A presença feminina na matemática
The presence of women in mathematics
La presencia femenina en las matemáticas
A presença feminina na matemática
Research, Society and Development, vol. 8, núm. 3, pp. 01-14, 2019
Universidade Federal de Itajubá
Recepção: 26 Novembro 2018
Revised: 07 Dezembro 2018
Aprovação: 18 Dezembro 2018
Publicado: 19 Dezembro 2018
Resumo: Ao longo da história a presença da mulher em algumas áreas do conhecimento foi questionada, censurada ou esquecida. Neste estudo abordamos sobre a atuação da mulher na matemática. O objetivo é analisar a percepção de alunas concluintes do curso de licenciatura em matemática sobre a participação feminina na matemática. Nesta pesquisa utilizamos uma abordagem qualitativa e os dados foram obtidos por meio de gravação em áudio durante uma aula, que em um primeiro momento utilizou a metodologia de uma sala de aula invertida e no segundo momento materiais diversos. Os resultados mostram a priori, que na percepção das participantes existe um desconforto do gênero feminino em atuar no campo da matemática, por relatarem ainda haver muitos desafios a serem superados nesta área.
Palavras-chave: Participação feminina na matemática, Relações de gênero, Percepção.
Abstract: Throughout history the presence of women in some areas of knowledge has been questioned, censored or forgotten. In this study, we discuss the role of women in mathematics. The objective is to analyze the perception of undergraduate female students of mathematics course on female participation in mathematics. In this research we used a qualitative approach and the data were obtained through audio recording during a lesson, which at first used the methodology of an inverted classroom and in the second moment different materials. The results show, a priori, that in the participants' perception there is a discomfort of the female gender in acting in the field of mathematics, for reporting there are still many challenges to be overcome in this area.
Keywords: Females participation in mathematics, Gender relations, Perception.
Resumen: A lo largo de la historia la presencia de la mujer en algunas áreas del conocimiento fue cuestionada, censurada o olvidada. En este estudio abordamos sobre la actuación de la mujer en las matemáticas. El objetivo es analizar la percepción de alumnas concluyentes del curso de licenciatura en matemáticas sobre la participación femenina en las matemáticas. En esta investigación utilizamos un abordaje cualitativo y los datos fueron obtenidos por medio de grabación en audio durante una clase, que en un primer momento utilizó la metodología de un aula invertida y en el segundo momento materiales diversos. Los resultados muestran a priori, que en la percepción de las participantes existe una incomodidad del género femenino en actuar en el campo de las matemáticas, por relatar aún hay muchos desafíos a ser superados en esta área.
Palabras clave: Participación femenina en las matemáticas, Relaciones de género, Percepción.
1. Introdução
O objetivo desta pesquisa é analisar a percepção de alunas concluintes do curso de licenciatura em matemática sobre a participação feminina na matemática. Aqui utilizamos uma abordagem qualitativa e os dados foram obtidos por meio de uma gravação em áudio durante uma aula de uma turma de concluintes em matemática, que em um primeiro momento utilizou a metodologia de uma sala de aula invertida e no segundo momento, materiais como audiovisuais e aparelhos celulares conectados à internet.
A matemática durante muito tempo foi vista como um campo de predominância masculina. Após conquistas femininas nas mais diversas áreas, as mesmas foram ganhando espaço neste campo, embora ainda estejam longe de se equiparar quantitativamente ao gênero masculino. Algumas mulheres como Sophia Kovalevskaya, Emmy Noether, Hípatia de Alexandria compuseram partes significantes da construção histórica da matemática. No entanto, quando mencionadas em ambientes de aprendizagem, percebe-se que seus nomes não são tão conhecidos e apreciados como os de muitos matemáticos homens.
“A história das mulheres no mundo acadêmico foi excluída, esquecida por muitos séculos, tanto que a maioria dos nomes importantes citados no ensino é de homens. As mulheres eram discriminadas.” (OLIVEIRA, 2012, p.14). Ao observar este contexto da pouca representatividade, assim como sua ausência quantitativa até nos dias atuais, nos questionamos os motivos que levam as mulheres a ter uma baixa participação na área.
Em meio as pesquisas atuais, podemos observar que ainda são percebidos preconceitos com as mulheres atuantes na área da matemática. Discursos convencionalistas ainda circulam naturalmente na sociedade e nas salas de aulas, sendo este um dos possíveis motivos da mulher não se sentir à vontade para optar por tal área. No texto a seguir, Saboya (2013) apresenta o que considera o desafio das mulheres:
Fica claro que, tanto no Brasil, como em outros países, as dificuldades (de acesso e permanência) enfrentadas pelas mulheres nessa área são enormes; mas, apesar disso, elas continuam sua inserção nas carreiras e cursos considerados socialmente de gênero masculino, enfrentando obstáculos e desenvolvendo estratégias para se manter neles. Persistir, continuar e não desistir é o desafio para essas mulheres na arena de luta e resistência ao modelo masculino hegemônico, presente no contexto e na área em que estão inseridas, na busca por melhores condições de vida e de trabalho (SABOYA, 2013, p.21)
Outro possível motivo, seria o que muitos pesquisadores como Barrosa (2016), encaram como uma jornada dupla. A mulher traz consigo muitos resquícios de regras dirigidas pela sociedade que a coloca como única e exclusivamente “do lar”. Seguindo tal entendimento, suas obrigações seriam exclusivamente, cuidar da casa, marido e filhos, enfim, tudo que remetesse a ordem do lar, as privando de ter suas aspirações concretizadas. Graças a tais concepções, a mulher se manteve a margem dos conhecimentos científicos durante décadas, o que gerou o mito de que a mesma não teria capacidade suficiente para adentrar na área das ciências, como por exemplo a matemática, e alimentando o preconceito, que certas vezes, deixa a mulher acreditar na possibilidade deste ser um campo direcionado ao homem.
Os neurologistas apontam nas suas pesquisas que a capacidade intelectual da mulher e os mitos sobre sua inferioridade não são facilmente desconstruídos culturalmente e resistem ao longo do tempo, principalmente porque foram construídos culturalmente e absorvidos como verdade, aumentando a discriminação de gênero na sociedade, que vai refletir-se no espaço educacional e profissional (FERNANDES 2006, p.69)
Nesta perspectiva, relatamos esta experiência de uma aula durante o estágio docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática da Universidade Estadual da Paraíba, quando abordado o tema “A inserção e docência do gênero feminino no campo da matemática”, em uma turma de alunas concluintes do curso de Licenciatura em Matemática da mesma universidade.
2. Metodologia
Neste estudo adotamos uma abordagem qualitativa, que de acordo com Denzin e Lincoln (2005), a pesquisa qualitativa é uma atividade interpretativa, que não prioriza nenhuma prática metodológica.
Para a obtenção dos dados, gravamos em áudio a participação de 5 alunas em uma aula de uma turma concluinte do curso de licenciatura em matemática. Para a preservação do sigilo as participantes foram denominadas de P1, P2, P3, P4 e P5. A aula foi dividida em dois momentos. No primeiro momento, foi empregado o método de sala de aula invertida, para o debate de artigos e pesquisas relevantes ao tema.
Segundo Pavanelo e Lima (2017):
Nesse modelo, o aluno estuda os conteúdos básicos antes da aula, a partir de vídeos de curta duração, textos, simulações, dentre outros recursos. Já em sala de aula, o professor aprofunda o aprendizado a partir de situações-problema, estudos de caso ou atividades diversas e esclarece dúvidas e estimula o desenvolvimento do trabalho em grupo (PAVANELO e LIMA, 2017, p.740)
No segundo momento, foram compartilhados materiais áudio/visuais apresentados no momento da aula, mediante os aparelhos celulares pessoais, munidos da internet própria da universidade, pois segundo Dubois (2004):
O vídeo é o material formal e intelectual no qual se processa a reflexão sobre a, da ou com a televisão. Ou, melhor dizendo, que gera, que inventa, que lhe dá corpo e ideias. Há uma espécie de “potência de pensamento” na e pela imagem, que me parece existir no coração da forma vídeo. O “vídeo” seria então, neste sentido e literalmente uma forma que pensa. Um pensamento da imagem em geral – e não apenas da televisão (DUBOIS, 2004, P.113)
Utilizando o conceito de sala de aula invertida de Pavanelo e Lima (2017), propusemos o estudo de dois artigos, que tratam as relações de gênero no âmbito da inserção e docência das mulheres no campo da matemática. Os textos estudados foram: “Uma perspectiva histórica do ensino da matemática no feminino” (HENRIQUES, 2006) e “Os homens são naturalmente melhores em matemática do que as mulheres”: Um discurso que persiste (BARROSA, 2016).
O primeiro momento da aula se deu no debate dos textos. Henriques (2006) traz a perspectiva histórica da figura da mulher associada aos afazeres domésticos, onde a mulher era educada desde a infância a satisfazer as vontades do marido e a maternidade. No decorrer do texto a autora faz analises da evolução do ensino feminino, em particular no que diz respeito à matemática, retrata a presença e/ou ausência do gênero na disciplina em diversos contextos, na tentativa de encontrar algumas justificativas para tal.
Quando estudamos Barrosa (2016), percebemos que se trata de uma análise de gênero sob a ótica discursiva de docentes matemáticos, onde ressalta questionamentos que chama de “questões-feridas-incomodo”, os quais levaram a pesquisar este tema:
Até que ponto o discurso ainda vivo de que garotos aprendem Matemática com mais facilidade do que as garotas se traduz como sendo uma “verdade”? O que essa “verdade” tem produzido? A serviço de quem tem atuado? Como têm sido estabelecidas as relações entre homens, mulheres e Matemática? De que modo a Matemática subjetiva os que com ela se envolvem? Qual o espaço das meninas e mulheres nos contextos de aprendizagem matemática? O que é permitido que elas saibam? O que é permitido que elas conheçam? Em um esforço de síntese, como se configuram, enfim, as relações de gênero nos ambientes de aprendizagem matemática? (BARROSA, 2016, p.4)
3. Resultados e discussão
No decorrer das discussões sobre os textos, algumas reflexões foram expostas pelas participantes, onde podemos ressaltar falas que julgamos pertinente reproduzi-las neste trabalho. A participante denominada P1, iniciou o debate ao fazer menção a trechos dos textos que levam a reflexão sobre os homens serem melhores ou não que as mulheres em matemática, e da mulher ter sido destinada historicamente aos afazeres exclusivos do lar.
Eu acho uma injustiça essa coisa da sociedade desde os séculos passados ter limitado a mulher aos afazeres domésticos. Isso trouxe reflexos até hoje em dia, a mulher ficou taxada como dona de casa, como se só soubéssemos fazer isso, e não tivéssemos habilidades pra mais nada, está aí o campo da matemática como prova disso (P1)
Eu só queria saber de onde foi tirada essa regra de que mulher só serve pra isso? Deve ter vindo de algum lugar (P2)
O pior não é isso, não quero saber de onde veio, porque isso é o tipo de opressão que um começa e a maioria apoia. O que eu quero mesmo saber, é como um coisa tão preconceituosa ainda pode existir hoje em dia? (P3)
Ah Mulher! Mas hoje em dia é muito diferente, a gente escuta bem menos. E em boa parte das vezes o povo não fala na cara, usa “duplo sentido”, sei lá se é essa palavra (P4)
Sim, mas você acha certo ainda existir? E mesmo que não diga na cara, você gosta de saber que é assim que eles pensam? Que mulher só serve pra cozinhar, cuidar do maridinho, da casa e dos filhos, não sabe de matemática. Porque eu não gosto (P1)
Eu também não gosto (P2) e (P5)
Não é que eu goste, é tipo sei lá, eu nem ligo, eu sei que eles vão pensar mesmo, e as vezes até dizer, e o que vou fazer? Morrer por isso? Só estou dizendo que antigamente era na cara, e agora pelo menos é “menos”. E tem que ver que matemática é difícil mesmo, não é pra qualquer um (P4)
Pois não devia ser menos não, devia nem existir! (P5)
Através deste diálogo entre as participantes, podemos observar que as mesmas sentem um desconforto por saber que ainda existem pessoas que enxergam a mulher no campo da matemática de forma diferente aos homens, e que as regras impostas pela sociedade geraram mitos que trazem reflexos na área até os dias atuais.
A fala da participante P4 remete a Tabak (1995), pois por vezes as próprias mulheres passam a se convencer de que o campo da matemática é algo difícil e adequado apenas aos homens, e sendo assim, as poucas mulheres que chegam ao auge de suas carreiras, seriam casos excepcionais a parte do intelecto comum feminino. “Muitas das que conseguem alcançar posições elevadas resistem a admitir que outras possam ter sido discriminadas. Neste caso, estão desempenhando um papel ‘machista” (TABAK, 1995, p. 45). Isto não corresponde de forma alguma com a realidade, pois segundo Vieira, Moreira e Morgadinho (2008), em sua pesquisa sobre o cérebro masculino versus o cérebro feminino no âmbito da inteligência emocional, concluiu que “homens e mulheres têm igual probabilidade de terem o dito quociente emocional semelhante, ou seja, a inteligência emocional depende mais de cada um de nós do que algo determinado à nascença” (p.6)
No decorrer da aula, foram observados ainda no texto de Henriques (2006) dados relacionados ao Ensino Feminino desde o século XVI, a evolução de Ensino Industrial na Europa no século XIX, a taxa de frequência feminina no Ensino técnico, as mulheres na universidade, e a porcentagem de mulheres docentes nas universidades.
O debate sempre permaneceu de forma calorosa. Porém, consciente da possibilidade das participantes terem curiosidade a respeito de tempos e lugares mais próximos aos seus cotidianos, como de fato ocorreu, a pesquisadora apresentou arbitrariamente ao texto, alguns dados de Cordeiro (2014) para o curso de Licenciatura em Matemática da UEPB, observando pela perspectiva da mulher se equiparar quantitativamente ao homem no curso:
Em uma pesquisa quantitativa feita junto à COMVEST (Comissão de Vestibular), responsável pela elaboração, correção e divulgação do Concurso Vestibular do ano de 2008, da Universidade Estadual da Paraíba, mais especificamente nas turmas de primeira entrada do curso de Licenciatura em Matemática, Campus de Campina Grande, nos turnos Diurno e Noturno, observamos que o número de mulheres aprovadas para tal, no turno Diurno foi de doze em uma futura turma de quarenta alunos, de semelhante modo na turma do turno noturno, observou-se apenas nove mulheres entre os quarenta candidatos, totalizando assim, o que não passou de vinte e uma entre os oitenta aprovados (CORDEIRO 2014, p.40)
Diante destes dados, ressaltamos algumas falas relevantes:
Eu lembro que quando eu entrei na universidade em 2013, também passaram poucas mulheres, mas nunca tinha prestado a atenção que eram tão pouca (P5)
Mas é tipo, porque a turma da noite é mais do pessoal que trabalha durante o dia, aí os meninos trabalham durante o dia e estudam a noite. Mas as mulheres não, porque elas trabalham durante o dia e quando chegam em casa ainda tem que arrumar a casa, deixar comida pronta pro outro dia, lavar roupa e tal, aí fica mais difícil (P2)
E as que tem filho? Que deixam os meninos o dia todo na escola ou com alguém da família, aí de noite tem que cuidar, né? Porque marido nenhum vai querer trabalhar durante o dia e cuidar do menino a noite pra mulher poder estudar (P3)
Em um segundo momento foi proposto que através de seus aparelhos celulares, dispondo da internet da universidade, as alunas acessassem um vídeo no YouTube (plataforma de compartilhamento de vídeos com sede em San Bruno -Califórnia), disponível no sítio https://www.youtube.com/watch?v=eKJAFIyJ6tI, intitulado “Hípatia e o fim de Alexandria”. Tal vídeo trata de um trecho da série “Cosmos”, onde Carl Sagan conta resumidamente o fim da grande biblioteca de Alexandria e a morte de sua última cientista “Hipátia de Alexandria”.
A pesquisadora fez algumas explanações sobre Hipátia tais como, o fato de sua história ter um marco muito relevante para o mundo da matemática assim como para a inserção da mulher neste campo, e também a forma brutal como Hipátia foi assassinada pelo machismo imperante na época, que estagnou a produção científica feminina por muitos anos. Porém seu legado foi de grande valia, não só para a ciência em si, como subsídios aos que escrevem em prol da inserção e permanência da mulher no campo.
Foi sugerido as alunas que assistissem a produção de Augustín, Bovaira e Almenábar (2009). Um filme intitulado Alexandria (Ágora), que relata a história do Museu de Alexandria assim como a vida e morte de Hipátia. A fala a seguir foi retirada da produção, e exposta as participantes: “Que a mulher aprenda em silêncio, com toda submissão. Eu não permito que a mulher ensine, nem tenha autoridade sobre o homem; mas que esteja em silêncio.” (AUGUSTÍN, 2009)
Várias reflexões diante do vídeo foram expostas. Destacamos uma reflexão muito relevante de P2:
Inicialmente, o vídeo e os comentários que refletem como as mulheres devem ser e agir segundo a sociedade e o pensamento de muitas pessoas, com falas machistas me incomodam, pois não consigo me ver vivendo apenas para o lar ou os filhos. Hoje, eu trabalho, sou professora de matemática, amo o que faço, e sou muito boa nisso, não dependo de ninguém e não me vejo sem esse emprego, vivendo a vida que dizem que é a da mulher (P2)
Ainda neste momento da aula foi proposto que as alunas mais uma vez, por meio de seus celulares pesquisassem uma ou duas fotos de livre acesso no “Google/imagens”, que de alguma forma estivessem ligadas ao tema discutido. Além disso, elas deveriam relatar o que as fotos que encontraram simbolizavam particularmente e quais foram as palavras digitadas para iniciar sua busca.
Seguimos a ordem com a qual estavam dispostas na sala, e nos foram apresentadas as imagens a seguir:
Apresentação da imagem escolhida por P1:
Eu achei a foto da Hipátia, tem a ver com o conteúdo. Na parte do vídeo (P1)
Quais foram as palavras de busca? (Pesquisadora)
Eu pesquisei “Mulheres na Matemática”, de cara apareceu a Hipátia (P1)
E porque você escolheu está imagem o que ela representa pra você? (Pesquisadora)
Acho que eu me interessei pelo filme. Nenhum professor nunca tinha me falado que as mulheres também foram importantes pra matemática. Acho que lembro de alguma coisa vagamente na cadeira de “História da Matemática”, aqui da licenciatura, mas quase nada, eu só lembro de nomes de homens matemáticos. E na verdade eu nunca tinha me perguntado por onde andavam as mulheres enquanto isso. Eu pretendo ver o filme em casa (P1)
O que representa a imagem pra você? (Pesquisadora)
Acho que pra mim representa que ela foi tipo uma guerreira, ela enfrentou a sociedade, mostrou que as mulheres são competentes. É tipo um exemplo. Entendeu? (P1)
Mediante estas falas de P1, observamos que a presença das mulheres na matemática não é muito comentada. A participante mencionou que nenhum professor havia comentado sobre as contribuições femininas no mundo dos cálculos. Até os dias atuas apenas os nomes de homens são enaltecidos nesse campo, embora algumas mulheres tenham deixado um legado imensurável. Isto nos remete a Barrosa (2016):
Sim, algumas mulheres conseguiram registrar seu nome na Matemática. No entanto elas são poucas – muito poucas, aliás – se comparadas com o número de homens que deixaram suas contribuições para esta ciência. E muito provavelmente nenhuma e nenhum de nós chegou a estudar alguma delas ao longo da vida escolar. (BARROSA, 2016, p.35)
Apresentação da imagem escolhida por P2:
Eu escolhi essa aqui! (P2)
(Alguns risos das alunas)
A P2 é brava, viu? (P3)
(risos)
O que você digitou na pesquisa? (Pesquisadora)
Eu digitei isso mesmo “Lugar de mulher é no tanque”, já ouvi isso varias vezes, e até aqui na universidade um professor falou isso na hora da aula. Essa imagem me representa, eu fico com muita raiva de quem pensa assim. Poxa! Eu dou um duro danado em casa, daí saiu pra trabalhar e venho estudar aqui a noite, e ainda tiro notas melhores que muitos que não fazem nada, daí não gosto quando vem dizer onde é o meu lugar, como no tanque, por exemplo. Meu lugar é onde eu quiser, e estiver disposta a lutar para chegar, eu batalho pra isso e mereço (P2)
(Aplausos das colegas)
Através das falas de P2, percebemos um incomodo considerável ao preconceito de pré-dispor áreas mediante o gênero. A participante afirma ter ouvido discursos preconceituosos, inclusive em sala de aula por parte do próprio professor.
Apesar de observamos algumas vezes discursos remetendo este tema como algo resolvido, por estamos em uma sociedade dita como livre de preconceitos, percebemos por meio desse “desabafo”, que na realidade ainda existe convencionalismos acerca do tema, que perduram até os anos atuais, trazendo prejuízos tanto em equiparar numericamente a mulher no campo, quanto aos abalos emocionais, como é o caso da participante acima, que menciona sentir muita raiva de tais abusos.
Apresentação da imagem escolhida por P3:
P3? (Pesquisadora)
Eu digitei “Mulher do século XXI”. Eu acho que essa imagem representa muito a gente, porque nós vivemos uma vida dupla, é uma correria grande, trabalha, cuida de filho, de casa, de marido, estuda, no fim das contas somos umas heroínas, porque não é fácil dar conta disso tudo. Só que ao mesmo tempo vem o esgotamento, às vezes eu penso como seria bom eu ter mais tempo pra fazer o que gosto, pra dar conta das coisas. Assim, eu estudo pra ter um futuro melhor, e também por que eu gosto, só que muitas vezes eu deixo provas pra reposição, não vou pra congressos e tal, porque não dá tempo, se eu me dedicar muito aos estudos acabo deixando meu filho de lado, e isso não quero, e tem as obrigações também, é complicado. Só sei que no final do dia eu estou assim como essa outra da foto (P3)
Além da menção feita ao machismo por Tabak (1995), já mencionada aqui, temos em conforme com as falas das participantes o “marianismo”, na definição de Soares (2001):
Este comportamento social glorifica a maternidade como principal papel social da mulher e defende assim a obrigação destas em atuar como guardiã dos valores morais da família, sempre dispostas ao auto-sacrifício na defesa da integridade familiar. O marianismo complementa perfeitamente o machismo, estimulando a divisão e das funções sociais entre os dois sexos de modo que aos homens as atividades públicas e de produção de riquezas e às mulheres cabem as atividades privadas e de procriação (p.284)
Sendo assim, percebemos que estas participantes podem ser consideradas na visão de Sares (2001), como marianistas, pois aceitam o fato da responsabilidade de cuidar dos filhos e do lar como suas, abrindo mão de particularidades para priorizar as funções sociais preestabelecidas.
Apresentação da imagem escolhida por P4:
Qual foi sua busca P4? (Pesquisadora)
Eu coloquei “Lugar de Mulher” também. Eu gostei dessa imagem, é bonita, mas eu gostei dela porque pra mim, ter hoje em dia mulheres dentro da política nos representando e lutando pelo nosso direto é uma coisa muito boa e importante, porque se queremos uma sociedade igualitária em todas as áreas, inclusive no nosso campo da matemática, que ainda está muito desigual, a gente precisa de alguém que tenha voz pra nos representar. Então acho muito importante ter mulheres dentro da política (P4)
Pensar na mulher como ser político, é uma excelente reflexão, visto no âmbito da democracia e representatividade da classe. Não seria coerente defender a presença equiparada da mulher na matemática, esquecendo-nos das mais diversas áreas onde a mesma é minoria. Segundo Ribeiro (2018), apesar da política ainda ser um campo um tanto masculino, este cenário vem mudando, com a participação não só como eleitoras como também a candidatas a cargos públicos.
Mesmo que ainda tímida, a presença cada vez maior de candidatas é algo fundamental para o fortalecimento da democracia, afinal, a representatividade feminina é extremamente necessária quando pensamos nas lutas pelos direitos das mulheres em um contexto no qual, como se sabe, ainda há muito preconceito, exclusão e violência contra elas (RIBEIRO, 2018)
Apresentação da imagem escolhida por P5:
P5? (Pesquisadora)
Eu pesquisei as mulheres no Liceu Maria da Pia, como discutimos sobre isso no primeiro texto eu achei que tinha haver (P5)
E o que ela representa pra você? (Pesquisadora)
Eu acho que uma conquista, né? Porque antes as mulheres não podiam se dedicar aos estudos, eu acho que o Liceu foi uma vitória pra elas, como um marco importante da história do gênero feminino, mais ou menos isso (P5)
Sem sombra de dúvidas o Liceu feminino foi uma conquista imensurável ao gênero. Apesar das aulas não serem públicas, segundo Henriques (2006), as escolas eram, pois permitiam a presença das mães ou das pessoas do sexo feminino da família das alunas nas aulas, além de permitir ainda nas capitais de distrito onde não existissem secções femininas, que as moças pudessem frequentar liceus masculinos.
a principal missão do liceu é criar mulheres instruídas e ilustradas suficientemente para poderem sem humilhação do seu próprio espírito comparecer na sociedade culta, conviver com as pessoas ilustradas, ensinar os seu filhos, fazer a escrituração da sua casa ou a do comércio dos seus, compreender os livros e a conversação dos principais idiomas da Europa, sobre a posse de prendas próprias do sexo ou lavores delicados, que ou são recursos de modesta e honrada indústria para o granjeio da vida ou recreio agradável para horas feriadas e entretimento de ócios (DECRETO de 31/01/1906, citado por HERIQUES, 2006, p. 127)
Concluímos nossas reflexões com os pensamentos de Walkerdine (2004):
Estou tentando mostrar, assim, por que esta explicação tem sido infligida às mulheres (assim como a designação de “esforçada” foi infligida a mim) e como acabamos aceitando isso, acreditando que nós podemos ser boas operárias, boas secretárias, assistentes de pesquisa, mas nunca grandes pensadoras ou gênios...Estou afirmando, portanto, que o problema não está na essência da feminilidade, mas na forma pela qual estas ficções, medos e fantasias foram introduzidas nas estórias contadas sobre garotas e mulheres e na forma pela qual elas foram utilizadas para nos regular (WALKERDINE, 2004, p.215)
4. Considerações finais
Os dados deste estudo apontam que, na percepção das participantes da pesquisa, ainda existe uma resistência muito grande acerca da presença das mulheres na matemática, tal resistência acaba por gerar um desconforto nas mulheres que decidem adentrar nesta área, que além de enfrentarem a jornada dupla, ainda passam por tais violências simbólicas de limitar áreas profissionais de acordo com gênero.
A experiência vivenciada relatada aqui, estimula às mulheres a adentrarem e permanecerem no campo da matemática, assim como dá subsídios para as pesquisadoras no tema, na expectativa de que haja uma equivalência quantitativa assim como um reconhecimento de tal modo a suas contribuições na área.
Referências
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BARROSA, L. A. L; “Os homens são naturalmente melhores do que as mulheres”: Um discurso que persiste. Rev. Diversidade e Educação, v.4, n.8 p. 33-41, jul./dez. 2016.
CORDEIRO, J. C. A. A percepção dos alunos de licenciatura em Matemática na UEPB de Campina Grande quanto à presença da mulher no curso. 2014. 65 p. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Matemática) - Universidade Estadual da Paraíba, Campina Grande, 2014.
DUBOIS, P. Cinema, vídeo, Godard. São Paulo: Cosac Naify, 2004.
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PAVANELO, E. e LIMA, R; Sala de Aula Invertida: a análise de uma experiência na disciplina de Cálculo I. Bolema, Rio Claro (SP), v. 31, n. 58, p. 739-759, ago.2017.
RIBEIRO, P. S; Participação da Mulher na vida política; Brasil Escola. Disponível em <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/participacao-mulher-na-vida-politica.htm>;. Acesso em 12 de novembro de 2018.
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