A Ação Empreendedora de Produtores de Jogos Independentes Inspirada no Effectuation
The Entrepreneurship Action of Independent Gaming Producers Inspired in the Effectuation
La Acción Emprendedora de Productores de Juegos Independientes Inspirada en el Effectuación
A Ação Empreendedora de Produtores de Jogos Independentes Inspirada no Effectuation
Revista de Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas, vol. 8, núm. 2, pp. 272-291, 2019
Associação Nacional de Estudos em Empreendedorismo e Gestão de Pequenas Empresas

Recepción: 09 Agosto 2018
Aprobación: 19 Diciembre 2018
Resumo:
Objetivo: Este estudo tem como objetivo desvelar a ação empreendedora dos produtores de jogos independentes.
Método: Foi realizada uma pesquisa qualitativa que contou com quatro entrevistas semiestruturadas, analisadas por meio da técnica análise de conteúdo temática
Originalidade/Relevância: O estudo se diferenciou por conciliar o effectuation com a ação empreendedora e permite a compreensão do modo como esse ator se articula por meio de artefatos empresariais, plataformas tecnológicas e infraestrutura digital.
Resultados: Os resultados revelam a articulação de atores estratégicos em meio às redes organizacionais como de modalidade da ação social que tem por base a constução e manutenção de parcerias e fortalecimento de valores compartilháveis.
Contribuições teóricas/metodológicas: Foram definidas duas abordagens teóricas: o effectuation, proposta por Sarasvathy (2001) e a ação empreendedora, desenvolvida por Paiva Junior (2004). Essas abodagens complementares contemplam um novo modo de olhar a ação empreendedora.
Palavras-chave: Produtor Independente, Ação Empreendedora, Effectuation, Produção de Jogos Indie.
Abstract:
Objective: This study aims to unveil the entrepreneurial action of independent game producers.
Method: A qualitative research was carried out with four semi-structured interviews, analyzed through the technique of thematic content analysis.
Originality / Relevance: The study was distinguished by conciliating effectuation with entrepreneurial action and allows the understanding of how this actor articulates through business artifacts, technological platforms and digital infrastructure.
Results: The results reveal the articulation of strategic actors in the midst of organizational networks as social action form that is based on partnership building and maintaining and shared values strengthening.
Theoretical / methodological contributions: Two theoretical approaches were defined: the effectuation, proposed by Sarasvathy (2001) and the entrepreneurial action, developed by Paiva Junior (2004). These complementary approaches contemplate a new way of analyzing entrepreneurial action.
Keywords: Independent Producer, Entrepreneurial Action, Effectuation, Indie Games Production.
Resumen:
Objetivo: Este estudio tiene como objetivo desvelar la acción emprendedora de los productores de juegos independientes.
Método: Se realizó una investigación cualitativa que contó con cuatro entrevistas semiestructuradas, analizadas por medio de la técnica análisis de contenido temático.
Originalidad / Relevancia: El estudio se diferenció por conciliar el effectuation con la acción emprendedora y permite la comprensión del modo como ese actor se articula por medio de artefactos empresariales, plataformas tecnológicas e infraestructura digital.
Resultados: Los resultados revelan la articulación de actores estratégicos en medio de las redes organizacionales como de modalidad de la acción social que tiene como base la constución y mantenimiento de alianzas y fortalecimiento de valores compartidos.
Contribuciones teóricas / metodológicas: Se definieron dos enfoques teóricos: el effectuation, propuesta por Sarasvathy (2001) y la acción emprendedora, desarrollada por Paiva Junior (2004). Estos abodajes complementarios contemplan un nuevo modo de mirar la acción emprendedora.
Palabras clave: Productor Independiente, Acción emprendedora, Efectivización, Producción de Juegos Indie.
1 INTRODUÇÃO
A velocidade com que as mudanças acontecem na era tecnológica estimula a discussão com respeito ao modo como ocorre à ação empreendedora, visto ser o empreendedor quem atua com plataformas digitais. Ele é o sujeito promotor de mudanças sociais na era das novas tecnologias. Nesse bojo, as transformações ocorrem não apenas na esfera dos produtos, mas também no âmbito das ideias e modos de vida das pessoas (Nambisan, 2017; Von Briel, Davidson, & Recker, 2018).
Diante de tal evidência, estudar como os sujeitos interferem ou emprestam significados aos conceitos que circulam no desenvolvimento dos produtos sombólicos, a exemplo de literatura, filme e pintura, revela um valor em termos de pesquisa social. O empreendedorismo é visto como fenômeno social interativo e instiga as inquietações relativas ao modo de lidar com práticas sociais que vão de encontro aos limites impostos pelo formalismo, cuja base se projeta na ocorrência de uma ruptura com movimentos seguros e estáveis (Souza, & Paiva Júnior, 2012).
Nesse contexto, o empreendedor ganha destaque na condição de objeto de análise e éthos da ação social (Willis, 1997), inclusive quando lida com artefatos presentes no mundo audiovisual, como o videogame, conectado com redes de negócios por intermédio de plataformas digitais (Srinivasan, & Venkatraman, 2018).
O videogame vem se tornando uma das principais mídias culturais da sociedade contemporânea (Shaw, 2010; Chen, 2013), ao aguçar o imaginário coletivo dos jogadores (Latorre, 2015) e fazer circular ideias e modos de vida nos textos (jogos) (Sanson, 2009).
O mercado de jogos digitais movimentou US$ 65,7 bilhões em 2013 e deve chegar a US$ 89 bilhões em 2018, projetando uma taxa de crescimento de 6,3% ao ano. Como comparação, o movimento da indústria de filmes de entretenimento foi de US$ 88,2 bilhões em 2013 (US$ 38,7 bilhões de cinema e US$ 49,5 bilhões de vídeo doméstico), e em 2018, a previsão é de US$ 110 bilhões, resultado de uma taxa de crescimento projetada de 4,5% ao ano (Gedigames, 2014; PWC, 2014).
Ao se rediscutir o empreendedorismo como fenômeno social e interativo é possível entender que o sujeito que desenvolve novos negócios é um agente transformador, dialógico e reflexivo, operando sob a inspiração de suas experiências (Dentoni, Pascucci, Poldner, & Gartner, 2018). Essas experiências são vivenciadas e desenvolvidas também a partir de novas plataformas digitais, meios digitais, que vêm se popularizando a custos reduzidos. Esse é o espaço no qual a prática empreendedora no campo dos games indie está centrada (Pereira, 2016). Tal prática promove liberdade de ação em cenários de instabilidade e incerteza, autenticidade na configuração da arquitetura do jogo e aperfeiçoamento na criação visual e artística (Nambisan, 2017).
A ação empreendedora apresenta-se como pertinente para este debate, uma vez que o empreendedorismo pode ser entendido com um enfoque sistêmico, caracterizado pelo acúmulo de experiências que se realiza pela criação de valor com a inovação e pela capacidade de estabelecer e atingir objetivos no contexto em que vive e usa para detectar oportunidades empreendedoras (Schaefer, & Minello, 2017).
O produtor de games indie atua de forma independente na escolha das ferramentas, linguagens, frameworks, plataformas, programação, desenvolvimento da arte, animação, dublagem e captura de movimentos, além de manter o relacionamento com fabricantes de hardware e softwares, a fim de garantir a compatibilidade desses componentes e explorar o potencial de atividades relacionadas ao game (Gedigames, 2014).
O perfil dos desenvolvedores independentes é diversificado, tem equipes reduzidas e recursos escassos. Vale considerar que a maioria deles não é apoiada pela figura do publisher, agente que publica jogos eletrônicos de produção própria ou aqueles confeccionados por uma empresa desenvolvedora de jogos eletrônicos, responsável por financiar o desenvolvimento e comercialização do game (Johns, 2006; Gedigames, 2014). De todo modo, o relacionamento entre o desenvolvedor e o publisher é problemático por exigir do desenvolvedor esforços intensos para dar um formato mercadológico ao produto (Xavier Filho, 2017).
O desenvolvedor indie atua por meio de plataformas digitais e busca aporte financeiro para investir na sua produção. Para isso, acessa formas diversificadas de financiamento, a exemplo de recursos próprios, subsídios de familiares, crédito pessoal, suporte de investidores anjo e crowdfunding (Negrão, & Toaldo, 2013; Xavier Filho, 2017).
O game como produto possui uma complexa estrutura de produção, que envolve diversos atores e uma ramificada estrutura processual e de subcontratações (Perucia, Balestrin, & Verschoore, 2011; Negrão, & Toaldo, 2013). Essa condição de produção sugere certa performatividade do empreendedor na feitura do game, em especial o desenvolvedor indie que não conta, via de regra, com os recursos e expertise das grandes publicadoras. A questão que se projeta é que o desenvolvedor indie explora seu espaço no mercado, mesmo diante de uma estrutura comercial e produtiva inóspita para sua ação, convivendo com incertezas e ambiguidades presentes no universo empresarial, lidando com as ameaças e tendo que transformá-las em oportunidades. Diante de tal ambiência e considerando a performatividade necessária ao empreendedor para viabilizar suas produções, este estudo busca desvelar a ação empreendedora dos produtores de jogos independentes. Para compor o quadro teórico a partir do qual se vê essa dinâmica, serão discutidas a ação empreendedora e a abordagem effectual.
2 REFERENCIALTEÓRICO
O referencial teórico deste estudo está organizado de maneira a fundamentar e alcançar seu objetivo: compreender a ação empreendedora emergente do comportamento dos produtores de jogos independentes: um olhar effectual. Para o alcance desse objetivo, o referencial teórico está dividido em dois momentos, sendo o primeiro, a ação empreendedora indie e o segundo, o effectuation.
2.1 A Ação Empreendedora no Contexto do Desenvolvedor de Jogos Indie
O empreendedor realiza atividades de troca com outras organizações que são ancoradas em crenças, rotinas e hábitos. Já a ação empreendedora pode ser definida como extrato da realização de tarefas desenvolvidas por empreendedores, no sentido de enfrentar riscos e incerteza na criação de uma organização criativa e inovadora (Spedale, & Watson, 2014). A ação empreendedora é composta por características do empreendedor, como proatividade, desenvolvimento pessoal e capacidade de gerenciamento, mas seu foco está centrado no seu relacionamento com outros agentes para o alcance de resultados.
Para alcançar seus objetivos, o empreendedor combina recursos para desenvolver e comercializar novos produtos e aprimorar seus negócios. Ao identificar e explorar as oportunidades, esse ator integra suas atividades de maneira inovadora, gerando aprendizagem (Theodorakopoulos, McGowan, Bennett, Kakabadse, & Figueira, 2014).
As características da ação empreendedora projetam-se em três categorias estruturantes (Paiva Júnior, 2004), sendo eles: o estilo criativo, a expertise e a interação social. O estilo criativo está presente na consciência do empreendedor, o qual se revela como ser capaz de intervir de maneira reflexiva no seu ambiente de negócios, uma vez que possui um conjunto de competências que o posicionam com alto desempenho frente a seus interagentes (Paiva Júnior, 2004; Dentoni et al., 2018). Dessa categoria, emergem dimensões como: identidade, autonomia, convivência com o risco, disposição pessoal e resiliência. Essa dimensão é a mais recorrente pelos desenvolvedores indie, pois é marcada pela busca da autonomia, disposição pessoal e convivência com o risco em uma produção autoral, genuína e criativa.
A expertise permite ao empreendedor tornar-se capaz de reconhecer oportunidades sob o fundamento da sua experiência acumulada (Salusse, & Andreassi, 2016). No âmago de tal dimensão, ele adquire conhecimento especializado, inclusive para reconhecer oportunidades de negócios com base nessa experiência e na habilidade de colocar em prática o que foi aprendido. Nessa categoria, as dimensões são: desenvolvimento de competências, alteridade, mediação e inovação.
A interação social fundamenta-se na relação de reciprocidade que pressupõe a comunicabilidade do empreendedor com os parceiros-chave de sua rede social (Pfeilstetter, 2017). Até mesmo com respeito ao uso de plataformas de games por pessoas mais velhas, menos habituadas com as novas tecnologias, a interação social tem efeito benéfico para usuários dos games (Wang, & Sun, 2016). Essa dimensão abarca a capacidade relacional desse empreendedor que constrói relações de confiança e cooperação, em que revela indícios de disponibilidade, fidelidade e adaptação contingencial. Os componentes dessa dimensão são conhecidos aqui como: ação política e social, oportunidade, parceria, ação de adaptação contingencial, cooperação técnica e internacionalização.
Por meio da interação social, a produção de jogos independentes (indie) é potencializada e a ausência do publisher, guia do processo de produção, tende a ser superada. Portanto, os games são produzidos por meio de parceria, de colaboração por meio de trabalho em rede organizacional, movimento que diminui o preço da produção e dispensa a presença física dos colaboradores da equipe, desonerando a produção em uma vivência integradora de saberes.
Há uma espécie de éthos indutivo que antecede as ações dos empreendedores e que se afastam do aspecto causal, ou seja, quando Paiva Júnior (2004) reconhece que o estilo criativo, a expertise e a interação social compõem o bojo da ação empreendedora, torna implícito que tais ações representam um amálgama de sentidos e direções, mesclando causalidade com performatividade diante das possibilidades encontradas no contexto da própria ação. Esse entendimento já se apresenta nas pesquisas de Øystein, Beate e Jarle (2018) e Hubner e Baum (2018), quando encontram evidências de imbricamento entre ações tipicamente causais e performáticas em ações empreendedoras.
Isso posto, torna-se complementar ao entendimento da ação empreendedora abordagens que tragam o olhar performático frente aos desafios e oportunidades que se apresentam no transcurso da ação, mitigando seu aspecto causal. Por isso, na seção 2.2, a abordagem effectual de Sara Sarasvathy será discutida no sentido de compor uma perspectiva de visão da ação empreendedora efetivada por desenvolvedores de games indie.
2.2 Effectuation Inspirando a Ação Empreendedora dos Desenvolvedores de Jogos Indie
Diante do desafio de compreender como ocorrem as mudanças nas organizações ao longo do tempo e seu impacto na gestão e institucionalização das práticas gerenciais, tais como plano estratégico, plano de negócio e qualificação de cenários, surge o effectuation como novo modelo de gerenciamento empresarial em contestação ao modelo tradicional de causa e efeito (Meyer, & Rowan, 1977). A racionalidade effectual não representa um desvio da racionalidade clássica causal, mas constitui um modo alternativo de racionalidade, fundamentado em uma lógica distinta da lógica causal (Sarasvathy, 2001).
Sarasvathy (2001) debate a lógica do effectuation como uma forma de tomada de decisão pautada em escolhas em meio a efeitos que podem ser produzidos a partir de um conjunto de possibilidades, eliminando a premissa de objetivos pré-existentes. Por meio de suas ações, o empreendedor gera resultados a partir da combinação de recursos, à medida que reduz as incertezas que cercam seu empreendimento, possibilitando sua adaptação a contingências eventuais do cotidiano social (Leucz, & Andreassi, 2015).
Em conformidade com a lógica effectual, a incerteza passa a ser encarada como recurso e processo sobre os quais ocorre a tomada de decisão. Na mesma direção, a ambiguidade inicial de objetivos é tomada como fator de criatividade gerador de oportunidades à medida em que o empreendedor vai se tornando mais aberto a aproveitar as contingências que surgem no percurso da criação de seu empreendimento (Sarasvathy, & Dew, 2005; Tasic, 2007).
O modelo effectual é recomendado para empreendimentos intensivos em tecnologia voltados para criação e captura de valor. No entanto, eles experimentam dificuldades na definição de um negócio devido à níveis elevados de tecnologia em meio às incertezas do mercado (Berends, Jelinek, Reymen, & Stultiëns, 2014; Reymen, Berends, Oudehand, & Stultiëns, 2016). Portanto, o desenvolvimento de um modelo de negócio dirigido para o empreendedor de jogos indie conta com sua experimentação, aprendizagem e flexibilização (Bock, Opsahl, George, & Gann, 2012; Reymen, Berends, Oudehand, & Stultiëns, 2016).
Sarasvathy (2003) assevera que existem padrões diferentes utilizados por empreendedores que rompem com o modelo estruturado, caracterizado por causa e efeito. Ao arquitetar a teoria effectuation, a autora propõe uma perspectiva filosófica, segundo a qual o ser humano transforma a realidade em novas possibilidades, o que significa que “processo empreendedor segue um percurso criativo e não somente de descoberta e alocação de recursos” (Rondani, Andreassi, & Bernardes, 2013, p. 3).
O modelo clássico de gestão indica que existem meios estruturados para se alcançar o objetivo desejável (causal). Já a perspectiva effectual envolve a elaboração diversificada de objetivos, compreendendo que as limitações e dificuldades habitam em um ambiente dinâmico e interativo. Wiltbank, Dew, Read e Sarasvathy (2003) comentam que, após acessar os “meios”, o empreendedor avalia as direções possíveis e busca pessoas com o intuito de alcançar esse objetivo.
No mercado de jogos independentes, ao constituir uma ideia, o empreendedor indie monta uma equipe para prover a produção do game como algo aberto a mudanças ao longo de todo o processo de confecção do jogo. Portanto, a teoria do Effectuation sugere que o tomador de decisão não fique ancorado na previsibilidade de determinado cenário, mas atue como agente transformador que gera as condições necessárias para garantir um contexto favorável (Porto, & Mello, 2015).
Os processos causais exploram o conhecimento útil em ambiente estático e linear com foco em aspectos previsíveis de estratégias competitivas clássicas, enquanto o processo effectual explora as contingências presentes em ambientes não lineares e orgânicos, o que permite o acesso a novas alianças e outras estratégicas competitivas (Sarasvathy, 2001; 2003; Villani, 2018).
Na produção independente, a lógica effectual apresenta-se nas constantes modificações ocorridas no decorrer do desenvolvimento do game, sejam essas transformações motivadas por falta de recurso ou limitação de pessoal. O produtor indie atua em um mercado incerto que pouco permite a visualização de objetivos determinados em relação ao processo de confecção do game, pois cada produção é única e diferenciada em comparação com o mercado de commodities de games liderado pelas grandes produtoras.
O processo de effectuation classifica-se em três categorias: identidade, conhecimentos e redes sociais, conforme sugerem Wiltbank et al. (2006). No que tange à identidade os empreendedores refletem acerca de quem eles são, o que eles conhecem e quem eles conhecem, de forma a imaginar o que possam vir a realizar. Isso projeta a ênfase em eventos futuros que eles podem controlar ao invés de prever (Sarasvathy, 2003). Já o conhecimento contempla o fato de os empreendedores começarem a divulgar seus projetos para outras pessoas, de modo a obterem inputs sobre como proceder com algumas das novidades que poderiam gerar (Wiltbank et al., 2006). Por fim, na rede social, à medida em que os empreendedores encontram pessoas ávidas por participarem da construção de algo aberto a mudanças, eles vão buscando obter comprometimentos reais de stakeholders potenciais (Sarasvathy, 2003).
Em análise da ação empreendedora de Paiva Júnior (2004) e do Effectuation de Sarasvathy (2001), buscou-se alinhar as duas abordagens para uma investigação dessa ação empreendedora referente à atuação dos produtores de jogos indie, de modo complementar entre as visões. Assim, a análise associativa pode compreender suas interações e afinidades conceituais, conforme mostra a Figura 1 a seguir.

Quando identificadas as categorias estruturantes da ação empreendedora (estilo criativo, expertise e interação social), é possível associá-las às categorias emergentes do effectuation (identidade, conhecimento e redes sociais). Dessa maneira, o estilo criativo na ação empreendedora guarda vinculação com a identidade no effectuation, do mesmo modo, a expertise na ação empreendedora tem vinculação com o conhecimento no effectuation e, por fim, a interação social se relaciona com redes sociais. Essa relação dual e complementar conta com aproximações empíricas encontradas nas pesquisas de Øystein, Beate e Jarle (2018) e Hubner e Baum (2018) em que pese a presença de aspectos causais e effectuais nas ações empreendedoras.
3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
O método qualitativo utiliza o estudo de casos múltiplos ao contemplar levantamento de dados em quatro estúdios de jogos indie. A escolha de investigar os 4 estúdios, localizados em São Paulo (SP), Curitiba (PA), Recife (PE) e João Pessoal (PB), justifica-se na medida em que é reconhecida a complexidade das experiências e dos processos dinâmicos vivenciados pelo produtor de jogos independente (Bauer, & Gaskell, 2008; Stake, 2009; Godoy, 2010).
A escolha desses estúdios em seus respectivos estados deu-se pela concentração das empresas de produção indie nessas regiões, que ocorrem devido à facilidade de acesso à internet, existência de ferramentas de desenvolvimentos disponíveis, emergência de oportunidades de negócios, reunião de cursos preparatórios e presença de universidades que dispõem da formação em desenvolvimento de jogos digitais.
De acordo com o I Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais (IBJD), cerca de 70% das empresas de games domiciliadas no Brasil estão em funcionamento há menos de 5 anos. Isso demonstra que essas empresas estão ainda em estágio inicial de desenvolvimento empresarial (Fleury, 2014).
O surgimento desses Estúdios aconteceu pela facilidade de desenvolvimento decorrente das novas plataformas mobile e web, que se tornaram tendência a partir de 2007, com o surgimento da plataforma Steam, um software de gestão de direitos autorais, fornecedor de serviços facilitadores de atualização automática de jogos. Em formatação percentual, os estados selecionados para esse estudo correspondem em números de empresas de games a uma cobertura de (52,35%), sendo São Paulo responsável por 36,24%; Pernambuco (6,71%); Paraná (5,37%); Paraíba (4,03%), ou seja, ao observar as experiências na formatação e produção do game indie, o campo amostral apresenta-se como adequado (Fleury, 2014).
Na estratégia de coleta de dados, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os produtores de jogos eletrônicos indie, destacando que o desenvolvedor ouvido é o responsável pelo estúdio e todos os estúdios atuam no mercado indie de games. O tempo total de entrevista foi da ordem de 5h19min11s, sendo um total de 1274 linhas, 36 páginas transcritas, portanto, a análise foi textual a partir das transcrições realizadas. A escolha da entrevista semiestruturada justifica-se pela possibilidade de o entrevistador conduzir a construção do corpus com liberdade, inserindo novas e relevantes questões no roteiro original (Gil, 2002).
A Tabela 1 a seguir apresenta os dados dos estúdios participantes no que compete à localização, fundação e número de funcionários. As razões sociais (nomes) dos estúdios foram preservados, sendo substituídos por Alpha, Beta, Gama e Delta.
| STUDIO | ESTADO | FUNDAÇÃO | COLABORADORES |
| Alpha | João Pessoa-PB | 2014 | 10 |
| Beta | São Paulo - SP | 2013 | 5 |
| Gama | Curitiba-PA | 2012 | 2 |
| Delta | Recife-PE | 2005 | 40 |
O Studio Alpha começou como um grupo de desenvolvedores de jogos, em abril de 2014, quando os três fundadores se uniram para criarem o maior projeto de game denominado LUX, chegando até a alcançar o reconhecimento internacional. Já o Studio Beta é fabricante de jogos e tem como destaque o lançamento do jogo Head blaster, um jogo de árcade de PC gratuito, e o Doti-Doti no Gaea, um jogo educacional móvel sobre reciclagem. O Studio Gama lança sua produção independente por intermédio de alguns parceiros, uma vez que não tem colaboradores e produz os jogos apenas em parceria. Por fim, o Studio Delta é independente e não utiliza o trabalho do Publisher para as suas produções, mas, diferentemente da maioria dos proprietários de estúdios Indie games, sua liderança preocupa-se com pré-produção, produção e pós-produção.
Os produtores independentes de jogos indie foram selecionados por estarem em regiões com destaque nacional na produção de jogos, ou seja, Sudeste, Sul e Nordeste do Brasil. Dessa maneira, foram selecionados dois desenvolvedores no Nordeste do País, sendo um em Recife (PE) e o outro em João Pessoa (PB). Também foram selecionados outros dois desenvolvedores no Centro Sul do País, sendo um em São Paulo (SP) e outro em Curitiba (PR).
O processo de tratamento dos dados foi realizado conforme sugerido por Minayo (2010), sob égide da técnica de análise de conteúdo temática, utilizada no tratamento das entrevistas realizadas com os diretores da área tecnológica das empresas de game investigadas (Chief Tecnology Officers - CTO), considerado essencial na observância das categorias constadas no campo empírico com o suporte do software de análise de dados qualitativos NVivo, na versão 11 Pro (Flick, 2013; Silva, 2014). As categorias trazidas a priori para a análise dos dados são aquelas já definidas nos itens 2.1 e 2.2, do referencial teórico, mais precisamente na Figua 1 reproduzida anteriormente.
3.1 Tratamentos, Análise e Interpretação dos Dados
Foram realizadas as inferências e interpretações do corpus com respeito às dimensões estilo criativo, expertise e interação social, analisadas com o suporte da teoria do effectuation proposta por Sarasvathy (2001), contemplando as categorias identidade, conhecimento e redes sociais. Para garantir a qualidade e confiabilidade dos dados, foi adotada a saturação interna e externa dos dados e dois tipos de triangulação: a validação convergente dos dados (Flick, 2013), que envolve o reforço dialógico entre as fontes consultadas (teórica e os achados empíricos), e a intersubjetiva (Paiva Junior, Leão, & Mello, 2011), com demais pesquisadores do grupo de pesquisa Lócus de Investigação em Economia Criativa (LIEC), da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
4 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Na análise de dados com a utilização do Nvivo Versão 11 Pro, os significados mais atribuídos para a ação empreendedora dos produtores de games independentes foram: independente, desenvolvedor, empreendedor, desenvolvimento, effectuation, publisher, empreendedorismo, experiência, conhecimento, oportunidade, plataforma, indústria, entre outros. Esses significados foram alcançados mediante processo de leitura e codificação de dados (Figura 2) no Corpus deste estudo, como entrevistas individuais.
Mediante análise das categorias no Nvivo, foi possível identificar a suíte de categorias da ação empreendedora na produção de jogos independentes (indie), representadas por hierarquia de frequência dos vocábulos relativos à temática. Na categoria interação social, a dimensão com maior representatividade é a oportunidade, seguida por parceria. Na categoria, estilo criativo, a dimensão que mais se destaca é disposição pessoal e convivência com o risco. E na categoria expertise, a dimensão com maior representatividade é desenvolvimento de competências e mediação.
4.1 Estilo Criativo
O estilo criativo é demarcado pela condição de um indivíduo ou de um grupo no intuito de compreender os mecanismos distintos de operação, ou seja, o de construir elementos criativos e diferentes daqueles já construidos. Dessa categoria, emergem outras, como identidade, autonomia, convivência com o risco, disposição pessoal e resiliência. No estilo criativo, o empreendedor revela-se como agente capaz de intervir reflexivamente em dado cenário, uma vez que é dotado de uma bagagem de experiências que o posicionam de forma dialógica em sua produção.
Como dimensão dessa categoria, tem-se a convivência com o risco que ocorre pela ação ou efeito de se conviver com a possibilidade de risco ou perigo. Trata-se de um ambiente de tensões onde o desenvolvedor não tem o conhecimento do risco e de possíveis resultados da sua produção, nem dos elementos que estão associados à distribuição e comunicação mercadológica do seu produto.
O relacionamento com o Publisher é complicado, no geral ele busca extrair o máximo dos títulos que ele promove, ele tem recursos limitados para investir em novos títulos e, ao mesmo tempo, quer diminuir seu risco. Então, a abordagem é trazer muitos títulos e diminuir os riscos. Ele traz 50 títulos e investe em todos, no que obtiver maior retorno, ele investe mais, assim se o game não apresentar retorno satisfatório em 30, 60, 120 dias, ele é abandonado pelo Publisher (E1, Linha 104).
O publisher exerce uma ação propensa a riscos constantes ao se defrontar no seu cotidiano com um ambiente de incerteza, em que uma produção de anos poderá ser descartada se aquele jogo não conseguir alcançar resultados significativos em poucos meses. Ao tratar da convivência com o risco nos princípios da lógica effectual, Sarasvathy (2003) busca encarar os competidores como parceiros, diminuindo a incerteza das ações empreendedoras para os envolvidos. Por essa razão, para mitigar os riscos, os responsáveis pelos estúdios mantêm atividades de outsourcing, ofertando serviços especializados voltados para indústrias correlatas como, por exemplo, a publicidade.
Essa evidência vai se somando aos resultados de Perucia, Balestrin e Verschoore (2011), Toaldo e Negrão (2013) e Xavier Filho (2017) que encontram três estratégias para mitigação dos riscos no desenvolvimento de jogos: a) a especialização funcional e a oferta de mão-de-obra para a indústria, seja ela a própria (games) ou via outsourcing para indústrias correlatas (cinema, publicidade e educação); b) o desenvolvimento de um portfólio de pequenos games publicados; e c) dedicação parcial da equipe no desenvolvimento do game, reduzindo os gastos fixos do estúdio.
Já a dimensão disposição pessoal compreende a capacidade de enfrentamento do empreendedor e a aquisição de conhecimento e experiências por meio da prática. Essa categoria é demarcada pela disposição do produtor de jogos indie em realizar diversas funções na construção do jogo, além de outra na vida diária, não relacionada ao game.
Todos da equipe trabalham fora para pagar suas contas, porque a maioria dos nossos jogos é distribuída gratuitamente, salvo aqueles por encomenda. Eu trabalho com gamificação, produzindo jogos de tabuleiro e jogos digitais para recrutamento e seleção, nossa artista trabalha na construção de fachadas para lojas, nosso programador trabalha em uma empresa de MMO, são produtos plásticos super- resistentes, nosso design é auditor numa empresa de comércio eletrônico e nossa comercial é jornalista (E2, Linha 9).
Os produtores de jogos indie buscam se realizar no jogo em termos de produtores e usuários lúdicos desses artefatos de diversão (Ramos, 2008). Com isso, a teoria Effectuation sugere que o tomador de decisão não se associe tão somente à previsibilidade do cenário, mas também atue como agente transformador que provê as condições necessárias para que o ambiente desse agente lhe seja benigno (Wiltbank et al., 2006; Porto, & Mello, 2015).
4.2 Expertise
O termo expertise significa a existência de um conhecimento obtido pelo estudo, pela experiência acumulada, além de estar associado à habilidade de aplicar o que foi aprendido de uma área ou tópico devido ao seu estudo, treinamento ou experiência no assunto de maneira satisfatória (Reis, Torres, Soares, Lacerda, & Magela, 2016). Na construção desse conhecimento, o empreendedor mostra-se capaz de criar conhecimento, desenvolver e compartilhar saberes de maneira satisfatória.
Neste estudo, a expertise é uma categoria estrutural que está balizada pelas dimensões: desenvolvimento de competências, alteridade, mediação e inovação. A dimensão desenvolvimento de competências está arraigada na capacidade de solucionar problemas que ainda não dispõem de protocolos de solução, competências que instrumentalizam os empreendedores para enfrentamento das mudanças e das incertezas presentes no contexto da produção.
Trabalhamos com 100% de produções próprias, já fizemos uma parceria com um pessoal da Colômbia e do Canadá. O bom desse relacionamento é que aprendemos e ensinamos ao mesmo tempo. Além de compartilhamos ferramentas e troca conhecimento, os desenvolvedores dos outros países estão mais atentos ao que funciona bem, sempre é um momento de aprendizagem (E4, Linha 64).
O desenvolvimento de competências na produção independente é construído por meio da prática empresarial. Nos extratos acima, a percepção de criatividade está vinculada à prática e à capacidade de conhecer, além do compartilhamento de ferramentas e troca de conhecimento. Essa ação se coaduna com o estudo de Múzzio (2017) quando declara que existem competências relacionadas à criação de determinada plataforma de conhecimentos voltada para o desenvolvimento de novas ideias, construção de uma visão compartilhada, emergência de clima organizacional favorável e encorajamento com o contexto externo, além do fomento da aprendizagem pela experiência.
A maioria das soluções de gestão não se adapta bem ao nosso modelo de negócio, precisamos melhorar nossa divisão e entender melhor as receitas que vêm de produtos e de serviços. Parece um problema simples de 4° período de graduação, mas na prática não é, pois na produção de game s,esses elementos estão muito juntos, até poderia dizer sobrepostos. Precisamos de um modelo de gerenciamento que seja sensível a essa questão (E1, Linha 60).
O relato acima apresenta a necessidade de desenvolvimento de novos modelos de gestão constituídos para a potencialização de negócios da economia do conhecimento. Para alicerçar um novo modelo de gestão direcionado a empresas de bases tecnológicas (EBTs). Tasic (2007) e Andreassi (2015) sugerem que o effectuation, aplicado a contextos imprevisíveis, reconhecendo que nessas indústrias, a lógica é dinâmica e com processos interativos de criação de oportunidade em novos domínios.
A dimensão mediação está centrada na busca por soluções que atendam ambas as partes em uma negociação, o desenvolvedor indie e o Publisher, evitando a sobreposição dos envolvidos e reduzindo o conflito entre expressão artística e produto comercial (Prystupa-Rzadca, & Starostka, 2015). Ela tem o papel de intervir entre as partes conflitantes com base no que é correto e justo, respeitando a igualdade no combate e a assimetria nas relações.
Uma questão que não pode se deixar de negociar é a interferência do Publisher na produção, se ele vai poder dizer como será o cenário, quantos níveis, quantos personagens e sobre o que o jogo vai tratar, se isso não estiver bem claro, a produção poderá ter problemas (E3, Linha 147).
O fragmento aponta para um campo de tensão da produção independente, o da mediação realizada pelo mercado marca uma posição política para o Publisher e o Indie. Diante da relação do mercado na condução do trabalho criativo, Caves (2003) afirma que a criatividade é negociada e quanto maior for o aporte financeiro do Publisher menor será o poder de decisão do produtor. Tal situação, pode ser mediada para se evitar a assimetria no negócio.
4.3 Interação Social
A interação social está marcada pelas relações que o desenvolvedor constrói em sua vida social e fundamenta-se na afirmação de relações mútuas. Essa interação frente a uma ação empreendedora busca compreender não apenas as ações em seu significado aparente, mas também interpretar as motivações que o sujeito que empreende imputa (Paiva Junior, 2004; Ellison, & Vitark, 2015). A perspectiva analítica da ação empreendedora da produção de games independentes se dá sobre a marcação da interação social com as dimensões oportunidade, parceria e valores, ação política e social, ação de adaptação contingencial, cooperação técnica e internacionalização.
A dimensão oportunidade está representada pela qualidade de existência daquele cenário favorável ao projeto de determinado empreendedor. Ela é vista como dimensão capaz de auxiliar a melhoria de algo e promover o momento propício à realização de algo novo, sendo reconhecida como a autopercepção, a vontade do desenvolvedor e a intenção de um parceiro no sentido de fazer emergir a oportunidade desde o âmago das novas produções.
Olhando para o mercado brasileiro, temos analisado que existe pouco conteúdo em português principalmente para o público infantil no campo da educação, analisei alguns simulados do ENEM e outras plataformas. Nesses simuladores, a experiência dos usuários é terrível, você ficar 4 horas na frente de um celular respondendo, é desconfortável, gasta toda sua bateria. É melhor fazer a impressão da prova e responder. Então a gente identificou mais essa lacuna e estamos montando o nosso próprio conceito (E1, Linha 126).
No extrato acima (E1, Linha 126), a oportunidade real presente na produção do game está voltada para o mercado, mas existe dificuldade de interação social com protagonistas das plataformas existentes. Já a parceria e os valores estão demarcados pelos processos intersubjetivos de interação social que se efetivam por meio da realização de projetos motivados por valores coletivos.
Um diferencial do nosso Studio é nossa abertura para cooperação com outros estúdios, além de trabalho com co-produção. Nesse relacionamento com outros desenvolvedores, trocamos experiências e aperfeiçoamos nosso trabalho. Não existe uma relação de esconder do outro tudo é feito. Recentemente fizemos uma parceria para digitalização do game, negociamos as porcentagens e os parceiros também são donos do jogo (E3, Linha 60).
O relacionamento entre os desenvolvedores ocorre em um ambiente de criação de parceira em meio ao intercâmbio de conhecimentos especializados que revelam valores coletivos indo além de troca de experiências e compartilhamento de ferramentas, pois, para que possam desenvolver a inovação, a base primordial de criatividade se origina de cooperação e estratégias de integração, até como formas de superar incertezas e falta de recursos.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo está centrado na compreensão da ação empreendedora dos produtores de jogos independentes. Para tal, as vantagens competitivas compatíveis com os recursos disponíveis e a mobilização do compromisso das partes envolvidas se efetivam para alcançar objetivos compartilháveis. O effectuation é um modelo de tomada de decisão a partir de escolhas em meio aos efeitos que podem ser produzidos a partir de dado conjunto de possibilidades, eliminando a premissa de objetivos pré-existentes, em que o empreendedor gera resultados a partir de combinações de recursos, à medida que reduz as incertezas.
Um dos elementos do estilo criativo que produz o empreendedor indie é a identidade que permite a diferenciação desse empreendedor. No relacionamento entre o publisher e o desenvolvedor existe um esforço por parte do primeiro no sentido de dar forma comercial ao game, fato que dificulta a autonomia e a criatividade do desenvolvedor. O Publisher, quando investe em uma produção, assume o papel de intermediário entre o produtor e o jogador, e promove o jogo, levando a leitura do mercado para a produção do game.
A disposição pessoal e a convivência com o risco estão presentes no desenvolvedor indie por sua atuação sem aporte financeiro de um Publisher, agente de fomento, sendo ele quem assume os riscos mercadológicos pelo artefato produzido. O sistema bancário tradicional não fornece crédito para esses desenvolvedores devido à incerteza da operação, ainda não estando alinhado a esse novo eixo da economia criativa, pois enxerga com insegurança a produção no campo de design, música, fotográfica, games e demais eixos da economia criativa.
Sem alternativas de financiamento e aporte financeiro, esses desenvolvedores optam por modalidade de financiamento coletivo, a exemplo do crowdfunding, que vem se popularizando no Brasil nos últimos cinco anos. A disposição pessoal também se pauta pelo arranjo do produtor indie de atuar de maneira multifacetada, em muitos casos ter um emprego fixo, que traz segurança para pagar as contas e, em segundo momento, atuar na produção do game, ação que revela resiliência por parte do desenvolvedor em meio a sua necessidade de produção e expressão criativa.
A produção indie se materializa como artefato digital por meio dos aplicativos para smartphones e mídias digitais, que são os principais meios de distribuição e comercialização do jogo. As plataformas permitem a hospedagem dos jogos e a inovação nesses dispositivos, possibilitando capilaridade, liberdade e autonomia para o desenvolvedor. A infraestrutura digital como sistema de computação em nuvens e a comunicação colaborativa levam à democratização da ação empreendedora na produção do jogo indie, aumentando o engajamento de um número maior de pessoas em todas as etapas do processo de construção do game.
O fenômeno indie está pautado por restrição de recursos, canais, meios e alianças, infraestrutura relacionada a um lançamento exitoso de produtos intensivos em tecnologia. A fim de mitigar seus riscos, os desenvolvedores constroem ferramentas de gestão que contemplam cronogramas, fluxogramas, planejamentos e ações a serem operacionalizados para a confecção e distribuição eficaz do jogo.
Existem aqui inquietações que merecem futuras pesquisas, a exemplo do modo como os desenvolvedores indie decidem o momento de desligarem-se de atividades com remuneração derivadas de riscos mais baixos para se dedicarem exclusivamente a produção de games e como mantém uma atividade catártica (como a produção de games) quando estão imersos em projetos em que o publisher interfere decisivamente no que deve ou não estar presente no game. Portanto, tais preocupações alcançam o fazer do empreendedor do jogo na modalidade de dedicação exclusiva com repercussão na sua busca por realização pessoal e profissional.
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