Resumo: Este artigo discorre sobre a medicalização na infância e faz uma reflexão sobre as possíveis causas desse fenômeno e suas consequências na constituição subjetiva da criança. As reflexões expostas partem do lugar destinado à infância, fruto do contexto histórico, econômico e cultural da sociedade. Assim, foi realizada uma revisão teórica e qualitativa da literatura existente, que versavam sobre assunto em questão, com foco na sociedade contemporânea brasileira. Constata-se que a escola e os pais, na tentativa de encaixar as crianças nos padrões de normalidade estabelecidos pela sociedade, produzem problemas que serão tratados como demandas para os profissionais da saúde, os quais abusam do uso da Ritalina. Na contramão do uso das referidas substâncias, organizações não governamentais e pesquisadores apresentam caminhos possíveis em projetos com a participação direta das crianças, como um recurso terapêutico para não as silenciar pelo uso excessivo da medicalização.
Palavras-chave:InfânciaInfância,MedicalizaçãoMedicalização,BrincarBrincar.
Abstract: This article discusses medicalization in childhood and reflects on the possible causes of this phenomenon and its consequences on the subjective constitution of the child. The reflections exposed depart from the place destined to infancy, fruit of the historical, economic and cultural context of the society. Thus, a theoretical and qualitative review of the existing literature was carried out, which dealt with the subject in question, focusing on contemporary Brazilian society. It is observed that the school and the parents, in an attempt to fit the children into the norms of normality established by the society, produce problems that will be treated as demands for health professionals, who abuse the use of Ritalin. Against the use of these substances, nongovernmental organizations and researchers present possible ways in projects with the direct participation of children, as a therapeutic resource not to silence them by the excessive use of medicalization.
Keywords: Childhood, Medicalization, Playing.
Resumen: Este artículo discute la medicalización en la niñez y reflexiona sobre las posibles causas de este fenómeno y sus consecuencias en la Constitución subjetiva del niño. Las reflexiones se han establecido desde el lugar destinado a la infancia, fruto del contexto histórico, económico y cultural de la sociedad. Así, se llevó a cabo una revisión teórica y cualitativa de la bibliografía existente, que se refería al tema en cuestión, centrándose en la sociedad brasileña contemporánea. Parece que la escuela y los padres, en un intento de encajar a los niños en los estándares de normalidad establecidos por la sociedad, producen problemas que serán tratados como demandas para los profesionales de la salud, que abusan del uso de Ritalin. Contrariamente al uso de estas sustancias, las organizaciones no gubernamentales y los investigadores tienen posibles caminos en proyectos con la participación directa de los niños, como un recurso terapéutico para no silenciarlos por el uso excesivo de Medicalización.
Palabras clave: Niñez, Medicalización, Jugar.
Um olhar sobre a infância medicalizada
A look at medicalized childhood
Un vistazo a la niñez medicalizada
Recepção: 13 Abril 2019
Revised: 20 Abril 2019
Aprovação: 13 Maio 2019
Publicado: 16 Maio 2019
Pode-se dizer que brincar, correr, cantar, fantasiar e atividades que envolvam movimento e ação fazem parte da experiência infantil. Assim, permanecer em atividades monótonas pode ser desafiador para a maioria das crianças, o que é próprio do seu processo de desenvolvimento. Portanto, as crianças precisam de espaço, escuta, cuidados, atenção, carinho e proteção, pois a compreensão quanto aos seus limites e o discernimento para tomar decisões são habilidades em desenvolvimento.
Por outro lado, a maneira equivocada como a sociedade tem lidado com o significado do que é ser criança e a falta de escuta a respeito dos desafios típicos desse processo de desenvolvimento tem a sociedade a considerar um comportamento normal da idade, como inadequado. Assim, o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) é hoje um dos temas mais estudados em crianças em idade escolar. Estudos epidemiológicos indicam que 3% a 7% das crianças brasileiras com idade escolar apresentam TDAH (Souza, Serra, Mattos, & Franco, 2001; Freire & Pondé, 2005).
Nesse contexto, percebe-se que há uma generalização dos diagnósticos infantis, principalmente em relação ao TDAH, sem levar em consideração o contexto social em que a criança está inserida. Dessa forma, a família, mais do que a criança, tornou-se o verdadeiro lugar da doença e a medicina foi convocada a reeducar terapeuticamente a família e a responder sobre o mal-estar na infância. O discurso médico-psiquiátrico converteu-se no principal dispositivo regulador do normal e do patológico na infância (Kamers, 2013).
Estudos corroboram que, com relação ao excesso de medicações como forma de lidar com os desafios na infância, há uma incidência maior na idade escolar (Ortega et al., 2010; ANVISA, 2013; Dentee, 2015; Cunha & Mello, 2017). Esse é um tema que vem recebendo destaque nos últimos anos pelo impacto de tal prática em momento da vida em que a identidade da criança está em formação, bem como sua constituição psíquica.
Das constatações verificadas, face ao crescente número de crianças que cada vez mais cedo fazem uso de medicamentos, se justifica a necessidade de se discutir, refletir e atualizar os assuntos inerentes à temática, visando à conscientização de todos os envolvidos. A discussão dessa temática se apresenta relevante para a psicologia e também visa contribuir para com os profissionais de saúde e educação, pois propicia uma maneira de perceber a criança e compreender o indivíduo em seu contexto atual, sobre a ótica da medicalização infantil.
No presente estudo propõe-se discorrer sobre a medicalização na infância e fazer uma reflexão sobre as possíveis causas desse fenômeno e suas consequências na constituição subjetiva da criança. Ao longo desse estudo a medicalização será tratada como uso abusivo de psicofármacos. O enfoque dado e esta pesquisa foi, mais especificamente, sobre a medicação excessiva para o diagnóstico de TDAH. Para tanto, buscou-se refletir o que é ser criança, o entendimento a respeito da medicalização na infância; investigar a possível influência da indústria farmacêutica no aumento do consumo de psicofármacos pelas crianças e apontar novos caminhos para evitar a banalização da medicalização. E, como contraponto à aludida medicalização foram apresentadas algumas iniciativas e projetos existentes na plataforma digital Mapa da Infância Brasileira (MIB), que trabalham diretamente com crianças, ressaltando a importância de ouvi-las, além de outras experiências de escuta infantil.
Trata-se de uma pesquisa de revisão teórica e qualitativa. Essa modalidade de pesquisa tem o objetivo de permitir ao pesquisador oferecer meios de resolver problemas, assim como problematizar sobre assuntos ainda não conhecidos, onde o saber ainda não se cristalizou, como descreve Lakatos e Marconi (2001). Para tanto, foi realizado um levantamento de referências publicadas sobre o tema, por meio de revistas científicas, livros e e-books, não sendo delimitado período específico para a busca. A pesquisa de periódicos científicos concentrou-se nas bases de dados SciELO (Scientific Electronic Library Online), que reúne as principais publicações científicas de todo o mundo e Lilacs (Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde), onde encontra-se artigos científicos na área de saúde de países da América Latina, utilizando-se as palavras-chave infância, medicalização e brincar.
O levantamento buscou textos cujos temas versassem sobre a criança, incluindo seu contexto histórico e o espaço que ela ocupa; sobre a medicalização, incluindo as possíveis causas da medicalização a partir da infância e suas consequências; sobre as políticas públicas e sobre os novos espaços para dar voz para as crianças brasileiras. Com relação ao último assunto aludido, optou-se por apresentar alguns dos projetos da Plataforma digital do MIB, pois os mesmos são atuais e de abrangência nacional, que refletem possíveis caminhos traçados na contramão da medicalização abusiva na infância.
A análise dos dados esteve presente desde os procedimentos iniciais da pesquisa. Nesse sentido, procurou-se categorizar o conteúdo de todo o material selecionado, identificando os relatos e as informações que permitiram, de forma objetiva, a fundamentação deste estudo, bem como a interpretação e as inferências realizadas, segundo Bardin (2011), a fim de alcançar os objetivos declarados para esta pesquisa.
A fim de responder ao objetivo proposto nesse estudo, primeiramente foi exposto um breve percurso histórico da evolução do pensamento social a respeito do conceito de infância no Brasil. Tal colocação tem o intuito de entender as mudanças que ocorreram e como foi construída a concepção de infância e o espaço que a criança tem na sociedade de hoje e possibilitar uma compreensão sobre a medicalização na infância.
Posteriormente, foram feitas colocações sobre o processo da medicalização ou do uso abusivo de psicofármacos nas crianças, apontando algumas causas e consequências desse fenômeno na sociedade contemporânea, presentes nos discursos escolar, dos profissionais da saúde e da indústria farmacêutica. E por fim, no sentido de contextualizar o deixar as crianças serem quem são, foram apontadas algumas políticas públicas que delineiam referidos objetivos e, como exemplo de dar a vez e voz às crianças foram apresentadas algumas iniciativas de organizações não governamentais e pesquisadores.
O legado histórico nos permite apresentar uma reflexão sobre o momento atual da infância brasileira. Esse legado é constituído por fatos e transformações ocorridas, grande parte determinado pelo contexto econômico e cultural da sociedade em seu modo de produção capitalista, que influenciaram sobremaneira o espaço que é determinado hoje para que a infância ocupe.
Ao longo da história, a criança tem ocupado diferentes posições afinadas ao valor que a sociedade lhe confere. A exemplo disso, na sociedade tradicional, durante a Idade Antiga, tanto a criança como os jovens não possuíam identidade reconhecida pela sociedade (Cunha & Mello, 2017). Já na Idade Moderna, a criança era vista como um pequeno adulto, e participava do mundo dos adultos com vestimentas, jogos e trabalho, dentre outros. A etapa de vida da criança era considerada um período de transição, rapidamente superada e sem importância (Ariès, 1981). Isso não significava que naquele tempo as crianças eram abandonadas ou negligenciadas, o que não existia era a consciência sobre as particularidades do infantil, como os cuidados e a proteção necessários (Brzozowski & Caponi, 2013).
Durante a Idade Moderna, com o advento do capitalismo, muitas crianças, principalmente as que residiam em orfanatos passaram a trabalhar como operárias nas fábricas, correndo riscos e submetidas a todo tipo de exploração por parte dos patrões, portanto, o desconhecimento sobre as particularidades do infantil se mantinham (Cunha & Mello, 2017).
Com o fim da Idade Moderna o sentimento em relação às crianças começou a ser transformado. A descoberta da infância e a valorização da criança são consequências da passagem da vida comunitária, típica do feudalismo, para a vida em espaço privado característico da sociedade burguesa. A conscientização sobre a infância iniciou-se no século XIII, mas o seu desenvolvimento e estabelecimento foram se dando apenas a partir do século XVI e durante o século XVII. Antes disso, pode-se dizer que a infância não existia (Ariès, 1981).
Já no período Contemporâneo, que se iniciou no século XVIII e se estende até os dias atuais, as crianças passam a ser entendidas como um ser diferente do adulto, não só pela diferença de idade, mas pela exteriorização de certos comportamentos típicos de sua existência. Dada a sua complexidade, o limite que separa a criança do adulto vai muito além do quesito rígido da idade (Pinheiro, 2013).
No Brasil, o percurso histórico do atendimento à criança passou por vários períodos. O primeiro deles era pautado pela prática assistencialista de cunho religioso. O seguinte foi de assistencialismo científico dos médicos-higienista preocupados com a higiene e saúde física e moral das crianças de trabalhadores e pobres. Por fim, adentrou-se em um momento em que o atendimento à criança deve envolver aspectos educacionais e de cuidado, mas com o objetivo de gerar capital humano (Bogatschov & Moreira, 2009).
Apesar da consolidação da consciência e da importância com o cuidado, atenção e afeto, a criança da atual sociedade contemporânea é o reflexo das transformações sofridas pela sociedade. Os ideais do neoliberalismo no Brasil trouxeram sérios prejuízos que se refletem na saúde e na infância, provocando o aumento significativo da desigualdade e da exclusão social. Hoje vivemos o retorno aos tempos remotos da história, com o desaparecimento da infância, pois observamos crianças vivendo em situação de vulnerabilidade socioeconômica que precisam trabalhar e crianças que vivem em melhores condições socioeconômicas, mas ocupam-se com atividades que preenchem sua agenda semanal, antecipando obrigações da fase adulta (Ianiski, 2009).
Partindo dessa reflexão, é possível inferir que as crianças de hoje estão incluídas em um mundo diferente de décadas atrás, mais envolvidas pela tecnologia e pela mídia e circulam nos ambientes doméstico, escolar, comunitário e nas redes sociais virtuais. Dessa forma, elas interagem com os mais diversos meios de comunicação, ou seja, aprendem em outras instâncias sociais. Como consequência dessa diversidade de oportunidades, as crianças podem não ter tempo de brincar. Vê-se crianças cercadas de mimos, confinadas em creches ou nas próprias residências e restritas em sua liberdade. Assim, como também consequência da globalização, a família se sente incapaz de educar seus filhos, pela falta de tempo ou por outros motivos e delegam à escola grande parte da educação que é de sua inteira responsabilidade.
De acordo com Oliveira e Libâneo (1998), a globalização é uma tendência internacional do capitalismo que, juntamente com o projeto neoliberal, impõe aos países periféricos a economia de mercado global, a competição ilimitada e a minimização do Estado na área econômica e social. Ambas apresentam fatores que incidem no mundo infantil, com o enfraquecimento do Estado em relação ao seu domínio sobre as variáveis que influenciam a economia, deteriorando, sua capacidade de formulação e implementação de políticas públicas. A concentração do capital e o crescente abismo entre ricos e pobres e o crescimento do desemprego e da pobreza são os principais problemas sociais da globalização neoliberal e que vêm ganhando cada vez mais significado. As políticas dos órgãos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco Mundial ditam regras aos países de menor poder econômico ou em desenvolvimento, como no caso o Brasil. Como reflexos temos a não priorização, pelo Estado, da Educação Infantil; a exploração do trabalho infantil e a violência contra a criança, dentre outras (Silva, 2005).
A infância, como realidade social, tem frequentemente permanecido afastada e excluída das reflexões sobre os problemas sociais e da qualidade de vida, ou seja, ainda que uma criança tenha a oportunidade de ser ouvida pelos educadores, no entanto “não tem sido levada em conta, uma vez que meninos e meninas são excluídos dos meios e processos, sendo, então, comumente considerados a menos, em falta” (Leite, 2008, p. 123).
Diante desse cenário e também por influência histórica de profissionais da saúde e pesquisadores higienistas nas instituições de ensino é que se abriu espaço para que a escola pudesse encaminhar as crianças que apresentassem mau comportamento ou fossem mais agitadas do que os demais colegas para a clínica médica (Dentee, 2015). Desse modo, a medicalização entra em cena como recurso para disciplinar as crianças, a partir da década de 70. No entanto, ganhou espaço considerável na realidade brasileira a partir dos anos 2000 (Brzozowski & Caponi, 2013).
Enfim, é este o contexto que vivemos e, portanto, onde recebemos as novas gerações. Um contexto histórico e cultural acima apresentado, onde se inscreve, se produz e se revela, especificamente no campo da educação, como uma espécie de sintoma do nosso tempo, o processo de patologização e medicalização na infância. A associação entre TDAH e Ritalina tem ocupado um lugar de destaque entre os docentes, a classe médica e a indústria farmacêutica.
Os psicofármacos são agentes químicos que atuam sobre o sistema nervoso central e estão em condições de alterar diversos processos mentais, gerando alterações na conduta na percepção e na consciência. As substâncias psicotrópicas têm sido usadas com diversos fins, ao longo da história. A medicina pode receitá-las para o tratamento de distúrbios psiquiátricos ou problemas neurológicos (Prado et al., 2017).
O fenômeno da medicalização ou do abuso de psicofármacos é um fato muito presente na sociedade contemporânea. Em seu contexto está o crescimento acelerado da indústria farmacêutica, posicionando a produção de medicamentos como um dos setores mais rentáveis e de concentração de capital. A referida indústria assume um papel importante na divulgação dos transtornos a serem tratados e dos diagnósticos (Machado & Ferreira, p. 136).
No Brasil, a publicidade pró uso de psicofármacos é direcionada aos profissionais da saúde, de forma a ampliar o mercado das indústrias farmacêuticas. As referidas indústrias visam uma economia lucrativa e a mercantilização da vida ocorre na medida em que a indústria farmacêutica financia os laboratórios para o estudo e produção de medicamentos e estimula os profissionais de saúde a prescreverem cada vez mais remédios para aliviar o sofrimento dos pacientes (Cunha & Mello, 2017). Nesse processo, as crianças são alvos também da indústria farmacêutica, sendo enquadradas no ciclo da medicalização, ou seja, em uma busca constante para que estejam contentes, calmas, felizes e sem dores (Silva, 2014).
Quando os docentes têm diante deles crianças que avaliam como agitadas, outras consideradas com falta de limites, que não se enquadram na lista dos comportamentos ditos normais, procuram desviar-se desse “problema”, encaminhando-as para tratamentos especializados, em grande parte, da área psiquiátrica. Com o aludido encaminhamento, a escola acaba contribuindo para uma homogeneização do comportamento infantil, de forma a acomodar as crianças em sua estrutura. O resultado idealizado é de que as crianças devem se encaixar nos padrões de normalidade estabelecidos pela sociedade e, caso não correspondam a essas expectativas, tendem a ser enquadradas como portadoras de algum transtorno (Dentee, 2015).
Como consequência, a medicalização infantil vem aumentando de forma avassaladora, conforme aponta estudos realizados (Ortega et al., 2010; ANVISA, 2013; Dentee, 2015; Cunha & Mello, 2017), como sendo algo que pode relacionar-se a demanda social de produção de corpos dóceis, passíveis de fácil manipulação, em consonância com o entendimento de Foucault (2010). Nesse sentido, a escola falha em sua função de socialização do saber e por vezes produz problemas que serão tratados como demandas para a saúde em diferentes espaços sociais como serviços públicos de saúde, assistência social, psiquiatras ou neuropediatras e psicólogos (Meira, 2012). Crianças são encaminhadas aos consultórios em busca de um laudo médico que possa amenizar os problemas de sala de aula, justificando, desse modo, o fracasso escolar.
Diante do exposto, tem-se o quadro atual em que a escola, pode não estar considerando que cada criança tem sua subjetividade e necessita de tempo também diferenciado de aprendizagem, não significando que, se uma criança é um pouco mais lenta que uma outra, ela tenha dificuldade de aprendizagem. Da mesma forma, a criança que não permanece quieta na cadeira ou fala muito, ao invés de os docentes definirem como atividade habitual entre as crianças, perdem seu significado relacional e transformam na categoria de doença ou transtorno. Perde-se a singularidade do comportamento da criança na medida em que ela é diagnosticada e medicada (Meira, 2012).
Pode-se inferir que, convencidos pela retórica escolar e pelas demandas sociais, os próprios pais também buscam moldar um comportamento julgado adequado para o filho com a medicalização. Ao que parece, a nossa sociedade adultocêntrica não está sabendo lidar com as crianças. Hoje, as informações com as quais uma criança interage fazem dela uma criança diferente daquela de décadas atrás, o que pode dificultar a sua escuta. Nesse sentido, mesmo sendo alertados sobre os possíveis efeitos negativos do uso abusivo do psicofármaco, os pais e mães ainda insistem em medicar seus filhos e isso pode ser resultado de uma certa sedução na forma como o remédio é apresentado como a “pílula da obediência”, por exemplo.
Acrescenta-se como consequência disso o fato de a criança não ser escutada na sua singularidade, como alguém que tem uma história e que está inserida num contexto familiar e social, tornando-se um objeto com uma falha no corpo, sujeito a intervenção por medicamentos. Assim, as crianças têm sido caladas em sua tentativa de diálogo com os pais e educadores.
Paralelamente ao tratamento dado pelo ambiente escolar, a realidade brasileira coloca as crianças como vítimas inocentes e indefesas de acontecimentos ou problemas advindos dos adultos, tais como o simples abandono, carências materiais e afetiva, violência física e psicológica, trabalho infantil, exploração por grupos marginalizados, dentre outros tantos. Toda essa problemática retira da criança o direito do brincar, essencial ao seu desenvolvimento.
A sociedade utiliza o aspecto biológico para definir socialmente o lugar da infância (Nascimento, 2011). Depreende-se, portanto, que há uma interpretação negativa atribuída às características infantis, relacionada à vulnerabilidade física e imaturidade, que produz práticas sociais que cerceiam sua participação na vida social e que, em última instância, restringem a visibilidade e os direitos das crianças. Em outras palavras, é natural que o adulto decida sobre a infância e que o espaço que ela ocupa fique limitado às interpretações – construídas cultural ou socialmente – pelo mundo adulto.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) já apontava entre 2009 e 2011 o aumento em 75% do consumo do medicamento metilfenidato (Ritalina) em crianças com idade de 6 a 16 anos, no Brasil. O medicamento é utilizado no tratamento do TDAH. E constata-se a redução do consumo nos meses de férias escolares (ANVISA, 2013).
Corroborando com o referido aumento anunciado pela ANVISA, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) informa que o Brasil é o segundo maior consumidor mundial do aludido psicofármaco. A compra do substanciado medicamento é realizada somente mediante a apresentação de receita médica, pois é classificado como tarja preta e contém diversas contraindicações, que vão desde o aumento de nervosismo a crises de ansiedade e, em casos mais graves, pode levar à depressão e convulsões (CFP, 2013).
A Ritalina só pode ser utilizada em casos confirmados de TDAH e, para a confirmação, é preciso utilizar ferramentas diagnósticas específicas, como o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5, 2013). Essa é uma das razões porque o CFP, desde 2012, lançou uma Campanha Nacional “Não à medicalização da Vida” onde retrata a Medicalização como um processo que transforma artificialmente questões de ordem social, política, cultural em “distúrbios”, “transtornos”, atribuindo ao indivíduo uma série de dificuldades que o inserem no campo das patologias, ou seja, são deslocados para o campo médico, problemas que fazem parte do cotidiano dos sujeitos (CFP, 2013, p.6).
Para especialistas, o crescente uso do medicamento reflete maior conhecimento da doença e aumento de diagnósticos, mas também levanta o alerta de uso indevido da substância, inclusive por pessoas saudáveis que buscam aumentar o rendimento em atividades intelectuais (Ortega et al., 2010).
Segundo estudo realizado, em 2018, por pesquisadores da Universidade do Porto, em Portugal, doses orais relevantes do metilfenidato podem aumentar o metabolismo cardíaco e cerebral, mas também podem provocar danos nos rins e no coração de adolescentes que fazem uso da droga e que há muitos fatores perigosos no uso indiscriminado do referido medicamento (Claro & Machado, 2018).
A medicalização ocorre quando a medicina se apropria do discurso moral e transforma questões sociais e culturais em biológicas. A sexualidade, a alimentação, os hábitos e os relacionamentos da esfera social passam a ser avaliados a partir de uma ótica patologizante. O objetivo da medicalização é atuar como intervenção política no "corpo social" diferentemente do ato de medicar que consiste na administração de remédio que visam o alívio ou a cura de determinados sintomas (Pereira & Paula, 2018, p. 2).
Medicalizar crianças para que elas se comportem de forma disciplinada em espaços escolares se tornou algo comum. A sociedade busca justificativas para superar as dificuldades de aprendizagem, concentração, conduta e relacionamentos. Uma intervenção realizada somente no campo da medicação não escuta o sofrimento da criança, o que implica necessariamente um reducionismo da terapêutica (Brzozowski & Caponi, 2013, p. 217). Pode-se dizer que a medicalização transforma sujeitos em objetos, sujeitando estes a saberes que falam por si, levando os mesmos a uma condição de não falantes (Moyses & Collares, 1997).
Segundo Claro e Machado (2018) o medicamento pode ter efeitos imediatos na atuação da memória e provocar o aumento da disposição e o foco nos estudos, fazendo com que alguns pais imaginem que seus filhos vão sofrer uma transformação em suas personalidades, serão “obedientes” e ficarão mais calmos.
O uso de psicofármacos na infância ainda é muito questionável, pode-se dizer que seria como impedir a criança de lidar com suas dificuldades. A pediatra Maria Aparecida Moyses, faz crítica ferrenha à tal medicalização e afirma que patologizar a criança é um modo de desviar o foco do problema do contexto social e político (Senkevics, 2012).
O uso da Ritalina traz consigo consequências, algumas rápidas outras mais tardias, mas cruciais na vida adulta da criança medicalizada, como, por exemplo, falta de apetite, insônia, aceleração nos batimentos cardíacos, depressão e dependência. Tal medicamento pode provocar reações diferenciadas em cada paciente: para alguns, pode significar um remédio “salvador”; para outros, uma bomba (Dentee, 2015, p. 42).
Em um estudo realizado foi constatado uma dicotomia entre opiniões de especialistas da área de saúde em relação a uma mesma criança. Também foi verificado que nem sempre as crianças medicalizadas e diagnosticadas com TDAH, por exemplo, possuem de fato, esse transtorno, sendo destacada a necessidade de a sociedade rever os encaminhamentos de crianças consideradas anormais para obtenção de diagnóstico, bem como a sua medicalização e forma de tratamento (Dentee, 2015).
Essa prática de medicalizar um número cada vez maior de crianças tem como objetivo, tratar o sintoma, sem considerar o contexto em que essas crianças vivem, seus territórios e suas individualidades (Moysés, 2013). Acredita-se na medicação necessária e critica-se o exagero dela, portanto a medicalização.
Assim, pode-se inferir que o aumento de receitas de metilfenidato na infância evidencia que a criança se tornou um objeto privilegiado do discurso médico e das indústrias farmacêuticas o que leva ainda a questionar a veracidade dos diagnósticos de TDAH e que devem ser problematizados alguns aspectos que atravessam o âmbito educacional, dos pais, dos profissionais da saúde e da indústria farmacêutica.
Em contraponto ao uso abusivo da medicalização da infância, vem surgindo novos espaços para dar voz a criança e possibilitar que ela participe da construção de sua própria história e resgate o seu direito de brincar, onde ela expressa sentimentos, desejos e potencialidades, sendo desnecessário o uso exacerbado da medicalização. No sentido de dar a devida e necessária importância às crianças é que foram pensadas as Políticas Públicas, procurando dar os espaços condizentes à natureza delas, como reconhecimento de que as mesmas não são apenas uma propriedade da família, mas são também uma responsabilidade coletiva do estado (Amado & Almeida, 2017).
A Declaração Universal dos Direitos da Criança da Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) (1959), reforçada pela Convenção dos Direitos da Criança (1989), enfatiza, em seu preâmbulo, que a criança “deve estar plenamente preparada para uma vida independente na sociedade e deve ser educada com espírito de paz, dignidade, tolerância, liberdade, igualdade e solidariedade” e, em seu artigo 14, que todos devem respeitar “o direito da criança à liberdade de pensamento, de consciência e de crença” (ONU, 1989). Dessa forma, todos devem respeitar o direito de a criança ser criança, de ter seu tempo de brincar e de ser ouvida.
A Constituição Brasileira (BRASIL, 1988) e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (BRASIL, 1988) também asseguram esse direito de brincar que foi fortalecido com o Marco Legal da Primeira Infância. Essa última legislação coloca a criança desde o nascimento até os 6 anos como prioridade no desenvolvimento de programas, na formação dos profissionais e na formulação de políticas públicas (BRASIL, 2016).
O Marco Legal indica que a União, os estados, o Distrito Federal e os municípios deverão organizar e estimular a criação de espaços lúdicos que propiciem o bem-estar, o brincar e o exercício da criatividade em locais públicos e privados onde haja circulação de crianças. Também devem zelar pela fruição de ambientes livres e seguros em suas comunidades (BRASIL, 2016). Se as crianças têm direitos garantidos para brincar, então elas precisam de oportunidades para que isso aconteça. O brincar proporciona, além de acolhimento às crianças, espaços para elas expressarem sentimentos, desejos e potencialidades e nesse sentido, ela revela como vê o mundo ao seu redor, em outras palavras, seria como dar voz às crianças.
No sentido de dar a vez e voz às crianças, organizações não governamentais e pesquisadores estão desenvolvendo projetos, divulgando novas ideias, visando dar novos espaços para ouvir as crianças, a fim de que as mesmas sejam crianças e de que elas participem da construção da própria subjetividade.
Em 2015, Friedmann, educadora e pesquisadora, criou o Mapa da Infância Brasileira (MIB) que é uma plataforma digital que tem como missão articular, mobilizar, mapear o maior número de iniciativas voltadas para as crianças no Brasil e criar sinergias entre os diversos atores, congregados de forma colaborativa por meio de uma plataforma de aprendizagem. Nela, empreendedores e atores sociais cadastrados trocam ideias e experiências a respeito da infância, disseminam campanhas e compartilham informações sobre suas iniciativas.
O MIB lançou, em 01 de novembro de 2016, inicialmente em formato digital, a publicação “Quem está na escuta? Diálogos, reflexões e trocas de especialistas que dão vez e voz às crianças. Esse documento “sinaliza caminhos, constrói pontes e abre atalhos para uma temática bastante cara nos dias de hoje: a importância em ouvir, observar e dialogar com o universo das crianças” (MIB, 2016, p.3). São artigos e entrevistas de pesquisadores de áreas distintas que refletem a importância do cuidar e falam da importância do brincar e da participação infantil em projetos de várias cidades.
Dentre os vários projetos já implementados e apresentados na publicação aludida, citam-se a Criança Fala na Comunidade - Escuta Glicério, a Cidade que Brinca, as Vozes da Cidade, o Território do Brincar. Em linhas gerais, todos estes projetos tiveram como ponto de partida a escuta das percepções, pensamentos e desejos das crianças com relação à comunidade, suas moradias, espaço público como local do brincar, políticas públicas, projetos arquitetônicos e pedagógicos.
O pesquisador Português Manuel Jacinto Sarmento professor em Sociologia da infância na Universidade de Minho, em Portugal, trata da participação infantil na cidade e da representação da infância nos dias de hoje, no texto intitulado “Retrato Em Positivo.” Para ele, é urgente estabelecer uma relação recíproca, de fala e de escuta, entre adultos e crianças. Alude, ainda, que é um desafio tremendo numa sociedade que, em geral, “não dedica atenção suficiente para descobrir o que pensa e o que querem as crianças” (MIB, 2016, p.8).
No artigo “A Arte de Adentrar Labirintos Infantis”, a pesquisadora Friedmann fala que escutar as crianças é como fazer uma viagem ao território da infância. No percurso do universo da criança, o viajante descobre uma diversidade de linguagem, costumes, sabores, cheiros, músicas, danças, historias e paisagens (MIB, 2016, p.3). O que elas querem dizer quando cantam, dançam, rabiscam e falam sozinhas?
O Criança Fala na Comunidade - Escuta Glicério iniciou em 2015, idealizado por Nayana Brettas, em um bairro da Cidade de São Paulo-SP, chamado de Glicério. Como resultado, tal projeto tem transformado o citado bairro considerado violento, em uma comunidade que vive, no seu dia a dia, a expressão da vontade infantil por meio do seu olhar, onde elas ocuparam as ruas e deram vida aos espaços degradados. No processo de implementação foram engajados os educadores de três escolas municipais, os familiares das crianças, as jovens lideranças comunitárias e os funcionários da unidade básica de saúde do bairro e da assistência social, secretaria municipal de Educação e Cultura e várias empresas, que trabalharam em parceria com as crianças (MIB, 2016, p.14).
Em uma experiência concreta de transformação da cidade pelos olhares das crianças, foi realizado em 2016 o Cidade que Brinca, um desdobramento do Criança Fala na Comunidade – Escuta Glicério. Nele, três ruas do bairro sofreram intervenções para integrar um circuito lúdico, que refletisse o imaginário infantil: asfaltos e muros foram pintados, o mobiliário público foi adaptado e, em alguns casos, virou brinquedo. Passada a fase de intervenções do Cidade que Brinca, os espaços continuam sendo ocupados pela comunidade.
O projeto Vozes da Cidade surgiu em 2015 a partir da Plataforma dos Centros Urbanos (PCU), do Unicef, e contou com a parceria da organização Avante e da prefeitura municipal de Salvador. Tal iniciativa objetivou promover o desenvolvimento inclusivo da cidade, de forma a reduzir desigualdades e garantir às crianças e aos jovens acesso à educação de qualidade, saúde, proteção e condições iguais de participar das oportunidades, como também permitir um melhor direcionamento das políticas públicas (MIB, 2016, p.15).
Segundo a Psicóloga Social Ana Marcílio, da organização Avante, revelou que as crianças são conscientes do seu entorno e que elas sabem bem o que falta para melhorá-los e o que as crianças querem é uma cidade limpa com mais lazer, mais parques e menos violência. A Psicóloga não tem dúvida que o referido projeto lança uma luz para que políticas públicas contemplem o olhar de crianças para uma cidade melhor e acrescenta que essas vozes ecoem por muitos cantos (MIB, 2016, p. 15). Além disso, a ideia suscitou iniciativas semelhantes em outras sete capitais brasileiras onde há representações da Unicef: Belém, Manaus, Fortaleza, São Luís, Maceió, Rio de Janeiro e São Paulo.
No projeto que deu origem ao filme intitulado “Território do Brincar”, David Reeks e Renata Meirelles, entre abril de 2012 e dezembro de 2013, visitaram comunidades rurais, indígenas, quilombolas, grandes metrópoles, sertão e litoral para revelar o país através dos olhos das crianças, registrando em imagens todos os encontros. O repertório de brinquedos e brincadeiras não era o único foco, sendo aberto espaço para os gestos espontâneos da infância. Eles entendem que legitimar a voz da criança não implica necessariamente apenas em palavras e escuta do que elas nos dizem, mas que também a espontaneidade dos gestos infantis expressa uma intenção verdadeira (MIB, 2016, p.36).
Outra organização que, atualmente, tem lutado em prol da infância é a Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Em 2008, a Fundação assumiu a causa da primeira infância com o programa Primeiríssima Infância, desenvolvido em parceria com municípios do Estado de São Paulo. A partir de 2010 desenvolveu, anualmente, vários Workshops e Simpósios Internacionais de Desenvolvimento da Primeira Infância, buscando iniciativas inovadoras em todo mundo que possam contribuir para o desenvolvimento no início da vida. Em 2015, o programa São Paulo Pela Primeiríssima Infância foi transformado em Política Pública no Estado. A razão de existir da Fundação é desenvolver a criança para desenvolver a sociedade e o objetivo dela é de que juntos – pais, cuidadores, lideranças públicas, sociais e privadas, imprensa, pesquisadores e empreendedores – sejam capazes de fazer com que a causa da primeira infância seja priorizada como ela precisa ser.
Todos esses projetos estimulam a refletir sobre o modo como nos relacionamos com as crianças. Saber ouvi-las, observá-las e incentivá-las a se manifestar, como sujeitos plenos de direitos é uma forma de promover o seu desenvolvimento. As crianças dizem e se expressam quando têm tempo e espaços para o brincar livre; elas se revelam quando pintam, desenham, dançam, escrevem, falam; quando escolhem com quem, onde, quando e com o que desejam brincar ou não brincar. Suas doenças físicas ou psíquicas podem revelar o que elas vivem, sentem e desejam. Porém, o conhecimento dos seus universos ainda necessita ser estudados e desvendados.
Vários estudos apontam para um crescente número de crianças que cada vez mais cedo fazem uso de medicação para o diagnóstico de TDAH. A cultura da medicalização dissemina a falsa noção de que não existe outra solução para os problemas da criança. Por trás desse fato, tem-se um sistema capitalista, onde os pais tendem a conviver pouco ou nem um pouco com os filhos e acham que eles são hiperativos. Diante disso, este estudo procurou enfocar os três fenômenos sociais a infância, a medicalização e o brincar, tendo em vista a importância da relação entre eles.
Os cenários, os ambientes ou os espaços onde as crianças convivem consideram como anormais os comportamentos que são típicos do processo de desenvolvimento infantil. Permitir ao tempo de infância o espaço para brincadeiras e aprendizagem, com a atuação Política do Estado, visando à proteção infantil e a preocupação com o seu desenvolvimento, é algo recente e incipiente na história brasileira. Como solução para as dificuldades enfrentadas ainda vemos predominando o uso de medicalização, partindo de um tratamento às crianças por meio de pensamento no modelo adulto, vigente na concepção do século passado.
A incompreensão quanto ao lugar que a criança está ocupando, na escola, na família e na sociedade torna a medicalização como forma mais rápida e fácil de lidar com as demandas e conflitos da criança, desde muito cedo. Dessa maneira, o uso indiscriminado de psicofármacos é apresentado pela sociedade, pelo discurso médico e o consumo em larga escala é estimulado e propagandeado pela indústria farmacêutica, cujos interesses são econômicos.
Nota-se que a sociedade tem restringido a possibilidade de as crianças serem crianças, com seus caminhos atravessados pela mercantilização e medicalização, negando o direito de a criança fantasiar e brincar, livres das demandas de um sistema de padronização e lapidação de suas emoções o que acaba ela sendo tolhida na construção da sua subjetividade. Em contrapartida, novas iniciativas vêm ganhando espaço no território capitalista, abrindo canais para ouvir as crianças. São organizações não governamentais, empreendedores da iniciativa privada que desenvolveram e continuam a criar projetos que dão importância e voz às crianças. As crianças participam ativamente da concepção, manifestando seus sentimentos, seus desejos e da execução dos mesmos, transformando ruas, calçadas, praças em espaços adequados ao convívio das mesmas, resgatando o brincar nas suas vidas.
Ao invés de silenciar as crianças com a medicalização, tais iniciativas abrem novos caminhos, procurando dar vozes às mesmas e entendê-las em sua singularidade, atribuindo valor aos espaços para brincar, que trazem benefícios para a saúde, bem-estar subjetivo e qualidade de vida na infância. Assim, não se questiona os efeitos benéficos dos medicamentos, mas critica-se, sim, o seu uso indiscriminado e abusivo em crianças, portanto a medicalização.
Tânia Marisa Lopes Chaves – 70%
Cristina Saling Kruel – 30%