As Relações Familiares Na Constituição Do Sujeito Perverso
The Family Relationship In The Constitution Of Perverted Subject
Las Relaciones Familiares En La Constitución Del Sujeto Perverso
As Relações Familiares Na Constituição Do Sujeito Perverso
Research, Society and Development, vol. 8, núm. 4, pp. 01-16, 2019
Universidade Federal de Itajubá

Recepção: 31 Dezembro 2018
Revised: 26 Janeiro 2019
Aprovação: 08 Fevereiro 2019
Publicado: 26 Fevereiro 2019
Resumo: O presente estudo teve o objetivo de compreender por meio de uma revisão bibliográfica, como se constitui psiquicamente o sujeito perverso a partir das relações familiares pelo viés da teoria psicanalítica. Os dados analisados apontaram que problemas ou falhas no desempenho da função materna, ou seja, um holding deficiente no processo de vinculação afetiva mãe-bebê, um ambiente familiar não favorável com relações disfuncionais podem repercutir de forma negativa no desenvolvimento psíquico da criança, potencializando desordens afetivas e consequentemente contribuir para a constituição do sujeito perverso.
Palavras-chave: díade mãe-bebê, perversão, falha edípica, relação familiar.
Abstract: The present study aimed an understanding by a bibliographic review, know how to constitute psychically or perverse subject from familiar relations using the psychoanalytic theory. The analyzed data pointed out that problems or failures in the performance of maternal function, that is, a process of attachment of the process of mother-infant bonding, a non-favorable family environment with dysfunctional relationships can negatively repercussions without the child’s psychic development, potentiating affective disorders and consequently contribute to a constitution of the perverse subject.
Keywords: mother-infant bonding, perversion, oedipal failure, family relationship.
Resumen: El presente estudio tuvo el objetivo de comprender por medio de una revisión bibliográfica, como se constituye psíquicamente el sujeto perverso a partir de las relaciones familiares por el sesgo de la teoría psicoanalítica. Los datos analizados apuntaron que problemas o fallas en el desempeño de la función materna, es decir, un holding deficiente en el proceso de vinculación afectiva madre-bebé, un ambiente familiar no favorable con relaciones disfuncionales pueden repercutir de forma negativa en el desarrollo psíquico del niño, y en consecuencia contribuir a la constitución del sujeto perverso.
Palabras clave: diade madre-bebé, la perversión, falla edípica, relación familiar.
Introdução
Quando se fala em perversão, as primeiras imagens e lembranças que emergem na mente estão relacionadas às vivências experienciadas pelo sujeito nas relações interpessoais e também a reprodução das mesmas nas telas de cinema como em filmes e seriados. O best-seller originário do filme Cinquenta tons de cinza (2015), ou ainda, séries americanas como: Mentes Criminosas (2005), dentre outros filmes tais como: Psicose (1960), Laranja Mecânica (1972), Se7en – Os Sete Crimes Capitais (1995), Psicopata Americano (2000), Hannibal (2001), Menina Má (2006), Perfume: a história de um assassino (2006), Onde os fracos não têm vez (2007), Um crime de mestre (2007) e Precisamos Falar Sobre O Kevin (2011), que abordam variados casos de psicopatia.
Dessa forma, a percepção da sociedade sobre essa temática torna-se equivocada, pois trazem como sendo algo belo, rico ou controlável, onde tudo se resolve rapidamente ou "comprando" e "preenchendo" o vazio dentro de cada sujeito. Muitas pessoas anseiem por encontrar a pessoa dita "perfeita" para relacionar-se afetivamente, idealizando sujeitos belos e perfeitos, como também, buscam oportunidades profissionais que possibilitem reconhecimento, capitalismo e elevado status social. Por outro lado, também se associa a perversão a outros signos como: fetiche e fantasia sexual, tratando esses socialmente, como doentios; e assim os sujeitos que tendem a essas preferências sexuais são reprimidos por medo de serem descobertos, ou considerados doentes e assim apresentar riscos a integridade física e psíquica.
A psicopatia e a perversão, como estruturas psíquicas semelhantes compartilham de alguns pontos em comum, nos quais ocorreram falhas no momento do desenvolvimento psíquico do sujeito, propiciando assim para o desenvolvimento dessas psicopatologias. Através das literaturas, encontram-se os detalhes que as tornam tão próximas, sendo eles: a não introjeção do objeto total, relação objetal anaclítica e o uso de mecanismos de defesa primitivos; assim ocorre a má formação do superego devido a não formação total do ego possibilitando que o sujeito desenvolva características narcísicas e permitindo a externalização de seus impulsos (desejos/pulsões) em atos. Apesar de serem semelhantes na psicopatia, o sujeito caracteriza-se como agressivo e maléfico, tendo isso como característica principal; mas devemos lembrar que nem todos os psicopatas são delinquentes ou criminosos (Bergeret, 2015).
O presente artigo visa abordar pelo viés da teoria psicanalítica, como o sujeito se constitui perverso a partir das relações familiares. A partir de estudos realizados e publicados na literatura sobre o assunto, buscou se compreender como o sujeito constitui-se de forma perversa e como a formação de vínculos afetivos nos relacionamentos amorosos na fase adulta podem apresentar características disfuncionais, devido às falhas nas primeiras relações com as figuras parentais.
A constituição do sujeito exige a inscrição de diferentes momentos lógicos que não estão garantidos pela passagem do tempo, por uma simples cronologia. No entanto, continua sendo necessária uma diacronia para que se precipitem os efeitos de inscrição que constituirão o sujeito psíquico (Jerusalinsky, 2009).
É preciso o transcurso de um tempo para que as inscrições que nele se precipitaram possam ser por ele postas à prova por meio de uma experiência que o implique subjetivamente. Através dos estudos de Freud (1995/1996) a perversão adquiriu um novo significado, trazendo à tona a sexualidade infantil, de acordo com a fase do desenvolvimento; onde essa sexualidade tem natureza perversa polimórfica, o que significa ter várias formas de obter prazer/gozo. Além disso, a perversão difere na criança para o adulto devido a sua fixação objetal, tendo em vista esse entendimento patológico quando no adulto, situando-se de modo inerente à todo sujeito.
O interesse pelo assunto inicialmente se deu a partir aulas no ensino superior no curso de Psicologia nas disciplinas de Psicanálise, Psicopatologia Dinâmica e Psicanálise e Estado, mobilizando curiosidade e interesse em pesquisar novas percepções a partir das relações familiares. O desejo de aprofundar o conhecimento em relação à temática estudada surge também a partir de experiências em relações afetivas com sujeitos que apresentavam traços de perversão. Este estudo será importante para a área da Psicologia, pois o mesmo irá oportunizar aos estudantes, profissionais e interessados sobre o assunto, informações referentes à temática que irão contribuir para o campo científico como também para o âmbito clínico. A partir de tais considerações, esse estudo objetiva compreender a constituição do sujeito perverso a partir das relações familiares pelo viés da teoria psicanalítica.
Perversão: Aspectos Conceituais
A palavra perversão tem origem do latim pervertere (perverter)= pôr às avessas, desviar, significando o ato do sujeito de perturbar a ordem ou estado normal, de acordo com essa definição, o conceito se estendeu a psicanálise, dando amplitude ao sentido, incluindo além dos sexuais, como os morais, sociais, o que permite uma confusão com a psicopatia (Roudinesco, 1998).
Na psicanálise, segundo Laplanche (2001) a perversão é vista somente no âmbito da sexualidade e de forma geral, pode ser determinada como comportamentos psicossexuais atípicos para a obtenção do prazer sexual. A perversão quanto Estrutura Clínica conforme Zimerman (2008) se organiza como defesa contra angústias. Segundo Alberti (2006) a perversão não é sinônima de perversidade, mas, de uma modalidade de relação ao Outro que o obriga a buscar um meio a mais, para além do recalque, para se defender do real aludido na castração materna.
Para Freud (1995/1996) a perversão é algo natural do ser humano, a qual consiste em uma estrutura psíquica onde acredita que nenhum sujeito nasce perverso, mas se torna através das heranças coletivas ou individuais como: educação, identificações inconscientes, traumas diversos. Na construção psíquica, o ego torna-se refém dos desejos do id; desejos que buscam incessantemente o gozo, mas para que isso aconteça, o ego tende a obedecer às pulsões e anula a realidade, adaptando e criando uma realidade própria, na qual ocorrem alucinações e fantasias, possibilitando que este sujeito se satisfaça sem reprimir seus desejos (Roudinesco, 1998).
A partir das considerações dos autores sobre a temática, cabe apontar que a constituição da subjetividade do perverso manifestada em relações conflituosas em diferentes âmbitos sociais advém de falhas nas relações iniciais, da falta de afeto recebido das figuras parentais/ou cuidadores. Acerca disso, cabe ressaltar que o sujeito perverso se desenvolve numa condição anormal da personalidade, com muitos conflitos, manifestando sentimentos de destruição em relação ao Outro através de pensamentos e atitudes maldosas.
A Perversão numa Perspectiva Psicanalítica
A perversão enquanto caráter perverso segundo Bergeret (2006) é o modo de funcionamento apoiado por uma organização perversa; correspondendo ao que seria a perversão, caracterizada por ser narcísico fálico, onde existe a negação do sexo oposto, uma problemática na castração, mas mesmo assim o sujeito consegue manter relações amorosas sem expor sintomas perversos, designando-se perversos de caráter.
Ainda o autor traz a perversidade como traço de caráter, caracterizando-se por uma disposição natural para voltar-se contra o objeto e a realidade; sendo assim associada à questões sexuais e sociais também, tendo como princípio a obtenção através do objeto satisfazer o sujeito, pois devido ao uso do mecanismo de defesa- negação, o objeto torna-se sem valor após o gozo. A organização perversa tem por base o sobreinvestimento no falo, já nos perversos de caráter ocorre à negação ao objeto sobre o próprio narcisismo, não constituindo a individualidade, e não investindo diretamente no sujeito, mantendo seus objetos em uma relação anaclítica estrita no plano sadomasoquista e narcísico; já o perverso tem a necessidade de manter seu objeto em sua posse de forma erotizada (Bergeret, 2006).
No traço de caráter perverso, o sujeito recorre à destruição, devido aos traumas arcaicos mantidos nas falhas da psique pelo seu carácter desorganizador, a clivagem e negação extrema dos afetos, resultando na angústia de aniquilição, torna-se intrusiva e gera uma confusão que permeia o estabelecimento dos limites dentro/fora nas relações objetais. A identidade é constituída através da onipotência fálica. Nas organizações perversas, os traumas são figuráveis e o mecanismo de clivagem faz oscilar entre a negação ligada ao narcisismo e a depressão, sendo a manutenção e representação instável do ego restabelecida através da erotização. Ainda utiliza outro conceito, o de perversão afetiva, onde o sujeito se define pela relevância do ideal do ego e a inibição da pulsão, sendo assim originada diante as forças sexuais dissociativas, intensificando a autocentralização e a autoafetação, originando um fetichismo interno (Ibidem, 2006).
Segundo Alberti (2006) o sujeito de estrutura perversa mantém-se, contudo, excluído do Complexo de Édipo e da alteridade, passando a satisfazer sua libido sexual consigo mesmo, sob caráter narcísico. Tal estrutura dá-se por meio de uma fixação numa pulsão parcial que escapou ao recalque, tornando-se uma fixação exclusiva. A recusa da criança, em aceitar a falta fálica da mãe, ocasiona a recusa da percepção da castração, que retorna à ideia da figura da mulher com o pênis, origem da fantasia da mulher fálica.
Ainda de acordo com Alberti (2006) a castração para o perverso é algo de ordem insuportável, pois cria um objeto que esconde a falta materna, o fetiche, ou seja, o perverso nega e substitui, tornando-se um sintoma silencioso. Segundo a autora, e com embasamento da a teoria Lacaniana, o sujeito está grudado no desejo da mãe, preso ao desejo do outro. Nessa recusa, o sujeito não se submete à lei paterna, desafiando não apenas a ela, mas também a norma, o social, além de descumprir o pacto edípico.
A perversão segundo Ceccarelli (2011) é uma neurose erotizada do ódio, pois “o fantasma que sustenta o ato perverso é o de vingança que transforma o traumatismo (da criança) no triunfo do adulto”. Por sua vez, Freud remetia a perversão para o contrário da neurose, enquanto uns executam, outros ficam apenas no imaginário. Sobre uma perspectiva psicopatológica, a perversão é específica de determinado ato, caracterizada por uma forma patológica de se relacionar com o objeto através da manipulação, experienciando aspectos particulares de violência, com estreita relação com a psicose e mais afastada das estruturas neuróticas.
Além disso, a organização perversa manifesta-se devido a determinados comportamentos e sintomas, os quais são experimentados por vários sujeitos, de maneira constante ou esporádica, sendo assim considerada estável e característica; apresentando como desejo de suporta durante a relação com o objeto, angústia, traços narcísicos primitivos devido à falha narcísica subjacente e problemática sexual. A perversão como funcionamento psíquico, advém da negação da distinção dos sexos, que remete para a problemática da castração, e assim consequente à clivagem do ego, resultando na evitação da castração, a qual consiste na condição de organização genital não se torna capaz de enfrentar a realidade, provocando assim a angústia de castração, que é contida pela negação do sexo feminino e a ameaça que isso representa para o sujeito perverso.
Os indivíduos com organizações de personalidade perversa mostram-se passíveis de regressão, desenvolveram um Édipo, ainda que arcaico, apresentam conflitos pré-edipianos, comportamentos que demonstram um Self estruturado e representações de objeto (Freud, 1995/1996).
O sujeito perverso não conseguiu reparar o seu narcisismo, não interiorizou o objeto total, sendo que o único modo para obter prazer está ligado a um objeto parcial, o que faz com que tenha de recorrer a outros objetos e meios específicos de compensar psiquicamente (Bergeret, 2006).
Segundo Freud (1995/1996) o superego não é considerado uma instância mal formada, mas algo superior no que refere à sua estrutura e funções são as experiências traumáticas e pré-edipianas que dão as características mais primitivas às perversões. O desenvolvimento desta organização psíquica acontece início na infância devido às lutas em volta da integridade do ego, pode remeter para duas origens, a paternal ou a maternal, ou a figura paternal falha na sua função ou a transmite erroneamente, ou a figura maternal falha na sua função de separação mãe-bebê.
Desta forma, a origem do funcionamento perverso desenvolve-se a partir de uma fase específica de constituição do objeto, na qual é mantida uma ilusão defensiva de poder pela falha narcísica criada, que por sua vez é compensada por relações de domínio, pelo desejo de controlar o anulamento do objeto (Zimerman, 2004).
Metodologia
A presente pesquisa realizada é uma revisão bibliográfica, na qual foram elencados materiais publicados sobre o assunto com o objetivo de enriquecer a discussão e ampliar a base do conhecimento referente à constituição do sujeito perverso a partir das relações familiares pelo viés da teoria psicanalítica. Segundo Gil (2009) “A pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos”. Para isso foi feita uma revisão sistemática de produções sobre a temática dos últimos dez anos em periódicos nacionais e também em livros, dissertações e teses.
A coleta de dados foi realizada no período entre agosto e outubro de 2017. A pesquisa dos artigos transcorreu nas seguintes bases de dados eletrônicas: Biblioteca virtual em saúde - Bireme, Scielo, Google acadêmico e Lilacs. Os descritores utilizados para a pesquisa foram os seguintes: perversão, relação familiar, psicanálise.
Para a análise dos dados coletados foram utilizadas as três etapas básicas da análise de conteúdo, segundo Bardin (2009) a primeira é a pré-análise, a segunda a exploração do material e a terceira o tratamento dos resultados, inferência e interpretação. Primeiramente foi feita uma pré-análise dos artigos para a construção das ideias iniciais desse estudo. A seguir, para exploração do material coletado foi realizada a leitura dos artigos obtidos, considerando os principais achados na literatura sobre a temática. Para discussão e análise dos dados foram elaboradas as seguintes categorias: As repercussões da relação Mãe-bebê e A Família com funcionamento perverso.
Resultados e Discussões
No Quadro 1 são apresentados os resultados obtidos na coleta de dados em livros e artigos referentes à temática estudada e que são enfocados nas discussões desse artigo.
| Ano | Autores | Título | Fonte de Publicação |
| 1983 | WINNICOTT, D. W. | O Ambiente e os processos de maturação. | Porto Alegre: Artes Médicas, 1983. |
| 1988 | SPITZ, R. A. | O Primeiro ano de Vida: um estudo psicanalítico do desenvolvimento normal e anômalo das relações objetais. | São Paulo: Martins Fontes, 1988. |
| 1990 | WINNICOTT, D. W. | A integração do ego no desenvolvimento da criança. In: O ambiente e os processos de maturação. | Porto Alegre: Artes Médicas, 1990. |
| 1992 | SOIFER, R. | Psicologia da Gravidez, parto e puerpério. | 6. Ed. Porto Alegre: ArtMed, 1992. |
| 1996 | FREUD, S. | Um caso de histeria. Três ensaios sobre a sexualidade e outros trabalhos. | Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1996. |
| 1999 | WINNICOTT, D.W. | Tudo começa em casa. | 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 282p. 1999. |
| 2000 | WINNICOTT, D. W. | Da pediatria à psicanálise. | Rio de Janeiro: Imago, 2000. |
| 2002 | ZAMBERLAN, T. MALDONADO, M. T. | Interação mãe-criança: enfoques teóricos e implicações decorrentes de estudos empíricos. Psicologia da Gravidez – parto e puerpério. | Estudos de Psicologia 2002. 16. ed. São Paulo: Saraiva,2002. |
| 2007 | BIRMAN, J. | Laços e Desenlaces na Contemporaneidade. | São Paulo: Jornal de Psicanálise, 2007. |
| 2011 | CECCARELLI, P. R. CARLESSO, J. P. P. | As possíveis leituras da perversão. Análise da relação entre depressão materna e índices de risco ao desenvolvimento infantil. | Belo Horizonte: Estudos de Psicanálise, 2011. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal de Santa Maria, 2011. |
Pode-se observar no quadro 1 que a temática abordada nesse estudo tem relevância no meio científico por meio das obras apresentadas, trazendo subsídios teóricos importantes para o esclarecimento e entendimento do assunto.
As Repercussões da Relação Mãe-Bebê
A relação mãe-bebê começa ainda no período gestacional, onde a mãe descobre-se grávida e ao sentir-se mãe, vai criando vínculo, o qual se intensifica com o nascimento do novo ser e nos primeiros anos de vida; mas esse processo nem sempre é satisfatório; por vezes o bebê não corresponde exatamente a todas as expectativas e idealizações da mãe, acaba gerando angústia materna e assim dificulta a interação da díade. Ressaltam-se outras implicações que podem repercutir de forma negativa no desenvolvimento emocional da criança tais como: o alongamento da jornada de trabalho da figura materna e a falta de tempo para envolver-se no processo de interação com seu filho. Em outros casos, há mães com pouca orientação acreditam que não há necessidade de interagir com o bebê afetuosamente. Sendo assim, a qualidade das interações iniciais tem grande relevância para o desenvolvimento psíquico da criança, em vários campos do desenvolvimento como a comunicação, socialização e cognição (Winnicott, 1990).
Segundo Carlesso (2011) a gravidez é considerada um período de grande vulnerabilidade, no qual os sentimentos ambivalentes são características marcantes. Esses, contudo, assumem nova configuração após o parto. A realidade do bebê imaginário, na barriga da mãe não é a mesma realidade do bebê recém-nascido. Muitas mães tendem a negar antecipadamente a realidade do seu bebê nas primeiras semanas de vida, sentindo-se assustadas e confusas diante dos primeiros cuidados.
No momento em que a criança adquire vida própria, diferente da vida intrauterina, ela incorpora-se, efetivamente, como um novo integrante na família, o que, sem dúvida, transforma o equilíbrio familiar, que já havia passado por algumas transformações durante a gravidez (Soifer, 1992).
As expectativas e desejos dos pais em relação à criança são aspectos importantes para o desenvolvimento sadio do bebê e que a função materna e a paterna é necessárias antes mesmo do nascimento do filho, por meio do desejo no qual o casal insere esse sujeito. A partir do momento em que a mulher sabe que está grávida, já se instaura uma relação mãe-filho, que é totalmente imaginária e na qual a criança não é representada pelo que ela é na sua realidade – um embrião em desenvolvimento -, mas por um corpo imaginado, completo, unificado e dotado de todos os atributos necessários (Carlesso, 2011).
Segundo Winnicott (1990) a interação entre as mães e seus bebês tem influencia no desenvolvimento infantil; a mãe ao possibilitar um ambiente favorável se responsabilizar pela sustentação desse processo. Mas quando ocorrem falhas na interação podem ocorrer interferências no desenvolvimento, o colocando em risco e possivelmente afetando a constituição psíquica do bebê, acarretando consequências na fase adulta. Por outro lado, a teoria de Winnicott traz a possibilidade de erro dessa mãe em pequenas proporções, no intuito de incentivar a criança a lidar com as frustações, fortalecendo seu psíquico e entendendo melhor que ele e a mãe são seres separados.
A relação mãe-bebê vai se construindo durante a gestação, gerando assim expectativas em relação à criança, relação que vai servir de base para o desenvolvimento da díade, logo após o nascimento. O sentimento e o comportamento da mãe em relação ao bebê estão ligados em como essas expectativas serão superadas ou não durante o desenvolvimento do bebê. Desse modo, o relacionamento parental dará origem à forma como a mãe irá vincular-se ao bebê, provendo ou não suas necessidades físicas e emocionais.
A relação mãe-bebê será a primeira forma de socialização, a qual deve ser satisfatória trazendo assim consequências duráveis e importantes do ponto de vista social e emocional. A vinculação consiste no laço afetivo fundamental para que se desenvolva entre o bebê e a pessoa que dele cuida e que lhe dará segurança emocional e conforto. A ruptura desse laço afetivo e emocional com a mãe nos primeiros anos da criança pode trazer graves repercussões no desenvolvimento, intelectual, social e emocional do bebê, sendo principal fator para perturbações comportamentais e psíquicas.
Dessa forma, a mãe tem fundamental importância, pois através de suas ações e cuidados responde às necessidades do bebê e se oferece como primeiro objeto simbólico, iniciando assim a inserção da criança ao mundo externo e mediando essas experiências, o que possibilita ao indivíduo adulto melhores condições que conviver com os outros. Outro fator importante é a formação do Self, que permite a criança um sentimento de continuidade, fato que ocorre devido a responsabilização da mãe em sustentar as primeiras experiências ilusórias sem prejudicar a experiência real; o que proporciona uma existência própria ao bebê através do Self, acumulando assim novos sentidos as vivências pessoais e dando conexão cronológica entre elas (Winnicott, 1990).
O desenvolvimento emocional na infância apontou Carlesso (2011) está intimamente ligado ao estado emocional em que se encontra a família, mais precisamente, a mãe ou quem exerce a função materna. O bebê depende de um adulto que esteja disponível para cuidá-lo e para inseri-lo no mundo, mostrando, ensinando, fazendo o bebê participar de tudo o que acontece a sua volta, dando-lhe sentido. Um ambiente suficientemente bom é aquele ambiente proporcionado pela mãe, por meio de seus cuidados, capacitando o bebê a ter novas experiências, a constituir um ego pessoal individualizado, a dominar seus instintos e a defrontar-se com as dificuldades inerentes à vida.
A criança, através de suas experiências, se depara com algumas questões conflitantes que necessita da ajuda da mãe para amenizá-las; logo a criança percebe uma mãe dividida em duas (a boa e a má), onde a boa representa os momentos de cuidados iniciais, já a outra, se apresenta nos momentos em que impõe limites ou repreende a criança; ainda, é importante que a mãe “boa” continue cuidando da criança durante seu desenvolvimento da mesma maneira que nos primeiros encontros, pois a ausência por muito tempo da mãe pode ultrapassar a capacidade de representação da criança. Quando ocorre a predominância da mãe má, a criança pode ter falhas em seu desenvolvimento e assim, quando chegar à fase da castração, esse processo não irá acontecer devido a negação feita por ela ao deparar-se com as diferenças de gênero e descobrir que sua mãe antes fálica e agora não possui mais o falo (Winnicott, 1990).
As quatro patologias apontadas por Ibidem (1983) poderão ser desenvolvidas pela criança devido a problemas de maternagem, que são destacadas a seguir com suas próprias definições. São elas: a) Esquizofrenia infantil ou autismo; b) Esquizofrenia latente; c) Falsa autodefesa; e d) Personalidade esquizóide. Ainda segundo Winnicott (1983) nas patologias apontadas o autor observou não haver evidências de defeito neurológico, mas, deve ter ocorrido grave deficiência na maternagem e, portanto, um holding drasticamente ineficiente. Nessas situações, pode até mesmo ter havido abandono por parte da mãe, maus tratos à criança – enfim, um ambiente nada acolhedor – e outros tantos problemas que podem acometer um recém-nascido. Isso tudo pode ainda estar somado a uma tendência inata da criança a adquirir tais patologias em interação com um ambiente deteriorado.
Os distúrbios da personalidade materna e a relação insuficiente entre mãe e bebê provocam sérias influências psicológicas prejudiciais e fortes perturbações na criança, assim "podemos dizer que a personalidade da mãe atua como um agente provocador da doença, como uma toxina psicológica” (Ibid, 1983, p.87). Os efeitos da perda do objeto acarretam as doenças de carência afetiva do bebê que é a privação afetiva parcial (depressão anaclítica) e a privação afetiva total (hospitalismo), sendo que "a depressão analítica e o hospitalismo demonstram que uma grande deficiência nas relações objetais levam a uma parada no desenvolvimento de todos os setores da personalidade.
Segundo Winnicott (1990) a organização perversa consistiu-se na infância devido aos conflitos acerca da integralidade do seu ego frágil, tendo origem tanto maternal ou paternal, onde a figura que deveria realizar a castração falha em sua função ou a transfere erroneamente; já a falha materna acontece no momento da separação entre mamãe-bebê, mantendo uma simbiose entre eles.
Assim, percebe-se que o funcionamento perverso tem suas origens enraizadas nas primeiras fases do desenvolvimento do novo ser, onde ocorre a constituição do objeto, e assim a ilusão de poder originada na falha narcísica, é compensada através das relações de domínio efetivadas pelo desejo de controlar, e acaba anulando o objeto; fato comum quando acontecem tensões nas relações parentais, expondo o pequeno sujeito a ansiedades, perdas e frustações, constantemente. Vai internalizando relações agressivas e, ao chegar à fase adulta, passa a ter relações de adição e fantasia sua realidade, podendo, assim, eleger um objeto que sofrerá com suas manifestações compulsivas, as quais ocorrem na tentativa de obter satisfação, mesmo que isso não seja alcançado após a exteriorização das pulsões.
O funcionamento perverso ocorre através da negação da distinção sexual, que retorna aos conflitos de castração e a clivagem do ego, de modo a evitar qualquer ação que cause castração no sujeito e, consequentemente, angústia; logo, a personalidade perversa constituiu um édipo arcaico e repleto de conflitos, o que se demonstra a partir do self estruturado e as representações objetais; bem como a não interiorização do objeto total, tendo por único modo obter prazer através dos objetos parciais em suas experiências de forma compensatória ao psíquico (Ibid, 1990).
A Família com Funcionamento Perverso
A família caracteriza-se por um sistema, onde os pais introduzem a criança ao mundo exterior, lhe apresentando a cultura na qual estão inseridos e, aos poucos, vão demonstrando os valores e as crenças para o sujeito em formação. Através disso vão formando o superego e o ego, organizações psíquicas fundantes para que este se torne sujeito. A partir das primeiras interações com o mundo e com os pais que o sujeito torna-se neurótico, mas, quando essa apresentação/vivências são falhas, apresentando a ausência e violência ao sujeito em formação que, possivelmente, irá torná-lo perverso, fazendo assim que suas experiências sejam introjetadas de modo distorcido, permitindo que o ego venha a ter poucos recursos psíquicos para suportar essa realidade. Quando o sujeito torna-se adulto, o ego consegue, através de mecanismos de defesas arcaicos, manter-se "saudável", mesmo que suas fantasias psíquicas sejam colocadas em ato através do sadismo ou masoquismo (BIRMAN, 2007).
Ainda conforme o autor, a família possui papel fundamental na constituição do sujeito, pois o novo ser precisa que o Outro lhe mostre e lhe introduza na nova realidade, permitindo a sua inserção e interação. Quando a criança, durante sua formação psíquica, é exposta por quem deveria fazer as funções maternas/ paternas a grandes faltas, isso se torna uma lacuna no ego que, posteriormente, será recalcada de modo a amenizar os traumas sofridos.
Nas relações familiares percebem-se as articulações que esta faz para que todos os sujeitos envolvidos aproximem-se da realidade do novo ser, colocando as necessidades deste em primeiro lugar. Assim entramos nas questões do narcisismo primário do bebê, pois ele não possui percepção que sua mãe é independente e separada dele, sendo assim, onipotente em relação ao bebê. Através dessa relação articula-se o investimento libidinal devido à fusão da relação mãe-bebê, e ele torna-se objeto de desejo da mãe; construindo a função materna e a necessidade do grande Outro, pois a partir dessas relações começam a ocorrer marcações psíquicas neste novo sujeito (Birman, 2007).
A família possui papel fundamental na construção psíquica da criança e sua inserção a nova realidade; quando a família possui funcionamento perverso demanda poucos recursos e investimentos psíquicos perante o novo ser; devido a problemas na simbolização os indivíduos tende a realizar o ato para poderem perceber a realidade, ações que se internalizam na criança, obrigando a mesma a fazer uso desses mecanismos para se inserir no mundo.
Segundo Winnicott (1990) as famílias buscam habilidades para manter vínculos entre os indivíduos, na tentativa de suprir a ausência do objeto. Famílias com funcionamento perverso possuem dificuldades com a simbolização, onde os sujeitos têm a necessidade de ir até o ato para que possam compreender a realidade. Dessa forma, os sujeitos tendem a investir pouco em suas relações afetivas, principalmente, nas parentais, onde fracassam parcialmente, pois seus desejos e simbolização precisam ser suficientes para que ocorra a inscrição dos símbolos e a inserção do novo sujeito na realidade.
O holding deficiente, diz Birman (2007) pode ser fonte de “sensação de despedaçamento”, “sensação de estar caindo num poço sem fundo”, do sentimento de que a realidade exterior não pode ser usada para o reconforto interno e de outros tipos de ansiedades encontradas em pacientes psicóticos e também fronteiriços.
As organizações perversas desenvolvem-se perante a tensão nas relações parentais, a exposição a ansiedades e perdas que originam uma intensificação da sexualidade com tendências agressivas Winnicott (1990). O sujeito possuidor de uma personalidade perversa substitui as relações interpessoais por relações de adição. É fantasiado um cenário e elegido um objeto aonde irão se manifestar os comportamentos compulsivos na constante busca de satisfação na exteriorização de pulsões agressivas e desejos de grandeza idealizados (Zimerman, 2004).
Numa relação estabelecida com as imagos parentais, surge o fetiche, que é utilizado como forma de proteção contra o objeto que apresenta uma dualidade, visto como bom e mau objeto, o protetor e o que leva à destruição. O fetiche representa o falo feminino, uma perda que o perverso se recusa a aceitar, o que significa é o de desejo sobre algo como modo de satisfação, de compensação (Winnicott, 1990). Segundo Ceccarelli (2011) a relação objetal pode ser marcada pelo desejo de aniquilação, humilhação ou arruinar o objeto, o que vai permitir ao sujeito retribuir aquilo a que foi submetido.
Considerações Finais
O estudo realizado possibilitou compreender que problemas ou falhas no desempenho da função materna, ou seja, um holding deficiente no processo de vinculação afetiva mãe-bebê, um ambiente familiar não favorável, com relações disfuncionais, podem repercutir de forma negativa no desenvolvimento psíquico da criança, potencializando desordens afetivas e, consequentemente, contribuir para a constituição do sujeito perverso.
Os resultados encontrados nesse estudo são semelhantes aos fatores constituintes apontados por Freud (1905/1996) , quando considerou que a perversão é algo natural do ser humano, a qual consiste em uma estrutura psíquica que acredita que nenhum sujeito nasce perverso, mas, se torna, através das heranças coletivas ou individuais como: educação, identificações inconscientes, traumas diversos.
Durante este estudo observou-se a dificuldade em encontrar artigos sobre essa temática; o que viabilizou a busca por livros relacionados ao assunto, mesmo implicando maior complexidade para a compreensão de um tema tão intenso. Portanto, sugerem-se mais produções sobre a temática abordada no presente artigo, na tentativa de ampliar e facilitar o entendimento dessa fase do desenvolvimento tão importante para a constituição do sujeito.
Referências:
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Apéndice
Porcentagem de contribuição de cada autor no manuscrito
Anarin Cassol Machado - 60%
Janaína Pereira Pretto Carlesso - 40%