ARTIGO
Recepção: 10 Junho 2019
Aprovação: 30 Novembro 2019
DOI: 10.12660/rgplp.v18n3.2019.79484
Resumo: Diante da percebida dificuldade para implementar políticas estratégicas de gestão de pessoas (GP), este estudo explora quais são os fatores que contribuem para tal dificuldade. O artigo identifica fatores contextuais de natureza institucional, política, organizacional e setorial que podem interferir na implementação de políticas de gestão estratégica de pessoas (GEP) no caso de uma empresa pública, segundo categorias de contingências levantadas previamente na literatura. Trata-se de pesquisa com abordagem qualitativa e uso de entrevistas e pesquisa documental. Os dados foram submetidos a análise de conteúdo. Os resultados indicam que os principais fatores interferentes se relacionam a aspectos: a) culturais, devido ao perfil dos empregados da empresa; b) políticos, pois na empresa os projetos estratégicos tendem a ser descontinuados; e c) setoriais, pois a unidade de GP goza de baixa credibilidade, reputação e autonomia. Conclui-se que iniciativas de implementação de políticas de GEP constituem, sobretudo, um processo de mudança cultural.
Palavras-chave: Gestão estratégica de pessoas, Implementação de políticas de gestão de pessoas, Gestão pública.
Resumen: Frente a la dificultad percibida de implementar políticas estratégicas de gestión de personas, este estudio explora qué factores de interferencia contribuyen a estas dificultades. Este artículo pretende identificar los factores institucionales, políticos, organizacionales y sectoriales que pueden interferir en la implementación de políticas de gestión estratégica de personas en el caso de una empresa pública según categorías de contingencia previamente planteadas por la literatura. Se realizó una investigación cualitativa, en la cual se emplearon investigaciones documentales y entrevistas. Los datos se analizaron mediante análisis de contenido. Los resultados indican que los principales factores de interferencia están relacionados con aspectos: i) culturales, debido al perfil de los empleados de la organización; ii) políticos, porque los proyectos estratégicos tienden a ser discontinuados en la organización; y iii) sectoriales, ya que la unidad de gestión de personas tiene baja credibilidad, reputación y autonomía. En conclusión, la implementación de políticas de gestión estratégica de personas es sobre todo un proceso de cambio cultural.
Palabras clave: Gestión estratégica de personas, Implementación de políticas de gestión de personas, Administración pública.
Abstract: This study explores the factors related to the difficulties of implementing strategic human resource management policies. The objective is to identify the institutional, political, organizational, and sectoral factors that may interfere in the implementation of strategic human resource management policies in the case of a public enterprise according to contingency categories found in the literature. Qualitative research using documentary research and interviews was carried out, and the data were analyzed through content analysis. The results indicate that the main interfering factors are related to i) cultural aspects, due to the profile of the organization employees; ii) political aspects, because strategic projects tend to be discontinued in the organization; and iii) sectorial aspects, since the human resource management unit has low credibility, reputation, and autonomy. In conclusion, the implementation of strategic human resource management policies is mainly a process of cultural change.
Keywords: Strategic human resource management, Implementation of human resource management policies, Public administration.
INTRODUÇÃO
A partir da década de 1980, a gestão de pessoas (GP) ganhou maior relevância com a emergência da visão de que as pessoas constituem um fator estratégico para a organização (LEGGE, 1995). Segundo essa abordagem, denominada gestão estratégica de pessoas (GEP), cabe à unidade responsável pelos recursos humanos garantir a competitividade da organização por meio da potencialização das competências humanas necessárias ao bom desempenho organizacional (WRIGHT e SNELL, 1991).
A compreensão, eminentemente desenvolvida no setor privado, de que a GP se mostra fundamental para a efetividade organizacional também passou a ser adotada no setor público, a partir do cenário gerencialista estabelecido por meio das reformas administrativas adotadas no final do século XX (TRUSS, 2008). Nesse contexto, também se desenvolveu no Brasil um processo de reforma do Estado, que almejou substituir um modelo rigidamente burocrático e paternalista por outro, marcado pela adoção de elementos típicos da administração pública gerencial, em resposta à crise do Estado nos anos 1980 e à globalização da economia. Ações realizadas com o fito de redefinir o papel do estado, no sentido de passar a favorecer a competitividade internacional da economia, foram de encontro à rigidez normativa vivenciada desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 (PEREIRA, 2006). Décadas mais tarde, a Política Nacional de Desenvolvimento de Pessoal (PNDP), instituída pelo Decreto n. 5.707/2006, foi a principal e mais abrangente iniciativa nesse sentido no âmbito da GP, com o propósito de adotar a gestão por competências como ferramenta de capacitação dos servidores do Poder Executivo Federal (CAMÕES e MENESES, 2016; SILVA e MELLO, 2013).
Entretanto, a transposição de modelos estratégicos de GP desenvolvidos no setor privado tem ocorrido sem a observação das complexidades próprias do setor público (BROWN, 2004; INGRAHAM e RUBAII-BARRETT, 2007). Ao importar as técnicas de GP, não se levou em consideração que o ambiente estratégico, estrutural e cultural das organizações públicas poderia limitar as iniciativas das unidades de GP, que acabariam por se deparar, no processo de implementação, com fatores institucionais, políticos, organizacionais e setoriais negligenciados na etapa de formulação de tais iniciativas (FONSECA, MENESES, SILVA FILHO et al., 2013; CÔRTES, 2016).
A adequação entre as práticas de GP e as condições experimentadas pelas organizações constitui um dos princípios primordiais da GEP, seja pela necessidade de alinhar as políticas setoriais e as organizacionais difundidas desde os estudos iniciais do campo, seja pelo entendimento, alcançado posteriormente, de que contingências contextuais, tais como o tipo e o setor da organização, também são determinantes do sucesso de tais práticas (M. L. LENGNICK-HALL, C. A. LENGNICK-HALL, ANDRADE et al., 2009). Sobretudo no caso do setor público, aspectos contingenciais e políticos constituem elemento central para que a implementação de políticas de GP ocorra como planejado (CAMÕES e MENESES, 2016; CÔRTES e MENESES, 2017).
Diante da constatação de que há um distanciamento entre as práticas intencionadas e aquelas de fato realizadas, a implementação da GEP constitui uma das principais linhas da agenda de pesquisa sobre o tema (M. L. LENGNICK-HALL, C. A. LENGNICK-HALL, ANDRADE et al., 2009).
Com isso em vista, este estudo consistiu no levantamento de informações sobre a influência do contexto nas práticas de GP em uma empresa pública. Assim, teve por objetivo identificar fatores de natureza contextual que podem interferir na implementação de políticas da GEP no caso de uma empresa pública.
Gestão estratégica de pessoas
Ainda que discussões acerca da utilização estratégica das práticas de GP se façam presentes desde a década de 1920, foi diante de um cenário que exigia das organizações maior potencial de competitividade que a GEP emergiu (WRIGHT e MCMAHAN, 1992; KAUFMAN, 2015; CAMÕES e MENESES, 2016). Nesse contexto, a GP ganhou maior projeção a partir do reconhecimento dos recursos humanos como valiosos para a consecução da estratégia organizacional (WRIGHT e MCMAHAN, 1992; JACKSON, SCHULER e JIANG, 2014). O conceito da GEP agrega fundamentalmente dois princípios: a) o alinhamento vertical; e b) o alinhamento horizontal - a partir dos quais busca potencializar a capacidade de recrutar, reter e desenvolver no corpo funcional as competências de que a organização necessita, por meio da coesão entre as políticas e subsistemas de GP e a coerência em relação aos objetivos da organização (WRIGHT e SNELL, 1991; WRIGHT e MCMAHAN, 1992).
Concomitantemente à ascensão da GEP, ideais de modernização da gestão pública ganhavam força, tais como o uso racional dos recursos para promover maior eficiência e eficácia e o próprio estímulo à competitividade (HOOD, 1995). Assim, a gestão dos recursos humanos passou a receber maior destaque também no setor público, dado que novas abordagens na área poderiam aprimorar a efetividade e servir como propulsoras de uma cultura voltada ao desempenho (TRUSS, 2008).
Embora parte das práticas gerenciais transpostas do setor privado tenham se mostrado úteis, trouxeram à tona questões problemáticas próprias do setor público, tais como a maior influência política verificada e os valores culturais burocráticos, levando a um modelo de GP híbrido, incapaz de substituir a administração de recursos humanos (ARH) tradicional (DUNLEAVY e HOOD, 1994; R. B. DENHARDT e J. V. DENHARDT, 2003; TRUSS, 2008; MOTTA, 2013). Em suma, as diferenças contextuais entre esses dois setores e o impacto que exercem sobre as atividades de GP ficaram evidentes, ratificando a ideia de que o estudo dessas atividades não deve ocorrer desvinculado do contexto da administração pública (TRUSS, 2008; MOTTA, 2013; SILVA e MELLO, 2013).
De fato, a observação do contexto constitui um dos elementos centrais de diferenciação entre a GEP e a ARH, haja vista que para adotar um posicionamento estratégico é relevante ter noção sistêmica da organização e da interdependência que ela mantém com o ambiente que a cerca (JACKSON, SCHULER e JIANG, 2014). Nesse sentido, a literatura acerca da GEP se construiu desde o princípio, majoritariamente, segundo a perspectiva contingencial, ou seja, a partir da noção de que a adequação dos modelos de GP se faz necessária a cada caso, uma vez que fatores ambientais internos e externos representam contingências à implementação das políticas de GEP (HENDRY e PETTIGREW, 1990; DELERY e DOTY, 1996; M. L. LENGNICK-HALL, C. A. LENGNICK-HALL, ANDRADE et al., 2009).
Implementação da gestão estratégica de pessoas no setor público
Com o avanço da literatura em torno de conceitos, modelos e recomendações sobre a GEP, a efetiva capacidade de implementação de políticas de GEP passou, ao final da década de 1990, a constituir assunto central na agenda de pesquisa sobre o tema. A partir da conclusão de que há uma distância entre as práticas planejadas e aquelas de fato executadas, bem como do entendimento de que os setores de GP não foram plenamente bem-sucedidos na implementação dos princípios da GEP, surgiu a necessidade de averiguar em maior detalhe os fatores que contribuem para tal realidade (TRUSS e GRATTON, 1994; M. L. LENGNICK-HALL, C. A. LENGNICK-HALL, ANDRADE et al., 2009).
Diante desse problema de pesquisa, estudos nacionais buscaram identificar aspectos que interferem na implementação de distintas políticas relacionadas à GEP no setor público brasileiro, com foco na investigação dos resultados obtidos após a implantação da PNDP (FONSECA, 2013; CAMÕES, 2013). Em consonância com as conclusões propostas por esses estudos, Côrtes (2016) realizou uma revisão bibliográfica com o objetivo de identificar e categorizar tais contingências à implementação da GEP no setor público tratadas pela literatura, as quais foram posteriormente averiguadas empiricamente no âmbito do Poder Legislativo (CÔRTES e MENESES, 2019). Nesse sentido, Côrtes e Meneses (2019)propõem que os principais desafios enfrentados podem ser resumidos em 21 fatores, classificados em categorias de 4 naturezas: a) institucional; b) política; c) organizacional; e d) setorial - identificadas por Fonseca (2013) e Camões (2013).
Os fatores institucionais tratam de componentes do ambiente externo às organizações públicas, mas que influenciam seu funcionamento, seja ao estabelecer barreiras para a implementação da GEP devido à regulamentação excessiva ou ao incentivar a adoção das políticas por meio de imposição coercitiva (DECRAMER, SMOLDERS, VANDERSTRAETEN et al., 2012; FONSECA, 2013). Nesse sentido, podem incluir: a) aspectos da conjuntura política, econômica e social; b) interferências advindas de mecanismos de controle externos; e c) limitações oriundas de legislações, decretos e normativas externas (SILVA e MELLO, 2013; CÔRTES e MENESES, 2019; FONSECA e MENESES, 2016).
Os fatores políticos, por sua vez, abordam os relacionamentos interpessoais e intergrupais vivenciados na organização e a maneira como afetam a formação de agenda e a tomada de decisões. Incluem, portanto, questões relacionadas à habilidade de inserção estratégica e negociação e ao uso da influência para garantir a implementação e a continuidade das políticas de GEP, mesmo diante de conflitos de interesses verificados pela discrepância de prioridades entre alta administração e servidores (INGRAHAM e RUBAII-BARRETT, 2007CAMÕES e MENESES, 2016; CÔRTES e MENESES, 2019).
Já os fatores organizacionais caracterizam o ambiente interno das organizações. Dentre os assuntos estudados estão os impactos que a utilização dos recursos e a definição da estrutura hierárquica, de normas internas e do planejamento estratégico podem exercer na implementação da GEP. Ademais, inclui questões como a cultura de resistência à mudança e de valores burocráticos instituída na administração pública (SILVA e MELLO, 2013; FONSECA e MENESES, 2016; CÔRTES e MENESES, 2019).
Enfim, os fatores setoriais são elementos próprios da unidade de GP que afetam a efetividade de suas ações, tanto em termos de disponibilidade de recursos e estruturação, quanto no que tange a aspectos relativos ao caráter estratégico e político da unidade. Assim, também englobam questões de reputação e autonomia da unidade de GP, uma vez que a liberdade de ação do setor e a visão do corpo funcional acerca dele tendem a ser, respectivamente, restritas e negativas no setor público (JÄRVALT e RANDMA-LIIV, 2010; CÔRTES e MENESES, 2019; FONSECA, 2013).
O Quadro 1 apresenta resumidamente as categorias que compõem cada um dos fatores, bem como as definições propostas por Camões (2013), Fonseca (2013) e Côrtes (2016) adotadas neste estudo. Portanto, esta pesquisa buscou verificar dentre os fatores interferentes quais apresentam relevância para a implementação de políticas de GEP na empresa pública em análise.

Em consonância com a classificação apresentada, alguns fatores interferentes de natureza organizacional merecem detida atenção neste estudo, dada sua predominância na literatura (FONSECA e MENESES, 2016; CÔRTES e MENESES, 2017). Defende-se que o alinhamento necessário para favorecer a consecução de objetivos organizacionais pressupõe a convergência de variáveis estratégicas, estruturais e culturais (SEMLER, 1997). Nessa linha, a implementação de modelos estratégicos de GP decorre da realização de mudanças organizacionais de grande escala (KAUFMAN, 2015), cuja realização impõe alterações de caráter estratégico, estrutural e cultural (GUEST, 1987).
No entanto, a discrepância por vezes identificada entre a estratégia planejada e a efetivamente realizada advém de causas de cunho cultural (HARRISON e BAZZI, 2017), especialmente em organizações públicas (ALFES, TRUSS e GILL, 2010). Ampliando tal visão, também se advoga que os elementos definidores da cultura, como, por exemplo, os valores difundidos na organização, exercem influência na própria determinação de suas premissas de funcionamento e de condução de suas atividades, refletindo-se, consequentemente, na maneira de estruturar-se (BARNEY, 1986). Outrossim, relata-se que o desenvolvimento de elementos culturais que estimulem a participação coletiva e as relações humanas tendem a mitigar a resistência à mudança, outro elemento crítico nesse contexto (MARQUES, BORGES, MORAIS et al., 2014), e a favorecer a adoção de novas formas de realizar o trabalho (JONES, JIMMIESON e GRIFFITHS, 2005; ALFES, TRUSS e GILL, 2010).
Há, ainda, que se salientar a relevância de aspectos da estrutura organizacional típicos das organizações públicas e seu impacto na efetiva adoção da GP estratégica. As estruturas, marcadamente rígidas e burocráticas, tendem a restringir a dinâmica de implementação (INGRAHAM e RUBAII-BARRETT, 2007). Mais especificamente no contexto brasileiro, marcado pela predominância de burocracias formalistas e com forte concentração do poder (PIRES e MACEDO, 2006), a estrutura organizacional é definida em normas que derivam de políticas amplas de gerenciamento estatal e desconsideram as peculiaridades das unidades administrativas (CAMÕES e MENESES, 2016; CÔRTES e MENESES, 2017).
Uma vez exposta a relevância teórica do fenômeno em estudo, bem como lastreados teoricamente os possíveis fatores que interferem na implementação da GEP, cumpre investigar empiricamente como eles se apresentam e se hierarquizam na realidade da organização analisada.
MÉTODO
A pesquisa se classifica como descritiva, de abordagem qualitativa. Foi aplicada em uma empresa pública de âmbito nacional, com sede no Distrito Federal, criada em 1990, cujo objetivo é gerir e executar as políticas agrícolas e de abastecimento. A empresa contava, no momento da coleta dos dados, com aproximadamente 5.000 funcionários, distribuídos entre a matriz e as 27 filiais regionais; o Quadro 2 resume as principais características metodológicas do estudo.

A primeira fase da pesquisa consistiu na reunião de documentos oficiais, os quais continham elementos relevantes para a compreensão do contexto organizacional e institucional. A composição do acervo foi indicada inicialmente pelos empregados de uma das gerências da diretoria de GP, responsável, no momento da coleta de dados desta pesquisa, pelo desenvolvimento e pela implementação de novas tecnologias alinhadas à política de GEP que vinha sendo instituída na organização. Após a análise do material, outros documentos foram acrescentados à amostra até que fosse atingida a saturação teórica. Assim, ao todo, foram analisados 70 documentos, como apresenta a Tabela 1.

A seguir, deu-se início à fase de entrevistas com fins de complementar e aprofundar os elementos expressos nos documentos. Esse levantamento qualitativo de opiniões foi conduzido de modo coletivo com atores-chave indicados previamente pelos empregados da mesma gerência da diretoria de GP, os quais também foram entrevistados. Os participantes foram selecionados de acordo com critérios de amostragem pré-definidos: perfis diversificados tanto em termos sociodemográficos quanto acerca da unidade de lotação. Tais critérios foram sugeridos a fim de obter uma amostra o mais representativa possível dos empregados da organização, haja vista se tratar de uma empresa cujo corpo funcional abrange desde cargos que demandam Ensino Fundamental até aqueles reservados ao Ensino Superior, bem como conta com membros de faixa etária e tempo de serviço bastante distintos. Além disso, considerou-se relevante para o alcance do objetivo proposto recorrer a entrevistados que atuassem diretamente na implementação da GEP, assim como sujeitos que são apenas clientes dessas práticas desenvolvidas pela unidade de GP. Nesse sentido, ao todo, foram conduzidas 10 entrevistas coletivas, resultando em 61 entrevistados, provenientes de 10 unidades da empresa. Na sequência, todas as entrevistas foram transcritas e cada entrevista foi submetida a análise de conteúdo, segundo os procedimentos preconizados por Bardin (2011): a investigação sistemática das informações por meio de leitura inicial, seguida pela codificação e categorização dos trechos que guardam relação com o objetivo de pesquisa. Em seguida, procedeu-se à categorização de tais trechos, de acordo com as categorias previamente levantadas na literatura (Quadro 1) para os fatores institucionais, políticos, organizacionais e setoriais (CAMÕES, 2013; FONSECA, 2013; CÔRTES, 2016; CÔRTES e MENESES, 2019). Enfim, ressalta-se que a análise de cada peça de informação foi realizada por pelo menos dois pesquisadores, de modo que os conteúdos somente foram alocados nas categorias utilizadas para a análise no caso de convergência entre os pesquisadores.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os resultados obtidos via análise de conteúdo são sumarizados na Tabela 2, que apresenta as categorias abordadas com maior frequência, isto é, os elementos que constituíram fatores interferentes mais comumente.

Primeiramente, vale destacar que, entre os fatores institucionais, identificou-se a necessidade de acrescentar uma nova categoria denominada “Relações Institucionais”. Embora tal categoria não conste entre as previstas no modelo proposto por Fonseca (2013) e Côrtes (2016), ela foi verificada empiricamente e enquadrou-se nos critérios científicos adotados na análise de conteúdo, tais como exaustividade e pertinência. Essa nova categoria enfoca as interações da organização com grupos e atores diversos, com especial atenção às limitações impostas pelas associações de empregados e sindicatos, tornando o espaço de implementação das políticas mais complexo. Em consonância com a dificuldade apontada, Bach (2010) ressalta que a presença de conflito de interesses entre distintos atores políticos e sociais é uma característica própria do setor público, dada a diversidade de objetivos que guiam as organizações públicas.
De modo geral, têm-se os fatores organizacionais, especialmente os de natureza cultural, como elemento de maior destaque na pesquisa então conduzida. Possivelmente, esses elementos chamaram a atenção em razão das mudanças organizacionais almejadas com a introdução dos princípios gerencialistas que alicerçam as metodologias de GEP. Os resultados evidenciam a ausência de iniciativas prévias de administração da cultura, necessárias para viabilizar o alinhamento aos objetivos estratégicos (BERGUE, 2014). Nesse ínterim, políticas de GP que reforcem valores comportamentais compatíveis, visando a adequar a cultura organizacional, são uma premissa para mitigar entraves de natureza cultural (GUEST, 1987).
Em termos práticos, o desenvolvimento e a implementação de novas tecnologias de gestão não podem restringir-se à sua dimensão técnica, devendo prever ações com vistas à introjeção de referenciais comportamentais condizentes com os preceitos da moderna gestão organizacional e de pessoas, a exemplo do diálogo, do feedback e da cooperação. Nesse sentido, iniciativas de conscientização dos funcionários e de capacitação para os novos processos de trabalho contribuem para atenuar choques culturais. Ademais, ações que favoreçam a participação dos servidores no processo de mudança podem promover a adesão às novas práticas (DRISCOLL e MORRIS, 2001). A necessidade de sensibilizar os servidores para as mudanças vindouras e de oferecer recompensas motivacionais que modelem seu comportamento já foi apontada em estudos empíricos realizados em organizações públicas como importante para favorecer a implementação (SILVA e MELLO, 2013; FONSECA e MENESES, 2016).
Como indica a Tabela 3, entre os aspectos institucionais, predominou a categoria denominada legislação e normas externas, seguida por mecanismos de controle externo, indicando que a maior parte dos fatores interferentes de natureza externa à organização trata das imposições legais e de medidas regulatórias, tendo em vista que há um aparato normativo que orienta a definição e a implementação das políticas de GP no âmbito da empresa.

Os trechos da categoria legislação e normas externas tratam especialmente da indução, por imposição legal, do desenvolvimento de novas metodologias de GP com o objetivo de estancar ações judiciais, o que ressalta a necessidade de observar a legalidade das ações a tomar a fim de evitar cenários semelhantes. Já quanto aos mecanismos de controle externo, foram elencadas recomendações elaboradas pelos órgãos de controle que ratificam a necessidade de investimento em políticas estratégicas de GP, sobretudo as relacionadas a capacitação, necessidade de reposição de pessoal e criação de indicadores para o monitoramento dos atos da área. Adicionalmente, ressalta-se a necessidade de que as novas políticas de GEP a desenvolver na organização levem em consideração o disposto no aparato normativo-legal que rege os assuntos em questão.
Mais uma vez, como indica a literatura, o cenário identificado é próprio do setor público que, em busca da manutenção da coerência entre as políticas e as práticas de GP para o alcance dos objetivos governamentais, organiza as ações das distintas organizações por meio de legislações transversais e possui em sua estrutura uma unidade central para coordenar e orientar as demais unidades de GP (BACH, 2010; JÄRVALT e RANDMA-LIIV, 2010). Nesse sentido, a implementação da GEP no caso descrito se depara com limitações relacionadas ao contexto do setor público, que tradicionalmente apresenta maior regulamentação do que o setor privado (FONSECA, CAMÕES e MENESES, 2014; SILVA e MELLO, 2013). Tal fator restringe o campo de atuação da unidade de GP, que goza, portanto, de baixa autonomia para manobrar as contingências enfrentadas, de modo que as demais dificuldades elencadas a seguir são, em parte, potencializadas pelas limitações legais.
No entanto, nota-se que, nesse caso, os fatores institucionais também podem exercer interferência positiva ao impulsionar a implementação das políticas de GEP, uma vez que as normativas e os agentes de controle exigem a execução de algumas práticas estratégicas e, assim, colaboram para que determinadas políticas sejam colocadas em prática, tal como expõe a literatura (DECRAMER, SMOLDERS, VANDERSTRAETEN et al., 2012). Ressalta-se, contudo, que a adoção coercitiva de práticas de GEP pode ser problemática, ao não considerar os demais fatores contextuais intervenientes na implementação, uma vez que exigências institucionais por si não garantem a efetividade das políticas (OHEMENG, 2011).
Entre os aspectos políticos, a Tabela 4 demonstra que as categorias mais recorrentes foram: a) configuração política da organização; b) apoio da alta administração; e c) descontinuidade administrativa. Tais fatores estão relacionados ao cenário tradicionalmente político da empresa estudada, decorrente da sobreposição de critérios técnicos por políticos na ocupação de postos do alto escalão, o que pode prejudicar fortemente o processo de implementação de políticas de GP e de planejamento estratégico como um todo, uma vez que a influência e o apoio passam a ser utilizados para outros fins que não a consecução dos objetivos organizacionais (GUNN e CHEN, 2006).

Em relação à configuração política da organização, os entrevistados ressaltaram que a escolha da direção da organização é exclusivamente política e a gestão é aparelhada, de modo que boa parte dos cargos de gestão é ocupada mediante influência de partidos, sendo que, por vezes, o gestor não possui as competências adequadas para assumir a posição. De acordo com resultados anteriores (FONSECA, 2013), a composição da estrutura de gestão por motivos políticos traz impactos negativos à consecução dos objetivos organizacionais, uma vez que os ocupantes dos cargos gerenciais não reconhecem a trajetória estratégica (SPILLER e TOMMASSI, 2003).
Como consequência do alto fluxo de indicações políticas, há constante descontinuidade administrativa, pois a ênfase atribuída a cada objetivo estratégico é fortemente dependente de mudanças de governo e trocas de partidos. Assim, destacou-se que é recorrente a interrupção de projetos estratégicos, como a própria definição do planejamento estratégico da organização, já iniciado e descontinuado várias vezes. Também decorre desse motivo a alta rotatividade gerencial observada na organização, presente em todos os níveis. As recorrentes reestruturações e mudanças são prejudiciais à implementação e, sobretudo, à institucionalização das políticas de GEP, uma vez que as prioridades e as regras das práticas estratégicas são constantemente alteradas (INGRAHAM e RUBAII-BARRETT, 2007). Tal fator é indicado por Fonseca, Camões e Meneses (2014) como um dos fatores contextuais de maior relevância e inerência no setor público brasileiro. Outrossim, Bach (2010) também o aponta como um fator intrínseco à gestão pública.
Ademais, a indicação de gestores por motivações políticas também prejudica a adoção de práticas estratégicas de GP, na medida em que gestores nomeados com essa motivação tendem a priorizar a manutenção de seus cargos, demonstrando menor nível de adesão aos resultados organizacionais (AHENKAN, TENAKWAH e BAWOLE, 2018). Diante de tal atitude dos gestores, parcialmente resultante da influência política, a categoria apoio da alta administração recebeu destaque por parte dos entrevistados. Os trechos destacados na análise apontam que as arenas decisórias centrais da empresa configuram peças-chave para a implementação de políticas de GP, tal como ressalta a literatura ao afirmar que o envolvimento da cúpula dirigente é de grande relevância para uma atuação estratégica da unidade de GP (FONSECA, 2013). O apoio da alta administração pode ser identificado a partir de 3 aspectos: a) alinhamento técnico - notado quando há o conhecimento das práticas de GP por parte dos dirigentes; b) envolvimento formal - expresso pela participação formal nas decisões acerca de GP e em alinhamento com a unidade responsável; e c) envolvimento informal - notado pelo compartilhamento de objetivos entre unidade de GP e cúpula decisória da organização (BRANDL e POHLER, 2010).
Apesar de essencial, atualmente se percebe que, na organização estudada, o envolvimento da alta administração se direciona ao desenvolvimento de agendas pontuais. Entretanto, segundo os entrevistados e os documentos levantados, nota-se que as últimas presidências têm demonstrado maior interesse e empenhado-se em fortalecer ações de GP relevantes para a organização, tais como suprimento de necessidade de pessoal, capacitação e avaliação de desempenho. O maior engajamento tem impactado mudanças organizacionais promovidas por meio do aprimoramento das políticas de GP, como preconiza Egginton (2010), ao ressaltar a relevância do papel dos líderes em posição de autoridade para influenciar a mudança.
Quanto aos aspectos organizacionais, de acordo com a Tabela 5, estes foram notados com frequência superior àqueles retratados em outras categorias, abarcando aspectos como a reação do corpo funcional a mudanças e a flexibilidade da cultura organizacional.

Primordialmente, os aspectos culturais dizem respeito à resistência dos funcionários a mudanças. Segundo os entrevistados, além da possibilidade de praticamente todas as áreas oferecerem resistência às mudanças decorrentes da implementação de projetos de GP, os servidores mais antigos demandam atenção especial, na medida em que são mais avessos à mudança e menos adeptos de iniciativas de capacitação. Trata-se de característica típica de organizações públicas brasileiras (BERGUE, 2014), já relatada em estudos teórico-empíricos prévios como entrave à implementação de sistemas de gestão de desempenho (MARQUES, BORGES, MORAIS et al., 2014) e da gestão por competências (FONSECA e MENESES, 2016).
Para que sejam implementadas novas metodologias, parte dos entrevistados apontou que se mostra necessário o planejamento de um processo de gestão da mudança, com vistas à flexibilização da mentalidade do corpo funcional. Nesse sentido, considera-se que a alta liderança deve angariar esse processo, o qual, por sua vez, deve prever iniciativas de valorização e de reconhecimento dos empregados. Além do patrocínio da alta administração (CÔRTES e MENESES, 2017), a literatura também aponta o papel central que pode ser exercido pela unidade de GP quando da condução de processos de mudança (GUEST, 1987; ULRICH, 1998), marcadamente na influência cultural a ser empreendida por meio de práticas de GP que promovam a disseminação de novos valores, orientados pela gestão por resultados.
Além dos aspectos culturais, os recursos organizacionais também se destacaram na análise dos componentes do fator organizacional. O aspecto mais citado como ponto de atenção foi a falta de recursos financeiros para a capacitação e a promoção dos empregados. Já em relação ao corpo funcional da empresa, foram mencionados pelos entrevistados: a) o despreparo do corpo gerencial; b) o elevado número de funcionários com Ensino Fundamental e Ensino Médio; c) a desqualificação do quadro efetivo, cuja formação não está alinhada com as atividades desempenhadas atualmente pela empresa; d) o envelhecimento do quadro funcional; e e) o alto número de cedidos. Além disso, foram apontadas dificuldades relativas aos recursos tecnológicos de que a empresa dispõe, considerados deficientes pelos participantes. Denota-se, todavia, que a carência de recursos relatada resulta no decréscimo qualitativo das práticas de GP essenciais para favorecer alterações organizacionais necessárias à implementação da GEP. A insuficiência de recursos mitiga a realização de iniciativas de gestão da cultura, tais como a capacitação dos funcionários, cuja relevância já foi apontada pela literatura (MOURA e SOUZA, 2016).
Por fim, foram recorrentes os trechos que tratam da falta de engajamento de gestores e servidores nas políticas de GP, situação atribuída pelos entrevistados à falta de esclarecimento do corpo funcional quanto às iniciativas do setor de GP da empresa, à incompreensão de que a efetividade das práticas de GP depende da colaboração de todos os empregados da companhia, à desmotivação dos empregados e até à resistência; este aspecto se torna ainda mais importante no caso da avaliação de desempenho, prática não reconhecida como efetiva pelos empregados da empresa. Diante disso, além dos aspectos técnicos a considerar na implementação de políticas de GEP, mostram-se imprescindíveis ações que promovam a sensibilização e o envolvimento de todo o corpo funcional da empresa no momento da formulação e implementação das políticas de GEP (JONES, JIMMIESON e GRIFFITHS, 2005; SILVA e MELLO, 2013; FONSECA e MENESES, 2016). Vale ressaltar que, para a obtenção de maior engajamento, faz-se necessário investigar empiricamente e em maior profundidade os motivos que ocasionam tal comportamento nos empregados, uma vez que a baixa adesão às práticas de GEP impacta sua efetiva implementação, porém, pode decorrer das demais contingências.
Por fim, dentre os fatores setoriais, de acordo com o apresentado pela Tabela 6, verificou-se que a categoria reputação da unidade de GP foi a mais abordada ao longo das entrevistas e do levantamento documental. De modo geral, nota-se que a avaliação dos servidores da empresa acerca da atuação da unidade de GP é negativa, embora se reconheça que esse setor tem buscado aprimorar-se para realizar um trabalho cada vez mais satisfatório. Em seguida, a escassez de recursos foi apontada como um aspecto setorial que pode impactar o desenvolvimento e a implementação das metodologias de GP.

Devido à importância atribuída à área, identificou-se que há grandes expectativas em torno de suas práticas, ainda que boa parte dos colaboradores não tenha percebido resultados adequados, como no caso da escassa oferta de treinamento, um aspecto recorrentemente abordado. Existem, ainda, críticas relativas ao elevado número de ações judiciais que, segundo os entrevistados, reflete a má qualidade das ações do setor de GP - baixa reputação -, ainda reconhecido por: a) excessiva burocracia; b) falta de interação com as demais áreas da organização para definir suas políticas; c) falta de comunicação e divulgação de suas práticas; e d) resistência a acatar melhorias propostas por outros atores. Os resultados convergem com o que se verifica historicamente no setor público acerca da unidade de GP, que goza de baixa reputação perante o corpo funcional, tendo baixa credibilidade e, por consequência, pouco poder dentro da organização (LEGGE, 1995; TRUSS, 2008).
Ainda nesse sentido, na visão do corpo funcional, as práticas de GP carecem de alinhamento e integração horizontal, um dos princípios fundamentais da GEP, amplamente abordado pela literatura (WRIGHT e SNELL, 1991; M. L. LENGNICK-HALL, C. A. LENGNICK-HALL, ANDRADE et al., 2009) para que as ações se configurem mais como estratégicas e menos como práticas isoladas da ARH; uma ideia também reforçada na categoria integração estratégica de GP, que levanta a necessidade de visão sistêmica das práticas da unidade, a fim de evitar conflitos entre os distintos subsistemas. Ademais, para melhorar a credibilidade da unidade, apontou-se a necessidade de modernização da gestão e de sua estrutura, bem como a capacitação do corpo técnico. Cumpre salientar, todavia, que, para que tais premissas se cumpram, mostra-se necessário um esforço que transcenda o escopo de ação setorial, porquanto a efetivação da integração vertical (estratégica) e horizontal (entre os diversos subsistemas de GP) pressupõe uma dinâmica organizacional favorável (GUEST, 1987; WRIGHT e MCMAHAN, 1992). Melhorias na imagem da unidade que atendessem às expectativas manifestadas pelo corpo funcional dependeriam, portanto, de intervenções abrangentes, patrocinadas pela alta administração, repercutindo em aspectos estruturais e culturais (BERGUE, 2014; CÔRTES e MENESES, 2019). Os entrevistados chegam a perceber algumas iniciativas de melhoria no setor, as quais contemplam a renovação da direção e o estabelecimento de parcerias com a Universidade de Brasília (UnB) para o desenvolvimento e a implementação de novas metodologias de GP, mas alegam, acima de tudo, que anseiam mais por resultados efetivos do que por movimentos de mudança.
Constata-se, assim, que o corpo funcional não reconhece os resultados das ações promovidas pela unidade de GP, sobretudo no que tange à gestão do desempenho. Isso afeta a adesão dos gestores e servidores da organização à política, por não crerem em sua efetividade. Tal contexto resulta no enfraquecimento da reputação da unidade, gerando um círculo vicioso (KIM e HOLZER, 2016). Nesse ponto, cumpre salientar que as possíveis causas de tal conjuntura excedem a forma de concepção da política de gestão do desempenho e o modo como os resultados obtidos são comunicados e utilizados pelos demais membros da organização. Apesar da reputação da unidade de GP ser afetada por tal conjuntura, políticas estratégicas de GP, como a gestão do desempenho, para ser bem-sucedidas, requerem a coordenação de esforços de atores organizacionais pertencentes a diferentes níveis e escopos de atuação, externos à unidade de GP (JACKSON, SCHULER e JIANG, 2014). Novamente, fica evidente a estreita relação entre os distintos desafios elencados, o que ressalta a complexidade do contexto organizacional que a unidade de GP enfrenta ao instituir novas políticas de GP.
Ainda nesse sentido, merece destaque a categoria relativa aos recursos da unidade de GP. Novamente foi mencionada a falta de recursos financeiros para promover a capacitação dos funcionários da companhia como um todo, não só da área de GP; além disso, apontou-se que a unidade não dispõe de ferramentas, softwares e recursos tecnológicos adequados para acompanhar o crescimento da empresa, uma vez que a relação da GEP com a tecnologia da informação constitui ponto relevante para sua implementação (AHENKAN, TENAKWAH e BAWOLE, 2018). Em relação aos empregados alocados na área, apontou-se a importância de atualizarem-se e qualificarem-se para promover a renovação da gestão, além da inexistência de uma política de gestão do conhecimento na área, o que, associado à alta rotatividade, impacta a qualidade das atividades desenvolvidas pelo setor. Em contraposição a tais críticas, os entrevistados compreendem que parte da responsabilidade pela provisão dos recursos necessários à consecução de programas e ações de GP é da própria organização, que não proporciona os meios para que a unidade siga continuamente sendo aperfeiçoada.
Diante do exposto, verifica-se que as contingências de natureza setorial se relacionam amplamente entre si, uma vez que não há provimento de uma estrutura adequada para que a unidade adote ações estratégicas, tornando-a um setor limitado por normativas que, portanto, envolvem ações puramente burocráticas. Nesse cenário, Wright e Snell (1991) apontam a necessidade de flexibilização dos limites de atuação das unidades de GP no setor público, para que se possa notar: a) uma efetiva mudança cultural no campo; e b) a concessão de maior autonomia para a unidade, que, ainda que pouco citada pelos entrevistados como um fator interferente à implementação da GEP, figura como elemento central, à medida que amplia o poder decisório do setor de GP, viabilizando internamente a adaptação de modelos estratégicos e a valorização do setor (FONSECA, 2003; TRUSS, 2008).
Em suma, para a perspectiva setorial, as impressões decorrentes das entrevistas apontam que a unidade não goza de uma reputação favorável ao desenvolvimento e à implementação de políticas de GEP. Esse achado ratifica a importância de envolver ativamente a alta liderança, o corpo funcional e as demais unidades para o sucesso do desenvolvimento e da implementação de novos projetos e metodologias, tratando as ações de GEP como responsabilidade de todos os gestores da companhia e não apenas do setor de recursos humanos, garantindo a aplicação dos princípios de alinhamento vertical e horizontal das práticas de GP.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As políticas de GEP devem estar alinhadas ao contexto ambiental e organizacional, a fim de favorecer a implementação bem-sucedida de novas tecnologias. Diante disso, foram levantados aspectos institucionais, políticos, organizacionais e setoriais que interferem no andamento desses projetos, devendo, assim, ser considerados ao longo do desenvolvimento e da implementação das metodologias em questão.
Nesse sentido, algumas categorias de fatores interferentes se sobressaíram, sobretudo aquelas pertencentes ao fator organizacional. A análise evidenciou que a maior barreira a ser enfrentada, na visão dos entrevistados, é de natureza cultural, uma vez que os funcionários da organização em estudo são resistentes a iniciativas de mudança e não costumam engajar-se nas políticas e práticas de GP da empresa. Os resultados obtidos neste estudo sugerem que a superação de tais pontos passa pela inclusão do corpo funcional no desenvolvimento das metodologias de gestão em vista, além de ações de GP por toda a empresa, visando a introjetar valores voltados à cooperação e mitigar as resistências.
Conclui-se, ainda, a partir dos resultados, que há uma percepção por parte do corpo funcional de que a implementação das políticas de GEP não é bem-sucedida, sobretudo por responsabilidade da unidade de GP, ainda que a complexidade das contingências identificadas tenha evidenciado que os desafios se estendem para muito além do campo de atuação do setor. Nesse sentido, a falta de recursos disponibilizados à área, sejam eles humanos, financeiros ou tecnológicos, associada à baixa reputação da unidade de GP, explicita que o êxito das políticas de GEP está ligado à participação ativa não apenas do setor de pessoal, mas de outras unidades e outros colaboradores.
Logo, o sucesso da implementação de políticas de GEP depende do reconhecimento do valor estratégico pelos membros da alta liderança, do corpo gerencial e de todos os colaboradores da empresa. Mais do que uma intervenção de natureza técnica na dinâmica da empresa, as iniciativas devem ser tratadas como um processo de mudança organizacional, com vistas ao favorecimento da internalização de valores tipicamente notados em organizações orientadas pela aprendizagem e pelos resultados. Dessa constatação decorre o desafio de, especialmente no setor público, onde se avolumam restrições normativas e influências políticas, proceder-se a mudanças organizacionais ao longo do devido tempo e com as necessárias preparação e sensibilização. Alterações gerenciais em larga escala no âmbito do Poder Executivo já foram promovidas na década de 1990 (PEREIRA, 2006) e na primeira década do século XXI (CAMÕES e MENESES, 2016), sem sucesso. Contudo, há estudos que permitem supor que a realização de intervenções pontuais, ambientadas em organizações específicas, e iniciadas internamente, tenham maiores chances de sucesso, desde que as unidades de GP sejam dotadas de autonomia para tanto (DRISCOLL e MORRIS, 2001; TRUSS, 2009).
Os resultados encontrados colaboram com o entendimento acadêmico e profissional dos fatores que exercem influência sobre a efetividade da implementação de políticas e práticas de GEP, sobretudo aqueles que ultrapassam os problemas de natureza técnica, constituindo contingências de natureza contextual, estrutural e cultural. Nesse sentido, propõe-se um modelo de diagnóstico do ambiente interno e externo à organização que contribui com a devida formulação e implementação de políticas de GEP em organizações públicas. No entanto, mostra-se relevante ressaltar que o estudo se aprofundou no caso de uma empresa pública, de modo que, ainda que as conclusões apresentadas constituam indício para o setor público em geral, não é possível que sejam generalizadas.
Por fim, sugere-se o aprofundamento das pesquisas nos distintos fatores intervenientes identificados como relevantes para a implementação da GEP, sobretudo acerca das proeminentes relações existentes entre eles. Outra proposta decorrente do estudo é a investigação das iniciativas desenvolvidas por essa ou por outras organizações públicas, a fim de contornar os fatores interferentes elencados como dificuldades ou desafios para a efetiva implementação das políticas e das práticas estratégicas de GP.
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