Resumo: Este estudo teve por objetivo examinar quais são os reflexos das falhas cognitivas no uso da internet por parte dos servidores públicos federais na satisfação do design de conteúdo, na satisfação do design de interface e desses tipos de design no valor de utilidade percebida e na intenção de continuidade do uso dos sistemas e-learning adotados nos cursos de aperfeiçoamento. Para tanto, realizou-se uma pesquisa descritiva, com abordagem quantitativa e dados coletados a partir de um survey aplicado a 50 servidores públicos de um hospital universitário federal localizado na Região Centro-Oeste do Brasil. Para testar as hipóteses, aplicou-se a técnica de equações estruturais. Os resultados indicaram que o valor de utilidade percebida afeta positivamente a intenção de continuidade do uso, porém, não foi possível confirmar que a falha cognitiva na internet afeta negativamente a satisfação do indivíduo com o design de conteúdo e com o design de interface do sistema e-learning, nem que a satisfação com o design de conteúdo e o design de interface afeta positivamente o valor de utilidade percebida. Em tempos de limitações financeiras, especialmente no setor público, os sistemas e-learning possibilitam que o treinamento atinja diversas forças de trabalho dispersas geograficamente, tornando-se ferramentas populares para facilitar processos de ensino e aprendizagem que viabilizam um aprendizado flexível.
PALAVRAS-CHAVe: Design de conteúdoDesign de conteúdo,Design de interfaceDesign de interface,HospitalHospital,IntençãoIntenção.
Resumen: Este estudio tuvo como objetivo examinar cuáles son los reflejos de las fallas cognitivas cuando los servidores públicos federales usan Internet en la satisfacción del diseño de contenido, en la satisfacción del diseño de la interfaz y de estos en el valor de utilidad percibido y en la intención de continuar usando los sistemas y -aprendizaje utilizado en cursos de formación. Con este fin, se realizó una investigación descriptiva, con un enfoque cuantitativo y con datos recopilados de una encuesta aplicada a 50 funcionarios de un hospital universitario federal ubicado en la región del Medio Oeste de Brasil. Para probar las hipótesis, se aplicó la técnica de ecuaciones estructurales. Entre los resultados, se observó que el valor de utilidad percibido afecta positivamente la intención de continuar usándolo, sin embargo, no fue posible confirmar que la falla cognitiva en Internet afecte negativamente la satisfacción del individuo con el diseño de contenido y el diseño de la interfaz. el sistema de aprendizaje electrónico, y esa satisfacción con el diseño de contenido y el diseño de la interfaz afectan positivamente el valor de utilidad percibido. En tiempos de limitaciones financieras, especialmente en el sector público, el aprendizaje electrónico permite que la capacitación llegue a varias fuerzas de trabajo dispersas geográficamente, convirtiéndose en herramientas populares para facilitar los procesos de enseñanza y aprendizaje que permiten un aprendizaje flexible.
Palabras clave: Diseño de contenidos, Diseño de interfaz, Hospital, Intención.
Abstract: This study aimed to examine what are the reflexes of cognitive flaws in the use of the internet by federal public servants in the satisfaction of content design, in the satisfaction of interface design and of these types of design in the perceived utility value and in the intention of continuity of the use of e-learning systems adopted in the improvement courses. To this end, a descriptive research was carried out, with a quantitative approach and data collected from a survey applied to 50 civil servants of a federal university hospital located in the Midwest Region of Brazil. To test the hypotheses, the technique of structural equations was applied. The results indicated that the perceived utility value positively affects the intention to continue using it, however, it was not possible to confirm that cognitive failure on the internet negatively affects the individual’s satisfaction with the content design and the system interface design and -learning, nor that satisfaction with content design and interface design positively affects the perceived utility value. In times of financial limitations, especially in the public sector, e-learning systems enable training to reach diverse geographically dispersed workforces, becoming popular tools to facilitate teaching and learning processes that enable flexible learning.
Palabras clave: Diseño de contenidos, Diseño de interfaz, Hospital, Intención.
Keywords: Content design, Interface design, Hospital, Intention
Artigo
Fatores que afetam a intenção de continuidade do uso de sistemas e-learning: um estudo com servidores públicos federais
Factores que afectan la intención de continuar utilizando sistemas de aprendizaje electrónico: un estudio con servidores públicos federales
Factors affecting the intention to continue using e-learning systems: a study with federal public servers
Recepção: 25 Janeiro 2020
Aprovação: 06 Abril 2020
O aprendizado eletrônico (e-learning) geralmente se refere ao uso de tecnologia de rede de computadores, principalmente por meio da intranet ou da internet, com o propósito de fornecer informações e instruções aos indivíduos (SALAS, KOSARZYCKI, BURKE et al., 2002), desenvolvida em um ecossistema complexo que integra tecnologia e técnicas de ensino para produzir um formato educacional inovador (SAN-MARTÍN, JIMÉNEZ, RODRÍGUEZ-TORRICO et al., 2020).
As características do e-learning preenchem os requisitos para a aprendizagem em uma sociedade tecnologicamente avançada e criaram uma grande demanda de instituições por sistemas e-learning (SALAS, KOSARZYCKI, BURKE et al., 2002). O e-learning também possibilita que o treinamento presencial seja estendido a forças de trabalho diversificadas e geograficamente dispersas, de modo econômico e que possa ser implementado sob demanda por um custo menor do que o aprendizado in loco (LEE, HSIEH e MA, 2011; AL-FRAIHAT, JOY e SINCLAIR, 2020).
Nos últimos anos, os sistemas e-learning se tornaram ferramentas populares para facilitar os processos de ensino e aprendizagem e possibilitam um treinamento flexível centrado no aluno (LEE, HSIEH e MA, 2011). Nesse caso, o sistema e-learning pode integrar uma grande variedade de materiais instrucionais (p. ex., via áudio, vídeo e mídia de texto) transmitido por e-mail, sessões de chat ao vivo, discussões on-line, fóruns, questionários etc. (AL-FRAIHAT, JOY e SINCLAIR, 2020).
Além disso, o e-learning engloba internet, intranet, extranet, transmissões via satélite, TV interativa e CD-ROMs, viabilizando a comunicação síncrona e assíncrona e a entrega instrucional entre instrutores e alunos. Consequentemente, esses sistemas e-learning podem atender melhor às necessidades de diversos indivíduos, como os servidores de órgãos públicos que estão geograficamente dispersos ou que têm horários conflitantes (LEE, HSIEH e MA, 2011).
No entanto, há diversos fatores que podem inviabilizar o processo de aprendizagem por meio do e-learning. Do ponto de vista do processo cognitivo, um deles é a falha cognitiva, que se refere a um afastamento da operação cognitiva funcional e inclui negligência, perda de informações memorizadas, distração e falta de ideias (BROADBENT, COOPER, FITZGERALD et al., 1982). Tais falhas podem ser o resultado de distração de estímulos externos (p. ex., barulhos altos), pensamentos e distrações internas (p. ex., devaneios) e divagações ou distrações da mente que podem levar a erros na conclusão de uma tarefa. Ademais, a falha cognitiva pode refletir uma diminuição da eficiência dos níveis perceptuais de atenção seletiva (i. e., recursos perceptivos desfocados) (HONG, TAI, HWANG et al., 2017).
Uma pessoa com deficiência de atenção tem dificuldade para se concentrar, sofre de aumento da irritabilidade e mostra-se propensa a erros nas tarefas cognitivas. Quando a falha cognitiva ocorre no uso da internet, ela pode refletir na satisfação do usuário com o design da interface e com o design de conteúdo de um sistema, o que também afetará a diminuição do valor de utilidade percebida e a não intenção de continuidade do uso daquele sistema. Nessa direção, Liu (2005) argumentou que ainda há limitadas evidências para indicar como a falha cognitiva no uso da internet se manifesta cognitiva e afetivamente em relação a um sistema e-learning.
Diante do exposto, este artigo busca responder a seguinte questão:
Quais são os reflexos das falhas cognitivas no uso da internet na satisfação do design de conteúdo e de interface, no valor de utilidade percebida e na intenção de continuidade do uso dos sistemas e-learning governamentais?
Assim, este estudo teve por objetivo examinar quais são os reflexos das falhas cognitivas no uso da internet por parte dos servidores públicos federais na satisfação do design de conteúdo, na satisfação do design de interface e desses tipos de design no valor de utilidade percebida e na intenção de continuidade do uso dos sistemas e-learning adotados nos cursos de aperfeiçoamento.
Embora existam pesquisas substanciais acerca do impacto do e-learning na aprendizagem acadêmica, poucos trabalhos examinaram as percepções dos profissionais do mercado de trabalho em relação a essa inovação pedagógica no local laboral (CHIU e WANG, 2008). Essa lacuna se mostra significativa porque a falta de consideração das percepções e atitudes dos indivíduos em relação ao e-learning no local de trabalho pode impedir o uso de sistemas e-learning, em especial nos órgãos da área pública (VAUGHAN e MACVICAR, 2004; ADMIRAAL e LOCKHORST, 2009).
Assim, mostra-se importante entender o papel das atitudes individuais em relação à tecnologia (SANTOS, MOURA, MATOS et al., 2019), já que o uso do e-learning depende disso (AHMED, 2010). As constantes mudanças e atualizações das tecnologias e-learning destacam o valor para explorar o impacto da alfabetização digital dos indivíduos em sua adoção no local de trabalho. A alfabetização digital compreende mais do que a capacidade de usar determinado software ou outro dispositivo digital; ela envolve uma grande variedade de habilidades cognitivas, emocionais e sociológicas complexas, que são importantes para os usuários serem mais efetivos nos ambientes digitais (MARTIN e MADIGAN, 2006).
Do ponto de vista do processo cognitivo, a falha cognitiva é a incapacidade do indivíduo relacionada à sua percepção e capacidade de memória ao desempenhar uma tarefa (SCHMIDT, NEUBACH e HEUER, 2007). Um indivíduo com déficit de atenção tem dificuldades de concentração, sofre de aumento da irritabilidade e está propenso a erros em suas tarefas (WHELAN, ISLAM e BROOKS, 2017, 2020). Como tal, eles não podem permanecer facilmente em um ambiente que requer interação com tarefas de aprendizagem (STAATS, KIEVIET e HARTIG, 2003). Com isso, no uso da internet, as falhas cognitivas podem afetar a percepção do design de conteúdo e do design de interface da página pesquisa, do software ou sistema usado etc.
Em relação ao design de conteúdo de sistemas e-learning, Al-Samarraie, Teo e Abbas (2013) constataram que apresentar conteúdos com boa estrutura pode influenciar a atenção dos alunos, o que pode levá-los a pensar profundamente e ajudá-los a entender melhor o conteúdo. Se os alunos não conseguirem descobrir como o conteúdo deve ser conectado, eles não serão capazes de entender o significado da informação apresentada. Assim, estudos anteriores examinaram os efeitos da qualidade do conteúdo para ver se os participantes poderiam entendê-lo melhor, além de estimulá-lo a melhorar a usabilidade dos sistemas de aprendizagem (WOODS e HOLLNAGEL, 2006).
Por sua vez, o design multimídia tem a finalidade de lidar com os problemas inerentes ao design de interface percebido pelo usuário (SUTCLIFFE, KURNIAWAN e SHIN, 2006). Connolly, Stanfield e Hainey (2009) descobriram que existem variáveis relevantes para o design de multimídia que afetam a eficácia geral de um sistema e-learning e sugeriram que a interface e o conteúdo do curso podem ser usados para explorar sua eficácia. Um sistema com um bom design de interface é fácil de usar, pois os usuários escaneiam a tela e identificam informações relevantes com facilidade. Por outro lado, uma interface mal projetada (p. ex., ícones e botões mal representados) pode criar confusão e ser mal-entendida (CHO, CHENG e LAI, 2009). Evidências mostram que a interface deve guiar o projeto de direcionamento de atenção para alcançar efeitos salientes em diferentes meios (GARDINER e CHRISTIE, 1987), baseados em modelos cognitivos de atenção dos usuários e habilidades de processamento de informações (WICKENS, 1993).
Com o foco para o design de direcionamento de atenção, a criação de interfaces homem-computador pode ser necessária como um canal para aplicações de sistemas e-learning mais efetivos. Assim, estudos observaram que os educadores devem projetar ementas dos cursos de aprendizado digital nos sistemas e-learning com bom conteúdo e uma interface de fácil compreensão (REISETTER, LAPOINTE e KORCUSKA, 2007). Além disso, a interface e o conteúdo de aprendizagem devem ter harmonia e ser úteis.
Outros estudos investigaram com maior ênfase o que influencia a percepção do design de conteúdo e o design de interface. Hong, Tai, Hwang et al. (2017) analisaram a percepção dos usuários diante do design de conteúdo e do design de interface de um sistema e-learning governamental de Taiwan. Dentre os resultados obtidos, os autores constataram que, se os usuários têm um alto nível de falha cognitiva no uso da internet, eles terão baixa satisfação com o design de conteúdo e o design de interface do sistema e-learning. Ademais, os resultados também mostraram que, se os usuários estão satisfeitos com o projeto de design de conteúdo e de interface, eles perceberão o valor da utilidade e, se isso ocorrer, eles terão intenção de continuar a usar o sistema e-learning.
Com base no exposto, este estudo propõe as seguintes hipóteses de pesquisa:
H1. A falha cognitiva na internet influencia negativamente a satisfação com o design de conteúdo de um sistema e-learning.
H2. A falha cognitiva na internet influencia negativamente a satisfação com o design de interface de um sistema e-learning.
A não rejeição das hipóteses H1 e H2 indicará que a falha cognitiva na internet desempenha papéis essenciais para determinar o uso de um sistema e-learning. Além disso, ao projetar sistemas e-learning voltados a instrução e/ou cursos de aperfeiçoamento de servidores governamentais e ao decidir onde investir esforços, deve-se considerar como o design de conteúdo e o design de interface interagem com intenção comportamental mediada pelo valor da utilidade percebida.
A utilidade percebida é definida como o grau em que um indivíduo acredita que determinado sistema irá melhorar o desempenho de seu trabalho dentro de um contexto organizacional (DAVIS, 1989; SANTOS, MOURA, MATOS et al., 2019). Pesquisadores de sistemas de informação têm afirmado que o valor da utilidade percebida é válido ao prever a aceitação do indivíduo em vários sistemas (DAVIS, 1989; VENKATESH, 2000; VENKATESH e DAVIS, 2000; HSU e LU, 2004). Estudos anteriores revelaram que o valor da utilidade percebida afetou positivamente a intenção comportamental dos usuários usarem sistemas tecnológicos (MARLER e DULEBOHN, 2005; HONG, TAI, HWANG et al., 2017).
No contexto de sistemas e-learning dentro das organizações, o valor da utilidade percebida se refere à medida que os funcionários acreditam que o uso desses sistemas irá melhorar seu desempenho de aprendizagem. Assim, depreende-se que, quando os empregados percebem maior utilidade em um sistema e-learning, mais positiva será sua aceitação, o que, consequentemente, melhora sua experiência de aprendizagem, aumenta sua satisfação e sua intenção de continuar usando o sistema futuramente (ARBAUGH e DURAY, 2002; PITUCH e LEE, 2006).
Com isso, o valor de utilidade percebida se refere a quão bem uma tarefa se relaciona com as metas atuais, além de ser um forte preditor de opções e planos futuros do indivíduo (ECCLES, 2005). Ademais, o valor reflete se as funções de sistemas de informação são capazes de atender às necessidades operacionais, enquanto a utilidade incide sobre a eficácia percebida pelos usuários na transferência de conhecimentos aprendidos ao local de trabalho.
Nessa direção, pesquisas têm investigado, por meio das percepções dos funcionários, os fatores que influenciam a adoção e intenção de uso de sistemas e-learning no contexto organizacional (CHENG, WANG, YANG et al., 2011; LEE, HSIEH e MA, 2011; LIN, HUANG e ZHANG, 2019). Assim, a intenção de uso ou de continuidade de uso pode ser entendida pela quantidade de esforço que o aluno está disposto a fazer para usar ou continuar usando a ferramenta em suas atividades (AJZEN e FISHBEIN, 1980).
Lee, Hsieh e Ma (2011) examinaram a influência de quatro determinantes (individual, organizacional, características da tarefa e norma subjetiva) na utilidade percebida e na intenção de uso de sistemas e-learning. Os autores constataram que o apoio organizacional e o suporte gerencial afetaram significativamente a utilidade percebida e a intenção de uso, além de confirmarem que indivíduos com experiência em uso de computadores e com autoeficácia nesse uso tiveram efeitos significativamente positivos na facilidade de uso percebida. Ademais, a partir dos resultados, concluíram que as variáveis externas que afetam a percepção da utilidade, a facilidade de uso percebida e a intenção de uso devem ser consideradas fatores importantes no processo de design e na implementação e uso dos sistemas e-learning.
Cheng, Wang, Yang et al. (2011) examinaram na China as influências do apoio de aprendizagem individual e do apoio social percebido na aceitação de sistemas e-learning baseados em competências. Os resultados mostraram efeitos positivos do apoio à aprendizagem individual percebida e o apoio social percebido para promover uma norma de cooperação acerca da intenção dos funcionários usarem o sistema e-learning. Constataram também que o apoio social percebido para melhoria de laços sociais teve um efeito negativo na intenção comportamental dos funcionários. Além disso, confirmaram que características demográficas, como gênero, idade, experiência prévia e diferenças de experiência de trabalho exercem influências significativas na aceitação.
Lin, Huang e Zhang (2019) investigaram a relação entre as percepções dos funcionários no uso de um sistema e-learning, dentro de uma cultura de aprendizagem organizacional (CAO) existente, e a satisfação no trabalho. Os resultados sugerem que a aceitação dos funcionários no uso do e-learning é um preditor positivo da CAO e da satisfação no trabalho dos funcionários, a CAO medeia a relação entre o uso e a aceitação do e-learning por parte dos funcionários e sua satisfação no trabalho.
Com base nos argumentos apresentados, postulam-se as seguintes hipóteses de pesquisa:
H3. A satisfação com o design de conteúdo influencia positivamente o valor de utilidade percebida de um sistema e-learning.
H4. A satisfação com o design de interface influencia positivamente o valor de utilidade percebida de um sistema e-learning.
H5. O valor de utilidade percebido influencia positivamente a intenção de continuidade do uso de um sistema e-learning.
A não rejeição das hipóteses H3 e H4 indica que o valor de utilidade percebida de um sistema e-learning é positivamente influenciado pela satisfação com o design de conteúdo e com o design de interface de um indivíduo. Ademais, a não rejeição da H5 indicará que a intenção de continuidade do uso de um sistema e-learning é influenciado positivamente pelo valor de utilidade percebido por um usuário.
Essas hipóteses são representadas na Figura 1.
A confirmação das hipóteses indicará que as falhas cognitivas no uso da internet refletem negativamente na satisfação do indivíduo para com o design de conteúdo e o design de interface de um sistema e-learning; e que estes, por sua vez, refletem positivamente no valor de utilidade percebida e na intenção de continuidade do uso dos indivíduos.
Esta pesquisa de natureza descritiva foi realizada com abordagem predominantemente quantitativa a partir de um survey (levantamento), usando o método de coleta de dados por meio da aplicação de um questionário a servidores públicos de um hospital universitário federal localizado na Região Centro-Oeste do Brasil. A amostra final foi não probabilística por acessibilidade, devido ao fato de uma das autoras trabalhar nessa instituição, e totalizou 50 respostas.
Os dados da pesquisa foram coletados por meio de um questionário aplicado por meio da plataforma Google Docs e encaminhado aos servidores em maio e junho de 2019. Justifica-se a escolha dos servidores públicos primeiro pelo fato de que, nos últimos anos, devido à redução de custos, as instituições públicas estão usando a modalidade e-learning para a qualificação permanente de seus servidores, segundo pela pretensão de ascensão na carreira por parte dos servidores, pois a realização dos cursos nessa modalidade, alinhada aos planos de carreira de cada categoria de servidores, tem aumentado devido à sua praticidade, flexibilidade e eficiência.
Ademais, a tecnologia na modalidade e-learning impactou profundamente a educação, os métodos de aprendizado e o ensino. Na capacitação tradicional, a acessibilidade aos materiais de aprendizagem é restrita e a colaboração e a comunicação também são limitadas aos servidores na mesma sala de aula (AL-FRAIHAT, JOY e SINCLAIR, 2020). Na modalidade e-learning, um grande número de recursos de aprendizado em diferentes formatos estão disponíveis na internet, promovendo aprendizado individualizado e transcendendo as fronteiras geográficas (AL-FRAIHAT, JOY e SINCLAIR, 2020).
O estudo tem 5 construtos principais: a) falha cognitiva na internet (FCI); b) satisfação com o design de conteúdo (SDC); c) satisfação com o design de interface (SDI); d) valor da utilidade percebida (VU); e e) intenção de continuidade do uso (IC). Esses construtos foram mensurados a partir de itens múltiplos, com escala Likert de 5 pontos, variando de “discordo totalmente” a “concordo totalmente”. O Quadro 1 apresenta os construtos, as questões que compõem o instrumento de pesquisa e as respectivas referências.

O instrumento de pesquisa fez menção ao respondente relacionar suas experiências com cursos de aperfeiçoamento realizados via sistemas on-line e foi apresentado em 2 blocos sendo o primeiro dividido em 5 construtos e o segundo referente aos dados para caracterizar o perfil dos respondentes.
No primeiro bloco, o primeiro construto evidenciou os aspectos relacionados a falhas cognitivas da internet (FCI), com sustentação de Daniel e Woody (2013). O segundo tratou a satisfação com o design de conteúdo (SDC), com questões baseadas no estudo de Hong, Tai, Hwang et al. (2017). O terceiro cobriu a satisfação com o design de interface (SDI), com questões baseadas no estudo de Vekiri (2013). O quarto tratou a respeito do valor da utilidade percebida (VU) com questões baseadas no estudo de Lohr (2000). O quinto e último construto tratou a respeito da intenção de continuidade do uso (IC), com questões baseadas no estudo de Chiu, Chiu e Chang (2007). Por fim, o segundo bloco foi composto por 4 assertivas que buscaram identificar a idade, o cargo, a formação e o tempo de serviço público.
Para analisar os dados, utilizou-se a técnica de modelagem de equações estruturais (structural equation modelling [SEM]), estimada a partir dos mínimos quadrados parciais (partial least squares [PLS]). O PLS possibilita testar um conjunto de variáveis, com o intuito de investigar o nível de explicação das variáveis preditoras para com as variáveis dependentes (aspectos de regressão múltipla), com o indicativo da variável preditora mais importante (análise fatorial) (KLEM, 2006).
As características dos respondentes são apresentadas na Tabela 1 (tempo de serviço, idade e cargo).

De acordo com os dados demográficos identificados na Tabela 1, constata-se que a maioria dos inquiridos (28%) tem idades entre 35 a 40 anos, seguidos, respectivamente, por aqueles que têm de 30 a 35 anos e de 40 a 45 anos, ambas as faixas etárias com (26%), ao passo que 16% se encontram na faixa etária de 25 a 30 anos e aqueles acima de 45 anos totalizam 0,04%.
No tocante ao tempo de serviço, analisa-se que 46% têm de 1 a 5 anos de serviço, seguidos por 34% com 5 a 10 anos, 18% com 10 a 15 anos e 4% acima de 15 anos. Em relação ao cargo exercido pelos entrevistados, dentro de um total de 20 funções, constatou-se que a maioria (34%) trabalha como assistente administrativo, seguida por outros 2 cargos que assumiram destaque - contador e enfermeiro (ambos com 10%). Os diversos outros cargos citados não ultrapassam os 4%. Adicionalmente, requisitou-se a formação dos entrevistados, totalizando 27 diferentes áreas, dentre as quais se pode citar: Administração (15); Ciências contábeis e Enfermagem (3 cada); Estatística (2); e d) Análise de Sistemas, Ciências econômicas, Direito, Engenharia, Gestão pública, Fisioterapia, Geografia, Letras (português e inglês), Agronegócios, Pedagogia, Educação Física e Publicidade e propaganda (1 cada).
Para o teste dos dados, aplicou-se o modelo PLS-SEM analisado em 2 etapas: a) modelo de mensuração; e b) modelo estrutural (HAIR JUNIOR, HULT, RINGLE et al., 2014).
Para analisar o modelo de mensuração, enfatiza-se a confiabilidade (individual e composta) e as validades (convergente e discriminante) das medidas dos construtos (RINGLE, SILVA e BIDO, 2014). Para a primeira, observam-se os indicadores do alfa de Cronbach e a confiabilidade composta. De acordo com Hair Junior, Hult, Ringle et al. (2014), índices inferiores a 0,70 e superiores a 0,50 para os coeficientes de confiabilidade podem ser aceitos quando se trata de modelos exploratórios. No caso desta pesquisa, identificou-se que o construto valor de utilidade percebida (VU) apresentou um coeficiente de 0,685; mas ele pode ser considerado exploratório, dada as limitadas pesquisas sobre o assunto.
Posteriormente, realizou-se a avaliação da validade convergente pela variância média extraída (average variance extracted [AVE]), em que os valores de cada variável latente devem ser superiores ao coeficiente de 0,50 (HAIR JUNIOR, HULT, RINGLE et al., 2014). Todavia, identificou-se que o construto falha cognitiva na internet (FCI) ficou um pouco abaixo do recomendado, resultando em 0,472. Porém, optou-se por não excluir nenhuma das assertivas desse construto, pois, teoricamente, todas estavam alinhadas e, no caso, alguma inclusão impactaria nos coeficientes de outros índices.
A validade discriminante foi aplicada para verificação da validade e adequação do modelo. Neste estudo, esse critério foi avaliado de acordo com Fornell e Larcker (1981) e é confirmado quando o valor da raiz quadrada da AVE é superior aos valores absolutos das correlações com as demais variáveis latentes, tanto na vertical quanto na horizontal (RINGLE, SILVA e BIDO, 2014).
A Tabela 2 apresenta os resultados dos critérios detalhados acima.

Em conformidade com Hair Junior, Hult, Ringle et al. (2014), destaca-se que os resultados da Tabela 2 indicam uma avaliação positiva do modelo de mensuração. Desse modo, enfatiza-se o cumprimento dos critérios para o modelo de mensuração e a possibilidade de prosseguir com a avaliação do modelo estrutural.
Para a avaliação do modelo estrutural, realizaram-se estimativas das equações estruturais por meio da análise do bootstrapping para avaliar a significância das relações entre as variáveis latentes usadas no estudo e testar as hipóteses da pesquisa (HAIR JUNIOR, HULT, RINGLE et al., 2014). Adicionalmente, também se avaliou o coeficiente de determinação de Pearson (R2), que reflete a validade preditiva do modelo; e a relevância preditiva (q2) ou indicador de Stone-Geisser, em que os valores das variáveis endógenas devem ser superiores a zero (HAIR JUNIOR, HULT, RINGLE et al., 2014).
Os resultados dos testes realizados são apresentados na Tabela 3 por modelo testado, em que se evidenciam os coeficientes de caminho, a significância e as estatísticas R2, f2 e q2 das construções endógenas.

A falha cognitiva é a incapacidade cognitiva do indivíduo relacionada à sua percepção e capacidade de memória relativa ao desempenho da tarefa (SCHMIDT, NEUBACH e HEUER, 2007), e ela pode estar atrelada a diversas situações, sendo uma delas o uso da internet. Assim, na primeira e na segunda hipóteses, buscou-se verificar seu reflexo negativo no design de conteúdo e no design de interface de um sistema de aprendizagem, pois um indivíduo com essa incapacidade pode ter sérias dificuldades (STAATS, KIEVIET e HARTIG, 2003) mesmo que o conteúdo seja fácil e que apresente uma interface simples. Com isso, a partir dos coeficientes obtidos, as hipóteses (1 e 2) foram rejeitadas, pois, mesmo que os valores de β sejam negativos nas respectivas relações, eles não foram estatisticamente significativos.
Na terceira e quarta hipótese, pressupôs-se teoricamente que, quanto mais fácil for o design de conteúdo e o design de interface, mais o indivíduo acreditará que determinado sistema irá melhorar o desempenho de seu trabalho dentro de certo contexto (DAVIS, 1989). Todavia, a partir dos resultados obtidos, não foi possível confirmar essas relações (H3 e H4).
Pesquisadores de sistemas de informação têm afirmado que o valor de utilidade percebida é válido para prever a aceitação do indivíduo em vários sistemas (DAVIS, 1989; VENKATESH, 2000; VENKATESH e DAVIS, 2000; HSU e LU, 2004). Com isso, conjecturou-se a H5, de que o valor de utilidade percebida está positivamente relacionado com a intenção de continuidade do uso, a qual foi confirmada (β: 0,447 e valor p < 1%). Esse resultado está alinhado com alguns estudos anteriores, que revelaram que o valor da utilidade percebida afetou positivamente a intenção comportamental dos usuários de usar sistemas e-learning (MARLER e DULEBOHN, 2005; HONG, TAI, HWANG et al., 2017).
Nesse contexto, Lin, Huang e Zhang (2019) ressaltam que a integração de sistemas e-learning no local de trabalho é benéfica, pois promove a aquisição de conhecimento e o compartilhamento de experiências. E, consequentemente, quanto maior a percepção de utilidade de usar sistemas e-learning, maior será sua intenção de continuidade no uso desse sistema, em especial nas instituições públicas.
Este estudo teve por objetivo examinar quais são os reflexos das falhas cognitivas no uso da internet dos servidores federais na satisfação do design de conteúdo e do design de interface, no valor de utilidade e na intenção de continuidade do uso dos sistemas e-learning de aprendizagem oferecidos em cursos pelo governo.
Em síntese, as evidências teórico-empíricas deste estudo mostram que o valor de utilidade afeta positivamente a intenção de continuidade do uso, dado que pesquisas anteriores produziram resultados limitados para explicações centradas no indivíduo sobre o uso de sistemas e-learning governamentais (HONG, TAI, HWANG et al., 2017). Todavia, não foi possível confirmar que a falha cognitiva na internet afeta negativamente a satisfação do indivíduo com o design de conteúdo e o design de interface do sistema e-learning nem que a satisfação com o design de conteúdo e o design de interface afeta positivamente o valor de utilidade percebida.
Com esses achados, pode-se inferir que ainda se mostram necessárias mais pesquisas que enfatizem a variável falha cognitiva, dado as evidências limitadas para indicar como a falha cognitiva resultante do uso da internet se manifesta cognitiva e afetivamente em relação aos sistemas e-learning (LIU, 2005). Isso porque as tecnologias da informação e comunicação alteraram drasticamente a forma como as pessoas ensinam e aprendem.
O e-learning, como uma nova abordagem na educação, destaca a aprendizagem orientada para o aluno e ao longo da vida (ONG, LAI e WANG, 2004). As características do e-learning cumprem os requisitos para aprender em uma sociedade tecnologicamente avançada e criaram uma grande demanda de empresas por esse tipo de sistemas. Em tempos de limitações financeiras, especialmente no setor público, o e-learning permite que o treinamento atinja diversas forças de trabalho geograficamente dispersas de forma eficiente, pois pode ocorrer sob demanda e por um custo menor do que o treinamento presencial. Os sistemas e-learning se tornaram ferramentas populares para facilitar processos de ensino e aprendizagem flexíveis.
Os achados desta pesquisa contribuem para o entendimento da intenção de continuidade do uso dos recursos tecnológicos, em especial dos sistemas e-learning, além de evidenciarem fatores que merecem significativa atenção na ocasião da oferta de cursos por meio dessas ferramentas. Esses cursos podem melhorar a experiência e o processo de ensino e aprendizagem em relação às capacitações de servidores públicos, melhorando seu desempenho e, consequentemente, contribuindo com a ampliação da performance organizacional; entre outros objetivos organizacionais se encontra a capacitação de seus trabalhadores. A performance organizacional, em seu estado simplista, consiste na realização dos objetivos organizacionais. É importante que as organizações tenham objetivos mensuráveis, pois isso é essencial para o envolvimento e o comprometimento dos servidores com a organização (ABUBAKAR, ELREHAIL, ALATAILAT et al., 2019).
No entanto, esta pesquisa também apresenta algumas limitações que podem ser superadas em futuros estudos. Apesar das análises de dados realizadas se basearem em técnicas estatísticas confiáveis, destacam-se o método de amostragem, por acessibilidade, e o tamanho da amostra, relativamente pequeno diante dos requisitos rigorosos de uma técnica de modelagem de equações estruturais implementada para validar a confiabilidade, a validade convergente e a validade discriminante das escalas. A partir de tais limitações, propõe-se que futuros estudos ampliem o tamanho da amostra, estendendo-a a servidores de órgãos públicos dos outros poderes (i. e., Legislativo e Judiciário), bem como de outros órgãos do Poder Executivo e, ainda, de outras regiões do país.



