálise.
Abstract: This qualitative and exploratory study aims to understand the implications of the conjugal separation in the psychic development of children from 0 to 6 years in the psychoanalytic perspective of Freud and Winnicott in order to verify the implications of divorce in the psychic development of children from 0 to 6 years from Psychoanalysis. It has been found as a result that children may experience feelings of abandonment, guilt, parental or aggressive fantasies of reconciliation, undergo oedipal reorganization and can often be placed by parents in a position which can not meet the demand. It was concluded that children should continue to receive attention, affection and being narcissistically invested by both parents, that divorce is a time of crisis, however, the implications of marital separation depend very much on the behavior of parents toward the child and the relationship between them.
Keywords: Marital separation, Children, Psychoanalysis.
Resumen: Este estudio de cuño cualitativo y exploratorio tiene por objetivo comprender las implicaciones de la separación conyugal en el desarrollo psíquico de niños de 0 a 6 años en la perspectiva psicoanalítica de Freud y Winnicott para verificar las implicaciones del divorcio en el desarrollo psíquico de niños de 0 a 6 años a partir del psicoanálisis. Se encontró como resultado que los niños pueden experimentar sentimiento de abandono, culpa, fantasías de reconciliación de los padres o agresivas, pasan por reorganización edípica y muchas veces pueden ser colocadas por los padres en una posición a la que no pueden suplir la demanda. Se concluyó que los hijos deben seguir recibiendo atención, afecto y siendo investidos narcisicamente por ambos progenitores, que el divorcio es un momento de crisis, sin embargo, las implicaciones de la separación conyugal dependen mucho del comportamiento de los padres hacia el niño y la relación entre ellos.
Palabras clave: Separación conyugal, los niños, Psicoanálisis.
Introdução
O divórcio na infância provoca diferentes tipos de mudanças no campo familiar, social, emocional e o desenvolvimento psíquico da criança. A partir disso, foi feito o seguinte questionamento: quais são as implicações do divórcio para o desenvolvimento psíquico de crianças de 0 a 6 anos, ou seja, na primeira infância, a partir da ótica psicanalítica? Considerando os pressupostos preliminares sobre as consequências geradas pelo divórcio na vida dos filhos, sobretudo aquelas que envolvem a constituição psíquica de crianças na primeira infância, ressalta-se a importância do estudo para a ampliação do entendimento sobre as reações comportamentais, emocionais e psicológicas, que são produzidas pela criança quando se depara com o fim do relacionamento dos pais. Sabe-se que a criança não dispõe de maturidade suficiente para interpretar um acontecimento como esse, não sendo raro que ela atribua a si mesma um sentimento de culpa pelo fim do relacionamento dos pais.
Além disso, de acordo com as Estatísticas de Registro Civil de 2014, divulgadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no Brasil houve registro de 341,1 mil divórcios em 2014 ante 130,5 mil registros em 2004, ou seja, houve um aumento de 161,4% em dez anos no número de divórcios registrados. A Lei do Divórcio chegou ao País em 26 dezembro de 1977. Poucos anos depois, em 1984, foram contabilizados 30,8 mil divórcios. Em 1994, foram registradas 94,1 mil casos, representando um acréscimo de 205,1% em relação a 1984. Em 2004, com 130,5 mil casos, o aumento foi de 38,7%. Na comparação entre 1984 e 2014, no entanto, o crescimento é de 1.007%.
Em 2016, a pesquisa Estatística do Registro Civil apurou 344.526 divórcios concedidos em 1ª instância ou por escrituras extrajudiciais. Houve um aumento no número de divórcios contabilizados pela pesquisa em relação a 2015 quando o total de divórcios concedidos em 1ª instância ou por escrituras extrajudiciais foi de 328.960. Verificou-se acréscimo na taxa geral de divórcios que passou de 2,33% (2015) para 2,38% (2016). A Região Sudeste apresentou a maior taxa geral de divórcio (2,69%). Ao avaliar os divórcios por tipo de arranjo familiar, observou-se que a maior proporção das dissoluções ocorreu em famílias constituídas somente com filhos menores de idade (47,5%) e em famílias sem filhos (27,2%). Há que se destacar a predominância das mulheres na responsabilidade da guarda dos filhos menores na ocasião do divórcio judicial concedido em 2016, em 1ª instância, em todas as Grandes Regiões. Para o Brasil, essa proporção é 74,4% (IBGE, 2016).
Nesse sentido, conhecer os impactos acarretadas por essa decisão dos pais no desenvolvimento psíquico dos filhos é fundamental uma vez que está cada vez mais presente na sociedade. Essa pesquisa foi pautada a partir das seguintes hipóteses: a separação dos pais pode trazer riscos para o desenvolvimento psíquico das crianças de 0 a 6 anos; em certos casos, o divórcio pode melhorar o comportamento e a qualidade de vida dos filhos; por fim, pode ocorrer regressão de fases do desenvolvimento psicossexual.
A partir de tais considerações preliminares, este estudo objetiva verificar as implicações do divórcio no desenvolvimento psíquico de crianças de 0 a 6 anos a partir da Psicanálise de forma a identificar os elementos presentes no desenvolvimento psíquico de crianças até os seis anos a partir da ótica psicanalítica; analisar os reflexos da separação conjugal nas crianças a partir da literatura selecionada; relacionar os processos presentes no desenvolvimento psíquico com os reflexos da separação conjugal no desenvolvimento psíquico de crianças na primeira infância.
Infância: a perspectiva de Winnicott
Compreender a infância revela sua importância na medida em que é neste período do desenvolvimento que ocorrem os processos de desenvolvimento cognitivo, físico e mental no infante (SILVA; GOLÇALVES, 2016). Winnicott afirma que desde o nascimento o desenvolvimento emocional está ocorrendo a partir de uma tendência inata ao desenvolvimento que corresponde ao crescimento do corpo e ao desenvolvimento gradual de certas funções. A grande mudança que se testemunha no primeiro ano de vida refere-se à aquisição de independência. Essa é adquirida pela via da dependência, contudo, é ressaltado que a dependência realiza-se a partir de uma dupla dependência uma vez que nos primórdios existe uma dependência absoluta em relação ao ambiente físico e emocional inconsciente. Gradualmente, a criança adquire consciência acerca dessa circunstância e, “por consequência, adquire a capacidade de fazer saber ao ambiente quando necessita de atenção” (WINNICOTT, 1965).
Com um ano, a maioria das crianças já são consideradas indivíduos, ou seja, a personalidade tornou-se integrada. Winnicott (1965), explica que a integração manifesta-se gradualmente a partir de um estágio primário não-integrado. Assim, em um primeiro momento, a criança se compõe de uma série de fases de mobilidade e percepções sensoriais. É exposto também pelo autor que a criança de um ano vive firmemente estabelecida no corpo, ou seja, a psique e soma estão em íntima relação. Assim, a criança tende a se descrever a partir da forma como percebe seu corpo, pois nomeia suas características observáveis e só mais tarde observa traços psicológicos (SILVA; GOLÇALVES, 2016). Com um ano, a criança já terá desenvolvido de modo bastante perceptível os rudimentos de uma mente.
Esse extrato do mundo, interno à criança, vai-se organizando de acordo com mecanismos complexos que têm por objetivo a preservação do que se sente ser “bom”, isto é, aceitável para o self (ego); o isolamento do que se sente ser “mau”, isto é, imposto pela realidade externa sem aceitação (trauma); a preservação de um espaço, na realidade psíquica pessoal, em que objetos tenham relacionamentos vivos entre si, de afeto, mas também de arrebatamento e agressão (WINNICOTT, 1965).
Em algum momento da segunda metade do primeiro ano de vida da criança normal, essa começa a demonstrar certa capacidade de se preocupar, certa habilidade de ter sentimento de culpa. Trata-se aqui de um estado de coisas altamente complexo que depende da integração da personalidade infantil numa unidade e está vinculado à aceitação, por parte da criança, da responsabilidade por toda a fantasia sobre o que pertence ao momento instintivo (WINNICOTT, 1965).
Só na presença dessa mãe suficientemente boa pode a criança iniciar um processo de desenvolvimento pessoal e real. Se a maternagem não for boa o suficiente, o self verdadeiro da criança não consegue formar-se ou permanece oculto por trás de um falso self. Percebe-se, nas literaturas, a importância da autoestima da criança, pois após formar um autoconceito, ela atribui valores para si própria, podendo ou não influenciar em sua autoestima (NEWCOMBE, 1999). Com base nessas considerações, uma mãe suficientemente boa nesses primeiros estágios realiza bem as funções de holding, handling e apresentação de objetos.
“O holding tem muita relação com a capacidade da mãe de identificar-se com seu bebê. Um holding satisfatório protege da agressão fisiológica, leva em conta a sensibilidade cutânea do lactente e a falta de conhecimento por parte deste da existência de qualquer coisa que não seja ele mesmo, inclui a rotina completa do cuidado dia e noite adequada a cada bebê, segue também as mudanças instantâneas do dia-a-dia que fazem parte do crescimento e do desenvolvimento do lactente, tanto físico quanto psicológico” (WINNICOTT, 2006 (1965), p. 18).
O handling contribui para a formação do sentido de “real” e “irreal”. A manipulação deficiente trabalha contra o desenvolvimento do tônus muscular e da chamada “coordenação” assim como da capacidade de a criança gozar a experiência do funcionamento corporal e de ser. A apresentação de objetos torna real o impulso criativo da criança e dá início à capacidade do bebê de relacionar-se com objetos (WINNICOTT, 1965).
A criança deve ser capaz de tolerar o sentimento de culpa e alterar este estado de coisas através da reparação. Para que isto aconteça, a mãe (ou alguém que a substitua) deve estar lá, viva e alerta, durante o período em que durar a culpa. Quando tudo vai bem, não se sente culpa; desenvolve-se um sentido de responsabilidade. O sentimento de culpa permanece latente, e só vem à tona quando a reparação é insuficiente para compensar o que foi destruído (WINNICOTT, 1965). Dessa forma, em um contexto de divórcio, pode-se inferir que as crianças mais jovens podem sofrer mais com o divórcio, até mesmo, creditando a si mesmas a culpa por tal acontecimento (SILVA, GONÇALVES, 2016).
Aos cinco anos a criança já é capaz de ver sua mãe de modo bem próximo ao que ela é de fato, já admite a existência de um mundo de maçanetas e outros objetos que já estavam lá antes da sua concepção, e sabe reconhecer o fato da dependência no momento mesmo em que vai começando a tornar se verdadeiramente independente, coincidindo com o ingresso na escola (WINNICOTT, 1965). A partir do exposto, é perceptível a importância do cuidador primário ser suficientemente bom exercendo as funções de holding, handling e apresentação de objetos a fim de conseguir dar o suporte necessário ao bebê no estado de dependência absoluta e dependência até o inicio da independência.
Psicanálise da Criança: uma visão Freudiana
Apesar de não terem ainda uma perspectiva muito clara quanto às consequências do divórcio para a família baseadas na teoria freudiana, as produções científicas do período de 1900 a 1960 enfatizavam a importância da participação ativa de ambos os cônjuges na criação dos filhos (MOTTA; SILVA; CASTRO, 2010). Abordar sobre a psicanálise da criança remonta ao tema da sexualidade infantil no seu sentido mais amplo, sendo fundamental considerar como parte do desenvolvimento psíquico as fases do desenvolvimento psicossexual, complexo de Édipo, as fixações libidinais e as questões narcísicas.
Em “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, o autor expõe que a primeira fase desse desenvolvimento psicossexual é a oral. Esta ocorre em torno do nascimento até o primeiro ano de vida tendo na boca a zona erógena principal. Durante o estágio oral, a fonte primária de interação do lactente ocorre através da boca, de modo que o reflexo de sucção é fundamental. A boca, assim, é essencial para a nutrição além do prazer pela estimulação oral por meio de atividades como degustar e chupar. Esse estágio tem seu fim através do processo de desmame, a criança deve tornar-se menos dependente de cuidadores. Se ocorrer a fixação nesta fase, Freud acreditava que o indivíduo poderia ter problemas com a bebida, comer, fumar ou roer as unhas.
Com o fim da fase oral, inicia-se o estágio anal. Essa ocorre do período entre 1 e 3 anos tendo como zona erógena as entranhas e o controle da bexiga, ou seja, o foco da libido se localiza no controle da bexiga e das evacuações. O grande conflito nesta fase é o treinamento do toalete. De acordo com Freud, o sucesso nesta fase é dependente da maneira com que os pais conduzem esse treinamento. Os pais que elogiam e recompensam a criança quando ela faz uso do banheiro no momento oportuno incentivam resultados positivos e ajudam as crianças a se sentir capazes e produtivas. Freud acreditava que experiências positivas durante este estágio servem de base para que as pessoas tornem-se adultos competentes, produtivos e criativos.
No entanto, as respostas parentais inadequadas, de acordo com Freud, podem acarretar resultados negativos. Se os pais levam uma abordagem que é muito branda, Freud sugeriu que poderia se desenvolver uma personalidade anal-expulsiva, em que o indivíduo tem uma personalidade confusa ou destrutiva. Se os pais são muito rigorosos ou começam o treinamento do toalete muito cedo, Freud acreditava que uma personalidade anal-retentiva se desenvolveria, na qual o indivíduo é rigoroso, ordenado, rígido e obsessivo.
A fase fálica, que ocorre no período entre os três e seis anos, tem como zona erógena os genitais e é a terceira fase do desenvolvimento psicossexual. Nessa idade, as crianças realizam a descoberta da diferença sexual anatômica. E é nesse período onde o complexo de Édipo tem seu início. Após esse período, a criança vivencia a latência onde os sentimentos sexuais são sublimados para pulsões de saber, ver e de domínio (FREUD, 1901-1905).
De acordo com Freud, no menino o complexo de Édipo se desenvolve através de um investimento objetal para com a mãe, dirigido, primeiramente, para o seio materno em modelo anaclítico uma vez que é baseada no modelo das figuras parentais e não no próprio sujeito. A sua relação com o pai é de identificação. Esses dois relacionamentos são de curta duração em vista de que os desejos incestuosos do menino pela mãe se tornam mais intensos e o pai é entendido como um obstáculo a eles. Nesse momento se origina o complexo de Édipo.
Segundo Freud (1900, p. 261), durante a infância, “apaixonar-se por um dos pais e odiar o outro figuram entre os componentes essenciais do acervo de impulsos psíquicos que se formam nessa época”. No entanto, “se a satisfação de amor no campo do complexo de Édipo deve custar à criança o pênis, está fadado a surgir um conflito entre seu interesse narcísico nesta parte de seu corpo e a catexia libidinal de seus objetos parentais. Nesse conflito, triunfa normalmente a primeira dessas formas: o ego da criança volta as costas ao complexo de Édipo” (FREUD, 1924).
Na fase fálica, que ocorre ao mesmo passo do complexo de Édipo, o órgão genital (o pênis) já assumiu o papel principal. O menino demonstra interesse por seus órgãos genitais com a manipulação do mesmo. Rapidamente, descobre que os adultos reprovam tal comportamento à medida que inferem a ele uma punição, a castração. A dissolução do complexo de Édipo, portanto, é ocasionada pela ameaça da castração. Nesse caso, a catexia objetal da mãe deve ser abandonada. O seu lugar pode ser preenchido por uma das duas coisas: uma identificação com a mãe ou uma intensificação de sua identificação com o pai. De modo que, nos meninos, o complexo de Édipo é dissolvido pelo complexo de castração e nas meninas ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração. A menina aceita a castração como um fato consumado, ao passo que o menino teme a possibilidade de sua ocorrência.
A separação conjugal acarreta, nessa perspectiva, perda das ligações construídas em torno da sexualidade infantil do casal, isto é, dos acordos, da cumplicidade e da intimidade que organiza essa sexualidade e a satisfaz. Conforme, Martínez e Matioli (2012), o divórcio em um primeiro momento tem como característica a dissolução do vínculo pela separação, provocando o desligamento da sexualidade até então organizada pela cumplicidade do casal. Nessas circunstâncias, os filhos são convocados a dar conta desse excesso pulsional que se apresenta como um enigma e demanda um desvendamento e uma nova organização sexual.
Metodologia
Para a realização deste estudo optou-se pela pesquisa bibliográfica que, segundo Fonseca (2002), consiste no levantamento de referências teóricas já analisadas e publicadas por meios escritos e eletrônicos. O estudo tem abordagem qualitativa uma vez que preocupa-se, portanto, com aspectos da realidade que não podem ser quantificados, centrando-se na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais (GERHARDT; SILVEIRA, 2009). É uma pesquisa exploratória uma vez que este tipo de pesquisa tem como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses (GIL, 2007).
Para a busca não sistemática das fontes de pesquisa utilizadas para a realização dessa pesquisa foi utilizada a base eletrônica de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), Google Acadêmico, Periódicos CAPES e PePSIC além de livros. Foram utilizadas as palavras chaves divórcio, infância e psicanálise. Por meio da leitura dos documentos encontrados, foram selecionados os que continham informações que estavam em concordância com os propósitos dessa pesquisa. A partir da leitura do material selecionado, foi realizado levantamento nos textos em busca de pontos-chave que levassem ao esclarecimento da proposta deste estudo. O período da coleta de dados teve duração de dois meses.
Resultados e Discussões
No divórcio as dificuldades são vivenciadas não apenas pelo casal, mas também profundamente pelos filhos uma vez que os desentendimentos entre os pais os atingem e são percebidos por eles. Uma boa ou má elaboração por parte da criança quanto a separação dos pais dependerá muito da maneira de como cada membro do casal lidará com o fim do casamento (ALMEIDA, 2010). Com o início do processo do divórcio, o desenvolvimento típico de uma família é interrompido provocando diversas alterações na estrutura familiar (McGOLDRICK, 1995). Quando os pais se separaram, a criança tem que enfrentar tal situação. A criança ao entrar em contato com tais mudanças passa a vivenciar um conjunto complexo de sentimentos, os quais muitas vezes estão relacionados com medo do abandono. A imprevisibilidade e a falta de informação e comunicação são frequentes em casos como esse, onde a criança muitas vezes não tem noção do que está acontecendo ou do que vai acontecer (SOUZA, 2000).
Nesse sentido, conforme exposto por Martínez e Macioli (2012), representações como “papai e mamãe se amam e por isso estão juntos” deverão ser rearranjadas a fim de que a nova realidade possa ser representada e ressignificada. Contudo, há um desafio para a retradução chegar em “papai e mamãe não se amam mais e por isso se separaram” sem a formação de resíduos traumáticos expressos em frases de modo fantasma tizados como “se meus pais deixaram de se amar, eles também podem deixar de me amar?”. Diante das emergências de enigmas como esses que dificultam a retradução da relação parental sem prejuízos de ordem narcísica aos filhos ou prejuízos na relação com os pais, algumas crianças na impossibilidade de preservação do eu, das identificações e representações parentais, uma das alternativas para a criança é desenvolver sintomas e inibições.
Brito (2007) verificou que os filhos que eram muito pequenos quando ocorreu o divórcio não apresentavam lembranças do pai. Assim sendo, percebe-se que a alienação parental é um fator presente como uma consequência do divórcio em muitas famílias. Galina (2009) apud Osório e Valle (2009), atesta que os filhos de casais divorciados podem apresentar dificuldades como problemas para o desenvolvimento de relações de confiança e de maior intimidade com outras pessoas, problemas no sono e na alimentação, sentimento de culpa em decorrência de sentirem-se forçados pelos pais a escolher um lado podendo desenvolver conflitos de lealdade, impotência na vida afetiva e redução de autoestima.
Nessas circunstâncias, conforme exposto por Winnicott, a presença de uma mãe suficientemente boa é fundamental para que essa criança possa tolerar esses sentimentos e a carga libidinal decorrente da separação e tolerar o sentimento de culpa, conforme Campos (2002) expõe que em determinados casos pode assumir a responsabilidade pelo conflito que antecede a separação dos pais podendo gerar sentimento de culpa, vergonha e raiva.
Martins (2011) revela que os bebês parecem os menos prejudicados pela separação conjugal ainda que sintam a angústia dos pais e as mudanças no ambiente. Se neste momento a criança não se sentir em um ambiente seguro isso pode prejudicar a aquisição da independência uma vez que conforme exposto por Winnicott (1965), a luta pela autonomia está atrelada ao sentimento de segurança. Cohen (2002), a partir de seus estudos constatou que crianças entre 3 e 5 anos, na transição da fase anal para a fálica, podem manifestar os sintomas relacionados a agressividade, regressão, ansiedade de separação e problemas somáticos. Winnicott afirma que a criança interioriza a totalidade da experiência, portanto, pode-se dizer sobre filhos de casais cujos relacionamentos incluem agressões e abusos,
“que um estado físico de pais que brigam vive dentro dela e, daí em diante, uma quantidade de energia é dirigida para o controle da relação má internalizada. Em certos momentos, essa relação má internalizada assume o controle e a criança passa a se comportar como se estivesse possuída pelos pais que brigam (WINNICOTT, 1988, p. 361).”
Crianças em fase pré-escolar tem dificuldades para lidar com o divórcio na medida em que estão começando o movimento de socialização com pessoas de fora do círculo familiar, por essa razão tem maior tendência a sentirem-se culpados, ansiosos, confusos, apresentarem dificuldades no sono, terem fantasias agressivas além de se apegaram em demasia aos pais. Em decorrência da separação podem surgir problemas escolares e comportamento problemático com colegas e figuras de autoridade (MARTINS, 2011).
Ramires (2004), em um de seus estudos com crianças entre 5 a 6 anos, ou seja, durante o período edípico, percebeu o desejo/fantasia do filho de unir os pais novamente e constatou que a separação é vivenciada como algo ameaçador e destrutivo. Neste mesmo estudo descobriu-se a partir das revelações das crianças sentimentos relacionados com a ansiedade de separação, sentimento de perda, pesar e dor intensa além de fantasias de abandono.
Conforme o recorte de um caso clínico, foi identificada em uma criança na fase anal cujos pais haviam se divorciado 2 anos após o nascimento da criança e desde então o pai era ausente e distante do filho que a partir do sintoma de constipação expressava a dialética entre permanecer submetido ao outro materno ou separar-se dele. Além disso, foi identificado também os desejos inconscientes da mãe de manter o filho apenas para si (MOTTA; SILVA; CASTRO, 2010).
Em pesquisa feita por Ramires (2004), pode-se evidenciar questões relacionadas à vivência do conflito edípico em crianças de pais separados. O tipo de angústia predominante em um determinado caso de um menino de 5 anos, foi a angústia de castração. Esse menino apresentava impulsos edípicos atrelados a temores de retaliação, por causa de suas fantasias agressivas e incestuosas, as quais alimentavam sua angústia de castração. Através do jogo praticado pela criança pode-se constatar a presença de sentimento de culpa e fantasias sádicas.
Nesse contexto, é importante para o inconsciente da criança que exista um adulto que a impossibilite de realizar suas fantasias sexuais com seu genitor uma vez que esse permitiria a vivência do Complexo de Édipo caso ainda não tenha vivido ou uma nova variação dele (ALMEIDA, 2011).
As novas relações estabelecidas entre pais e filhos também são um resultado importante encontrado por Martínez e Macioli (2012). Após o divórcio os filhos podem ser remetidos a posições de cônjuge substituto, confidente, “homenzinho da casa”, aliado em guerras matrimoniais, entre outras. Isso caracteriza um excesso pulsional que induzem os pais a se dirigirem aos filhos com uma demanda a qual não podem suprir. O conflito se dá porque, apesar de ser uma demanda excessiva, é também sedutora, pois a criança está sendo convidada a participar de algo que era exclusivo de outro adulto como ocupar o lugar do parceiro ausente na cama (MARTÍNEZ E MACIOLI, 2011 APUD MARTÍNEZ E MACIOLI, 2012).
Apesar de todos os problemas que o divórcio pode acarretar na vida de uma criança, em certas circunstâncias a separação dos pais é considerada a melhor alternativa para o casal e filhos. Pois o rompimento reduz os conflitos e promove assim uma melhora na qualidade de vida entre os integrantes da família (PAPALIA e FELDMAN, 2006). Brito (2007) ressalta que é essencial que a parentalidade e a conjugalidade não se unam uma vez que a separação do casal não significa que um dos cônjuges não participará mais da vida dos filhos.
Considerações Finais
Esse estudo fundamentado na obra “A família e o desenvolvimento individual” de Winnicott e na obra “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” de Freud contribui para a compreensão acerca dos processos envolvidos no desenvolvimento psíquico infantil do nascimento até os 6 anos de idade e as possíveis implicações que a separação conjugal pode acarretar. Essas informações podem contribuir para profissionais identificados com a psicanálise uma vez que existe um aumento crescente de divórcios no Brasil.
Este trabalho objetivou verificar as implicações do divórcio no desenvolvimento psíquico de crianças de 0 a 6 anos a partir da Psicanálise, identificar os elementos presentes no desenvolvimento psíquico de crianças até os seis anos a partir da ótica psicanalítica, analisar alguns dos reflexos da separação conjugal nas crianças e relacionar esses processos com as implicações da separação conjugal no desenvolvimento psíquico de crianças na primeira infância. É importante ressaltar que não houve intenção de fortalecer a ideia de que filhos de pais divorciados seriam desestruturados ou prejudicados pela separação conjugal.
Foram encontrados diversos estudos sobre essa temática e constatou-se que desde que a lei do divórcio foi aprovada no Brasil em 1977 essa prática só tem aumentado em nossa sociedade no decorrer dos anos. Os resultados encontrados revelaram que o divórcio na primeira infância implica em uma nova organização edípica e em cada uma das fases do desenvolvimento psicossexual podem ocorrer diferentes reações.
Outro resultado encontrado revela que a criança ao se deparar com a separação dos pais, normalmente vivencia sentimento de culpa e abandono, podendo apresentar comportamentos desadaptativos, onde manifesta seu descontentamento e desajuste emocional frente a tal situação. Das hipóteses levantadas, todas se confirmaram a partir da literatura de referência. O divórcio pode acarretar riscos para o desenvolvimento psíquico, podendo ocorrer regressão nas fases do desenvolvimento psicossexual e em certos casos, melhora a qualidade de vida da criança.
Conclui-se, portanto, que a separação dos pais pode levar a ruptura do holding familiar, afastamento físico e emocional de um dos genitores, podendo implicar em sentimentos de desamparo, perda e culpa por parte da criança. Contudo, se a adaptação da família for bem resolvida, com a manutenção do investimento emocional de ambos os pais, a separação conjugal tende a ser apenas uma desestabilização episódica no sistema familiar.
Esse estudo preliminar pode ser utilizado como referência de base para estudos qualitativos com objetivo de verificar implicações da separação conjugal em crianças na primeira infância a partir da perspectiva psicanalítica assim como para estudos cujo intuito seja uma verificação sistêmica das implicações da separação conjugal na família.
Referências
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