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Recepção: 14 Dezembro 2016
Aprovação: 28 Março 2018
RESUMO: Visamos neste artigo compreender uma das facetas da violência policial militar a partir do que passamos a chamar de “distinção policial militar”. Por meio de uma abordagem qualitativa, debruçamo-nos sobre o episódio da série britânica Black Mirror intitulado “Men Against Fire” (“Engenharia reversa”, no título em português), no qual um soldado passa a compreender o motivo pelo qual ele persegue excluídos sociais: a cultura bélica imposta pela sua profissão. Assim, destaca-se o “senso de distinção” construído por processos de socialização institucionais e estabelecido pela internalização do etos militar por parte dos policiais, que se veem diferentes do resto da sociedade.
Palavras-chave: Polícia Militar, violência, distinção, socialização PM, ethos militar.
ABSTRACT: The aim of ‘Military Police Distinction’: For an Understanding of the Military Police Violence From the ‘Black Mirror’ Series is to understand one of the facets of military police violence through of that we have come to call a “military police distinction”. We take a qualitative approach to the episode of the British Black Mirror series titled “Men Against Fire” where a soldier that comes to understand the reason why he pursues the social excluded: the war culture imposed by his profession. So, what is highlighted is the “sense of distinction”, built by institutional socialization processes and established by the internalization of the military ethos. The police officers come to see themselves as different from other members of society.
Keywords: military police, violence, distinction, MP socialization, military ethos.
Introdução
Quando tratamos da violência policial militar, mesmo sabendo que ela se manifesta de diversas formas,2 se destaca como o principal fenômeno a ser analisado a letalidade (NUNES, 2014; CALDEIRA, 2000), ou seja, o assassinato de civis praticado por policiais militares em ação, em nome do Estado. Como disseram Azevedo e Nascimento (2017, p. 26) “a tradição das Forças Armadas permeia a atuação das polícias no Brasil, e a violência e corrupção policial são fatores que afetam a consolidação da democracia”. Dados estatísticos vêm comprovando, nos últimos anos,3 o problema social e estrutural da letalidade policial militar no Brasil. A letalidade é o lado visível da violência PM4; aqui, entretanto, importa-nos compreender as causas implicadas na gênese dessa violência, e da letalidade perpetrada por policiais militares, na condição de representantes do monopólio da força física por parte do Estado. Tal condição nos direciona a analisar a relação que se estabelece entre a crença na atuação violenta por parte dos PMs e a construção dessa crença a partir dos processos de socialização, formação e profissionalização pelos quais passam os agentes policiais.
Alguns estudos (TAVARES DOS SANTOS, 2009; BARREIRA e BRASIL, 2002) revelam que, durante a década de 1990 e a primeira década dos anos 2000, houve certa tensão na formação policial militar em nosso país, quando se travaram parcerias entre universidades públicas e centros de formação para PMs. A inserção de disciplinas humanísticas, especialmente as que eram voltadas para os direitos humanos, teria contrabalançado a herança militarista da formação PM que, no campo teórico, se baseia principalmente em conteúdos jurídicos e, na prática, se fundamenta no exercício da obediência e atos repetitivos por meio da ordem unida.5
Esse processo pode fazer crer que o período histórico mencionado tenha sido um divisor de águas que teria dado início à desconstrução da relação entre a formação PM de cunho militarista e a violência praticada pelos policiais nas ruas, sinalizando o caminho de uma polícia mais democrática (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001; SILVA, 2002; FRANÇA e GOMES, 2015; FRANÇA, 2016). No entanto, o que se observa é que as atuais formações pedagógicas para PMs têm buscado humanizar seus profissionais com o que denominamos de “humanização disciplinada” (FRANÇA, 2012, 2015), ou seja, as orientações pedagógicas dos quartéis policiais visam humanizar por meio de padrões disciplinadores. E como, segundo Foucault (1987), é preciso um campo de saber para legitimar o poder, já que poder e saber estão diretamente implicados, o discurso humanizador policial mostra a face produtiva do poder por meio de estratégias discursivas que publicizam a transformação da atuação policial. Só que, na realidade, o investimento em pedagogias mais humanísticas por parte das PMs não legitimou mudanças nas práticas concretas ou nas ruas. Isso pode ser constatado, por exemplo, pela manutenção da violência cometida por PMs do policiamento comunitário (PINHEIRO, 2008) ou pelos números de homicídios e outras formas de violência cometidas em anos recentes por PMs em cidades como Rio de Janeiro e Porto Alegre (AZEVEDO e NASCIMENTO, 2017).
Os “ritos de militarização” (ALBUQUERQUE e MACHADO, 2001) presentes nos centros de formação para PMs permanecem orientados por currículos ocultos, presos a elementos culturais e forças morais como o ideal de masculinidade e virilidade. A partir dessa lógica, os alunos PMs potencializam o machismo, atrelado à coragem e à força física, e expresso pela corporalidade; também internalizam a honra presente no espírito de corpo do grupo, que é expressa no orgulho do uso da farda e na ostentação dos símbolos que denotam um policial militar dentro da hierarquia institucional. Inclusive, as mulheres policiais passam a reproduzir os valores masculinos não só para serem aceitas pela maioria de homens nas casernas PMs, mas pela própria lógica da profissão que é valorizada por uma “sobredeterminação militar” (CALAZANS, 2003) e, consequentemente, afeita à rusticidade e à violência.
Se consideramos que os PMs em nosso país reproduzem um etos guerreiro que gera a violência nas ruas, temos então que destacar as técnicas de socialização usadas na formação policial, que, para nós, estariam próximas da ideia de Foucault (1987) acerca das instituições disciplinares, já que a disciplina se traduz em uma “tecnologia política do corpo”. Como observa Tavares dos Santos (2009, p. 112), “a formação profissional do policial militar é marcada por ritos de passagem, em que se deve romper com a identidade civil e assumir uma nova existência. Busca-se uma normalização, mediante o exercício constante de um poder disciplinar”.
Além disso, a docilização corporal dos agentes policiais militares, concentrada na utilidade no campo da segurança pública, já que, segundo jargão utilizado pelos próprios policiais, eles são “PMs 24 horas por dia”, se enreda por relações de poder microlocalizadas (FOUCAULT, 1979, 1987 e 2003) que anulam, em grande parte, a possibilidade ética de autonomia dos policiais em nome da “normalização” por meio da obediência estrita aos regulamentos militares e da impossibilidade de questionamentos das ordens emanadas (CANETTI, 1995; GROS, 2009). E se, como dito, segundo Foucault (1987), o poder disciplinar vinculado à norma denota uma forma produtiva de ser exercido, a profissão PM confere legitimidade a esse argumento, dada a distinção a partir da interiorização do “espírito militar” (CASTRO, 2004). Com isso, temos, de um lado, os militares e sua visão higienista do mundo consolidada pela ordem; de outro, os civis ou paisanos,6 que habitam uma sociedade corrompida e “impura” (DOUGLAS, 2014), ou seja, o avesso da ordem.
É por essa perspectiva que buscamos analisar neste artigo a relação entre distinção e violência, e a vinculação de ambos à normalização dos agentes policiais militares. Para isso, analisaremos um episódio da série britânica Black Mirror intitulado “Engenharia reversa”. Em destaque, temos a história de um soldado que, por carregar um chipem seu cérebro, tem a ilusão de enxergar os pobres e os considerados de “classes perigosas” como “baratas”, seres de faces deformadas que, não podendo ser vistos como humanos, são “matáveis”. Só que, por um defeito no chip, o soldado passa a enxergar que a deformidade é uma ilusão artificialmente criada e, então, passa a ver os pobres como homo sacer (AGAMBEN, 2010), ou seja, aqueles que carregam consigo uma vida que merece ser extinta. Com isso, nos perguntamos como a violência policial militar, em especial a letalidade PM, pode surgir a partir de uma visão distinta de mundo criada pela cultura militarista?
Para responder à questão, fizemos uso de uma abordagem qualitativa, analisando o episódio da série Black Mirror para compará-lo com a realidade empírica de casos de violência policial militar com repercussão na mídia e divulgação na internet. Nosso objetivo foi aplicar a categoria analítica em destaque, a distinção policial militar, como subsídio teórico para compreendermos sociologicamente a relação entre a ação violenta do PM e a crença que o legitima a praticar atos violentos contra civis.
Inicialmente, nos debruçaremos sobre o que passamos a chamar de “distinção policial militar” (FRANÇA, 2014), categoria pela qual demonstramos a lógica social presente na relação entre militares e paisanos (logo, também entre PMs e paisanos, visto o modelo cultural herdado do Exército pelas polícias militares). Por fim, buscamos no episódio de Black Mirrorelementos que possibilitem compreender a díade entre distinção e violência policial, diretamente relacionada à força do disciplinamento socializador enquanto técnica utilizada na profissionalização dos policiais militares.
A distinção policial militar
Sentir-se distinto é o mesmo que reconhecer em si mesmo atributos morais vinculados à posse de elementos materiais e simbólicos relativos à construção de uma autoimagem social baseada no ideal de superioridade. Quando compartilhado por membros de um mesmo grupo, o sentimento de distinção traduz “o carisma grupal distintivo” (ELIAS, 2000, p. 19), que faz com que um grupo que se considera superior atribua a si mesmo virtudes não encontradas em um grupo considerado inferior, que passa a ser estigmatizado. Para Elias (2000), estamos a falar de grupos “estabelecidos” e de grupos “outsiders” (os estigmatizados). Submeter-se às normas de um grupo estabelecido para se sentir superior é fazer com que cada membro do grupo exerça individualmente sobre si um controle efetivo dos afetos e pulsões. Gera-se, assim, a coesão grupal ao mesmo tempo em que se fortalece a ojeriza pelo contato com algum membro outsider.
Ao olharmos para a sociedade de corte francesa comandada por Luís XIV e estudada por Elias (2001), poderemos entender melhor como “o ser social do indivíduo é totalmente identificado com a representação que lhe é dada por ele próprio ou pelos outros. A lógica da corte é a de uma distinção pela dependência” (CHARTIER, 2001, pp. 20-21). Nesse tipo de configuração social, a submissão da aristocracia como um grupo social provido de distinção era o que garantia a manutenção do poder real, já que a dominação nessa sociedade se estabelecia por meio do monopólio fiscal e militar e pelo uso da etiqueta de corte. A coesão grupal se estabelecia especialmente a partir da etiqueta de corte, a qual funcionava para fazer os indivíduos exercerem e manterem a distinção relativa a outros segmentos sociais.
Com a etiqueta, também se estabeleciam os vínculos hierárquicos na corte, já que mudanças na hierarquia ensejavam modificações nos padrões de etiqueta, além de que alterações nas regras de etiqueta condicionavam transformações na disposição social da corte e da sociedade de corte. Tais condições faziam com que cada indivíduo se tornasse “extremamente sensível a toda e qualquer alteração na engrenagem, vigiando com atenção as mínimas nuances para que o estado de equilíbrio hierárquico vigente fosse conservado - quando não se empenhavam em alterá-lo em benefício próprio” (ELIAS, 2001, p. 106).
Ainda segundo Elias (2001), quanto mais próximos os indivíduos se sentiam, pelo uso da etiqueta e pelo pertencimento à corte, mais diferenciados se tornavam, pelas posições ocupadas na sociedade de corte. Ainda mais pela forma como o próprio rei exercia sobre si a autorregulação para o uso da etiqueta, o que caracterizava o seu poder diante dos nobres, que passavam a copiá-lo para se manterem próximos ao monarca, como critério de status e prestígio. Além disso, a posição ocupada pelo rei era o que possibilitava seu domínio, pelas tensões criadas entre a nobreza e a burguesia burocrática em ascensão. Nessa conjuntura, percebemos que a sociedade de corte estava sedimentada em um tipo de racionalidade particular, a höfischerationalität, que se baseava na passagem das coerções externas para as internas. Ou seja, se baseava no autocontrole das emoções, de modo que, desse processo, surgiam comportamentos que estabeleciam as diversas distinções entre os indivíduos.
A elaboração meticulosa da etiqueta, do cerimonial, do gosto, das vestimentas, da atitude e até da própria conversa tinha a mesma função. Cada detalhe constituía, então, uma arma na luta por prestígio, de modo que elaborá-los não servia somente para a representação ostentatória e para a conquista de maior status e poder, para a segregação em relação aos de fora, mas também marcava mentalmente as distâncias entre os membros da sociedade (ELIAS, 2001, p. 126).
A crença na existência de uma “boa sociedade”, pautada na nobreza, se sustentava exatamente pela forma com que o indivíduo de corte era visto pelos outros: era a força da mentalidade coletiva que fundava o sentido da existência.
Assim como a etiqueta, a disciplina7, nas polícias militares, funciona como mecanismo de autorregulação corporal e mental que, de certa forma, serve para legitimar as posições e o status que os policiais assumem dentro da hierarquia organizacional: “Não podemos dissociar a etiqueta da disciplina militar. Os regulamentos militares preveem rigor tanto para uma formação de combate, quanto para um desfile, para entrar em um elevador...” (CASTRO e LEIRNER, 2009, p. 42). Ainda mais,
na caserna, sentar à mesa, andar em um corredor, dirigir a palavra a alguém, cumprimentar um colega, realizar um funeral, dirigir um memorando, entrar em um automóvel e combater passam pelo mesmo regime prescritivo. Deve-se seguir ordens e disposições que são fixadas pela cadeia de comando e que geralmente se encontram disponíveis para qualquer militar em regulamentos disciplinares e de etiqueta (Idem).
No entanto, não estamos a afirmar que existem permanências dos hábitos da corte nas polícias militares. Importa-nos observar como se consolidavam as estruturas sociais próprias à época da corte, que, ao mesmo tempo, impunham comportamentos aos indivíduos, que se tornavam, a partir das atitudes assumidas na realidade da nobreza, condições favoráveis que os diferenciavam. Consolida-se, dessa forma, um jogo social que coloca em disputa elementos materiais e simbólicos. O que destacamos é o exercício da autoridade, e como ela se impõe violentamente pelos policiais exatamente pelos padrões de distinção que eles assumem, devido aos símbolos usados, por exemplo, nos fardamentos da polícia nas ruas: “O espírito da corporação encontra-se cuidadosamente inscrito no gestual dos policiais, no modo como se expressam, na distribuição do recurso à palavra, na forma de ingressar socialmente nos lugares, no jeito mesmo de interagir com as pessoas” (MUNIZ, 1999, p. 89).
Bourdieu (2007) também nos ajuda a compreender esse processo de continuidade dos costumes na modernidade, não só pelo uso da etiqueta. Ele analisa “o gosto” como elemento condicionante de estilos de vida, o qual, enquanto preso ao habitus, funciona de forma estruturante, fazendo com que os costumes sejam incorporados como disposições necessárias para os agentes sociais, ao mesmo tempo em que estruturam o meio social, criando uma homologia de comportamentos. Vê-se, então, que tanto a perspectiva eliasiana sobre o universo da sociedade de corte como o olhar bourdieusiano nos levam ao caminho da “distinção”. Dessa maneira, os estudos de Bourdieu (2007, 2011) e Elias (2001, 1993, 1997) demonstram certa aproximação, algo observado pelo próprio Bourdieu:
Sinto-me mais próximo de Norbert Elias, mas por outras razões. Não tenho em mente o Elias das grandes tendências históricas, do “processo de civilização” etc., mas, antes, aquele que; como em La société de cour, capta mecanismos ocultos, invisíveis, baseados na existência de relações objetivas entre os indivíduos ou as instituições. A corte, tal como Elias a descreve, é um belíssimo exemplo do que chamo um campo em que, como num campo gravitacional, os diferentes agentes são arrastados por forças insuperáveis, inevitáveis, num movimento perpétuo, necessário para manter as hierarquias, as distâncias, os afastamentos (BOURDIEU, 2000, p. 48).
No que concerne de modo específico aos estudos sobre as polícias militares, é por esse mote que identificamos o que passamos a denominar de “distinção policial militar” (FRANÇA, 2014). Como exemplo, ao olharmos para a formação dos soldados da Brigada Militar no Rio Grande do Sul, afirma-se que,
de fato, pode-se interpretar o processo de formação nos parâmetros daquilo que Bourdieu denominou de institucionalização da distinção, isto é, a naturalização e o reconhecimento da instituição em cada um de seus membros. É esta luta para a naturalização de um novo mundo, de uma nova ordem de coisas, que é cobrada cotidianamente de diversas formas dos alunos-soldados. Tornar-se policial militar envolve um trabalho de pertencimento social a uma corporação que é cotidianamente inculcado nos sujeitos. Todos devem ser gradativamente socializados à vida policial militar e, em grande medida, “distanciados” de classificações da vida civil não compatíveis com ela (NUMMER, 2014, pp. 44-45).
Nessas condições, a distinção se caracteriza como “certa qualidade, mais frequentemente considerada como inata, de porte e de maneiras, é de fato diferença, separação, traço distintivo, resumindo, propriedade relacional que só existe em relação a outras propriedades” (BOURDIEU, 2011, p. 18, grifos do autor). No tocante aos policiais militares, a distinção funciona de modo a que eles “distinguem e agrupam os agentes que mais se pareçam entre si e que sejam tão diferentes quanto possível dos integrantes de outras classes, vizinhas ou distantes” (Idem, p. 24). Com base nesse argumento, podemos dizer que os policiais militares, ao mesmo tempo em que são todos agentes públicos, também se dividem em grupos de status8 que existem dentro da instituição policial militar e se consideram diferentes das pessoas que compõem a sociedade. Ao analisarmos os principais rituais do Curso de Formação de Oficiais da então Academia de Polícia Militar do Ceará, revela-se que o cerimonial policial militar ratifica o distanciamento social entre superiores e subordinados, de modo que essa formalização ritualística produz “distinção” (SÁ, 2002).
Acerca do fenômeno da distinção nas polícias militares brasileiras, os estilos de vida dos policiais devem ser analisados a partir da inter-relação estabelecida com a construção de identidades profissionais. Nesse ponto, desdobra-se uma socialização moldada por técnicas específicas (FOUCAULT, 1987), que passa a conformar a estrutura social própria aos policiais militares. Tal socialização condiciona uma trajetória profissional particular a cada um, mas voltada à crença, então, em oposição com o meio social vivenciado pelos outros, os civis (SÁ, 2002). Tem-se, por esse olhar, que o “ser militar” enceta um modo específico de relações que determina atitudes corporais e morais baseadas em uma visão de mundo que consolida a crença em qualificativos que fortalecem a identidade profissional. Ocorre, então, que a dimensão pessoal passa a se confundir com o mundo social incorporado, transformando a autonomia de quem ingressa no mundo militar em uma “subjetividade militar” (ROSA e BRITO, 2010; CALAZANS, 2003).
Nesse sentido, estamos diante de um processo que se fortalece pela cultura machista e por uma “matriz de masculinidade” (LEÓN, 2009). O que se confirma é que exércitos e polícias usam de elementos como a força e a violência para incutir o papel de virilidade aos rapazes que incorporam nessas instituições, o que acaba por fortalecer a ideologia dominadora dos homens (FALCONNET e LEFAUCHEUR, 1977; BOURDIEU, 2002). Com a chegada das mulheres nas polícias militares, elas também passaram a reproduzir a ideologia da masculinidade para serem aceitas pelos homens, bem como a legitimar a violência como recurso apreendido a partir da formação pautada nos ritos de militarização (CALAZANS, 2003).9
Historicamente falando, a partir do século XVIII, o soldado se tornou algo que se fabrica e o corpo, especialmente em locais como os quartéis, passou a ser um elemento de “docilização” e “utilidade”, ou seja, transformou-se no alvo de técnicas disciplinares que acabaram por fortalecer o que passou a ser conceituado pela perspectiva foucaultiana de “poder disciplinar” (FOUCAULT, 1987 e 2003). Enquanto elemento de transmissão do poder disciplinar, o corpo se tornou alvo da disciplina e esta trata de uma tecnologia política dos corpos, que deve passar a adestrá-los. Para o corpo ser tecnicamente adestrado, não é preciso que essa técnica seja mediada por um instrumento, basta apenas que o corpo se vincule a atos e ritos que sejam transmitidos com base na tradição - assim como o é a disciplina militar -, visto que o adestramento, como a construção de uma máquina, visa à aquisição de um rendimento. Nessa busca, o corpo é ensinado a evitar o erro seguindo o exemplo e a ordem (MAUSS, 2003).
Para os PMs, ser um policial se torna, portanto, agir em conformidade com o orgulho pessoal de usar a farda e de participar de uma instituição na qual todos também sentem a força de que “a camaradagem estrita e a solidariedade fraternal são ensinadas nos quartéis, objeto de regulamentação disciplinar e reforçadas nas ruas” (MUNIZ, 1999, p. 98). Como exemplo, em um estudo sobre a Brigada Militar do Rio Grande do Sul, percebe-se que o corporativismo entre os policiais militares gaúchos pode ser compreendido pela fala de um policial militar quando ele diz que “Nós somos como uma família. Fez para um, é como se tivesse feito para todos” (NUMMER, 2010, p. 199). Em outro estudo (BRITO e PEREIRA, 1996, p. 158), a fala de um policial militar também se destaca para enaltecer o corporativismo institucional: “Nós somos irmãos de farda. Temos que estar prontos para ajudar o outro. Tem que ter espírito de corpo, tem que dar apoio à pessoa que está com problema”. Como visto na fala do policial, essa ideia de corporativismo nas PMs se traduz na crença de que existe entre os profissionais policiais militares um “espírito de corpo”.
Percebemos que descrever o espírito de corpo entre os policiais militares é falar, em certo sentido, de um atributo moral que é compartilhado por todos na instituição PM, o qual adquire um senso prático que externaliza uma crença coletiva, mas que deve ser seguida por cada policial militar em particular. Se a disciplina como técnica, contida nos regulamentos policiais militares e executada na prática sob diversos enfoques, é o que garante a interiorização do orgulho coletivo inerente aos PMs, estamos a destacar que existe uma honra policial militar que consolida a distinção policial militar.
Entendemos por honra o sentimento subjetivo de cunho moral que, quando em contato com a realidade, gera o reconhecimento público pela sociedade das aspirações individuais em forma de prestígio ou reputação (PITT-RIVERS, 1992). Nesses termos, a honra se configura com base em modelos hierarquizados, pois ela só pode ser conquistada de acordo com a observância de comportamentos que se coadunem, por exemplo, segundo o status de quem a possui. Na sociedade de corte, por exemplo, a honra orientava os nobres, de acordo com um etos próprio, ao distanciamento de camadas sociais consideradas inferiores, o que acabava por legitimar a existência da nobreza vista como a “boa sociedade”. A honra presente na nobreza de corte mantinha-se como um atributo moral, vinculada à posição que se ocupava e fazia com que seu reconhecimento só existisse mediante as recíprocas opiniões que os nobres criavam na relação de uns para com os outros. As opiniões reciprocamente criadas funcionavam como uma forma de controle social na sociedade de corte e, “por isso, nenhum de seus membros podia escapar à pressão da opinião sem pôr em jogo sua qualidade de membro e sua identidade como representante da elite, parcela essencial de seu orgulho pessoal e de sua honra” (ELIAS, 2001, p. 113). Não por acaso, a honra aristocrática tem origem na cultura militarista (PITT-RIVERS, 1992).
No caso da honra policial militar, podemos dizer que ela se constrói a partir da chegada de um novo integrante nos cursos de formação policial militar, não importa se no nível das praças ou dos oficiais.10 Estaríamos a tratar, nesse sentido, de um fenômeno que, por ser fortalecido por prescrições regulamentares, acaba por se caracterizar como um dos principais fatores de distinção nas ruas entre policiais militares e paisanos. E para que o policial militar exerça atributos distintivos que o diferencie e o enalteça perante o público interno e, especialmente, externo, “parece ser preciso se manter vigilante em uma espécie de estado existencial de prontidão, jamais perdendo de vista o comprometimento de sempre ‘honrar a farda’ ‘em cada ação realizada’, ‘em cada ideal alcançado’, ‘em cada exemplo deixado’” (MUNIZ, 1999, p. 100).
A honra policial militar nos leva a observar que existem regulamentações formais que, aliadas a condições simbólicas próprias à instituição PM, como os diversos ritos que sustentam sua cultura e elementos distintivos como o fardamento, concretizam um fenômeno que passa a ser interiorizado por cada membro, criando uma rede de coerções mútuas. Essa rede funciona nas cobranças formais e informais entre os diversos segmentos hierárquicos, como entre os próprios pares de mesmo posto ou graduação, criando um controle social recíproco entre todos, de modo que os desvios e erros de comportamento passam a atingir o “pundonor policial militar”.11
A honra também opera como fator articulador de manutenção do status de cada membro da corporação, que evita a reprovação alheia -dos demais companheiros de farda, não importa se subordinados, pares ou superiores - para manter o orgulho de pertencer àqueles que honram a farda que vestem e, ao mesmo tempo, de manter a distinção perante o público externo - com o diferencial de também evitar as diversas punições com força de lei e que perseguem a todo instante os PMs. Por esse mote, os policiais militares, “durante a maior parte de suas vidas na atividade, vestem as fardas, portam as armas e usam os distintivos de suas corporações, estando neles expressa a dignidade autoproclamada do grupo” (SÁ, 2002, p. 67).
Tem-se, assim, que a honra policial militar, enquanto elemento que legitima a distinção PM, leva a consequências, ou seja,
na relação entre Polícia Militar e comunidade, os PMs constroem estereótipos ou modelos de comportamento para as pessoas da comunidade, baseando-se nos valores militares, ou seja, aqueles enfatizados durante o que denominamos chamar de processo de socialização na Academia de Polícia Militar. Esses estereótipos ou representações criam certas expectativas nos PMs em relação ao comportamento dos civis de uma determinada comunidade. Tais expectativas, geralmente, não correspondem à visão de mundo dos civis, gerando um desnível de comunicação e relacionamento entre uns e outros, o que pode resultar em violência policial. Essas representações construídas socialmente durante o CFP [Curso de Formação de Praças] referem-se à expectativa de que os civis se comportem como os policiais militares que aprendem a ter uma postura e compostura rígida desde os primeiros dias na escola de formação. Assim como os PMs de baixa ou nenhuma graduação têm que se submeter aos oficiais ou ao praça de maior graduação, assim também os PMs quando em serviço, principalmente operacional, esperam que os paisanos folgados se submetam a eles com o mesmo respeito e submissão (SILVA, 2002, pp. 26-27).
Nessas condições, a hierarquia também surge não apenas como um princípio legal por meio do qual os policiais militares cotidianamente expressam os sinais de respeito e de comando, de acordo com a posição que ocupam no regime intramuros da caserna, mas também ela é determinante na estruturação das relações com o mundo civil (LEIRNER, 1997). Se até hoje, no Brasil, as polícias estaduais responsáveis pelo policiamento ostensivo e pela ordem pública carregam formalmente em suas organizações o emblema distintivo do “ser militar”, como compreender que o modelo belicista e distintivo das PMs proporciona a prática da violência às classes desfavorecidas socialmente?
Da ficção à realidade: analisando a distinção policial militar a partir de um episódio da série ‘Black Mirror’
Nosso olhar, neste artigo, se debruça especificamente sobre o quinto dos seis episódios da terceira temporada da série Black Mirror, “Engenharia reversa”, com duração de uma hora, e, como personagem central, o soldado Stripe. A cena inicial se desdobra no alojamento de uma base militar, na qual uma superiora hierárquica, Medina, acorda os soldados (homens e mulheres) para informá-los de que houve um roubo, em uma aldeia próxima, cometido por “baratas”. De imediato, podemos perceber como a distinção entre militares e “baratas” se caracteriza pelas palavras da soldado Ray, que indaga Stripe: “É a sua primeira caça às baratas de verdade, não é?”. Ao que ele responde com um malicioso sorriso - como que demonstrando a ação prestigiosa para a qual está sendo empregado - “Caçar baratas!”.12
A naturalização da distinção entre a tropa de soldados e o inimigo a ser caçado é demonstrada pelo expediente discursivo utilizado pelos militares e pelos elementos simbólicos visivelmente observados pela externalização do “espírito militar” (CASTRO, 2004). Todos deixam a base fortemente armados e equipados em suas fardas de combatente. Um deles fala para Stripe: “Aí novato! Novato! Vou te dar uma dica, caso fique cara a cara com alguma barata hoje. Quando olhar nos olhos delas tente não se cagar todo, só vai deixá-las putas”. A soldado Ray interpela a conversa e acrescenta: “A caça está no meu sangue. Alguns de nós nascemos com o dom”. Na aldeia onde ocorreu o delito, a população local acusa as “baratas” de furtar o estoque de comida. Orientados pelos moradores, os militares continuam a caça, e chegam à casa de um homem considerado um fanático religioso, que supostamente protegeria baratas”.
Assim como a disciplina militar enquanto técnica (FOUCAULT, 1987, 2003) acompanha os militares no mundo real, na ficção todos os militares usam chips em seus cérebros, que os permitem fazer de seus olhos um projetor de informações em forma de hologramas. Ao estudar o local antes de invadir a casa do religioso, a comandante Medina assevera que “se tudo der certo, nenhum tiro será dado”. Mas a soldado Ray retifica com ar de riso: “Exceto em baratas”.13 O sentimento demonstrado pelos militares em relação às “baratas” em diversas situações nos incita a uma reflexão kafkiana a partir da obra A metamorfose, cujo desfecho revela a morte de GregorSamsa como uma criatura horrenda, que foi rejeitada pela própria família devido ao seu aspecto semelhante a uma barata. O nojo e a aversão ao personagem de Kafka nos remetem à mesma lógica social nutrida pelos militares no episódio de Black Mirror, assim também como quando policiais militares se referem aos “paisanos” como uma categoria de pessoas diferenciadas e não pertencentes ao universo da cultura militar (CASTRO, 2004).14
Na casa do religioso, essa distinção apresenta sua face mais violenta: a letalidade. Enquanto a comandante Medina interroga o religioso, Stripe e Ray vasculham outros cômodos da casa em busca das baratas. As palavras de Medina para o religioso sintetizam bem a correlação entre o fenômeno da distinção e a sua eclosão, traduzida em violência a partir da construção social de um outsider (ELIAS, 2000), nesse caso, pela visão eugenista criada pelos militares sobre as “baratas”:
Você tem uma cruz na parede. Tem princípios. Acha que toda vida é sagrada. Eu entendo. Se toda a vida é sagrada, você se vê obrigado a proteger as baratas. Não é culpa delas que sejam assim. Não pediram para nascer assim. Alguma merda no sangue delas as fez assim. A doença que elas carregam não liga para a importância da vida nem para a dor das outras pessoas que vão sofrer. Se não detivermos as baratas daqui a cinco, dez, 20 anos, ainda vão nascer crianças assim, e vão se reproduzir. E esse ciclo de dor não vai parar nunca. Nem a doença, e ela podia ter sido contida. Para cada barata que você salva hoje, condena-se sabe-se lá quantas pessoas ao sofrimento no futuro. Não é possível que ainda as veja como humanas. Temos que acabar com elas para que a humanidade continue existindo. Precisamos fazer sacrifícios. (Transcrição da legendada série Black Mirror traduzida pela Netflix)
Em continuidade, Stripe se depara com as “baratas”, vendo suas faces deformadas como monstros, o que o faz atirar e matar uma, do sexo masculino. Em luta corporal com outra, também do sexo masculino, o soldado a esfaqueia violentamente. Entretanto, suas percepções delas, a partir desse ato, começarão a mudar. Durante a luta, um mecanismo eletrônico carregado pela “barata” acabou por produzir falhas no chip -chamado de máscara - de Stripe, alterando a percepção visual do militar. Ao deixarem o local, os militares associam as mortes à distinção:
Lens (para Stripe): Soube que você matou uma delas.
Stripe (se mostrando orgulhoso): Duas.
Ray: Duas?
Stripe: Matei outra com a faca.
Ray: Com a faca? Puta merda!
Stripe: Mandei bem, não é?
Ray: Mandou, seu exterminador do caralho! Ele matou duas na primeira caçada! Que filho da puta sortudo! Esse babaca vai ter bons sonhos hoje.15
(Transcrição da legenda da série Black Mirror traduzida pela Netflix)
Acerca das polícias militares em nosso país, o caso da morte de Luana Barbosa dos Reis, ocorrido em 2016, serve de exemplo para correlacionarmos realidade e ficção. Luana, de 34 anos, negra, lésbica e moradora da periferia de Ribeirão Preto, foi morta por policiais militares do 51º Batalhão da PM paulista. Luana, que tinha sido alvo de frequentes revistas por parte da PM, foi abordada por três policiais enquanto dirigia uma moto, teria pedido, de acordo com testemunhas, para ser revistada por uma policial feminina. Os policiais teriam, então, chutado Luana, para obrigá-la a abrir as pernas. Luana caiu, levantou, e reagiu, dando um soco em um dos PMs e pisando no pé de outro o que foi suficiente para ser espancada com um cassetete e com seu próprio capacete, após ter abaixado a cabeça e colocado as mãos para trás. Segundo relatos da vítima, os PMs teriam ameaçado sua família e seu filho de 14 anos, que presenciou o espancamento da mãe. Luana não resistiu aos ferimentos e faleceu após internamento (G1, 16/04/2016).
Na década de 1990, dois casos envolvendo a violência policial militar ganharam repercussão internacional. O primeiro deles ocorreu em 1992, quando 111 detentos da Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo, foram mortos pela tropa de choque da PM paulista, que invadiu o local para estabelecer a ordem durante uma rebelião. Trechos de uma carta anônima de um sobrevivente servem de exemplo para situarmos o fenômeno da distinção e a violência PM.
Rajadas de metralhadoras, sons extrondozos [sic] de espingarda cartucheira calibre doze, barulhos de bomba, latidos de cachorro, gritos de dor e sofrimento eram ouvido por todos. Todos nós estávamos com muito medo, ouvimos policias da Rota gritarem “aqui é a Rota, seus filhos da puta”, “voceis [sic] são lixo, animais e, precisam morrer”. Vimos policiais chegarem nos guinches dos xadrezes e, colocarem a metralhadora apontada para dentro e, metralharem a todos, como se fossem ratos (PEDROSO, 2005, p. 25).
O segundo caso aconteceu na Favela Naval, em Diadema, no estado de São Paulo, e foi filmado por um cinegrafista amador e divulgado por uma emissora de TV aberta em 1997.16 Policiais militares aparecem extorquindo e violentando moradores durante uma blitz, que culminou na morte do mecânico Mário José Josino, de 29 anos, após um PM ter atirado na parte traseira do carro no qual se encontrava a vítima. Quinze anos depois, ao ser entrevistado por uma Rede de TV17 e após cumprir oito anos de prisão, o PM, conhecido como Rambo, declara que agiu “para consertar uma sociedade que não tem jeito de consertar”. As palavras do ex-policial, ao expressar sua responsabilidade de impor valores, por meio da violência e do abuso de autoridade, para eliminar os problemas da sociedade, traduzem bem a lógica da distinção policial militar.
Em 2003, quatro jovens foram assassinados por policiais militares no Rio de Janeiro, no Morro do Borel, no que ficou conhecido como a Chacina do Borel. Segundo informações da PM carioca, os jovens pertenciam a um bando de traficantes, e foram mortos em um tiroteio. Ao final da operação policial, armas e drogas foram apreendidas.
No final da tarde do dia 16 de abril, Carlos Magno, de 18 anos, que morava na Suíça e tinha vindo ao Brasil para o alistamento militar, se encontrou com o amigo de infância Thiago, de 19 anos, em uma barbearia do morro. Ao saírem da barbearia, os dois jovens ouviram tiros e correram, assim como Carlos Alberto, de 21 anos, que chegava ao local. Os três correram para uma vila, onde foram atingidos por PMs de cima de uma laje. De acordo com o laudo tanatoscópico, Carlos Magno levou seis tiros -sendo três pelas costas - e morreu na hora. Thiago morreu com cinco tiros - um pelas costas -, de modo que alguns tiros foram efetuados à queima-roupa, por apresentarem alta energia cinética. Já Carlos Alberto foi morto com 12 tiros - sete pelas costas -. Pelas regiões atingidas, como mãos e antebraço, tentou se defender, visto que os disparos foram efetuados a curta distância. O quarto jovem morto foi Everson Silote, de 26 anos, que se deparou com os PMs ao voltar a pé para casa. Ao tentar se identificar, teve seu braço quebrado e foi morto com cinco tiros - um pelas costas. Dois outros jovens foram baleados, mas sobreviveram. Segundo a perícia policial, tratou-se de uma emboscada promovida pelos PMs. Dos cinco policiais à época indiciados, após julgamentos, apelações e absolvições, nenhum permanece preso.
Outro caso emblemático aconteceu em 2014, no Rio de Janeiro, e foi divulgado por um jornal televisivo de canal aberto brasileiro (G1, 20/07/2014). Dois cabos da PM carioca apreenderam três menores, dois dos quais eram suspeitos de praticar furtos no Centro. Após a perseguição e apreensão dos menores, ao retornarem à viatura, um PM pergunta “Lá para cima?”, ao que o outro responde “Descarregar a arma um pouquinho”. E o primeiro complementa com “Jogar lá de cima”. A “parte de cima” é o Morro do Sumaré, localizado na Floresta da Tijuca. A ação dos PMs foi gravada por duas câmeras colocadas no interior da viatura policial, instaladas por força de Lei Estadual de 2009. A gravação, no entanto, foi pausada durante dez minutos e reinicia com o retorno dos PMs à viatura, sem os adolescentes.
Dos três garotos, um foi liberado. Cinco dias depois, Matheus Alves dos Santos, de 14 anos, foi encontrado morto. O outro garoto, de 15 anos, levou dois tiros, mas sobreviveu, o que possibilitou a denúncia dos policiais. Em 2016, depois de provada a ação homicida dos PMs, ambos foram expulsos da corporação.
Em 2014, na cidade do Rio de Janeiro, a auxiliar de serviços gerais Cláudia Silva Ferreira, negra, de 38 anos, morreu após ser atingida por duas balas perdidas em confronto entre PMs do 9º Batalhão e traficantes do Morro da Congonha, em Madureira. O pior a ser destacado é que a vítima acabou sendo arrastada, dependurada na parte traseira da viatura policial, por cerca de 250 metros em uma movimentada avenida carioca. A cena foi gravada por um cinegrafista amador e causou muita repercussão. Segundo os PMs, eles estavam socorrendo a vítima. Mas, segundo a irmã da vítima, “Acham que quem mora na comunidade é bandido. Tratam a gente como se fôssemos uma carne descartável”. A filha de Cláudia, de 18 anos, disse: “Eles arrastaram minha mãe como se fosse um saco e a jogaram para dentro do camburão como um animal” (HERINGER, MODENA e HOERTEL, 17/03/2014).
Outro caso que gerou muita repercussão envolvendo policiais militares no Rio de Janeiro foi a tortura seguida de morte do pedreiro e morador da Favela da Rocinha Amarildo de Souza, negro, de 47 anos, em 2013. Doze PMs foram condenados em 2016 pela execução e ocultação do corpo da vítima, até hoje nunca encontrado. Amarildo teria sido levado para a sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. Seu translado foi registrado por câmeras, mas, depois disso, ele desapareceu (AGÊNCIA PÚBLICA, 27/02/2014). De acordo com as denúncias do Ministério Público, Amarildo teria sido levado para a sede da UPP para averiguação, quando, na verdade, o objetivo dos PMs era obter informações sobre drogas e armas utilizadas por traficantes da Rocinha.18
Em 2015, em Salvador, um episódio que ficou conhecido como a “Chacina do Cabula” ganhou repercussão internacional. Dezoito jovens negros, após perseguição por PMs da Rondesp (Rondas Especiais da Bahia), na vila Moisés, no bairro do Cabula, teriam sido cercados em um campo de futebol. Doze dos dezoito jovens foram executados. Os outros seis sobreviveram por se fingiram de mortos. Os PMs deflagraram cerca de 500 tiros, tendo 88 deles atingido os jovens - 70 atingiram os jovens que morreram e 18, os remanescentes -, segundo as informações dos laudos tanatoscópicos. Durante a análise judicial do caso, uma juíza substituta, em apenas dez dias, absolveu os nove PMs acusados sem a instauração do devido processo legal. Segundo o Ministério Público, os laudos cadavéricos indicam que houve execução, porque as vítimas se encontravam em um plano inferior aos agressores, ou seja, de joelhos ou deitadas. Além disso, apresentavam perfurações nas palmas das mãos, antebraços e braços, o que revela que estavam em posição de defesa. Outro ponto observado é que a maioria das vítimas tinha levado pelo menos cinco tiros. O discurso oficial da PM foi de troca de tiro com bandidos, que teria vitimado um PM com um tiro de raspão na cabeça. Um dia após a chacina, o governador da Bahia fez uma declaração sinalizando a absolvição dos PMs, quando os comparou a “artilheiros diante do gol” (AZEVEDO, 19/02/2016). Três dias antes, o mesmo governador tinha pedido a expulsão de um tenente por ter executado o cachorro de uma moradora de um condomínio de classe média, em Teixeira de Freitas (CARTA CAPITAL, 16/06/2015). Assim, em uma sociedade em que o cão do rico vale mais que o negro pobre, compartilhamos das ideias de Zaccone (2015) sobre como a integração do sistema penal brasileiro funciona para legitimar a morte daqueles que são indignos de vida.
Em um relatório lançado pela Anistia Internacional intitulado “Você matou meu filho: Homicídios cometidos pela polícia militar no Rio de Janeiro” (2015), relatam-se casos de execuções extrajudiciais cometidas por policiais militares e notificadas como autos de resistência. Em um deles, policiais militares mataram um garoto de 10 anos que estava em frente à sua casa, esperando a irmã, quando não estava acontecendo nenhum tipo de operação policial ou troca de tiro. A mãe do garoto, em desespero ao ver o filho caído e morto, gritou para os policiais “Você matou meu filho, seu desgraçado maldito”. Em resposta, o PM teria dito “Assim como eu matei seu filho, eu posso muito bem te matar, porque eu matei um filho de bandido, um filho de vagabundo” (ANISTIA INTERNACIONAL, 2015, p. 20).
No mesmo relatório, assim como encontrada na fala da personagem Medina anteriormente destacada (“Se não detivermos as baratas daqui a cinco, dez, 20 anos, ainda vão nascer crianças assim, e vão se reproduzir”), outros policiais -no caso, um policial civil- também reproduzem o discurso eugênico acerca das “baratas” da vida real frente a um grupo de 20 crianças, entre 5 e 12 anos, que estavam saindo da escola, na Favela do Acari.Ao apontar um fuzil para as crianças e suas mães, o policial comentou: “Tudo semente do mal, futuros traficantes” (Idem, 2015, p. 60). Não por acaso, em 2008, depois de uma missão do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) do Rio de Janeiro ter deixado nove mortos, um major declarou que “a PM deveria ser vista como o melhor inseticida social existente” (ALVES e EVANSON, 2013, p. 202).
É no sentido de funcionar como um “inseticida social” que os PMs se mobilizam para legitimar a “distinção policial militar”, pois, na guerra empreendida contra o crime, colocam-se de um lado os policiais militares (os estabelecidos) e, de outro, os outsiders (os vagabundos, traficantes de droga e população pobre das periferias). É nesse contexto que estudos revelam (ANISTIA INTERNACIONAL, 2015; KUCINSKI et al., 2015) que a maioria das mortes de civis decorrentes da letalidade policial militar diz respeito a jovens do sexo masculino entre os 15 e 29 anos, negros e moradores das periferias. Por essa lógica, a série Black Mirror serve de parâmetro explicativo para a compreensão de como as “baratas” do mundo real são vistas pelos policiais militares.
Após os defeitos que surgem no chip utilizado pelo soldado Stripe, o mesmo passa a ter uma série de complicações que anulam o funcionamento do dispositivo. Ele passa a recobrar os sentidos e a perceber o mundo sem o filtro do mecanismo, como quando ele se depara sentindo o cheiro da grama enquanto, à volta, seus colegas militares estão preocupados em cumprir uma nova missão de caça às baratas. É nesse momento que Medina é atingida e morre, restando a Stripe e Ray irem em busca da “barata assassina”. No entanto, enquanto a soldado Ray permanece avistando pessoas com o rosto deformado por conta do mecanismo eletrônico que usa, Stripe já enxerga, mas ainda não compreende, que as baratas não passam de pessoas como ele. Isso o leva a violentamente tentar parar a soldado Ray de matar civis, mas ela acaba o atingindo com um tiro. Ao fugir da companheira de profissão, levando sob sua proteção uma mulher e seu filho pequeno, Stripe acaba desmaiando em um abrigo subterrâneo, ao qual fora levado pela mulher. Quando ele recobra os sentidos, passa-se o seguinte diálogo:
Mulher: Você me vê como eu sou.
Stripe: É claro que te vejo.
Mulher: Não me vê como uma barata.
Stripe: Você não é uma barata. As baratas são todas...
Mulher: Desfiguradas?
Stripe: Baratas não falam.
Mulher: Vocês não podem nos ouvir.
Stripe: Do que está falando?
Mulher: Dos implantes. Os implantes do Exército.
Stripe: O sistema de máscara?
Mulher: Colocam-no em sua cabeça para ajudar a lutar. Quando funciona, você nos vê de forma diferente.
Stripe: Os aldeões... Os moradores não são do Exército. Não têm implantes na cabeça. Eles temem as baratas. Eles as odeiam.
Mulher: Todos nos odeiam.
Stripe: E o que eles veem? Civis olham para uma barata e veem o quê?
Mulher: O mesmo que você está vendo. Eles nos odeiam porque foram ensinados a odiar. Começou há dez anos, após a guerra, com o programa de triagem com os exames de DNA. Depois o registro, as medidas de emergência... De repente, todos passaram a nos chamar de criaturas. Criaturas imundas. Por toda parte. Na TV, no computador... Dizem que somos doentes, que temos uma fraqueza no nosso sangue, que a nossa linhagem não pode continuar existindo. Meu nome era Catarina. O dele era Alec. Agora somos apenas baratas. Agora você consegue me ver.
(Transcrição da legendada série Black Mirror traduzida pela Netflix)
A revelação sobre quem são as baratas antecede o momento no qual a soldado Ray descobre o abrigo e executa a mulher e seu filho. Aos gritos de Stripe, que fala para Ray que “é tudo mentira”, a soldado apenas sentencia: “Me dê um motivo para não te matar”.
Após ser preso, Stripe escuta do médico militar a explicação para a sua “máscara” ter falhado: a interferência do mecanismo eletrônico desenvolvido pelas baratas. E, diante da resistência de Stripe em querer continuar sendo um soldado que assassina pessoas consideradas monstros e chamadas de “baratas”, o médico afirma que, por meio da máscara implantada, que é “a maior arma militar de todas”, se condiciona o militar para que ele entenda que “é muito mais fácil puxar o gatilho mirando no bicho-papão. Mas não são só os seus olhos. Outros sentidos também são afetados. Você não ouve os gritos, não sente o cheiro de sangue e de merda”. Ainda mais, o médico vaticina após Stripe afirmar que se trata de “seres humanos”: “Não se sinta mal por fazer o seu trabalho. Os aldeões não o farão. Os moradores da sua cidade não o farão. As máscaras fazem com que matem. Você está protegendo a linhagem. Isso, meu amigo, é uma honra”.
A resistência de Stripe em concordar com o médico, argumentando que honra não pode significar mentira e assassinato, coloca-o diante de um dilema: ser preso ou reimplantar a máscara. O médico explica que Stripe se voluntariou para ser um militar e usar a máscara: “Você aceitou que implantássemos a máscara em você. Todo soldado aceita. Não podemos implantar uma ilusão. Sua mente rejeitaria. Você precisa aceitá-la. De bom grado. É exatamente o que você fez”. Por fim, Stripe opta por ter o mecanismo implantado para não ser preso e evitar conviver com as memórias não filtradas pela “máscara”, perdendo novamente sua autonomia e voltando a ser um militar, treinado para limpar o mundo das “baratas”.
De modo análogo, no mundo real, os policiais militares não usam chips, mas são treinados, condicionados e adestrados por técnicas disciplinares (FOUCAULT, 1987; GROS, 2009; CANNETTI, 1995) que os ensinam a perceber e a ordenar o mundo e, consequentemente, as pessoas, de acordo com ideais de beleza, limpeza e ordem.19 Policiais militares são recrutados todos os anos em concursos públicos para se tornar profissionais de segurança pública. Quando se deparam com a realidade das casernas, são alertados, desde os cursos de formação: “Veio porque quis, foi voluntário, se não aguentar, peça baixa!”.20
Considerações finais
A relação entre as polícias militares e a sociedade de modo geral em nosso país sempre foi conflituosa. Afinal, os PMs, quando viviam nos quartéis, antes do período ditatorial, eram acionados para acabar com distúrbios civis. Com a ditadura, os PMs passaram a atuar para manter a ordem pública e a segurança nacional, indo para as ruas de forma corriqueira. Com o advento da democracia, policiais militares aprenderam que sua missão deveria ser a promoção de segurança pública e cidadã - e, contemporaneamente, de segurança humana.
No entanto, viaturas policiais trafegam em locais delimitados. Nas periferias suburbanas, onde o Estado não atua, é que é possível encontrar “baratas” humanas. Apenas em lugares mal estruturados, insalubres e escuros é que estão os vagabundos. E, em meio aos vagabundos, todos aqueles que os circundam e que estão contaminados: por carregarem a pobreza em seus corpos e suas faces, devem ser combatidos sempre que desafiarem a autoridade de quem é responsável por manter a ordem.
Assim, buscamos neste artigo, por meio da análise de um episódio da série britânica Black Mirror, compreender como se relaciona a distinção policial militar e a violência praticada pelos PMs. Sentir-se distinto é assumir, como vimos, valores morais vinculados a um ideal de superioridade. No caso das PMs, esse ideal é construído por meio do disciplinamento responsável pela subjetivação dos policiais, juntamente com a internalização de uma crença compartilhada por um código de sentimento e pertencimento coletivos traduzido pelo espírito de corpo. Então, aos que não pertencem a um mundo cultural nutrido por valores elencados como superiores, resta a violência, uma forma de retaliação para os desvios cometidos, de acordo com a ótica dos policiais, ou se a autoridade policial é questionada.
De maneira mais crônica, a distinção policial militar opera a externalização da violência por um discurso de ódio, eugenista, propalado pela guerra às drogas e pelo refrão “bandido bom é bandido morto”. Assim como diz a personagem que revela ao soldado Stripe a verdade sobre quem são as baratas, a sociedade também é ensinada e influenciada pela mídia e pelos discursos governamentais a acreditar que bandidos e favelados são “criaturas imundas” e, logo, devem ser combatidos e extintos. Por fim, recobramos assertivas interessantes de dois estudiosos que bem traduzem o problema que abordamos. Na primeira, citada por Mingardi (2015, p. 16) e retirada da obra do cubano Leonardo Padura (2012, p. 120), um personagem enfatiza: “Eu sou policial, não distribuo comida, recolho a merda”. Na outra, retirada de uma música de Edson Gomes e utilizada como epígrafe no texto de Wyllys (2015, p. 51): “Quando a polícia cai em cima de mim, até parece que sou fera”.
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Notas
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