Formação técnica integrada: perfil e expectativas de estudantes em um curso de informática¹

Formación técnica integrada: perfil y expectativas de Estudiantes en un curso de Informática

Integrated Technical Education: profile and expectations of students in a computer science course

Ednéia Martins Ferreira de Souza neiamartins05@gmail.com

Universidade Estadual do Paraná, Brasil

Maria Izabel Rodrigues Tognato belinhatog@yahoo.com.br

Universidade Estadual do Paraná, Brasil

Os Institutos Federais foram criados numa concepção de educação profissional e tecnológica, não como mera instrumentalizadora de pessoas para ocupações determinadas por um mercado, mas com o objetivo de formar cidadãos para o mundo do trabalho. Tendo em vista essa concepção de criação dos Institutos Federais, consideramos que a sua finalidade, ao integrar uma formação técnica junto à última fase da educação básica, seria a de proporcionar ao estudante uma formação mais abrangente, permitindo-lhe o exercício de uma profissão pelo desenvolvimento da capacidade crítica e reflexiva. No entanto, ao longo de nossa experiência, algumas lacunas ainda se apresentam como, por exemplo, as dificuldades na finalização das disciplinas técnicas de um curso e um número significativo de desistências no decorrer dos anos letivos. Por essas razões, selecionamos o curso Técnico Integrado em Informática como objeto de investigação. Para tanto, tomamos, por base, os seguintes questionamentos:

• Em que aspectos o perfil e as expectativas dos estudantes se relacionam com as propostas do curso investigado?

• As propostas e finalidades do curso sobre a formação técnica integrada, conforme se apresentam nos documentos analisados, permitem aos estudantes uma compreensão mais ampliada acerca do que lhes é esperado?

A nosso ver, as reflexões, as discussões e as críticas propiciam um debate social que nos possibilitam reorganizar o processo de formação humana como aspecto positivo à construção de diferentes elementos, tais como: o saber, a constituição e o desenvolvimento dos alunos, inseridos nesse contexto.

Para isso, fundamentamos nossos estudos nos aportes teóricos, oriundos de diferentes áreas do conhecimento, tais como: a Sociologia (GIDDENS, 2002), a Psicologia (VIGOTSKY, 2010), a Economia (FURTADO, 1984; SCHULTZ, 1973), a Educação (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012) e o campo da Interdisciplinaridade (MORIN, 1991; 2005). Quanto à natureza da pesquisa, utilizamos as abordagens qualitativa e quantitativa (RAMOS, 2013). No que diz respeito aos procedimentos de coleta de dados, utilizamos questionários com os estudantes do contexto investigado, levantamento de dados sobre seus perfis por meio de informações socioeconômicas, entre outras, obtidas a partir de registros acadêmicos, análise de documentos institucionais como as normativas internas da instituição, decretos e resoluções do MEC no que se refere aos objetivos e finalidades propostos para o Ensino Técnico Integrado. Quanto aos procedimentos de análise, por um lado, pautamos nossos estudos em Morin (1991; 2005), da teoria da Complexidade, ao tratar dos princípios dialógico, hologramático e de organização recursiva para analisar a relação dialógica que permeia o fenômeno em estudo, e, por outro, nos estudos de Bronckart (2009; 2008) e Bulea (2010), da perspectiva teórico-metodológica do Interacionismo Sociodiscursivo (ISD), ao proporem a identificação de conteúdo temático, temas e subtemas sobre as representações dos estudantes mobilizados em suas respostas às perguntas subjetivas do questionário.

No que tange à organização textual deste trabalho, primeiramente, apresentaremos uma descrição dos procedimentos utilizados, tanto para a coleta quanto para a análise dos dados. Em um segundo momento, trataremos da descrição e análise dos dados, apresentando nossas interpretações e compreensões subsidiadas por alguns constructos teóricos. Por fim, teceremos algumas considerações a fim de sintetizar os resultados da pesquisa até o presente momento.

A metodologia utilizada considera a expansão do uso de métodos mistos em pesquisas nas ciências humanas e sociais com base no desenvolvimento e na legitimidade da pesquisa qualitativa e quantitativa (CRESWELL, 2007). Por isso, pautamos nosso trabalho em ambas as abordagens a fim de entender, de forma mais ampliada, o perfil e as expectativas dos estudantes no curso investigado.

A abordagem qualitativa nos permite compreender as informações obtidas relacionando-as às propostas do curso. Corroboramos as ideias de Creswell e Clarck (2018) ao defenderem que tal abordagem “explora uma ideia (o fenômeno central)” visando obter uma “compreensão aprofundada” sobre o objeto investigado.

No que concerne à utilização de métodos quantitativos em pesquisas envolvendo questões sociais, Ramos (2013) afirma que possibilita a descrição de características de grupos sociais, de realidades e de contextos, determina relações causais e pode gerar uma estatística representativa para uma população a partir de uma amostra.

Nesse sentido, consideramos a articulação entre ambas as abordagens de pesquisa fundamental para entendermos as possíveis relações entre os dados coletados, tendo em vista o número de estudantes que compõe o estudo. Conforme ressalta Creswell (2007, p. 213), a fusão de tais métodos é essencial para “[...] expandir o entendimento de um método para outro, para convergir ou confirmar resultados de diferentes fontes de dados”.

Para uma maior compreensão dos procedimentos metodológicos, sistematizamos os instrumentos de coleta de dados, seus objetivos e critérios de análise levando em conta o objetivo mais amplo desse estudo, referente à discussão sobre a formação técnica integrada a partir das relações entre o perfil, as expectativas de estudantes e as propostas do Curso Técnico Integrado em Informática, de um campusdo Instituto Federal do Paraná, conforme Quadro 1.

Quadro 1
Procedimentos Metodológicos

as Autoras.

No que concerne aos registros acadêmicos, tais dados nos possibilitaram identificar o número de alunos por turma, por gênero, idade, se eram provenientes de escola pública ou privada, município e área de residência, tal como o número de estudantes bolsistas e inscritos nos programas da assistência estudantil.

Quanto ao questionário, ele é composto por dez questões objetivas e seis discursivas tendo sido aplicado por meio da plataforma SurveyMonkey², devido ao fato de o curso ser na área de informática e estarmos trabalhando com um público de adolescentes, sintonizados com os recursos tecnológicos. O questionário foi submetido, avaliado e autorizado pelo Comitê de Ética em Pesquisas com Seres Humanos (CEP), da Faculdade Integrado de Campo Mourão. Assim, procedemos a uma execução piloto com os estudantes do curso Técnico Integrado em Produção de Moda, do mesmo campus. Essa prática prévia corroborou o nível de entendimento das perguntas do questionário pelos alunos, como testar os recursos tecnológicos, tais como: computadores, acesso à internet, acesso e envio do questionário e tempo necessário para que os estudantes respondessem com tranquilidade a todas as questões. A aplicação do questionário permitiu-nos atingir um número expressivo de estudantes, garantindo o anonimato das respostas, além da identificação sobre algumas de suas representações referentes à formação técnica integrada.

Quanto aos documentos institucionais e às normativas internas da instituição, analisamos os principais documentos que norteiam e orientam as propostas do curso Técnico Integrado em Informática do IFPR – campus Avançado Goioerê. Acessamos as leis, decretos e resoluções que orientam, de maneira geral, o ensino Técnico Integrado no Brasil: os artigos nº 35, 36, 39, 40, 41, e 42 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394 de 20 de dezembro de 1996, Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004, Resolução nº 6, de 20 de setembro de 2012; e, as normativas internas da instituição: Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008 e específico ao curso investigado, o Projeto Pedagógico do Curso Técnico Integrado em Informática. Para a análise desses documentos, selecionamos os objetivos e finalidades da proposta de formação técnica integrada a fim de identificar o que é esperado dos alunos, conforme mencionamos em um dos questionamentos na introdução deste texto.

O tratamento das respostas subjetivas do questionário foi realizado por meio de uma análise qualitativa dos conteúdos com base em alguns dos procedimentos de análise do ISD (BRONCKART, 2009; 2008; BULEA, 2010), bem como em alguns conceitos da Teoria da Complexidade (MORIN, 2005; 1996), mencionados anteriormente.

Partindo da perspectiva do Interacionismo Sociodiscursivo quanto às análises, consideramos a relevância do contexto e da situação de produção em que a pesquisa ocorre influenciando diretamente no sentido dos dados coletados (GONÇALVES; SILVA; GÓIS, 2014). Tais procedimentos de análise permitem-nos obter um maior entendimento dos dados e de seus possíveis significados e implicações, principalmente, quanto às representações obtidas por meio das informações dos estudantes. Assim, utilizamos as propostas de Bronckart (2009) e Bulea (2010), ao proporem a identificação de conteúdo temático, organizando os dados em temas e subtemas no que concerne às representações dos estudantes mobilizados em suas respostas ao questionário. Esses autores nos propõem uma organização dos dados por temas (SOT – Segmentos de Orientação Temática), como trechos do texto que iniciam um tema, normalmente produzidos pelo pesquisador; e subtemas (STT - Segmentos de Tratamento Temático), como os segmentos do texto que efetivamente desenvolvem um tema, normalmente produzidos pelo questionado em resposta a uma pergunta. Esses procedimentos permitem-nos identificar o decurso de temas e subtemas abordados que emergem dos dados, possibilitando-nos analisar a frequência e a ordem com que ocorrem no decorrer das questões e das respostas, tal como perceber a ausência de certos temas e subtemas (BULEA, 2010).

Quanto aos conceitos da Teoria da Complexidade, utilizamos o princípio dialógico, que parte da ideia de que duas lógicas antagônicas, porém, complementares, se retroalimentam; o princípio recursivo, que parte da ideia de que “[...] tudo o que é produzido volta sobre o que produziu num ciclo ele mesmo auto-constitutivo, auto-organizador e auto-produtor [...]” (MORIN, 1991, p. 90) e o princípio hologramático, que parte da premissa de que as partes estão no todo e este está nas partes. De acordo com o autor, os três princípios estão conectados, uma vez que os sujeitos produzem a sociedade que os produz num ciclo de autoprodução em que polos diferentes (indivíduo e sociedade, parte e todo) se retroalimentam (MORIN, 1991; 2005). Em outras palavras, embora estando em polos diferentes, as partes investigadas encontram-se integradas, tendo em vista que o perfil e as expectativas dos estudantes que compõem o curso podem exercer influência em suas propostas, o que possivelmente provoca uma mudança no perfil dos estudantes, alimentando novas expectativas lançando novos desafios para os estudantes. Essa relação dialógica pode influenciar o contexto social, ao produzir novos indivíduos, novos perfis e expectativas gerando novas propostas de curso. Ou seja, os estudantes são formados por uma instituição social ao mesmo tempo que contribuem para a formação dessa instituição.

No que tange ao contexto de produção de nossa pesquisa, apresentamos alguns dados do Instituto Federal do Paraná, tomando por base as informações do site da instituição (IFPR, 2017). Trata-se de um conjunto de 38 Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia no Brasil, sendo que o do Estado do Paraná possui 25 campi e 5 desses campi são avançados (unidades recentes, vinculadas a um “Campus Mãe”). O Campus Avançado investigado iniciou suas atividades na cidade de Goioerê no ano de 2014 e está vinculado ao Campus Umuarama, possuindo no ano de 2017, quatro cursos subsequentes ao Ensino Médio na modalidade semipresencial, sendo: Meio Ambiente, Logística, Serviços Públicos e Segurança do Trabalho, e dois cursos técnicos integrados ao Ensino Médio na modalidade presencial: Informática e Produção de Moda.

Os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio, conforme prevê a Resolução nº 6 de 20 de setembro de 2012, que define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, em seu artigo 3º, destaca que esse nível de ensino pode ser desenvolvido de forma articulada, podendo ser integrada ou concomitante ao Ensino Médio. De acordo com a mesma resolução, em seu artigo 7º, a formação técnica integrada é aquela “ofertada somente a quem já tenha concluído o Ensino Fundamental, com matrícula única na mesma instituição, de modo a conduzir o estudante à habilitação profissional técnica de nível médio ao mesmo tempo que conclui a última etapa da Educação Básica”. Na Imagem 1, podemos observar a organização curricular do curso investigado.

Imagem 1
Organização das disciplinas do Curso Técnico Integrado em Informática do contexto investigado
as autoras, com base nos dados do Instituto Federal (2016).

A integração proposta pela instituição que contextualiza nosso objeto de pesquisa vai além de uma justaposição curricular de disciplinas. O propósito é de trabalhar de forma a articular os componentes curriculares e permitir a interdisciplinaridade entre os conteúdos ensinados. A instituição coloca, como missão, a formação profissional e tecnológica visando formar cidadãos críticos e socialmente responsáveis (IFPR, 2017), objetivando uma formação que integre os aspectos científicos, culturais e tecnológicos.

Contudo, o número elevado de dependência nas disciplinas técnicas nos motivou a investigar a necessidade de entendermos mais aprofundadamente até que ponto as propostas do curso investigado se relacionam com as expectativas dos estudantes. Na sequência, apresentaremos a discussão dos resultados das análises.

No que se refere ao perfil dos estudantes do curso Técnico Integrado em Informática, do IFPR – Campus Avançado Goioerê, em sua maioria, são adolescentes entre 15 e 17 anos de idade, residentes na área urbana de Goioerê e provenientes da rede pública estadual de ensino.

O curso possuía, no momento da coleta dos dados, um total de 100 estudantes, sendo 50% do sexo feminino e 50% do sexo masculino, distribuídos em três turmas: turma 2015 que estava no 3º ano, com 27 estudantes, turma 2016 que estava cursando o 2º ano, com 34 estudantes e a turma 2017 que estava cursando o 1º ano, com 39 estudantes.

Embora a maioria dos estudantes questionados afirma ter renda familiar entre 1 e 3 salários mínimos, apenas o percentual de 7,5% menciona exercer algum tipo de atividade remunerada no contraturno, como podemos observar no Gráfico 1.

Gráfico 1
Porcentagem de estudantes que exercem algum tipo de atividade remunerada
as autoras, a partir da plataforma Surveymonkey, com base nas questões objetivas do questionário (2017).

Dos 80 estudantes que responderam a essa questão, apenas 6 afirmaram exercer atividade remunerada descrevendo o tipo de atividade exercida, tais como: jovem aprendiz na Cooperativa Copacol, desenvolvimento de sistemas, ilustração de livros infantis; pintor; monitoria e trabalhos com o pai, sugerindo-nos que, apesar da renda consideravelmente baixa de grande parte das famílias, o número de estudantes que realiza alguma atividade remunerada é bem reduzido. Além disso, entendemos que, das atividades relatadas exercidas pelos estudantes, algumas estão diretamente ligadas ao curso, o que pressupõe uma não obstacularização no que tange ao aprendizado e ausência de influências do curso para a concomitante inserção do estudante no mercado de trabalho.

No que diz respeito às expectativas dos estudantes quanto ao curso Técnico Integrado em Informática no IFPR – CampusAvançado Goioerê e que optaram por participar da pesquisa por meio do questionário, apresentamos, a seguir, uma síntese parcial dos dados tabulados. Tais dados foram organizados tendo como base a organização temática de Bronckart (2008) e Bulea (2010), por isso, seguimos o seguinte percurso: primeiramente, selecionamos os temas com base nas perguntas do questionário, identificamos os subtemas nas respostas dos estudantes e os separamos por estudante e por tema. Posteriormente, organizamos os temas e subtemas por turma e os sintetizamos identificando a recorrência com que apareceram. Por fim, concluímos essas análises com uma síntese geral dos temas e subtemas mais recorrentes, conforme apresentados na Imagem 2.

Imagem 2
Diagrama de temas e subtemas
as autoras

Os dados acima revelam que, no que corresponde à motivação dos estudantes em realizar o curso, a maioria dos respondentes relata que suas expectativas iniciais estariam no ensino de qualidade ofertado pela instituição. Isso pode indicar que o objetivo maior desses estudantes não está na formação técnica ou no preparo para o mercado de trabalho, mas na busca de uma formação de qualidade que abranja várias dimensões. Podemos constatar isso na voz de alguns estudantes, ao dizerem que: “A possibilidade de ter uma educação melhor que em outros locais” (ESTUDANTE 66, 2017). “Por ter um ensino de qualidade contribuindo tanto na vida pessoal quanto na profissio­nal” (ESTUDANTE 21, 2017). Tais asserções podem evidenciar a busca por uma qualidade formativa por meio da integração entre as diversas áreas do conhecimento uma formação ampla e diversificada, atendendo a dimensões humanas, sociais e profissionais.

Uma parcela considerável dos respondentes relata que o fator que motivou a sua entrada no curso foi o modelo da instituição. Constatamos isso no seguinte excerto: “[...] a busca por uma aprendizagem diferenciada que o IFPR oferecia por meio dos seus métodos de ensino, seus professores e seus projetos” (ESTUDANTE 57, 2017). Com isso, percebemos uma convergência entre o modelo institucional, a estrutura e a forma com que é organizada, assim como recursos destinados e a qualidade esperada pelos estudantes. Porém, muitos mencionam a oportunidade de estudar na rede federal de ensino como um status. Compreendemos, assim, uma importante relação entre a estrutura e organização, dispostas pela instituição e as expectativas dos estudantes no que concerne à sua formação.

Considerando-se os processos formativos, podemos dizer que “[...] o próprio indivíduo não deve ser entendido como forma acabada, mas como uma permanente e fluente forma dinâmica de interação entre o organismo e o meio” (VIGOTSKY, 2010, p. 284). Por isso, para o nosso estudo, tomamos como imprescindível compreender a formação humana a partir de suas relações e interações com o contexto institucional e social em que os estudantes se encontram inseridos. Nessa perspectiva, tomamos como relevante o entendimento de que os estudantes estão em processo de formação na instituição de ensino investigada que, igualmente, está em formação por ser constituída por pessoas e estar em um contexto social mais amplo, o qual influencia e recebe influências desses estudantes e dessa instituição escolar.

Compreendemos, com isso, que a expectativa dos estudantes ao iniciar sua participação na instituição, mais especificamente, ao curso investigado é uma formação humana, social e profissional de qualidade, ampliando as possibilidades e as dimensões de sua formação em nível de Ensino Médio. Devemos considerar o número de estudantes que se referiram ao curso como uma oportunidade de trabalho e formação: “O aprendizado, porque o curso é uma grande oportunidade de conhecimento” (ESTUDANTE 67, 2017), deixando evidente a busca por formação, vislumbrando no curso a possibilidade de ampliar seus conhecimentos.

Os dados indicam um destaque à formação profissional, pois vários estudantes procuraram o curso por sua formação técnica, o que deixa evidente a necessidade que muitos desses jovens sentem de preparar-se para o mundo do trabalho. Talvez, esse desejo ocorra pelo fato de que a maioria dos pais dos estudantes ou de seus responsáveis não pôde avançar em seu grau de escolaridade a ponto de obter uma formação profissional específica de ensino superior.

Devemos considerar que a preparação para o mundo do trabalho envolve uma concepção ontológica e ontocriativa, ampliando o conceito de trabalho como atividade social que produz “[...] todas as dimensões da vida humana [...]”. Por outro lado, os termos “mercado de trabalho” referem-se ao trabalho como uma [...] atividade laborativa ou emprego [...]”, reduzindo-o à mercadoria (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 58-59). Isso nos leva a pensar que um determinado modelo de educação pode repercutir no modelo de sociedade pretendido e influenciar as possibilidades de desenvolvimento de uma região, de um município, visando à transformação e não meramente à reprodução. Nessa perspectiva, segundo Furtado (1984, p. 105) “[...] as sociedades são consideradas desenvolvidas na medida em que nelas o homem mais cabalmente logra satisfazer suas necessidades, manifestar suas aspirações e exercer seu gênio criador”. Ademais, no que se refere aos modelos e possibilidades de desenvolvimento social e econômico de uma sociedade, Schultz (1973) ressalta que temos que investir em capital humano, em educação, em pesquisas, na produção de conhecimentos. Por isso, consideramos o contexto sócio-histórico mais amplo em que os estudantes do curso investigado se inserem como um aspecto fundamental a essas questões. Partindo desse princípio, assim como a instituição investigada propõe uma formação voltada para o desenvolvimento social, os estudantes similarmente responderam sobre a expectativa de ampliação de conhecimentos e da sua utilização em benefício da sociedade, demonstrando uma relação entre a formação técnica integrada proposta pela instituição e aquela esperada pelos estudantes.

Alguns respondentes mencionaram expectativas de que o curso auxiliará na preparação profissional, facilitando sua entrada no mercado de trabalho, independente da área onde desejam se inserir. Isso pode expressar que a formação almejada pelos estudantes, embora profissionalizante e técnica, seja abrangente, possibilitando a inserção dos estudantes em diversas áreas de trabalho no município. Esse aspecto pode ser observado no excerto de um dos respondentes a seguir: “O curso me auxilia no desenvolvimento tecnológico para ser utilizado tanto na área de informática, tanto em outras áreas, em busca de inovações e melhora para nossa sociedade” (ESTUDANTE 56, 2017). Além disso, no que concerne à contribuição do curso para a sua própria formação, a maioria dos estudantes se refere à possibilidade de obter uma formação profissional e social, conforme os excertos: “Eu irei poder oferecer meus conhecimentos para o bem da sociedade, por exemplo, criando aplicativos que contribuam para a vida das pessoas“ (ESTUDANTE 7, 2017). “De modo a tornar-me um ser crítico e preocupado com as condições sociais e humanas em que estou inserido” (ESTUDANTE 34, 2017). Essas asserções evidenciam que muitos estudantes respondentes relacionam sua formação e os aprendizados no curso a uma perspectiva de sociedade, o que revela uma compreensão por parte dos estudantes da formação proposta pelo curso, na instituição investigada.

Com base nos dados apresentados pela Imagem 2, detectamos expectativas dos respondentes quanto a sua formação com vistas ao desenvolvimento do futuro campo de atuação no município. Alguns estudantes apontaram que a qualidade profissional, os conhecimentos e experiências com que são formados poderiam auxiliar no desenvolvimento da área da informática em Goioerê. Outros estudantes respondentes relataram não haver possibilidades de contribuição de sua formação para a cidade, justificando-a pela inexistência ou quase inexistência da área de trabalho com informática e mais especificamente com programação. Tais constatações indicam que alguns estudantes são conscientes da importância da formação humana e profissional para seu desenvolvimento, e do contexto em que se insere, enquanto que outros parecem não ter consciência da relevância da qualificação profissional, evidenciando uma preocupação com a inexistência do campo de atuação.

No que concerne às expectativas acadêmicas para o futuro, nos surpreendemos com o fato de 33 estudantes não mencionarem seus objetivos ou afirmarem “não tenho” ou “nenhum”. Ao compararmos as respostas das três turmas investigadas, quanto a este item, e quantificar em termos de porcentagem, os alunos que “não mencionam” quanto à quantidade de alunos respondentes, identificamos que 52% dos alunos do terceiro ano (Turma 2015) não apresentaram objetivos acadêmicos, seguidos de 36% dos alunos do primeiro ano (Turma 2017) e 34% dos alunos do segundo ano (Turma 2016). A surpresa quanto aos respondentes que não mencionam os objetivos acadêmicos se dá pelo fato de que os estudantes do terceiro ano estão próximos da conclusão do curso técnico e da realização de vestibulares e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como exames que dão acesso ao curso superior. Isso evidencia um aspecto lacunar sobre a ausência de objetivos que poderiam servir como elementos norteadores para a continuidade de sua formação profissional no ensino superior.

Os demais estudantes, aqueles que mencionaram seus objetivos acadêmicos para o futuro, em sua maioria, pretendem cursar uma graduação. No entanto, embora muitos objetivem obter um curso de Ensino Superior na área da informática, evidenciado pelos termos: “Ciência da computação”, “Programação”, “Informática”, nas respostas dos estudantes, apareceram muitas outras opções de curso que não são dessa área ou que não possuem relação direta com a área da informática, tais como: “Medicina”, “Biomedicina”, “Veterinária”, “Direito”, “Contabilidade”, “Administração”, “Gastronomia”. Isso nos permite entender que os estudantes buscam um ensino de qualidade e não a formação técnica, visto que muitos não pretendem seguir na área específica do curso.

Quanto às expectativas profissionais para o futuro, a quantidade de estudantes que ainda não traçaram objetivos é maior, sendo que 60 estudantes não os mencionaram em suas respostas ao questionário. Ao analisarmos as respostas das três turmas investigadas, observamos que os estudantes que não mencionam objetivos profissionais são 80% dos estudantes respondentes do segundo ano (Turma 2016), seguidos de 77% dos estudantes do primeiro ano (Turma 2017) e 72% dos estudantes do terceiro ano (Turma 2015). Tais dados podem evidenciar uma despreocupação dos estudantes no que concerne ao futuro profissional ou que objetivos acadêmicos e pessoais tinham prioridade no momento.

Notamos que muitos dos estudantes respondentes não mencionam de que forma o curso poderá contribuir para seus objetivos. Isso, pode se dar pelo fato de a maioria deles não citar ou não ter uma perspectiva acadêmica ou profissional para o futuro, conforme discutido anteriormente. Além disso, essa ausência de respostas pode se relacionar ao fato de alguns estudantes mencionarem estar no curso por pressão da família e não se identificarem com a área de informática.

No entanto, quanto aos demais respondentes que apontam contribuições do curso para seus objetivos futuros, constatamos que muitos esperam que o curso os auxilie, como é possível identificar nos fragmentos a seguir: “[...] o curso pode me ajudar a criar aplicativos para ajudarem as pessoas” (ESTUDANTE 71, 2017); “[...] posso implementar inovações para facilitar a vida dos profissionais, assim como, de seus clientes” (ESTUDANTE 56, 2017); “Também, com os conhecimentos adquiridos eu tenho possibilidades de crescer e me desenvolver no assunto, quem sabe até criar um negócio” (ESTUDANTE 46, 2017).

Muitos estudantes relatam a expectativa de que o curso os auxiliará em sua preparação para o trabalho e para o curso superior, como no trecho a seguir: “[...] em qualquer área que eu busque minha graduação, a informática é necessária para entender mecanismos daquela área em questão e até melhora-la a partir de inovações” (ESTUDANTE 55, 2017). A importância de uma formação humana que integre a formação do estudante para o trabalho é perceptível a partir desses dados.

Com isso, entendemos, por meio dos dados analisados, que os estudantes do curso Técnico Integrado em Informática do IFPR, do campus investigado, de modo geral, esperam ter um ensino de qualidade, que os prepare para o mundo do trabalho e para o Ensino Superior, assim como os auxilie a compreender o mundo que os circunda para nele agir e transformá-lo. A maioria dos estudantes que responderam ao questionário busca uma formação que vá além de uma preparação técnica, ou apenas científica, aspirando a uma educação mais abrangente. Nesse sentido, Frigotto; Ciavatta; Ramos (2012), ao tratarem a respeito do ensino Técnico de Nível Médio ideal, explicitam que:

[...] o objetivo profissional não teria fim em si mesmo nem se pautaria pelos interesses do mercado, mas constituir-se-ia numa possibilidade a mais para os estudantes na construção de seus projetos de vida, socialmente determinados, possibilitados por uma formação ampla e integral (FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 36).

Em outras palavras, as expectativas dos estudantes investigados aproximam-se mais da concepção de mundo do que de mercado de trabalho, em se tratando de formação humana, social e profissional. Entretanto, a ausência de objetivos futuros revela uma lacuna em sua formação em termos de preparação para a continuidade de sua formação.

No que se refere às propostas do curso investigado, o Projeto Pedagógico de Curso – PPC – apresenta como objetivo geral

[...] preparar o estudante para enfrentar os desafios do mundo do trabalho, proporcionando-lhe conhecimento técnico em informática com qualidade, capaz de torná-lo apto a atuar nos vários segmentos da economia carentes desse profissional, além de formar um cidadão responsável, justo, crítico e ciente de seu importante papel no desenvolvimento social e tecnológico (INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ, 2016, p. 12-13).

De acordo com o documento, o perfil pretendido é o do “profissional cidadão” que domine as técnicas, as tecnologias e os conhecimentos científicos, característicos da sua formação, inserindo-se no mundo do trabalho adaptando-se às novas tecnologias e condições de ocupação, a fim de produzir novos conhecimentos integrando-se à sociedade ativamente, em seus aspectos sociais, políticos e culturais, de maneira consciente, participativa e solidária (INSTITUTO FEDERAL DO PARANÁ, 2016, p. 13).

Com o intuito de analisarmos a proposta da formação técnica integrada nos documentos oficiais e institucionais como as normativas internas da instituição, selecionamos os objetivos e finalidades dessa formação, conforme Quadro 2.

Quadro 2
Objetivos/finalidades da formação técnica integrada em documentos oficiais

as autoras, com base nos documentos oficiais supracitados.

No que concerne aos procedimentos de análise quanto ao segundo objetivo proposto neste estudo acerca das finalidades do curso investigado, utilizamos os seguintes critérios: a) a formação humana e crítica e o desenvolvimento social; e, b) o direcionamento dos objetivos e finalidades por meio do uso de verbos aos estudantes ou aos professores.

Quanto ao item a, constatamos que os objetivos, de modo geral, fazem referência a essas questões, conforme os termos destacados no Quadro 2. Assim, somente um dos objetivos que aparecem em ambos os documentos supracitados parece estar direcionado ao que se espera do aluno, como é o caso do objetivo apresentado tanto na LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, ao mencionar compreender os “fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática”.

Há mais três objetivos destacados na LDBEN nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 mas que parecem ser direcionados ao professor, conforme seguem: Propiciar “[...] preparação básica para o trabalho e a cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de adaptar-se com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores indissociabilidade entre educação e prática social [...]; e, [...] integração entre educação e as dimensões do trabalho, da ciência, da tecnologia e da cultura como base da proposta e do desenvolvimento curricular”.

Conforme mostra o Quadro 2, as linhas representam uma hierarquia entre os documentos, sendo um a base norteadora para o documento seguinte, até chegarmos à regulamentação específica do curso em estudo.

A análise das finalidades por meio do uso de verbos nos permite ver que há mais objetivos voltados ao trabalho de ensino, direcionados às atribuições do professor e demais servidores da instituição, do que ao desenvolvimento de capacidades do aluno, o que pode indicar uma lacuna no processo de formação humana, crítica e de desenvolvimento social do aluno. Talvez, isso implique a falta de um maior entendimento acerca da produção de objetivos em planos de aula ou de trabalho do curso na instituição investigada, embora apontem para uma formação científica, cultural, humana e social.

Os resultados dessas análises nos permitem entender que o curso investigado considera os ideais mais amplos expressos pela instituição da qual faz parte. Seus objetivos evidenciam o preparo técnico e profissional na área da informática, além de uma preocupação com a formação humana e social de seus estudantes. Por essas razões, destacamos a importância de se compreender o contexto e os processos sociais que circundam a formação do estudante e que podem influenciar as proposições do curso com base nas percepções.

Com relação às influências do contexto social para a formação humana, e às transformações apresentadas pela modernidade, Giddens (2002, p. 10) ressalta que as características globais interferem na constituição individual das pessoas e podem influenciar no desenvolvimento da sociedade em que se inserem, o que nos remete ao papel do princípio da recursividade, proposto por Morin (1991; 2005), ao tratar do fato de que ser humano e sociedade se retroalimentam.

Esse ciclo autoprodutor pode ser identificado no vínculo que se estabelece entre as propostas do curso investigado e o perfil e a expectativa dos estudantes, como podemos observar na Imagem 3.

Imagem 3
Relação entre o perfil, as expectativas dos estudantes e as pro­postas do curso Técnico Integrado em Informática
as autoras.

Com base nos dados evidenciados pela Imagem 3, identificamos que os estudantes do curso, em geral, possuem, em seu perfil, uma predisposição em atuar profissional e socialmente no contexto em que residem. Esse fato relaciona-se à proposta do curso, ou seja, contribuir para o desenvolvimento do município e da região.

Outra questão apontada pela Imagem 3 é o fato de que a maioria dos estudantes não exerce atividade remunerada no contraturno, o que pode indicar uma relação com a proposta do curso de formar uma perspectiva humana e social com mais qualidade voltada para o mundo do trabalho, pela participação em projetos de ensino, de pesquisa e de extensão.

Além disso, constatamos uma ligação entre as propostas do curso e as expectativas dos estudantes que buscam desenvolver uma formação integral e de qualidade, embora tenhamos percebido a ausência de objetivos futuros, tanto no que diz respeito à área acadêmica quanto à área profissional. Isso pode implicar um aspecto lacunar sobre a continuidade formativa após a conclusão do curso técnico integrado.

A Imagem 3, ainda, nos instiga a entender a dialogicidade entre as propostas do curso e o perfil e as expectativas dos estudantes. Por isso, tomamos o princípio da organização recursiva, que, de acordo com Morin (1991), pode ser entendido como um “círculo produtivo ininterrupto” em que o produtor é produzido por aquilo que ele mesmo produz. Com isso, concluímos que o curso recebe influências do perfil e das expectativas de seus estudantes que se desenvolvem por meio das propostas do próprio curso.

Um outro princípio da Teoria da Complexidade (MORIN, 1991), que é o dialógico, nos remete ao papel do movimento dialético, oriundo da concepção do materialismo histórico-dialético, o qual é tomado por Bronckart (2009) como um dos princípios norteadores de sua perspectiva teórico-metodológica, ao tratarmos do ciclo de possíveis contribuições e influências entre homem e sociedade. Em outras palavras, ao mesmo tempo que o sujeito contribui para o desenvolvimento da sociedade, para ou por meio de um agir coletivo, a partir de suas atividades individuais, a sociedade, também, contribui para o seu próprio desenvolvimento enquanto sujeito, remetendo-nos à tese de Marx e Engels (2004) segundo a qual, enquanto o homem transforma a natureza, transforma-se a si mesmo.

Assim, com base nas concepções e nos dados apresentados, a nosso ver, a formação dos estudantes pode influenciar a sociedade em que atuarão. Esse ciclo de mudanças nos permite ver que a formação técnica integrada é fundamental, uma vez que pode influenciar a formação dos estudantes não apenas profissional e economicamente, mas também social, cultural e cientificamente. Ademais, trata-se de uma etapa intermediária que pode ser considerada como preparação visando à continuidade da formação no Ensino Superior.

A descrição do contexto formativo e a análise dos dados investigados nos permitiram obter uma compreensão mais ampliada acerca de alguns aspectos constitutivos da formação técnica integrada. No que se refere aos questionamentos propostos na introdução deste texto, ressaltamos a relevância das suas contribuições para uma ressignificação da formação técnica integrada, que é nosso objeto de investigação.

Quanto ao primeiro questionamento, referente às possíveis relações entre o perfil, as expectativas e as propostas do curso investigado, os dados nos permitiram identificar correlações entre elas, pelas concepções de atuação profissional e social no mundo do trabalho, tempo de dedicação para a própria formação e a participação em projetos, desenvolvimento da formação humana por meio de uma formação de qualidade e ausência de propostas e objetivos que permitam continuidade na formação. Isso nos indica que a formação técnica integrada é compreendida como uma formação mais ampla e complexa por abranger as diversas dimensões que compõem o desenvolvimento humano. Contudo, tal compreensão pode impossibilitar os estudantes de planejarem uma continuidade formativa após a conclusão do curso.

No que concerne ao segundo questionamento, sobre o que é esperado pelo estudante em relação ao curso, este trabalho nos permitiu identificar algumas de suas percepções no que tange à formação de qualidade, proposta pelo curso, e aquela compreendida pelos estudantes, bem como à formação crítica que proporciona uma reflexividade acerca da importância de sua atuação na sociedade com base em uma visão de mundo diferenciada. A busca pela resposta a esse segundo questionamento nos indica que as propostas e finalidades do curso, conforme se apresentam nos documentos analisados, embora possam apresentar alguns aspectos lacunares, permitem aos estudantes uma compreensão mais ampliada sobre o que lhes é esperado.

Portanto, os resultados parciais deste estudo nos permitem conceber a formação técnica integrada como uma contribuição a ser ressignificada a fim de promovermos um debate social no contexto socioeconômico em que se insere. Reconhecemos este estudo como uma discussão inicial, e esperamos que outros estudos possam ser realizados com base nos resultados desta pesquisa, visando contribuir para a continuidade da discussão proposta neste texto.