Artigo

Vieses cognitivos no mercado de trabalho: uma abordagem dos efeitos âncora e chamariz

Decision-making cognitive bias in the labor market: an approach on the anchor and decoy effects

Sesgo cognitivo en la toma de decisiones: un enfoque sobre los efectos de anclaje y señuelo

GUILHERME ABIB LEÃO *
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, Brasil
BERNARDO GUELBER FAJARDO **
Fundação Getúlio Vargas, Brazil

Vieses cognitivos no mercado de trabalho: uma abordagem dos efeitos âncora e chamariz

Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, vol. 18, núm. 1, pp. 1-14, 2019

INDEG-IUL - ISCTE Executive Education

Recepção: 25 Fevereiro 2019

Aprovação: 04 Abril 2019

Resumo: Os vieses cognitivos têm-se mostrado capazes de afetar as decisões dos agentes, desviando-as da escolha racional. O objetivo do estudo foi identificar o efeito dos vieses da racionalidade conhecidos como efeito chamariz e efeito âncora na escolha de diferentes ofertas de emprego. Por meio de metodologia experimental, um questionário foi estruturado e respondido por 142 estudantes de Administração; ele apresentava oportunidades de emprego e remunerações esperadas hipotéticas, a ser escolhidas pelos respondentes, nas quais foram inseridos chamarizes e âncoras. Os resultados demonstram que os vieses da racionalidade são capazes de influenciar as escolhas profissionais e o valor mínimo pelo qual os respondentes aceitariam prestar um serviço.

palavras-chave: Vieses cognitivos, Efeito âncora, Efeito chamariz.

Abstract: Cognitive bias affect the decisions of agents by diverting them from rational choice. This work aims to identify the effect of the cognitive bias - known as decoy effect and anchor effect - in the choice between job offers. Using experimental methodology, 142 administration students responded to a questionnaire that presented hypothetical employment opportunities for them to choose, including remunerations and anchors and decoys. The results show that the cognitive bias influence the professional choices and the minimum remuneration the respondents would accept as compensation for their work.

keywords: Cognitive bias, Anchoring effect, Decoy effect.

Resumen: Se ha demostrado que los sesgos cognitivos afectan las decisiones de los agentes al desviarlos de la elección racional. El objetivo de este trabajo es identificar el efecto de los sesgos de racionalidad conocidos como efecto señuelo y efecto de anclaje en la elección de diferentes ofertas de empleo. A través de la metodología experimental, un cuestionario fue estructurado y contestado por 142 estudiantes de Administración; dicho cuestionario presentaba oportunidades de empleo y remuneraciones esperadas hipotéticas para ser elegidas por ellos, en las cuales se insertaron anclas y señuelos. Los resultados muestran que los sesgos de la racionalidad son capaces de influir en las elecciones profesionales y el valor mínimo por el que los encuestados aceptarían prestar un servicio.

Palabras clave: Sesgos cognitivos, Efecto de anclaje, Efecto señuelo.

Introdução

O postulado de racionalidade que supõe consistência nas escolhas e na busca da maximização do bem-estar é usado como pedra fundamental para grande parte das teorias desenvolvidas nas ciências sociais aplicadas (SIMON, 1986). No entanto, diversos estudos têm identificado falhas nesses princípios (ARIELY e WALLSTEN, 1995; FURNHAM e BOO, 2011; KAHNEMAN e TVERSKY, 1979; SIMON, 1986; TVERSKY e KAHNEMAN, 1974; TVERSKY e SIMONSON, 1993). Tais falhas decorrem da influência de aspectos emocionais (ANDRADE e ARIELY, 2009), da intuição (DANE e PRATT, 2007), da aversão ao risco (CHAKRABORTY, SHEIKH e SUBRAMANIAN, 2007) e de vieses diversos, como a racionalidade limitada e a sobrecarga de informação (DIJKSTERHUIS, BOS, NORDGREN et al., 2006;).

O estudo aplicou tais conceitos no ambiente organizacional brasileiro, por meio de 2 experimentos abordando 2 dessas falhas: o efeito chamariz (ARIELY e WALLSTEN, 1995); e o efeito âncora (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974). O efeito chamariz mostra como a racionalidade pode ser falha, uma vez que a inserção de uma nova alternativa, claramente inferior às previamente disponíveis, influencia a opção do indivíduo (ARIELY, 2008). Já o efeito âncora mostra como os indivíduos são muito suscetíveis a informações previamente vinculadas e, por isso, fazem escolhas não ótimas (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974).

Sob essa perspectiva, este artigo busca contribuir com a literatura sobre vieses da racionalidade e auxiliar gestores em seu processo de tomada de decisão. Para tanto, o texto se estrutura em 4 seções, além desta introdução:

  1. 1. Na primeira seção se apresenta o referencial teórico sobre a racionalidade econômica e seus princípios de completeza, reflexividade e transitividade, além das falhas de tais princípios, em especial os efeitos chamariz e âncora;
  2. 2. Em seguida se apresenta a metodologia, descrevendo a composição da amostra, o planejamento do experimento e as hipóteses de pesquisa;
  3. 3. Na terceira seção se analisam os resultados encontrados; e
  4. 4. Por fim, indicam-se as conclusões e as principais implicações do estudo.

Referencial Teórico

Racionalidade e seus vieses

O conceito clássico de racionalidade utilizado pelos economistas pressupõe que, ante a uma decisão eminente, o “homem racional” pondera os custos e benefícios inerentes a todas as possibilidades de decisão visando maximizar seu bem-estar. Tal conceito, porém, mostra-se falho devido à sua incapacidade de se prever e se justificar o comportamento real dos indivíduos no cotidiano.

Simon (1955, 1956) originalmente propôs uma distinção entre maximização e satisfação em uma crítica da teoria da escolha racional. Ele argumentou que, devido aos limites inerentes às habilidades de processamento de informações das pessoas, bem como ao número potencialmente ilimitado de opções a escolher, as pessoas não podem realmente tomar a melhor decisão possível (ou seja, maximizar ou otimizar) da maneira proposta pela teoria econômica. Em vez disso, as pessoas satisfazem - isto é, encontram uma opção que satisfaça com sucesso as suas metas e preferências de decisão. Mais ainda, em cenários diversos, como os de incerteza ou excesso de informações, os indivíduos tentam simplificar suas decisões e usam a intuição, ou seja, tomam decisões a partir de associações a experiências vividas (DIJKSTERHUIS, BOS, NORDGREN et al., 2006; DANE e PRATT, 2007), o que pode levar a erros de julgamento (KAHNEMAN e TVERSKY, 1979; TVERSKY e KAHNEMAN, 1974). Essa racionalidade limitada leva os indivíduos a buscar opções que se mostrem satisfatórias e não necessariamente a melhor opção (SIMON, 1986).

Sob essa perspectiva, diversos estudos empíricos identificaram algumas dessas falhas. Kahneman e Tversky (1979) mostram que as pessoas são avessas ao risco em situações de ganho e propensas ao risco em situações de perda, atribuindo maior peso às perdas do que aos ganhos, o que é conhecido na literatura como teoria do prospecto. Em outro estudo (KAHNEMAN e TVERSKY, 1984) mostram como os indivíduos mudam suas escolhas diante de uma mesma questão apresentada de forma diferente (o chamado efeito framing). Tversky e Simonson (1993) mostram que as preferências de um mesmo indivíduo podem variar em diferentes contextos. Dijksterhuis, Bos, Nordgren et al. (2006) mostram que, em situações nas quais os indivíduos lidam com grandes volumes de informação, a melhor escolha pode decorrer de decidirmos intuitivamente. Viskovatoff (2001) fala da preferência reversa, na qual uma mesma cesta de consumo é avaliada por um indivíduo de forma distinta em diferentes períodos, exatamente o oposto do princípio de reflexividade. Rubinstein (2001) analisa o efeito-calendário, onde o dia semana afetaria as expectativas dos indivíduos diante do mercado financeiro. Bargh, Brownell e Harris (2009) analisam o efeito priming e destacam não só seu potencial para influenciar o comportamento, mas sua presença generalizada, como destacada, por exemplo, por Welsh e Ordonez (2014), que analisam sua influência nos aspectos éticos. Andrade e Ariely (2009) mostram como as emoções podem interferir nas decisões, observando que os participantes enraivecidos tendiam a ser mais vingativos e punitivos, mesmo que isso causasse perda financeira. Cumpre notar que, ainda que fujam do comportamento esperado, tais anomalias não são necessariamente imprevisíveis (ARIELY, 2008), sendo cada vez mais bem compreendidas à medida que mais estudos são desenvolvidos sobre o tema.

Efeito chamariz e efeito âncora: definições e comparação

O efeito chamariz ocorre quando a inserção de uma nova opção altera o padrão de escolha dos indivíduos. De acordo com Ariely e Wallsten (1995), muitas vezes, os indivíduos tomam decisões de forma enviesada e sistemática, como é o caso do paradigma da alternativa dominante assimétrica. Isso ocorre quando existem dois itens, sendo o primeiro melhor em determinado conjunto de dimensões e o segundo melhor em outras dimensões.

O paradigma da alternativa dominante assimétrica, inicialmente estudado por Huber, Payne e Puto (1982) consiste na construção de uma terceira alternativa, denominada chamariz, que pode influenciar a chance de ocorrência das demais alternativas. Raramente o chamariz é escolhido como a melhor opção.

No modelo racional, a inclusão do chamariz não deveria mudar a preferência, entretanto, não é o que ocorre na prática, pois a alteração da terceira alternativa, teoricamente irrelevante, não deveria mudar a preferência relativa das alternativas iniciais (TVERSKY e SIMONSON, 1993). Ou seja, se uma cesta A é preferida em detrimento da cesta C, ao introduzir a cesta C’ (em que C’ é uma versão piorada de C), a preferência dos indivíduos se modifica em direção à cesta C, ferindo os princípios da racionalidade. Exemplos de paradigma da alternativa dominante assimétrica são estudados por Simonson (1993).

O efeito âncora consiste em uma influência desproporcional sobre os tomadores de decisão para fazer julgamentos com tendência a um valor previamente apresentado (TVERSKY e KAHNEMAN, 1974). Dessa maneira, o efeito âncora é responsável por um dos vieses mais frequentes na tomada de decisão, pois os indivíduos, geralmente, ao se prenderem a informações iniciais, têm dificuldade para se ajustar diante de novas informações. De acordo com Furnham e Boo (2011), na hora de tomar decisões, quanto maior a ambiguidade, menor o grau de conhecimento relevante e mais forte a influência do efeito âncora. Isso ocorre porque, quando o tomador de decisão não tem noção do valor do objeto analisado, há uma tendência muito maior de que ele se prenda ao valor inicial apresentado (isto é, a âncora). Casos interessantes podem ser extraídos de Tversky e Kahneman (1974) e Ariely (2008).

Por fim, mostra-se importante destacar as similaridades e as diferenças entre os dois vieses abordados na pesquisa. De certo modo, pode-se entender o efeito chamariz como uma extensão do efeito âncora. Os chamarizes atuam como âncoras específicas de uma situação, sendo similares às opções oferecidas, chamando a atenção por sua inferioridade em comparação a uma das opções, de modo a reforçar a atenção dada a ela.

Como apresentado, muitas vezes, as âncoras são parâmetros aleatórios e sem relação clara com o problema, mas que conseguem nele interferir. Nesse aspecto, os chamarizes se mostram diferentes das âncoras, afinal, o chamariz não pode apresentar tal caráter aleatório. Tal constatação reforça a escolha desses dois vieses específicos, uma vez que a análise de um contribui na compreensão do outro.

Metodologia

Esta seção apresenta os principais aspectos metodológicos adotados. Inicialmente, cabe destacar que a pesquisa recorreu a uma abordagem experimental, o que tem assumido cada vez mais importância nas Ciências Sociais (FALK e HECKMAN, 2009). No Brasil, os experimentos ainda são pouco usados nas pesquisas em Administração. Seu uso, porém, tem-se tornado cada vez mais frequente, destacando-se trabalhos como os de Almeida e Ramos (2012), Cardoso e Aquino (2009), Fajardo e Leão (2014), Reis e Löbler (2012), Teixeira, Nossa e Funchal (2011).

Coleta de dados

O experimento foi realizado por meio da aplicação de questionários on-line com questões sobre as percepções dos estudantes em relação aos diversos benefícios que um emprego poderia oferecer. Quatro variáveis foram analisadas: a) chances de crescimento; b) remuneração; c) estabilidade; e d) carga horária. Os questionários aparentavam buscar somente o perfil de preferências dos respondentes, no entanto, dentro das questões realizadas, aplicavam-se os experimentos dos efeitos âncora e chamariz.

Vale notar que, inicialmente, realizou-se um teste piloto presencial com 22 estudantes, a fim de verificar se a estrutura das questões era adequada e de fácil entendimento. Os resultados se mostraram de acordo com o esperado, de modo que as âncoras e os chamarizes eram eficazes.

Os questionários eram constituídos por três partes, sendo que na inicial se buscava somente traçar o perfil de preferência dos alunos, enquanto na segunda parte se realizava o experimento de efeito chamariz e na última o experimento de efeito âncora.

Na primeira parte da pesquisa se buscou descobrir o que é mais valorizado pelos jovens ao procurar um emprego, considerando as variáveis remuneração, chance de crescimento, carga horária e estabilidade. Assim, pediu-se aos participantes que ordenassem essas variáveis em função de sua relevância ao procurar um emprego. Tais características corroboram os resultados de Cavazotte, Lemos e Viana (2012) e de Dias e Soares (2012).

Também se questionou a expectativa salarial dos respondentes, em média, ao longo da sua vida. Essa questão foi colocada no final do questionário, após o experimento com o efeito âncora, de modo a permitir a avaliação mais profunda do impacto de tal viés da racionalidade. As outras duas partes do questionário são detalhadas nas respectivas seções.

Os questionários foram aplicados a três grupos distintos: um grupo controle e outros dois contendo âncoras e chamarizes. Para o experimento final foram enviados 359 e-mails, que direcionavam ao link do experimento, a estudantes de diversos cursos de suas instituições de Ensino Superior (IES). No total foram obtidas 142 respostas. Do total de respondentes, 45% eram da área de Administração.

Experimento do efeito chamariz

Na segunda parte foram aplicadas questões nas quais os respondentes deveriam escolher a opção de emprego que mais lhes agradava. Foram oferecidas três opções de emprego - sendo uma delas um chamariz -, nas quais se forneciam informações como carga horária, chances de crescimento, nível de estabilidade e salário. Foram adotadas como chamarizes as variáveis carga horária e salário.

Além disso, recorreu-se a um grupo controle para avaliar a atratividade de cada uma das opções, sem a presença do chamariz. Esse controle contém duas opções de emprego similares às dos grupos de experimento, entretanto, não oferecendo a opção chamariz. Dessa maneira, pode-se comparar e avaliar se a presença do chamariz mudou a atratividade de cada opção.

Assim se define a primeira hipótese do estudo:

H1: Na presença de uma proposta de emprego chamariz, a proposta que é semelhante e claramente superior ao chamariz passa a ser mais atrativa do que as demais propostas.

Experimento sobre o efeito âncora

Na terceira parte do questionário se pergunta se o respondente aceitaria realizar um serviço na porta da faculdade por R$ 10,00, em seguida se ele aceitaria realizar o mesmo serviço por R$ 50,00 e, por último, se aceitaria fazê-lo por R$ 90,00. No segundo grupo são oferecidos os mesmos valores para a mesma tarefa, porém, tais valores são apresentados na ordem inversa. Para o terceiro grupo (controle) foi perguntado apenas qual era o valor mínimo que deveria ser pago para que o respondente aceitasse realizar o serviço. Além disso, contava-se que os valores fornecidos pelo grupo controle ajudassem a evidenciar a eficiência das âncoras.

De forma análoga a Ariely (2008), faz sentido que uma pessoa que tenha aceitado realizar o serviço por R$ 10,00, ache lógico aceitar realizá-lo por R$ 50,00 ou R$ 90,00, já que anteriormente aceitou fazê-lo por um valor menor. No entanto, para uma pessoa que recebeu originalmente a oferta de R$ 90,00, a oferta de R$ 50,00 não parece razoável e a de R$ 10,00 parece ainda pior. Assim, esperava-se que o valor inicial servisse de âncora, de tal modo que no primeiro grupo, em média, aceitar-se-ia realizar a tarefa por menos do que no segundo grupo, afinal, um grupo estaria ancorado no valor de R$ 10,00 oferecido, enquanto o outro se apegaria ao valor de R$ 90,00.

Assim se estabelece a segunda hipótese do estudo:

H2: O grupo que recebe as ofertas de modo decrescente (âncora de R$ 90,00) exige, em média, uma remuneração maior do que o grupo que as recebe de forma crescente (âncora de R$ 10,00).

Resultados

Resultados sobre as preferências de carreira

Nas questões sobre o que os respondentes mais valorizam ao procurar um emprego, constatou-se que o foco deles recai principalmente sobre as chances de crescimento e na remuneração, ao passo que a estabilidade e a carga horária se mostram menos importantes. De certa forma, os resultados corroboram os achados de Cavazotte, Lemos e Viana (2012), que identificaram que, apesar de apresentarem anseios diferentes, os jovens da chamada geração Y têm demandas como boa remuneração, chance de crescimento e estabilidade. Similarmente, Dias e Soares (2012) analisam que, ao iniciarem sua vida profissional, a busca desse grupo de jovens enfoca um emprego bem remunerado e estável.

Embora a variável chance de crescimento tenha sido escolhida como a mais importante (39% dos respondentes), a variável remuneração foi marcada por 80% das pessoas como uma das duas características mais importantes na procura de emprego (32% a marcaram como primeiro lugar e 48% como segundo). A Tabela 1 ilustra os resultados obtidos.

TABELA 1
Características mais valorizadas pelos respondentes
Preferência
Carga Horária711,328,952,8
Chances de crescimento38,721,123,916,9
Estabilidade21,819,731,726,1
Remuneração32,447,915,54,2

Os resultados mostram que à variável carga horária se atribuiu a menor importância, com mais da metade das respostas (52,8%) a apontando como a de menor influência. A variável estabilidade foi a que obteve maior regularidade ao longo das quatro opções, já que, mesmo sendo considerada a menos importante por 26% dos respondentes, 20% a consideraram a mais importante.

Resultados do efeito chamariz

Os dois experimentos realizados para testar o efeito chamariz mostraram que, de fato, ele é válido mesmo ao tratar de questões organizacionais. No primeiro experimento foram oferecidas alternativas com informações em três dimensões distintas: a) carga horária; b) salário; e c) estabilidade. A carga horária foi usada como chamariz. Os resultados são apresentados na Tabela 2.

TABELA 2
Resultados do experimento chamariz 1 - Grupos 1, 2 e 3
ProposiçõesResultados
Grupo 1
A - Ter um emprego de 7 horas por dia, ganhar R$ 5.000 por mês tendo forte estabilidade.3372%
A’ - Ter um emprego de 8 horas por dia, com alta estabilidade e salário de R$ 5.000 por mês511%
B - Ter um emprego de 5 horas por dia, com baixa estabilidade e salário de R$ 5.700 por mês.817%
Grupo 2
A - Ter um emprego de 7 horas por dia, ganhar R$ 5.000 por mês tendo forte estabilidade.2757%
B - Ter um emprego de 5 horas por dia, ganhar R$ 5.700 por mês, sem estabilidade.1940%
B’ - Ter um emprego de 6 horas por dia, ganhar R$ 5.700 por mês, sem estabilidade12%
Grupo 3
A - Ter um emprego de 7 horas por dia, ganhar R$ 5.000 por mês tendo forte estabilidade.3265%
B - Ter um emprego de 5 horas por dia, ganhar R$ 5.700 por mês, sem estabilidade.1735%

Nota-se que a opção A (Ter um emprego de 7 horas por dia, com alta estabilidade e salário de R$ 5.000,00 por mês) foi fortemente predominante nos três grupos, sempre com mais de metade das respostas, mesmo com a presença do chamariz B’ no segundo grupo puxando as respostas para a opção B. As alternativas A’ e B’ foram usadas como chamarizes, representando versões pioradas de A e B, uma vez que apresentam os mesmos benefícios que essas ofertas, porém, com maior carga horária de trabalho.

Outro ponto que deve ser notado, é que, apesar da forte preferência pela alternativa A, que era claramente superior na dimensão da estabilidade, a alternativa B era preferida nas dimensões de carga horária e salário. Essa dualidade entre as alternativas tornou possível a influência dos chamarizes. O resultado é corroborado pelo teste de independência de qui-quadrado (χ = 144,2; p < 0,01).

Na segunda questão de efeito chamariz, os resultados se mostraram bastante similares aos da questão anterior, com chamariz eficiente. Nesse caso, uma das alternativas era superior na dimensão carga horária, a outra se mostrava melhor na dimensão estabilidade e as duas opções de emprego ofereciam o mesmo salário. O chamariz usado foi salário menor. A Tabela 3 apresenta os resultados.

TABELA 3
Resultados do experimento chamariz 2 - Grupos 1, 2 e 3
ProposiçõesResultados
Grupo 1
A - Ter um emprego de 6 horas por dia, com baixa estabilidade e salário de R$ 7.200 por mês.1430%
A’ - Ter um emprego de 6 horas por dia, com baixa estabilidade e salário de R$ 6.100 por mês.12%
B - Ter um emprego de 8 horas por dia, com alta estabilidade e salário de R$ 7.200 por mês.3167%
Grupo 2
A - Ter um emprego de 6 horas por dia, com baixa estabilidade e salário de R$ 7.200 por mês.613%
B - Ter um emprego de 8 horas por dia, com alta estabilidade e salário de R$ 7.200 por mês.4187%
B’ - Ter um emprego de 8 horas por dia, com alta estabilidade e salário de R$ 6.100 por mês.00%
Grupo 3
A - Ter um emprego de 6 horas por dia, com baixa estabilidade e salário de R$ 7.200 por mês.1122%
B - Ter um emprego de 8 horas por dia, com alta estabilidade e salário de R$ 7.200 por mês.3878%

Observa-se que a escolha predominante foi aquela que apresentava maior estabilidade (opção B), o que se mostra coerente diante do perfil dos alunos, que valorizam mais a estabilidade do que a carga horária. Diferentemente da questão anterior, apenas um respondente escolheu a opção chamariz. Comparando os resultados dos grupos 1 e 2 aos do grupo controle, notou-se que o chamariz A’ teve influência capaz de deslocar em 8% as respostas para A, enquanto B’ conseguiu levar mais 9% das respostas para a alterativa B. O resultado é corroborado pelo teste de independência de qui-quadrado (χ = 28,5; p < 0,01).

Assim, os resultados fornecem evidências para corroborar a Hipótese 1, de que a proposta semelhante e claramente superior ao chamariz passa a ser mais atrativa na presença dele.

Um resultado que chamou a atenção, foi o fato de alguns respondentes escolherem a opção chamariz (6 respostas - 5 no primeiro grupo e 1 no segundo), o que, a princípio, não faria sentido algum. No entanto, esse resultado já havia ocorrido na aplicação do teste piloto, no caso de um aluno. Ao ser questionado sobre a razão de tal escolha, o aluno explicou que escolheu essa resposta propositalmente e não por distração, argumentando que maior carga horária pode estar relacionada a maior chance de crescimento, pois ele poderia mostrar mais serviço, assim como aprender mais. Como a amostra do teste piloto era bem pequena, essa resposta não havia chamado muita atenção. No entanto, ao se repetir no resultado geral, nota-se que tal questão pode ser mais bem explorada.

Resultados do efeito âncora

Como resultados do experimento relativo ao efeito âncora, no primeiro grupo (em que se oferecia primeiramente R$ 10,00 pela prestação de um serviço, depois R$ 50,00 e, por fim, R$ 90,00), verificou-se que a aceitação foi de, respectivamente, 39,1%, 73,9% e 82,6%. No segundo grupo (que inverteu a ordem dos valores das ofertas), 17% aceitaram a tarefa por R$ 10,00, 63,8% por R$ 50,00 e 76,5% por R$ 90,00. Além das evidências iniciais, uma segunda abordagem do funcionamento das âncoras se dá pelo resultado do grupo controle, no qual era possível responder livremente qual foi o valor mínimo solicitado para a realização da tarefa. Para possibilitar a comparabilidade entre os grupos, tais valores foram categorizados, analisando-se a proporção deles que aceitaria prestar o serviço por R$ 10,00, R$ 50,00 ou R$ 90,00. Vale destacar que cinco respondentes disseram aceitar realizar o serviço gratuitamente, ou seja, exigiam R$ 0,00 como remuneração mínima. A Tabela 4 resume as estatísticas das respostas.

TABELA 4
Aquiescência das ofertas de R$ 10,00, R$ 50,00 e R$ 90,00 (em %)
Grupo
123
De R$0 a R$1039,11712,2
De R$0 a R$5073,963,844,9
De R$0 a R$9082,676,671,4
Acima de R$ 9017,423,428,6

Em termos gerais, nota-se que, de certa forma, os respondentes mantiveram a consistência, pois a aceitação aumenta conforme os valores oferecidos aumentam. Além disso, em todas as três ofertas há maior aceitação no grupo que recebeu uma âncora de valor R$ 10,00, ou seja, uma âncora menor efetivamente leva as pessoas a aceitarem valores menores, enquanto uma âncora maior aumenta o valor exigido. No grupo controle, cerca 4,8% a menos dos respondentes aceitaria prestar o serviço por R$ 10,00 e 5,2% a menos aceitaria a oferta de R$ 90,00. No entanto, o resultado mais marcante foi para a oferta de R$ 50,00, onde 18,90% a menos a aceitariam no grupo controle. A diferença de aceitação entre os grupos foi confirmada por testes de independência qui-quadrado, notando-se que houve diferença significativa para as ofertas de R$ 10,00 (χ = 150,6; p < 0,01), R$ 50,00 (χ = 143,7; p < 0,01) e também de R$ 90 (χ = 142,8; p < 0,01), corroborando, assim, a Hipótese 2.

Após as questões referentes à ancoragem, perguntou-se o montante que cada respondente esperava receber de salário, em média, ao longo de sua vida. Para o cálculo das médias das respostas por grupo foram excluídas nove respostas consideradas outliers (um aluno, por exemplo, respondeu que esperava ganhar R$ 999.999,00 de salário médio). O resultado é mostrado na Tabela 5.

TABELA 5
Expectativas salariais médias
QuestionárioNMédiaSD
14416.687,5011.059,84
24513.631,119.673,84
34413.931,826.184,14
Total13314.741,739.241,23

Nota-se que não houve diferença significativa nas remunerações médias entre os três grupos, o que é corroborado pela estatística de teste F (F = 1,48; p > 0,20), sugerindo que a ancoragem não apresentou influência nesse resultado. Isso denota que, por carregarem uma pretensão salarial anterior à pesquisa (os respondentes mantêm consigo constantemente uma noção do quanto pretendem ganhar), a âncora não seria capaz de afetar sua pretensão per si.

Considerações finais

O estudo teve por objetivo analisar como o processo de tomada de decisão pode ser influenciado por vieses cognitivos que fogem à análise puramente racional.

Diferentemente do exemplo da panificadora de Simonson (1993) e do mercado de ruídos de Ariely (2008), que abordam setores em que os respondentes não têm noção do que é um bom ou mau preço (sendo natural que sofressem influência dos parâmetros oferecidos como âncoras e chamarizes), os resultados evidenciam que tais vieses também se fazem presentes mesmo para questões cotidianas, nas quais certos parâmetros já estão estabelecidos.

Os estudantes têm consciência de suas expectativas de emprego e de quanto consideram justo aceitar por um serviço, ideia reforçada pela questão final, na qual a expectativa média salarial se mostrou praticamente igual nos três grupos de respondentes, além dos respondentes terem sido coerentes quanto às suas predileções em um emprego e suas escolhas posteriores, nas quais aspectos salariais e a chance de crescimento foram mais valorizados do que a carga horária e a estabilidade. Assim, era de esperar que os respondentes também se mostrassem coerentes ao lidar com chamarizes e âncoras, o que não ocorreu.

O efeito âncora também se provou presente, confirmando as hipóteses propostas. Mesmo tendo noção de quanto gostariam de receber para prestar um serviço, os respondentes foram influenciados pela ordem com que eram apresentadas as propostas, o que não faz nenhum sentido na lógica racional econômica.

Por um lado, esse resultado pode contribuir para os gestores em múltiplos aspectos. Pode-se conceber, por exemplo, uma negociação em que se mencione “despretensiosamente” logo no início do processo o valor comumente pago, o que poderá servir como âncora, influenciando a decisão da outra parte. Por outro, também pode contribuir de maneira geral ao servir de alerta para todos acerca das âncoras e dos chamarizes que podem passar despercebidos, por exemplo, em ofertas de supermercado ou em ofertas de emprego.

Assim, nota-se que, muitas vezes, o ser humano é incoerente em suas decisões, o que pode se mostrar algo positivo em determinadas situações. Este estudo constitui um exemplo disso - considerando que a expectativa salarial média dos respondentes foi de cerca de R$ 15.000,00 mensais (em torno de R$ 86,00 por hora) e que no teste piloto os respondentes levavam entre 10 e 15 minutos para responder o questionário, era de esperar que os respondentes só aceitassem responder a pesquisa se recebessem entre R$ 14,00 e R$ 21,00, o que não ocorreu. Se fossem totalmente racionais e seguissem suas exigências salariais para responder a pesquisa, esta nunca teria sido realizada.

Por fim, só nos resta agradecer por toda essa irracionalidade na tomada de decisão, que, além de proporcionar um intrigante tema de pesquisa, propicia a participação benevolente (e gratuita) dos respondentes.

Referências

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ARIELY, D. Previsivelmente irracional. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008.

ARIELY, D.; WALLSTEN, T. S. Seeking subjective dominance in multidimensional space: an explanation of the asymetric dominance effect. Organizational Behavior and Human Decision, v. 63, n. 3, p. 223-232, 1995.

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Autor notes

* GUILHERME ABIB LEÃO - Mestre em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Pesquisador no Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), Rio de Janeiro - RJ, Brasil.
** BERNARDO GUELBER FAJARDO -Doutor em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Professor pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE), Rio de Janeiro - RJ, Brasil.
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