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Desempenho acadêmico discente e sua relação com a avaliação docente: proposta de framework teórico
Valéria Marques dos Santos Tavares; Beatriz Moreira da Costa; Regina Maria da Cunha Bustamante
Valéria Marques dos Santos Tavares; Beatriz Moreira da Costa; Regina Maria da Cunha Bustamante
Desempenho acadêmico discente e sua relação com a avaliação docente: proposta de framework teórico
The Egyptian Material Culture of the Museu Nacional: Teaching of History through a pedagogical proposal
La Cultura Material egipcia del Museu Nacional: Enseñanza de la Historia a través a través de una propuesta pedagógica
Revista Educação em Questão, vol. 56, núm. 50, pp. 163-189, 2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
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Resumo: O objetivo desse artigo é analisar a produção de conhecimento histórico escolar através de ações pedagógicas fundamentadas na cultura material egípcia do Museu Nacional. Para tanto, selecionamos a estela de Uerhap-Renefsonb, que pertence ao acervo do Museu Nacional, locali- zado no Rio de Janeiro, utilizando como tema norteador a alimentação. Este tema foi privilegiado porque a alimentação é um ato cultural e histórico, carregado de peculiaridades, simbolismos e significados, presentes desde a sua produção até o seu consumo. Nosso estudo de caso foi uma turma do 3º ano do ensino fundamental de uma escola municipal da cidade do Rio de Janeiro. O referencial teórico utilizado foi baseado na Educação Patrimonial e o procedimento metodológico aplicado foi o proposto pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), adap- tado por Maria de Lourdes Parreiras Horta. Verificou-se a eficácia da ação pedagógica realizada no que diz respeito as fixação e apropriação do conhecimento sobre o tema trabalhado.

Palavras-chave:Educação patrimonialEducação patrimonial,Cultura materialCultura material,Educação BásicaEducação Básica,Egito AntigoEgito Antigo.

Abstract: The aim of this article is to analyze the production of scholastic historical knowledge through pedagogical actions based on the Egyptian material culture of the Museu Nacional. For this purpose, we have chosen the stele of Uerhap-Renefsonb, which belongs to the collection of the Museu Nacional, in Rio de Janeiro, using feeding as a guiding theme. This subject was privile- ged because alimentation is a cultural and historical act, loaded with peculiarities, symbolisms and meanings, present from its production to its consumption. Our case study was an elementary school’s 3rd grade class from a municipal school in the city of Rio de Janeiro. The theoretical fra- mework used was based on Patrimonial Education and the applied methodological procedure was the one proposed by Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), adapted by Maria de Lourdes Parreiras Horta. It was verified the effectiveness of the pedagogical action carried out concerning the fixation and appropriation of the knowledge about the theme worked.

Keywords: Heritage education, Material culture, Basic education, Ancient Egypt.

Resumen: El propósito de este artículo es reflexionar acerca de la enseñanza de la historia antigua en la educación básica a través de la producción de aparatos pedagógicos basados en la cultura material. Para eso, se ha seleccionado la estela egipcia de Uerhap-Renefsonb, que pertenece a la colección del Museu Nacional, en Rio de Janeiro, utilizando la comida como tema central. Este tema fue elegido, porque la comida es un acto cultural e histórico, cargado de peculiari- dades, simbolismos y significados, presente desde su producción hasta su consumo. Nuestro estudio de caso se ha dado en una clase del 3º año de la Enseñanza Fundamental de una escuela municipal de la ciudad de Rio de Janeiro. El referencial teórico utilizado fue basado en la Educación Patrimonial y el procedimiento metodológico aplicado fue el propuesto por el Instituto Del Patrimônio Histórico y Artístico Nacional (IPHAN), adaptado por Maria de Lourdes Parreiras Horta. Se ha verificado la eficacia de la acción pedagógica realizada en lo que se refiere a la fijación y apropiación del conocimiento sobre el tema trabajado.

Palabras clave: Educación patrimonial, Cultura material, Educación Básica, Antiguo Egipto.

Carátula del artículo

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Desempenho acadêmico discente e sua relação com a avaliação docente: proposta de framework teórico

The Egyptian Material Culture of the Museu Nacional: Teaching of History through a pedagogical proposal

La Cultura Material egipcia del Museu Nacional: Enseñanza de la Historia a través a través de una propuesta pedagógica

Valéria Marques dos Santos Tavares
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Beatriz Moreira da Costa
Universidade Federal Fluminense, Brasil
Regina Maria da Cunha Bustamante
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil
Revista Educação em Questão, vol. 56, núm. 50, pp. 163-189, 2018
Universidade Federal do Rio Grande do Norte

Recepción: 28 Julio 2018

Aprobación: 12 Septiembre 2018

Introdução

Com a vinda da família real para o Brasil, ocorrida em 1808, muitas das instituições culturais portuguesas foram transferidas para cá com o intuito de darem suporte a todos os anseios da Corte e consolidar o projeto civilizató- rio da nova sede do Império. Dentro deste contexto, Dom João VI cria em 1818 o Museu Real, que é hoje conhecido como o Museu Nacional1, pertencente a Universidade Federal do Rio de Janeiro e localizado no Palácio de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista. O modelo desse projeto civilizatório era voltado para a Europa, assim o Museu Real estava condizente com o para- digma de museus europeus então vigentes (SILVA JUNIOR, 2010).

Assim, o Museu Real se constitui como um Museu de História Natural que se estrutura a partir de dois vieses: a tradição colecionista e o paradigma evolucionista. Ou seja, o objetivo deste tipo de museu era fazer uma escrita da história desde as origens da humanidade até seu estágio “mais avançado” do processo evolutivo humano, segundo o padrão europeu. Utilizando-se, para tanto, de objetos de diversas culturais e do meio ambiente, vindos de coleções que foram, outrora, retiradas de seu contexto original para serem reclassifica- das e ressignificadas dentro dos museus.

O Museu Nacional, hoje, ainda é um museu de história natural e antropológico. É o museu mais antigo do Brasil e fonte de produção científica: são oferecidos os cursos de pós-graduação em Antropologia Social, Arqueologia, Botânica, Linguística e Línguas indígenas, Zoologia, Geociências, Geologia do quaternário, Gramática gerativa e estudos de cognição e Línguas indígenas brasileiras. Além disso, o próprio prédio da instituição possui grande relevân- cia histórica para nação; lugar que foi residência da família real portuguesa no Brasil (1808-1821), da família imperial brasileira (1822-1889) e sede da assembleia da primeira constituição republicana do país (1889-1891). O local era bem popular na cidade do Rio de Janeiro, tendo um público alvo bem diversificado, porém com a predominância do público escolar.

A coleção egípcia do Museu Nacional é uma das mais importantes e antigas da América do Sul. Ela está sob responsabilidade do Departamento de Antropologia, setor de Arqueologia. A coleção egípcia possui mais de quinhentos objetos, tendo aproximadamente metade das peças expostas ao público, estando o restante guardadas em reserva.

O presente artigo tem como objetivo fazer uma reflexão sobre o ensino da História Antiga na Educação Básica através da produção de material pedagógico fundamentado na cultura material2. Para tanto, selecionamos a estela egípcia de Uerhap-Renefsonb (Rio Inv. 645)3, então pertencente ao acervo do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especificamente integrante da Coleção Fiengo4. Para sua análise, utilizamos o Catálogo da Coleção do Egito Antigo existente no Museu Nacional (1990), que é o único material que fornece informações sobre essa fonte.

Essa pesquisa originou-se durante uma disciplina eletiva do Curso de Graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, ministrada pela professora Regina Bustamante5, que nos desafiava a utilizar as peças do Museu Nacional para elaborar ações pedagógicas. Indo mais além do que a própria exposição nos oferece, foi instigado o uso pedagógico de peças expostas na Seção “Culturas do Mediterrâneo” do Museu Nacional, traba- lhando nosso “olhar” a partir do tema da alimentação, para pensar em ações didáticas na disciplina escolar de História.

Este tema foi privilegiado porque a alimentação é um ato cultural e histórico, carregado de peculiaridades, simbolismos e significados, presen- tes desde a sua produção até o seu consumo, como exposto, por exemplo, nos livros O cru e cozido de Lévi-Strauss (2010) e História da alimentação de Flandrin e Montanari (1998). Por isso, sua importância para a realização de ações educativas como recorte temático, em especial o seu estudo para o ensino da História. A partir deste tema, pode-se abrir um leque para várias perspectivas que vão ao encontro de muitos aspectos sociais. Sendo um ato cultural de tanta relevância, está presente em vários momentos nas sociedades antigas e atuais, podendo ser, portanto, utilizada como um eixo temático para a produção do conhecimento histórico escolar.

Trabalhar com a cultura material é um imenso desafio para o histo- riador, o qual, ao longo de sua formação, tem mais acesso à documentação escrita. Ao estudarmos as sociedades antigas, nos vemos diante de inúme- ras fontes de cultura material que contêm informações riquíssimas. No caso específico dos artefatos e objetos de maior circulação, podemos ainda retirar informações mais exatas sobre as camadas sociais que não estavam diretamente ligadas ao centro de poder, privilégio que não teríamos com documentações escritas, já que eram produzidas por uma elite alfabetizada e eram de circulação limitada.

A análise da documentação de cultura material específica do Egito Antigo traz informações de extrema importância para a compreensão dessa sociedade. Pode-se citar como documentos mais comuns para o estudo da religiosidade egípcia: papiros, relevos, estelas, ex-votos, Textos das Pirâmides e os Textos dos Sarcófagos.

Cada um desses documentos é porta-voz de uma parcela limitada da população. Dessa forma, ainda há muitas lacunas sobre a história egípcia que talvez jamais sejam preenchidas. A menor quantidade de estudos sobre as camadas mais baixas da população do Egito Antigo, comparadas aos estudos sobre a realeza, se dá devido à carência de documentos que possam iluminar as relações no interior desses grupos, razão pela qual as estelas tornam-se ainda mais valiosas para a compreensão da sociedade egípcia.

A presente atividade pedagógica surgiu da proposta de desenvol- ver o tema da alimentação na Antiguidade a partir das peças do Museu Nacional da UFRJ, levando o aluno a ter contato com a cultura material das diversas sociedades do Mediterrâneo Antigo, importante documentação para a construção de um saber histórico escolar acerca das sociedades antigas. O público alvo são alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, uma vez que é nessa série que o currículo escolar propõe História Antiga como conteúdo obrigatório. Porém, a oficina pode ser adaptada para outros anos, como foi feito no presente trabalho. Aqui, foi escolhida uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental.

Contexto de produção das Estelas de Abidos

Tendo como um dos objetivos a contribuição para os estudos da Antiguidade Egípcia, elencou-se uma tipologia específica de documentação egípcia: as estelas votivas provenientes de Abidos6, erigidas durante o Reino Médio (c. 2008-1685 AEC)7. Fisicamente, as estelas correspondem a monólitos, que podem ser de pedra calcária, faiança ou madeira, contendo inscrições e elementos iconográficos. Há diferentes tipos de estelas no Egito Antigo e cada uma corresponde a uma função diferenciada de acordo com o local em que foi encontrada e quais inscrições possui.

Especificamente durante o Reino Médio, as estelas costumavam pos- suir a mesma estrutura. Especificamente em Abidos, a estrutura comum é um monólito de corpo retangular e topo arredondado. As estelas são fontes importantes para o estudo da sociedade egípcia, pois são artefatos comuns a toda periodização dinástica, além de possuírem informações sobre a vida tanto da realeza quanto das pessoas mais comuns.

Existem diversos tipos de estelas, cada uma com uma função diferen- ciada. Podemos citar as estelas de fronteira, que eram postas em localizações estratégicas para, de fato, demarcar os limites e demarcações do território de um determinado proprietário. Elas continham o nome do proprietário, assim como o tamanho do território que possuía. Como exemplo, podem-se citar as estelas que Senusret III (c. 1872-1834 AEC) erigiu em Semna no oitavo ano de seu reinado, as quais tinham a função de demarcar a fronteira do território egípcio ao sul.

As estelas funerárias eram confeccionadas para compor o mobiliário dos túmulos dos mortos. Elas continham em suas inscrições fórmulas de orações que atuariam de forma mágica para providenciar o conforto do morto. Já as estelas votivas eram erigidas em locais de culto relacionados à divindade que se pretendia oferendar. Isto é, o indivíduo erigia a estela em uma capela, representava a si mesmo e a sua família, apresentava as fórmulas mágicas relacionadas ao contexto de culto, solicitando a graça do deus específico. É de acordo com essas estelas que se pode apreender informações importantes sobre a vida dos particulares no Egito Antigo e a relação que eles tinham com a religiosidade.

Grande parte das estelas abidianas são de caráter votivo. Foram feitas para que o morto pudesse participar das procissões em homenagem ao deus Osíris no Além. A característica comum entreestas estelas é a inclusão de outros deuses que não Osíris em suas fórmulas. Esse evento pode ser expli- cado através da concepção egípcia da multiplicidade de manifestações. Isto é, segundo Baines:

Deuses e humanos, juntamente com os animais sagrados, compar- tilhavam muitos aspectos do seu ser. Dentre estes aspectos estava o potencial para tomar múltiplas formas, o que permitia aos mor- tos e às divindades metamorfosear-se livremente. [...] A ideia de multiplicidade de manifestações de um ser também era importante no culto. Uma divindade manifestava-se numa estátua de culto e, se demonstrasse que seria favorável, recebia o culto nessa forma. Ainda assim, o ser de uma divindade não se esgotava em nenhuma manifestação específica (BAINES, 2002, p. 178).

O Museu Nacional do Rio de Janeiro comporta a maior coleção de Egito Antigo da América Latina. Neste trabalho, mobilizamos as estelas abidianas provenientes deste acervo buscando identificar as principais fórmu- las inscritas, os deuses representados, as cenas de alimentação funerária e a iconografia mais geral presente em cada uma. No entanto, atentamos especi- ficamente para uma em especial: a estela de Uerhap-Renefseneb, pois se trata de um exemplar que possui todos os atributos que julgamos necessários para a atividade pedagógica. Isto é, a cena de alimentação funerária, os deuses ligados ao ambiente funerário, à presença da família e as fórmulas mágicas relacionadas ao compartilhamento das provisões.

As fórmulas mágicas são as mesmas em todas as estelas, iniciando com “Oferenda que o rei faz”, seguido pelo nome do deus ou dos deuses e seus títulos. O uso da fórmula “Oferenda que o rei faz” é habitual em estelas votivas. Ainda que não tenha sido o faraó a construir a estela ou a capela, o indivíduo que a fez precisa da mediação deste para se dirigir aos deuses, visto que o faraó é considerado o Alto Sacerdote do Egito, representante dos deuses na terra. Ou seja, não é o indivíduo que faz diretamente a oferenda ao deus, ele precisa da intercessão do faraó.

Os deuses que aparecem na estela são: Osíris e Upuaut. Ambos são de fato os mais frequentemente representados. Os deuses que aparecem nas outras estelas, para além destes, são Anubis, Ptah-Sokar, Ptah-Sokar-Osíris, Min- Horus e Horus. A grande maioria está ligada ao âmbito funerário de alguma forma (Osíris, Upuaut, Anubis, Ptah-Sokar e Ptah-Sokar-Osíris) e/ou ao mito de Osíris (Hórus e Min-Hórus). As inscrições fazem referências também aos deuses de Abidos, como por exemplo: “os deuses .e às deusas. que estão em Abidos” ou “os deuses que estão no templo”.

Outra característica comum às estelas são as oferendas que alternam entre pães, cervejas, bois, gansos, alabastro, roupa, incenso e unguento. A alimentação funerária, portanto, está diretamente relacionada ao ato de erigir uma estela em uma capela votiva nesta localidade. Tais oferendas são feitas em favor dos deuses citados, mas podemos perceber uma espécie de retribuição e compartilhamento das oferendas com os indivíduos citados nas estelas. As oferendas descritas nas estelas são evidências de um presente que o particu- lar deseja oferecer ao deus em prol de algum benefício.

Devemos citar que as estelas estudadas se diferenciam entre si não só pelo aspecto físico, mas também pelos cargos que os indivíduos ocupavam. Todas as estelas são de funcionários reais que ocupavam diferentes funções e eram importantes dentro da elite real. No caso da estela analisada ao longo do trabalho, por exemplo, o indivíduo ocupava o cargo de Administrador dos Fabricantes de Colares durante o reinado de Amenemhat IV.

As estelas abidianas do Reino Médio eram erigidas para compor o Festival de Osíris, que ocorria em Abidos. Os festivais públicos são importantes para a compressão da devoção pessoal. Assim, aqueles que não podiam par- ticipar dos cultos oficiais, aspiravam o momento de acompanhar os festivais de caráter público e isso era visto como um importante privilégio. Segundo Baines (2002, p. 183): “Os festivais públicos [...] eram a principal ocasião em que as pessoas comuns podiam aproximar-se dos deuses e, talvez, apresentar-lhes as suas próprias preocupações”.

Os festivais divinos e reais (hebu) no Egito Antigo eram numerosos. A característica comum entre eles eram as etapas. A maioria consistia na saída de uma imagem do deus cultuado do seu templo até outro local. Essa trajetória poderia ser feita diretamente entre um ponto até o outro ou a imagem do deus circulava por templos próximos. A imagem do deus quase sempre era levada em uma barca – os formatos e números eram diferentes de um festival para o outro – e tinha que ser levada dentro de uma “cabine sagrada”. Ao longo da procissão eram realizados ritos performáticos condizentes com o festival celebrado.

O faraó em pessoa deveria comandar os festivais. Quando não podia estar presente, delegava a algum funcionário de confiança. No caso do Festival de Osíris descrito na estela de Ikhernofret, Senusret III delega que o próprio, enquanto alto funcionário real comandasse o festival. O povo somente tinha espaço durante as festas quando a imagem percorria a via processional e era exatamente nessa via que a população enxergava a possibilidade de participar diretamente do culto através do estabelecimento de capelas votivas e de oferendas. As outras etapas eram conduzidas por funcionários reais e sacer- dotes dentro de espaços dos quais o povo não tinha acesso, por exemplo, nos próprios templos.

A Estela de Ikhernofret8 fornece dados sobre a preparação, assim como as respectivas etapas e razões que o alto oficial teve para promover o Festival de Osíris. No início da estela, Ikhernofret cita as preparações dos materiais para a procissão, de ordem administrativa ou litúrgica, que haviam sido colocados pelo faraó sob a sua responsabilidade.

O festival de Osíris era divido em três fases de acordo com interpretação de Marie-Christine Lavier (1989):

1. A procissão de Upuaut9: a batalha simulada é promulgada e os inimigos de Osíris são derrotados. A procissão é liderada pelo deus Upuaut.

2. A grande procissão de Osíris: momento no qual Osíris morre e seu corpo é levado de seu templo para o seu túmulo em Peker.

3. Parte final do festival: Osíris é pranteado e os inimigos da terra são des- truídos simulando a Batalha de Nedyt na qual Osíris é vingado. Orações e recitações são feitas e ritos fúnebres realizados. Osíris renasce ao amanhecer. Uma estátua de Osíris é levada ao templo.

Para Jan Assmann (2005), o festival era dividido em quatro atos:

O 1º consistia na Procissão de Upuaut, tal como afirma Lavier, na qual o deus era visto como uma manifestação do “Hórus Vitorioso” que salva seu pai de seus inimigos. Assmann (2005) afirma que essa subjugação do inimigo era realizada em um ritual específico que consistia de recitações acompanhadas de ações, tais como mutilação ou queima de figuras de cera.

O 2º momento era a Grande Procissão da Barca-Neshmet que consis- tia na procissão funerária de Osíris.

O 3º ato é nomeado de “a Noite da Batalha de Horus”, que faz alusão à contenda de Hórus e Seth e ao conceito de reivindicação.

O 4º ato é o retorno do deus ao templo, nomeado por Assmann (2005) de “A procissão para o Templo de Osíris”, que pode ser interpretado como o retorno triunfal de Osíris em seu palácio, justificado e ressuscitado.

O assunto central abordado na estela é o ciclo de vida, morte e renascimento. O festival traz em si artifícios que relembram a origem mítica da realeza egípcia e que reafirmam a posição do faraó como força de equilíbrio do cosmos. Upuaut, o qual possui atributos de Haredotes10 durante o festival, ao vencer os inimigos de Osíris rememorando os acontecimentos do Mito de Osíris, posiciona o faraó vivo como herdeiro legítimo da posição que ocupa.

Assmann (2005) alerta para que pensemos esse fenômeno tomando como ponto de partida o seu contexto histórico. Durante o fim do Reino Antigo (c. 2700-2150 AEC) havia os conceitos de uma vida após a morte específica para a realeza, o rei tornava-se Osíris após a morte, assumindo o controle do submundo. Dessa forma, o faraó possuía uma alma imortal – o ba – que ascen- dia para o céu e entrava no mundo dos deuses.

Com apenas pequenas modificações, essas crenças tornaram-se válidas para todos no Reino Médio. Assmann afirma:

Cada pessoa tinha um ba que sobrevivia à morte, deixava o corpo, e seguia a jornada póstuma para o reino divino. Cada pessoa tornava-se um Osíris e seguia o precedente mítico do deus. A participação no festival de Abidos era o ponto concreto de crista- lização de todos estes conceitos, esperanças e mitos. Porque era o enterro do deus, porque era a transição do deus para a imortali- dade póstuma, a qual transmitia a imortalidade a seus participantes (ASSMANN, 2001, p.185).

Pode-se dizer que o Festival de Osíris foi a primeira peregrinação em grande escala conhecida pelo homem: fora executado mais ou menos continuamente durante dois mil anos. Peregrinos vinham de todo o Egito para acompanharem a procissão e erigiam estelas em capelas votivas voltadas para a via em que ocorriapara que seus donos pudessem se beneficiar da festivi- dade. Um sítio de imensa importância é o Cemitério do Norte – “Terraço do Grande Deus” –, escavado por Auguste Mariette11, de onde é dita a prove- niência da maioria das capelas. A presença desses peregrinos é de imensa importância para a efetivação do objetivo do festival.

Educação Patrimonial. abordagens metodológicas

Tradicionalmente, a História privilegia os documentos escritos. Entretanto, Marc Bloch já entendia que “[...] tudo que o homem diz ou escreve, tudo que fabrica, tudo que toca pode e deve informar sobre ele” (BLOCH, 2001, p. 78). Assim, o conceito de documento se ampliou e a cultura mate- rial passou a ter relevância. Neste contexto, o Ensino da História não pode deixar de trabalhar com a cultura material, ainda mais quando se aborda a Antiguidade, período com documentação escrita muito lacunar tanto em termos espaciais quanto temporais. Ademais, este tipo de documentação era mais for- temente oriundo da elite, o que fornecia uma perspectiva socialmente limitada.

Assim, uma das melhores maneiras de se alcançar a conscientização da preservação do patrimônio cultural é por meio da Educação Patrimonial. Ela é um instrumento de promoção da inclusão social e da construção da cidadania. A Educação Patrimonial, portanto, torna-se fundamental para a rea- lização do Ensino da História através da cultura material e o Museu é lócus privilegiado para que ela se efetive. Por isso, é muito importante que se use a cultura material dos museus na construção de materiais didáticos:

A Educação Patrimonial se configura como uma práxis educativa e social que permite elaborar ações pedagógicas privilegiando enfo- ques interdisciplinares. Os bens culturais permitem a integração de diferentes saberes que vão muito além do estudo do passado (TEIXEIRA, 2006, p. 17).

Utilizou-se a proposta metodológica do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), adaptado por Maria de Lourdes Parreiras Horta (2006) do trabalho pedagógico desenvolvido na Inglaterra denominado Heritage Education, que consiste em analisar o objeto cultural para a produção de atividades pedagógicas por meio de quatro etapas metodológicas: obser- vação, registro, exploração e apropriação.Ao analisar um objeto cultural, desenvolvendo, portanto, um trabalho de Educação Patrimonial, pode-se utili- zar de várias possibilidades metodológicas. No caso da Heritage Education, a proposta:

[...] pode ser aplicada a qualquer evidência material ou manifesta- ção da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente (HORTA, 2006, p. 6).

Uma estela foi escolhida como documentação, uma vez que, em quase todas as estelas egípcias há uma mesa de oferendas com alimentos destinados à adoração a Osíris e à manutenção do indivíduo no mundo dos mortos.

A partir disso, levantou-se a questão: como produzir conhecimento his- tórico escolar sobre Egito Antigo, a partir da alimentação, utilizando a cultura material?

Segundo Magaly Cabral (2012), a educação oferecida pela escola e pelo museu só contribui para a mudança da sociedade se ensinar o indivíduo a pensar criticamente. Sendo assim, ela apresenta os objetivos traçados para se promover a Educação Patrimonial e realizar ações pedagógicas: buscar o que o bem cultural pode oferecer para relacionar o indivíduo com a realidade; buscar identificação de significados e sentidos de acordo com o contexto his- tórico-social do indivíduo; e tratar o bem cultural a partir de seu significa para o indivíduo por meio da recriação e reinterpretação do que está contido nele.

Juciene Ricarte Apolinário (2012) vai mais além e diz que, quando se trabalha com a Educação Patrimonial e o Ensino de História, não se deve fazer um repasse de conhecimentos mecanicistas e metodologicamente cartesianos, e sim, fazer com que o aluno crie uma identificação com o objeto.

É compreender as representações consubstanciadas nos monumen- tos históricos, no traçado e nomes das ruas do seu bairro e valorizar as memórias das práticas culturais imateriais que estão guardadas pela tradição oral. Nesse processo, o aluno terá a possibilidade de imaginar a sua rua, o seu bairro, a sua cidade como objeto integrante de sua história através dos bens materiais e imateriais (APOLINÁRIO, 2012, p. 65).

Já de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais de História de 6° a 9º ano do Ensino Fundamental, feito pelo Ministério da Educação em 1998:

Não se pode negar, todavia, que os documentos falam principal- mente de outrasépocas. Nas suas materialidades, concretudes, formas, estéticas e dimensões, eles indicamque existiram outros modos de viver, de fazer, de pensar, de agir, de moldar, de criar, derepresentar o mundo. Eles sugerem o intervalo entre diferentes momentos históricos, asdistâncias temporais entre o presente e o passado. Sob esse aspecto, o contato e a observaçãode docu- mentos possibilitam vivências e reflexões significativas nos alunos sobre o tempoe a História, a memória e sua preservação. Além disso, propiciam imagens e materiais quealimentam a imagina- ção sobre a vida social das gerações precedentes e transmissoras deum legado, dão consistência e significação à vida no presente (BRASIL, 1998, p. 92).

Horta (2006) afirma que, antes de se iniciar qualquer ação pedagógica, devem-se definir objetivos educacionais e resultados pretendidos. Devem-se decidir quais habilidades, conceitos e conhecimentos que se pre- tende que o aluno adquira. Essas habilidades, conceitos e conhecimentos, que serão adquiridos, devem estar inseridos no currículo do aluno.

É importante que se registre todo o processo de elaboração da ação pedagógica, para que, no final, tanto os alunos quanto os professores possam ver como se processou o trabalho até a chegada do seu resultado na produção de conhecimento histórico escolar.

A contextualização histórica do objeto é a etapa crucial do contato do aluno com o objeto, porque é nesse momento que ele não será apresentado como “objeto em si”, mas sim, em sua relação específica com a sociedade que o produziu. É quando será revestido de significações, simbolismo e possíveis interpretações que produzirão sentido para os alunose se formará o primeiro nível de conhecimento, a caracterização do objeto em determinado tempo e espaço.

Na etapa metodológica da observação, poderão ser feitas algumas perguntas sobre o objeto para estimular a percepção e a análise da criança. As perguntas podem estar relacionadas com os aspectos físicos (cor, material, cheiro, forma etc.); com sua construção (formato, onde foi feito etc.); sua fun- ção (quem o fez, sua finalidade etc); adequação da forma com sua função (possíveis interpretações); valor (qual valor pode ser atribuído dentro do con- texto histórico que está inserido).

Na etapa metodológica do registro serão feitas deduções com base nas observações produzidas na fase anterior. Nesse momento, o aluno será encorajado a inferir respostas com relação às próprias indagações sobre o assunto para que seu conhecimento do objeto analisado seja consolidado.

Na etapa metodológica da exploração, o aluno poderá buscar outras informações sobre o objeto, por meio de perguntas a outras pessoas, consulta a livros, fotografias, textos, visitas a instituições, que fornecerão maiores infor- mações sobre o contexto histórico, econômico e político daquele objeto.

Na quarta e última etapa de análise metodológica, na apropriação, o aluno já reconhece intelectual e emocionalmente o objeto e poderá fazer uma representação materializada sobre o objeto estudado. Esta representação materializada poderá ser expressa de diversas formas, tanto de forma poética, plástica, musical, teatral etc. O resultado dependerá apenas da capacidade de expressão criativa de cada aluno a partir da interação e construção do conhecimento que teve sobre o objeto.

Houve a preocupação de elaborar material didático que pudesse ser aplicado e utilizados por professores e monitores em ações pedagógicas tanto na escola quanto no Museu Nacional. Para tanto, atentou-se para produção de material de apoio:

Este material é um instrumento instigador da percepção, da análise e da comparação, que permite ao aluno uma melhor compreensão do que está sendo observado. Na sua elaboração, deverá ser levado em conta:

• a definição dos objetivos do que se pretende explorar;

• a linguagem adequada ao nível da faixa etária que se pretenda trabalhar;

• as indagações objetivas de fácil compreensão;

• a diagramação clara e agradável, com espaço suficiente para preenchimento (HORTA, 2006, p. 48).

O material de apoio poderá ser utilizado tanto no momento da visita ao museu quanto posteriormente dentro da sala de aula. Ele pode ser bem diversificado: quebra-cabeça, jogos, palavras cruzadas etc.

Em qualquer atividade de Educação Patrimonial, a avaliação da experiência pode trazer subsídios que possibilitem aos educadores enriquecer a aplicação da metodologia utilizada, verificando o nível de envolvimento e compreensão dos alunos com o tema explo- rado (HORTA, 2006, p. 52).

Com o término da atividade pedagógica é a avaliação que nos dirá a eficiência da aplicabilidade da ação pedagógica. Essa avaliação pode ser feita por meio de questionários, que deverão ser aplicados aos professores e aos alunos. A avaliação nos dará aspectos positivos e negativos da atividade realizada; haverá comentários e sugestões que impactaram positivamente a qualidade efetiva do processo de produção do conhecimento. Desta forma, se saberá se os objetivos foram alcançados.

Aplicação da Oficina pedagógica .Na mesa das oferendas

Estela de Uerhap-Renefsonb


Figura 1
Figura 1


Figura 2
Figura 2

A estela utilizada como objeto cultural para a produção da ação pedagógica é a ‘Estela de Uerhap-Renefsonb’. Ela tem altura de 44 centíme- tros, largura de 38 centímetros e espessura de 7 centímetros. É do acervo do Museu Nacional do Rio de Janeiro e pertence à Coleção Fiengo. A estela é datada como sendo do período do Reino Médio (XII Dinastia, reinado de Amenemhat IV, cerca de 1790 a.C). A sua procedência não é registrada, mas segundo o catálogo Museu Nacional, ela é, provavelmente, de Abidos.

A Figura 3 corresponde à parte superior da estela. Há vários elemen- tos, dentre eles um disco alado e sob ele estão dois chacais de Anubis e uma luneta (1).


Figura 3
Figura 3

Nas laterais há inscrições em hieroglifo (2 e 3):

• Na coluna 1, temos escrito o prenome de Amenemhat IV, Maatkerure.

• Na coluna 2, temos escrito “Senhor do Território Sagrado”.

• Na coluna 3, temos escrito “que fica sobre a montanha”.

A Figura 4 está logo abaixo da parte superior da estela, ela contém duas linhas de texto (4 e 5), onde está escrito:


Figura 4
Figura 4

Oferenda que o rei faz (a) Osíris, o Senhor que abre os caminhos, para que ele possa fazer dádivas de invocação, em pães e cer- veja, bois e gansos; milhares de (vasos de) alabastro, milhares de tudo que é bom e puro, que o céu dá, que a terra produz, e que a inundação do Nilo traz – para a alma do venerável, Administrador dos Fabricantes de Colares, Uerhap-Renefsonb (KITCHEN, 1990,p. 4, Linhas 4-5).

Logo abaixo dessas duas linhas de texto seguem três sequências de imagens, a primeira delas é a Figura 5.


Figura 5
Figura 5

• Nas linhas 6 e 7, temos escrito: “Administrador dos Fabricantes de Colares(?), Uerhap-Renefsonb, nascido em Hedjenet.”

• Nas linhas 8 e 9, temos escrito: “Rensonb; Uerhap júnior(?)”.

• Nas linhas 10, 11, 12 e 15, temos escrito: “Sendo o que foi feito para ele, (pel)o filho do irmão de sua mãe [= seu sobrinho], o funcionário menor dos fabricantes de colares(?), Amenemhat-Sonbhenaef, nascido de Sitamun.”

• Nas linhas13 e 14, temos escrito: “O Administrador do Tribunal(?), Uerhap”.

• Na linha 16, temos escrito: “Adoração do deus, 4 vezes”.

Nesta cena ainda há a representação do morto, Uerhap-Renefsonb. Uma criança sentada encontra-se de baixo da cadeira de Uerhap-Renefsonb. Ao centro, está a mesa de oferendas; sob esta mesa de oferendas há outra criança sentada. Ladeando a mesa, em pé, dois servos.

Na segunda cena, representada pela figura 6, há três homens sen- tados à esquerda (17, 18 e 19): Kemitef; o funcionário menor, Irerhabef; o funcionário menor, Ireri. Ao centro (20) há um menino sentado, Hor; à direita (21, 22 e 23), há três mulheres sentadas: sua mãe Sitamun, Sesheshe e Resunefer.


Figura 6
Na parte inferior da estela temos a última cena

Na parte inferior da estela temos a última cena:


Figura 7
Figura 7

À esquerda (24, 25 e 26), há três homens: Khentykhetyhotep, Ptahhotepe Amenemhatankh. Do centro para direita (27, 28, 29, 30 e 31), há 5 mulheres: Senent; Resu, Horiemhab, Uerni-Ptah e Hedje.

Essa estela pertence ao reinado de Amenemhat IV, faraó que rei- nou durante 9 anos. O morto representado na estela, Uerhap-Renefsonb, era administrador dos fabricantes de colares. Exerceu, portanto, cargo de responsabilidade, uma vez que a XII Dinastia se caracterizou pela sua excelente joalheria, principalmente pelos belos colares feitos de ouro, cornalina, turquesa e ametista. O próprio faraó foi quem mandou o sobrinho de Uerhap-Renefsonb, Amenemhat-Sonbhenaef, também fabricante de colares, fazer a estela. O que mostra a importância dele dentro desse reinado.

As orações e a mesa de oferendas contidas na estela são em ado- ração a Osíris. Os alimentos que estão na mesa são dedicados para a alimentação de Uerhap-Renefsonb quando ele estiver no mundo dos mortos.

Aplicação da oficina pedagógica

Os objetivos da Oficina Pedagógica “Na mesa das oferendas” são situar e compreender as oferendas de alimentos no contexto dos ritos funerários do Egito Antigo a partir da análise da estela de Uerhap-Renefsonb (XII Dinastia, reinado de Amenemhat IV, cerca de 1790 a.C) e da realização de uma série de atividades pedagógicas.

Ao serem levadas propostas educativas, a partir das peças do Museu Nacional, o estudante aprenderá a trabalhar a cultura material visando obter conhecimento por meio de outros tipos de documentos históricos. Para tanto, seguindo a metodologia anteriormente apresentada, serão postas em ação as fases da observação, registro, exploração e apropriação.

O monitor ou professor deverá solicitar aos alunos para observarem as estelas do Museu Nacional e elaborarem um desenho de uma estela. O aluno será como um artesão que deverá preparar uma estela para um parente, cantor, ator etc., que goste e já tenha falecido. Deverá criar o nome do faraó, a mesa de oferenda, orações aos deuses, outros personagens (como familiares e conhecidos do morto) e textos que deverão conter na estela. Tudo o que for escrito na estela terá de estar em hieróglifo.

Material pedagógico: Cartolinas ou folha ofício A4 em formato de estela, lápis de cor, hidrocor, lápis, borracha e tabela de tradução de hieróglifo (isopor em formato de estela, se for possível).

No dia 31 de outubro de 2013, a oficina foi aplicada em uma turma do 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola municipal da cidade do Rio de Janeiro, no bairro de Botafogo. A escola está sob a responsabilidade da 2ª Coordenadoria Regional de Educação que pertence a Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. A turma era do turno da manhã e era com- posta por 27 alunos de idades entre 8 e 11 anos. São do 3º ano do Ensino Fundamental, o que corresponde a antiga 2ª série. Essa turma era conside- rada pela escola como uma turma bem peculiar, uma vez que o alunado era bem heterogêneo por sua faixa etária e por ter um terço dos alunos incluídos com necessidades especiais (autismo, espectro de Ásperger, paralisia cerebral, esquizofrenia e déficit de atenção).

Para esse segmento do Ensino Fundamental não há aulas de História. Porém, foi interessante aplicar a oficina para eles porque já haviam visitado Museu Nacional com as estagiárias do Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID) de Pedagogia da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO). Tiveram, portanto, a oportunidade de visitar a exposição egípcia. Ou seja, eles tiveram contato com as peças do Museu Nacional antes de ser realizada a oficina.

• Fase da Observação:

A oficina teve início às 8h. Antes de começar com a apresentação foi perguntado a eles o que eles se lembravam de ter visto sobre Egito na visita ao Museu Nacional. O que eles mais lembravam era das múmias. Alguns, entre- tanto, se recordaram de ter visto as estelas em certo momento da visitação. Também foi perguntado o que eles sabiam sobre Egito. Constatou-se que as informações sobre Egito Antigo foram obtidas por meio dos filmes A Múmia, O retorno da Múmia, da minissérie televisiva José do Egito e outros desenhos animados de temas bíblicos assistidos em casa ou na igreja.

Após esse momento, justificou-se a escolha em trabalhar o Egito Antigo a partir da perspectiva da alimentação falando da importância da alimentação e suas significações sociais. Foi perguntado qual tipo de comida eles achavam que os egípcios comiam. As suas respostas foram baseadas no que se come hoje no Brasil. Ressaltou-se, então, a importância da alimentação para nós hoje e no Egito Antigo, tanto durante a vida da população quanto na crença da vida após a morte. Neste momento, foi apresentado o assunto tratado na ação pedagógica: a relação que a alimentação tem com a vida após a morte para os egípcios.

Esse foi o ponto de partida: motivá-los a pensar no Egito Antigo a par- tir de informações que eles já traziam consigo sobre o tema.

A partir dessas explicações iniciais foi introduzida a análise da estela de Uerhap-Renefsonb. Foram feitas as seguintes perguntas: o que achavam que eram o objeto? Quais seriam suas características físicas? Para que o objeto ser- viria? Depois que responderam, foi explicado a eles o que era uma estela, sua importância para o ritual funerário, o que deve constar em uma estela, qual era sua origem, em quais partes ela se dividia e em qual período ela poderia ser situada cronologicamente. Destacou-se principalmente o fato de ela pertencer ao acervo do Museu Nacional e foi exposto aos alunos a história da coleção Fiengo.

• Fase do Registro

Foi feita a apresentação dos principais deuses egípcios: Nut, Geb, Rá, Hórus, Anúbis Ísis, Osíris e Seth. Eles fizeram muitas perguntas e sempre relacionaram os deuses com as imagens dos filmes que eles já haviam visto. Ressaltou-se a importância dos deuses Osíris e Anúbis no contexto do ritual funerário egípcio.

A apresentação do conteúdo foi feita com slides preparados no Power Point. A escrita hieroglífica foi apresentada a eles sendo correlacionada com o nosso alfabeto e com as orações a Osíris presentes na estela. Analisaram-se a mesa de oferendas e seu papel central no ritual funerário, além de toda a estrutura interna da estela em volta do contexto funerário do morto Uerhap-Renefsonb.

• Fase da Exploração

Alguns questionamentosforam feitos aos alunos como, por exemplo, a importância da estela para a sobrevivência da pessoa no mundo dos mortos, a necessidade da mesa de oferendas e, sobretudo, o que foi visto durante toda a apresentação. Foram distribuídas duas folhas de apoio para a fixação do conteúdo apresentado.

• Fase da Apropriação

Após a internalização do conteúdo foi pedido aos alunos que fizes- sem uma releitura da estela, de forma que eles mesmos criassem uma estela. Recortou-se anteriormente folhas de papel ofício A4 em formato de estela e foi pedido para eles pintarem toda a folha com lápis de cor bege ou cinza. Quando todas as folhas estavam pintadas pediu-se para elaborarem um dese- nho de uma estela.

O aluno deveria ser o artesão preparando uma estela para um parente, amigo ou artista que ele gostasse muito e já havia falecido. Ele deveria criar o nome do então faraó, a mesa de oferendas, orações a Osíris, outros personagens próximos ao morto e textos que deveriam conter na estela. Tudo o que fosse escrito na estela deveria estar, preferencialmente, em hieróglifo.

Muitos estudantes pediram para que, ao invés de fazerem orações para Osíris, fossem orações para Jesus. Isso é um fato muito interessante, pois pode-se perceber a reapropriação cultural que eles fizeram relacionando a cultura egípcia com crenças pessoais ligadas à contemporaneidade.

Em algumas estelas o morto era um parente ou amigo já falecido. Os estudantes gostaram muito da atividade e terminaram a aula dizendo que iriam viajar para o Egito. A aplicação da oficina foi uma experiência muito interessante para nós e para as estudantes.

Todo o material utilizado para aplicação da atividade pedagógica, assim com o material de apoio voltado par os alunos, foram disponibilizados para os professores da escola.

• Avaliação

No dia 5 de dezembro de 2013 voltou-se à escola para fazer a ava- liação sobre a oficina. Foi feito um questionário para os estudantes com quatro perguntas sobre a atividade pedagógica realizada há quase dois meses atrás. A turma possui 27 alunos, 22 participaram da atividade pedagógica, porém, apenas 20 alunos estavam presentes no dia da avaliação.

1ª Questão: O que você lembra que foi feito na atividade pedagó- gica “Na mesa das oferendas?”

Resposta: Dez alunos disseram que tiveram a oportunidade de conhe- cer a alimentação egípcia. Cinco alunos disseram que aprenderam sobre os deuses egípcios. Cinco lembraram-se de ter feito uma estela egípcia.

2ª Questão: Do que você mais gostou na atividade pedagógica?

Resposta: Cinco alunos responderam que gostaram de aprender sobre uma estela egípcia. Sete alunos disseram que gostaram mais de aprender sobre os deuses. Três alunos responderam que gostaram de ver como a alimentação no Egito era diferente da nossa. Cinco alunos disseram que gostaram muito de aprender um pouco sobre o Egito.

3ª Questão: O que a você acha que aprendeu com a atividade pedagógica?

Resposta: Dez estudantes responderam que aprenderam sobre o Egito Antigo, sete responderam que aprenderam sobre os deuses e três alunos res- ponderam que aprenderam sobre ritual funerário no Egito Antigo.

4ª Questão: Fale com suas próprias palavras o assunto que foi apre- sentado na atividade pedagógica.

Resposta: Os vinte estudantes responderam que aprenderam sobre os deuses egípcios, alimentação egípcia e ritual funerário.

O contato do aluno com o patrimônio cultural permite que, na prática, o aluno compreenda os processos históricos, dando outra vivacidade ao pro- cesso de ensino aprendizagem. O ensino tradicionalista que afasta o aluno cada vez mais da realidade história embaça a plena compreensão de que a história é uma construção social. As referências, que vão ajudar no processo de construção do conhecimento histórico, trarão em si as características da sociedade estudada. É exatamente isso que se percebe a partir da avaliação da oficina. As características da religiosidade egípcia, o tema alimentação e a cultura material foram aprendidos pelos estudantes, de acordo com as respos- tas dadas na primeira questão. Os alunos tiveram contato com a alimentação egípcia e puderam relacioná-la dentro do contexto dos ritos funerários do Egito Antigo. Além disso, se identificaram com o objeto.

As respostas dadas para a segunda questão demostram a preferência dos estudantes por quatro diferentes tipos de temas que foram abordados na oficina (25% dos estudantes gostaram mais de aprender sobre Egito Antigo de forma geral, 25% sobre a estela egípcia, 35% sobre os deuses egípcios e 15% sobre alimentação egípcia). Houve o envolvimento afetivo, a internalização do conteúdo trabalhado de acordo com a relação de aprendizado ocorrida para cada grupo de estudantes. Essa relação estabelecida pode ser fruto da própria vivência do aluno e de sua identificação com o conteúdo. Da mesma forma que os personagens históricos foram agentes sociais ligados à vários aspectos da sociedade, o estudante também é um agente social da contemporaneidade.

Saber pelos próprios alunos o que eles acham que aprenderam sobre o conteúdo nos fez refletir sobre como a linguagem está sendo compreendida de fato por eles. Dessa forma, a terceira pergunta nos mostrou, positivamente, a eficiência da comunicação do monitor com os alunos ao longo do processo de ensino-aprendizagem.

Finalmente, por unanimidade, as respostas dos alunos na quarta questão nos mostrou que o objetivo da Oficina Pedagógica Na mesa das oferendas foi alcançado. Eles entenderam que o assunto trabalhado em sala de aula, após a visitação ao museu, os deixou em contato com a alimentação egípcia e puderam relacioná-la dentro do contexto religioso e dos ritos funerá- rios do Egito Antigo.

A aplicação da oficina, portanto, responde ao questionamento levantado no início do trabalho apontando que a produção de conhecimento histórico escolar a partir dessa ação pedagógica foi eficaz no que diz respeito à produção do conhecimento sobre o tema trabalhado e as características sobre Egito Antigo que puderam ser relacionadas com o objeto. A partir de um tema, a alimentação, vários aspectos culturais e sociais puderem ser analisa- dos com os estudantes, usando um objeto cultural como fonte de conhecimento para a compreensão da cultura de um povo pretérito.

Conclusão

Ao partirmos do tema da alimentação, o presente trabalho utilizou uma estela da coleção egípcia do Museu Nacional para realizar uma oficina pedagógica destinada aos alunos da Educação Básica. Para tanto, utilizamos a Educação Patrimonial como método para a melhor aplicabilidade e constru- ção da relação do objeto com o tema apresentado. Essa atividade teve como resultado a possibilidade de irmos além de uma metodologia tradicionalista de ensino. A visita ao museu e a oficina foram essenciais para que os estudantes desmistificassem uma visão sobre o Egito Antigo que tinham adquirido por meios de filmes ou novelas. A cultura material é, portanto, um meio eficaz para a construção do conhecimento histórico escolar.

Advogamos, assim, pela utilização da cultura material como um cami- nho promissor que possibilita a aproximação do patrimônio com os estudantes. Tal aproximação permite que a interação entre os alunos e o patrimônio abor- dado se dê de forma sensorial e emocional, potencializando a identificação das peças como parte de sua identidade e de sua história. E não só isso: quando mobilizamos o acervo egípcio antigo do Museu Nacional, auxiliamos na construção do contato sensível com o museu, com o diferente, demons- trando que a alteridade é peça chave para a promoção da empatia com os elementos que não fazem diretamente parte da nossa cultura, mas que com- põe, mesmo assim, a nossa história. O contato dos alunos com os acervos riquíssimos de museus brasileiros, como o do Museu Nacional, também será um agente gerador de conhecimento, quando proficuamente trabalhado pelos educadores. Entender que a história é uma construção social e seus espaços fluem ao longo de diversos meios e espaços torna a produção do conheci- mento histórico escolar ilimitado.

Material suplementario
Referências
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Notas
Notas
1 Na ocasião da escrita deste artigo e da realização da oficina, o Museu Nacional da UFRJ encontrava-se em pleno funcionamento. Infelizmente a tragédia ocorrida no dia 2 de Setembro de 2018 acarretou na destruição quase completa das coleções do Museu Nacional. A perda foi inestimável para a história brasileira e para a história mundial. Agora, mais do que nunca, defendemos que é crucial que a memória do Museu Nacional e de seu acervo continue viva através de atividades pedagógicas e de pesquisa.
2 Entende-se como cultura material todo “[...] segmento do meio físico que é socialmente apro- priado pelo homem” (MENESES, 1983, p.112). Resultado da ação do homem ao meio físico e condutor concreto das relações sociais (REDE, 2012).
3 Estela registrada sob o inventário Rio Inv. 645, no Museu Nacional do Rio de Janeiro.
4 Todas as informações sobre a estela foram retiradas de: KITCHEN, Kenneth; BELTRÃO, Maria da Conceição. Catálogo da coleção do Egito Antigo existente no Museu Nacional. Rio de Janeiro Warminster: Aris & Phillips, 1990 (v. 1 e 2).
5 Disciplina eletiva denominada Tópico Especial em História Antiga II, ofertada no primeiro semes- tre de 2013. 6 Necrópole no Alto Egito, o qual foi ocupado por enterramentos, festividades e ação cultual durante toda a história egípcia antiga.
6 Necrópole no Alto Egito, o qual foi ocupado por enterramentos, festividades e ação cultual durante toda a história egípcia antiga
7 Os egiptólogos permanecem em discussão sobre a questão da cronologia do Egito Antigo. Até a atualidade, existem divergências sobre o ano de reinado de cada faraó e aduração de seu governo. A cronologia a ser utilizada em nosso trabalho é a do egiptólogo Wolfram Grajetzki (2006).
8 Cerca de 1868 a. C. Estela feita de basalto, erigida próximo ao grande templo de Osíris em Abidos.
9 Em Abidos era o deus da necrópole. Guiava as almas mortas para o Reino Inferior, abrindo-lhes o Oeste, o Ocidente. 10 Hórus vingador/protetor de seu pai.
10 Hórus vingador/protetor de seu pai.
11 Auguste Mariette (1821-1881) foi um arqueólogo francês responsável por uma massiva escava- ção em todo o Egito.

Figura 1
Figura 1

Figura 2
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Figura 3
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Figura 4
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Figura 5
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Figura 6
Na parte inferior da estela temos a última cena

Figura 7
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