Construindo o Futuro: extensão no presidio de João Monlevade, MG

Constructing future: extension in the prison of João Monlevade, MG

Construyendo el Futuro: extensión en el presidio de João Monlevade, MG

Juscelina Rosiane Ferreira
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil
Larissa Renata da Silva
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil
Kelly Nara de Carvalho Gama
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil
Cinthia de Souza
Universidade do Estado de Minas Gerais, Brasil

Construindo o Futuro: extensão no presidio de João Monlevade, MG

Research, Society and Development, vol. 8, núm. 4, pp. 01-09, 2019

Universidade Federal de Itajubá

Recepção: 03 Dezembro 2018

Revised: 15 Janeiro 2019

Aprovação: 15 Janeiro 2019

Publicado: 22 Fevereiro 2019

Resumo: As atividades de extensão têm um papel essencial na integração da Universidade com a sociedade em geral, expressando a importância da indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão. Em João Monlevade, no bairro Baú, estão localizados a faculdade de engenharia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e o presídio da cidade. Enquanto a UEMG caracteriza-se por ser uma instituição que oferece ensino, pesquisa e extensão para o desenvolvimento da ciência, o presídio enfrenta problemas de superlotação, reincidência e falta de apoio da sociedade. O presente artigo tem como objetivo apresentar o projeto de extensão Construindo o Futuro que possibilitou uma troca de experiências entre professores e alunos da UEMG com os detentos, através de encontros com palestras, dinâmicas e atividades de confecção de maquetes. As palestras abordaram temas principais da Construção Civil, como Pontes, Telhados de Madeira, Estruturas Metálicas, Fundações, Escadas e Instalações Elétricas. A confecção de maquetes permitiu aprimorar o conhecimento adquirido nas palestras para a construção de modelos que serão usadas durante as aulas, nos cursos de engenharia da UEMG. Como resultado dos encontros, pode-se perceber a importância da educação enquanto instrumento de reabilitação e reinserção social dos apenados, possibilitando a quebra de paradigmas, diminuindo o preconceito que existe em trabalhar com a população carcerária. Além disso, permitiu uma maior integração entre os detentos, auxiliando na promoção da saúde física e mental do indivíduo privado de liberdade.

Palavras-chave: Extensão, Construção Civil, Presídio.

Abstract: The university extension has been consolidated over the last years as an essential activity of academic practice, expressing the importance of the indissociability of teaching, research and extension. In João Monlevade, in the district Baú, are located the Faculty of Engineering of the Estate University of Minas Gerais (UEMG) and the prison of the city. While the UEMG is an institution that offers teaching, research and extension for the development of science, the prison confront with problems of overcrowding, recidivism and lack of support from society. The objective of this paper is to present the project Constructing Future that made possible the change of experiences between UEMG’s teachers and students with the prisoners, through meetings with lectures, dynamics and activities of making models. The lectures addressed main themes of Civil Construction such as Bridges, Wooden Roofs, Metallic Structures, Foundations, Stairs and Electrical Installations. Constructing models allowed improving the knowledge acquired in the lectures for the construction of models that will be used during the classes, in the engineering courses of the UEMG. As a result of the meetings, it can be observed the importance of education as an instrument for rehabilitation and social reintegration of the prisoners was highlighted, during the development of the project. The project made it possible to break paradigms, reducing the prejudice that exists in working with the prison population, evidencing the high potential for the execution of jobs qualified by the prisoners. In addition, the project allowed greater integration, helping to promote the physical and mental health of the individual deprived of liberty.

Keywords: Extension, Construction, Prison.

Resumen: Las actividades de extensión tienen un papel esencial en la integración de la Universidad con la sociedad en general, expresando la importancia de la indisociabilidad de la enseñanza, investigación y extensión. En João Monlevade, en el barrio Baú, están ubicados la facultad de ingeniería de la Universidad del Estado de Minas Gerais (UEMG) y el presidio de la ciudad. Mientras que la UEMG se caracteriza por ser una institución que ofrece enseñanza, investigación y extensión para el desarrollo de la ciencia, el presidio enfrenta problemas de hacinamiento, reincidencia y falta de apoyo de la sociedad. El presente artículo tiene como objetivo presentar el proyecto de extensión Construyendo el Futuro que posibilitó un intercambio de experiencias entre profesores y alumnos de la UEMG con los detenidos, a través de encuentros con charlas, dinámicas y actividades de confección de maquetas. Las conferencias abordaron temas principales de la Construcción Civil, como Puentes, Techos de Madera, Estructuras Metálicas, Fundaciones, Escaleras e Instalaciones Eléctricas. La confección de maquetas permitió perfeccionar el conocimiento adquirido en las conferencias para la construcción de modelos que serán usados durante las clases, en los cursos de ingeniería de la UEMG. Como resultado de los encuentros, se puede percibir la importancia de la educación como instrumento de rehabilitación y reinserción social de los apenados, posibilitando la ruptura de paradigmas, disminuyendo el preconcepto que existe en trabajar con la población carcelaria. Además, permitió una mayor integración entre los detenidos, ayudando en la promoción de la salud física y mental del individuo privado de libertad.

Palabras clave: Extensión, Construcción civil, Presidio.

1. Introdução

Atualmente o Brasil possui 690.722 encarcerados, sendo a terceira maior população carcerária do mundo. No ranking mundial de número de presos por habitantes, o Brasil ocupa a 26ª posição, com um índice de aprisionamento de 324 presos por 100 mil habitantes (Prison Studies, 2018).

Os presídios brasileiros em geral enfrentam diversos problemas, como superlotação, reincidência, má administração, falta de capacitação dos servidores, falta de apoio da sociedade, entre outros. Desta forma a pena privativa de liberdade não ressocializa, ao contrário, impede a plena reincorporação do recluso ao meio social (Fagundes et al. 2017, Figueiredo et al., 2009). Por isso, ações sociais que promovam cursos de capacitação, produção de artesanatos, palestras, educação escolar, assistência psicológica, assistência jurídica, entre outros, auxiliam na recuperação social dos detentos, melhoram suas condições de vida e minimizam a ociosidade no sistema prisional. Neste ponto, os projetos de extensão quando direcionados à comunidade podem ser utilizados como ferramenta eficaz para realizar ações sociais atuando em parceria com o poder público e defendendo segmentos sociais.

De acordo com Oliveira (2002), o papel da Universidade seria constituir-se em espaço de reflexão acerca das diferentes realidades e, dentro desse processo, refletir-se-ia o papel do Estado e de sua operacionalidade nas políticas públicas. E refletindo conjuntamente Universidade e Estado, o papel extensionista se conjuga com o de contribuir com o conhecimento acadêmico, repensando e introduzindo ferramentas para o estabelecimento, avaliação e implementação de políticas públicas.

Em João Monlevade, no bairro Baú, estão localizados a faculdade de engenharia da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e o presídio da cidade, duas instituições públicas de realidades muito distintas. Neste contexto, surge o Projeto Construindo o Futuro, um projeto vinculado ao Programa de Apoio a Projetos de Extensão (PAEx) da UEMG, que tem proporcionado aos internos do presídio municipal de João Monlevade palestras de capacitação voltadas a área de construção civil e atividades práticas de confecção de maquetes. Essas maquetes permitirão o aprimoramento das palestras, através da confecção de protótipos que simulam as estruturas reais e o processo de execução na prática. Posteriormente, as maquetes serão utilizadas nas aulas do curso de engenharia civil da UEMG

O objetivo do presente artigo é expor as experiências obtidas com este projeto de extensão que possibilitou a interação entre a UEMG de João Monlevade e o presídio, permitindo uma troca de conhecimento entre professores, alunos e os detentos envolvidos.

2. Metodologia

Para construção do presente artigo foi realizado um trabalho caracterizado como pesquisa aplicada, que objetivou gerar conhecimentos para aplicação prática, dirigidos à solução de problemas específicos envolvendo verdades e interesses locais e sociais. De acordo com Barros (2000), a pesquisa aplicada tem como motivação a necessidade de produzir conhecimento para aplicação de seus resultados, com o objetivo de contribuir para fins práticos, visando à solução mais ou menos imediata do problema encontrado na realidade. Este trabalho busca solução para o problema da socialização da população carcerária.

Quanto aos procedimentos técnicos, inicialmente foi realizada uma pesquisa bibliográfica e, posteriormente, execução do projeto. Na pesquisa bibliográfica, foi feito levantamento de trabalhos semelhantes já realizados e estudo do que poderia ser trabalho no presidio de João Monlevade. Na execução do projeto foram organizadas tarefas a serem executadas dentro do presidio a fim de socializar a população carcerária com a inserção de conhecimentos da engenharia para produção de maquetes.

Visto a necessidade de projetos que envolvam a população carcerária o projeto de extensão Construindo o Futuro, teve como objetivo principal possibilitar a interação entre a UEMG de João Monlevade e o presídio, permitindo que instituições de realidades tão diferentes possam se ajudar, através de palestras de capacitação e construção de maquetes voltadas para a área de engenharia, que busca aproveitar a prática na produção de artesanatos já desenvolvidos pelos detentos, conforme ilustrado na Figura 1.

Artesanatos desenvolvidos pelos detentos.
Figura 1 -
Artesanatos desenvolvidos pelos detentos.

A equipe executora do projeto é composta por uma professora do curso de Engenharia Civil e por três graduandas do mesmo curso. Os encontros junto aos detentos são semanais, com duração média de 2 horas, e ocorrem na sala de aula da unidade prisional com a utilização de recurso audiovisual e materiais didáticos. Oito detentos participam dos treinamentos, alguns com bastante experiência na construção civil, tendo realizado trabalhos como pedreiro, servente, eletricista, etc. sete treinamentos voltados a áreas importantes da Engenharia Civil: Pontes, Desenho Técnico, Telhados de Madeira, Estruturas Metálicas, Fundações, Escadas e Instalações Elétricas.

3. Resultado e Discussão

Em João Monlevade, a menos de 200m da UEMG, também está localizado o presídio, conforme ilustra a Figura 2, onde é possível ver no canto superior direito o prédio da UEMG e na parte inferior o presídio. Enquanto a UEMG caracteriza-se por ser uma instituição que oferece ensino, pesquisa e extensão para o desenvolvimento da ciência, o presídio enfrenta problemas de superlotação, reincidência e falta de apoio da sociedade.

Vista da UEMG e do presídio de João Monlevade.
Figura 2 -
Vista da UEMG e do presídio de João Monlevade.

Nos encontros realizados no presidio aconteceram dinâmicas, palestras sobre estruturas de Engenharia Civil, atividades de confecções de maquetes, entre outros. O primeiro treinamento foi sobre Pontes que são estruturas que permitem interligar ao mesmo nível pontos não acessíveis separados por rios, vales, ou outros obstáculos naturais ou artificiais (Pfeil, 1979). Neste contexto, a ponte simboliza o projeto “Construindo o Futuro” que busca estabelecer uma ponte entre a UEMG e o Presidio, duas instituições públicas separadas por grandes obstáculos. Como atividade prática, os internos construíram uma miniatura da ponte Golden Gate, localizada nos estados Unidos, utilizando palitos de churrasco, conforme ilustra a Figura 3.

a) Confecção da maquete da ponte Golden Gate pela equipe do projeto e os detentos. b) Maquete finalizada
Figura 3 –
a) Confecção da maquete da ponte Golden Gate pela equipe do projeto e os detentos. b) Maquete finalizada

Posteriormente, foram realizados treinamentos sobre desenho técnico, telhados de madeiras, e noções básicas de instalações hidráulicas. Estes treinamentos permitiram ao interno o entendimento de projetos básicos da área de Engenharia, unidades de medida, utilização de escalas e deram embasamento para que se desenvolvesse a segunda maquete, uma miniatura em escala de uma residência familiar. Para a confecção desta maquete foi apresentado um projeto arquitetônico contendo planta de localização e cobertura, fachadas, cortes e plantas baixas de uma residência familiar de 2 pavimentos, conforme Figura 4.

a) Fachada frontal da residência b) Confecção de maquete em escala, conforme o projeto de uma residência familiar.
Figura 4 –
a) Fachada frontal da residência b) Confecção de maquete em escala, conforme o projeto de uma residência familiar.

4. Conclusão

Este artigo apresentou os trabalhos produzidos e as trocas de experiências obtidas durante os encontros realizados no presídio de João Monlevade dentro do projeto de extensão da UEMG, Construindo o Futuro que permitiu que instituições de realidades tão diferentes pudessem se ajudar. Nos encontros aconteceram palestras, treinamentos, dinâmicas, atividades de confecção de maquetes, entre outros. Desta forma, a professora e as alunas envolvidas, puderam transmitir um pouco do conhecimento na área de engenharia para os internos do presídio, trazendo um diferencial no seu processo de ressocialização e no acesso ao mercado de trabalho. Além disso, as maquetes executadas pelos detentos, que serão utilizadas durante as aulas da UEMG, auxiliarão na formação dos alunos.

As seguintes conclusões são destacadas:

  1. -- a importância da educação enquanto instrumento de reabilitação e reinserção social dos apenados.

  2. -- a motivação dos detentos, o domínio de alguns assuntos da prática da engenharia, além de grande organização e facilidade para trabalhar em equipe, evidenciando o elevado potencial para a execução de trabalhos qualificados por partes dos mesmos

  3. -- a quebra de paradigmas, tanto da equipe executora, como da comunidade acadêmica da UEMG de um modo em geral, diminuindo o preconceito que existe em trabalhar com a população carcerária

  4. -- maior integração entre os detentos auxiliando na saúde física e mental do indivíduo privado de liberdade.

De uma forma geral, com o projeto buscou-se aproximar o detento da UEMG, ajudando na sua recuperação social, construindo o seu futuro, mostrando que a educação é uma das melhores formas para garantir a inclusão e a cidadania.

Gratidão

As autoras agradecem à Universidade do Estado de Minas Gerais e ao Presídio de João Monlevade.

Referências

Barros, A. J. S. & Lehfeld, N. A. (2000). Fundamentos de Metodologia: Um Guia para a Iniciação Científica. São Paulo: Makron Books.

Fagundes, C. M.; Teixeira, M. R. T. & Carneiro, R. A.. (2017). A ineficácia do sistema carcerário brasileiro como orgão ressocializador. Revista Jurídica Direito, Sociedade e Justiça/RJDSJ, 5 (1), 231-233.

Figueiredo Neto, M. V.; Mesquita, Y. P. V. O. de; Teixeira, R. P. & Rosa, L. C. dos S. (2009). A ressocialização do preso na realidade brasileira: perspectivas para as políticas públicas. In: Âmbito Jurídico, 12 (65).

Oliveira, M. B. (2002). A ciência que queremos e a mercantilização da universidade. (2002). Unesp Marília Publicações, 17-41. Disponível em http://www2.fe.usp.br/~mbarbosa/cqmu.pdf

Pfeil, W. (1979). Pontes em Concreto Armado. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos.

Prison Studies. (2018). World Prison Population List. 12th edition. Disponível em www.prisonstudies.org

Apéndice

Porcentagem de contribuição de cada autor no manuscrito

Juscelina Rosiane Ferreira - 40%

Larissa Renata da Silva - 20%

Kelly Nara de Carvalho Gama - 20%

Cinthia de Souza - 20%

HMTL gerado a partir de XML JATS4R por