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Tutores na educação superior: o que a análise crítica do discurso revela sobre o sentido do trabalho?
Tutores en la educación superior: ¿qué revela el análisis crítico del discurso sobre el significado del trabajo?
Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, vol. 19, núm. 3, pp. 180-195, 2020
INDEG-IUL - ISCTE Executive Education

ARTIGO


Recepção: 31 Maio 2020

Aprovação: 22 Setembro 2020

DOI: https://doi.org/10.12660/rgplp.v19n3.2020.81636

Resumo: O objetivo desta pesquisa é investigar o sentido do trabalho para os profissionais que atuam em atividades de tutoria em EAD, dentro de uma Instituição de Ensino Superior privada. Para tal, entrevistamos presencialmente ou via Skype, 36 tutores que atuam nestes cursos. Ao longo de todo o percurso metodológico - desde a concepção do objeto, durante a entrada, trabalho e saída de campo - fizemos anotações sobre nossas expectativas, impressões, ambientação da entrevista, gestos e alterações da fisionomia de cada entrevistado. Posteriormente, as entrevistas foram transcritas e submetidas à análise crítica do discurso, da qual apreendemos 3 categorias: “tutoria como prática social”, “a prática discursiva dos tutores” e, finalmente, “a prática textual dos tutores”. No sentido de aprofundarmos esta terceira categoria, conduzimos uma análise lexicométrica, na qual diagnosticamos o uso intensivo de 17 verbos, os quais sugeriam a existência de três subcategorias lexicais: “a mercantilização da docência”, “a instrumentalização do trabalho de tutor” e, por fim, “o chamado acadêmico”. No limite, verificamos que a tutoria não é a primeira e nem a única opção de carreira dos tutores, os quais se sentem desvalorizados, mal remunerados, mas que percebem nesta função a oportunidade de atuarem em outros cursos da instituição e de serem reconhecidos como empregados dela.

Palavras-chave: Sentido do trabalho, Tutoria, Prática Social, Prática discursiva, Prática textual.

Resumen: El propósito de este estudio es investigar el significado del trabajo para los profesionales que desempeñan actividades de tutoría en la educación a distancia, dentro de una institución privada de educación superior. Para ello, entrevistamos, personalmente o por Skype, a 36 tutores que trabajan en esos cursos. A lo largo de toda la ruta metodológica, desde la concepción del objeto, durante la entrada, el trabajo y la salida del campo, tomamos notas (notas de campo) sobre nuestras expectativas, impresiones, configuración de la entrevista, gestos y cambios en la fisonomía de cada entrevistado. Posteriormente, las entrevistas se transcribieron y se sometieron a un análisis crítico del discurso, del cual aprehendimos 3 categorías: “tutoría como práctica social”, “práctica discursiva de los tutores” y, finalmente, “práctica textual de los tutores”. Para profundizar en esta tercera categoría realizamos un análisis lexicométrico, en el que diagnosticamos el uso intensivo de 17 verbos que sugirieron la existencia de tres subcategorías léxicas: “la mercantilización de la docencia”, “la instrumentalización del trabajo del tutor” y, finalmente, “la llamada académica”. En el límite, constatamos que la tutoría no es la primera ni la única opción de carrera para los tutores, que se sienten infravalorados, mal pagados, pero que perciben en esta función la oportunidad de trabajar en otros cursos de la institución y ser reconocidos como empleados de la misma.

Palabras clave: Significado del trabajo, Tutoría, Práctica social, Práctica discursiva, Práctica textual.

INTRODUÇÃO

As relações de trabalho têm sido reconfiguradas na contemporaneidade; por exemplo, há novos vínculos pessoa-organização, incluindo o trabalho em tempo parcial e por tempo determinado e os arranjos informais, nos quais o trabalhador não conta com os benefícios e as garantias previstos na legislação trabalhista (KALLEBERG, 2000; AZEVEDO e TONELLI, 2014; AZEVEDO, TONELLI e SILVA, 2015). No Brasil, um desses arranjos não formais tem sido chamado de “PJ” (pessoa jurídica), no qual o trabalhador constitui uma empresa e presta serviços à organização (AZEVEDO e TONELLI, 2014).

A flexibilização das relações de trabalho também redesenhou a carreira docente, que já fora percebida como segura e de elevado status social (MARTINS DE PAIVA, SILVA e SARAIVA, 2005; VILAS BOAS e MORIN, 2016). De fato, os diferentes vínculos trabalho com a Instituição de Ensino Superior (IES) revelaram-se fundamentais para os docentes, como eles percebem seu ofício e lugar na organização e como dão sentido ao seu trabalho; pois se, para os professores com vínculo formal com a IES, sua figura está associada a prestígio, poder, fonte de saber e conhecimento; para os que trabalham como PJ, a mesma função é percebida como operacional, de pouca relevância, fazendo com que estes se sintam facilmente substituíveis, como uma commodity (IRIGARAY, SAMPAIO, OLIVEIRA et al., 2019).

Todavia, estes profissionais ainda são reconhecidos como “professores”, na IES. Mas, e aqueles que são tutores, que apoiam os professores em sala de aula presencialmente ou à distância? Como eles percebem sua inserção profissional nas IES e dão sentido ao seu trabalho? Esta é a nossa pergunta de investigação.

Assim como outros trabalhos na área da Administração (TONELLI e ALCADIPANI, 2001), este também é iluminado pela premissa ontológica da pós-modernidade crítica (BOJE, 2001; BENHABIB, 2002) a qual preconiza a existência de múltiplas realidades paralelas, sobrepostas e simultâneas (BAUDRILLARD, 1993), ou seja, os indivíduos são resultantes de múltiplas interseções identitárias.

Assim, neste estudo, não partimos de pressupostos previamente estabelecidos, de que o sentido do trabalho seja um instrumento de aumento da produtividade por meio da motivação e satisfação (MORIN, 2001), tampouco de que seja um fenômeno inexistente, uma vez que no sistema Capitalista não há como o trabalho ter sentido, dado que as relações têm como denominador o regime de Capital (ANTUNES, 2003). Acreditamos que o foco da discussão deva ser deslocado para os sujeitos; ou seja, existem múltiplas vozes, vivendo múltiplas realidades (GERGEN, 1991) e a compreensão do significados do “sentido do trabalho” deva partir da perspectiva dos próprios sujeitos, e não da visão do pesquisador (DAMATTA, 1979). Aqui, há dois aspectos a serem ressaltados: a impossibilidade de o(a) pesquisador(a) ser neutro(a), e a necessidade de incluirmos o “outro” na pesquisa.

Para responder a pergunta de pesquisa, conduzimos uma pesquisa empírica, numa IES específica, que contrata tutores, como PJ, para auxiliarem os professores do quadro principal, nas aulas de graduação e pós-graduação stricto sensu, bem como para trabalharem nos cursos de educação a distância (EAD), nomeadamente nos cursos de graduação tecnológica e de pós-graduação lato sensu.

Apesar de este estudo se limitar aos tutores dos cursos de graduação e pós-graduação em Administração de Empresas de uma IES específica, entendemos que ele é relevante, pois estes profissionais tendem a ser invisibilizados, negligenciados e mal remunerados (ESCRIVÃO FILHO e RIBEIRO, 2008). Dar voz a eles possibilitará propor mudanças nas políticas organizacionais, para que estes indivíduos sejam reconhecidos e integrados, efetivamente, ao corpus organizacional.

Este trabalho está divido em cinco seções, além desta introdução. Na seguinte, resgatamos a literatura sobre a definição oficial do que é ser tutor, bem como sobre a Análise Crítica do Discurso (ACD), que servirá como marco teórico e metodológico. Na terceira, relatamos os procedimentos de coleta e tratamento de dados. Na quarta, apresentamos e discutimos os resultados da pesquisa com base no marco teórico; finalmente, na quinta e última seção, apresentamos nossas conclusões.

O sentido do trabalho

O trabalho é um importante valor para o indivíduo e tem sido objeto de estudo sob diversos olhares ontológicos e epistemológicos (MORIN, 2001; ANTUNES, 2003; MORIN, TONELLI e PLIOPAS, 2007; CONCOLATTO, RODRIGUES e OLTRAMARI, 2017). Sob esse compasso, o valor que o indivíduo atribui a ele deve ser recompensado por meio do reconhecimento e analisado como um papel simbólico, em vez de material (DEJOURS, 1998).

O estudo dos sentidos atribuídos ao trabalho pode ser feito por premissas ontológicas funcionalistas (MORIN, 2001), críticas (ANTUNES, 2003) e pós-modernas (IRIGARAY, OLIVEIRA e BARBOSA, 2018), sendo o constructo estudado em diversas áreas de conhecimento. O tema apresenta elevada multidisciplinaridade, uma vez que boa parte dos estudos vem sendo feita por psicólogos, sociólogos, administradores e profissionais da comunicação social (TOLFO e PICCININI, 2007).

Esta multidisciplinaridade pode contribuir para o avanço nos estudos sobre o tema, uma vez que o sentido do trabalho é um construto psicológico multidimensional e dinâmico, que resulta da interação entre inúmeras variáveis pessoais e ambientais (BENDASSOLLI, 2007; TOLFO e PICCININI, 2007).

Morin (2001) assevera que o trabalho como fonte de experiências de relações humanas satisfatórias deve ser pautado nas relações sociais, entre as pessoas, no trabalho em equipe, seja o relacionamento interno no ambiente do trabalho ou externo. As relações humanas trazem para o indivíduo uma identidade social e pessoal e ainda ajudam a ter mais autonomia e segurança.

Para que se possa discutir de forma adequada o significado do trabalho na vida das pessoas, é fundamental analisar o significado da vida na sociedade moderna, que tem sofrido alterações devido a novas tecnologias e novas estruturas de força de trabalho, implicando mudanças nos valores dos conceitos relacionados ao trabalho (MOW, 1987).

No universo dos professores de carreira em uma IES privada, o sentido do seu trabalho é contribuir para a formação do indivíduo (aluno), que influencia a sociedade e as organizações (IRIGARAY, OLIVEIRA e BARBOSA, 2018). Todavia, que lugar os tutores ocupam no espaço organizacional? Eles têm voz e poder? Esta reflexão é objeto da próxima seção.

Tutores: lugar, poder e voz

Os tutores são, por definição, orientadores dos alunos (MACHADO e MACHADO, 2004), cuja principal função é a de acompanhar a vida acadêmicadeles, apontar caminhos e encontrar soluções para os eventuais problemas que surgem durante o curso (SOUZA, SPANHOL, LIMAS et al., 2004), ou seja, eles são o elemento de transição e ligação entre professor e aluno (SCHLOSSER, 2010).

No limite, cabe aos tutores promover espaços de construção coletiva de conhecimento, selecionar material de apoio e de sustentação teórica aos conteúdos e participar dos processos avaliativos de ensino-aprendizagem, junto com os professores (BRASIL, 2007).

No corpus das IES, os tutores ocupam um espaço muito peculiar. Ao contrários dos professores de carreira e extracarreira, que possuem contrato formal com as instituições, o qual é regido pelas regras da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e, portanto, contam com remuneração fixa, férias remuneradas, 13o salário, duração indeterminada do contrato e regime de trabalho em tempo integral (IRIGARAY et al., 2019b), os tutores atuam como autônomos ou como PJ, sem proteção social (DEDECCA, FREITAS RIBEIRO e ISHII, 2009).

A rigor, a despeito dos professores, que têm seu trabalho percebido como intelectual, os tutores, não raramente são associados a atividades operacionais, de apoio, de pouca relevância, facilmente substituíveis, como uma commodity (IRIGARAY et al., 2019b). Mas será que é assim que eles se percebem?

Para sabê-lo, entendemos que é necessário dar voz a estes indivíduos (BOJE, 2001), tomar emprestado seus olhares (VICKERS, 2005); Portanto, a reflexividade, isto é, a avaliação crítica e pública do processo e dos recursos interpretativos (NOGUEIRA, 2001, p. 50) sobre o processo de pesquisa tornou-se uma estratégia-chave, fundamentalmente em relação às questões da posição de poder dos pesquisadores, já que todos nós somos professores e; portanto, não ocupamos o lugar de fala (RIBEIRO, 2017), dos tutores.

Cabe aqui esclarecer que, neste estudo, entendemos que “a posição de poder” não está meramente relacionada com a dominação ou com as formas nas quais o poder se manifesta, dado que este não se limita a uma estrutura ou instituição; mas sim, a algo relacionado com o processo per se, ou seja, “a multiplicidade de relações de força imanentes na esfera em que elas operam e na qual constituem sua própria organização” (FOUCAULT, 1998, p. 92). Por isto, nossa opção de marco teórico e metodológica foi pela Análise Crítica do Discurso (ACD).

ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO: MARCO TEÓRICO E METODOLÓGICO

A ACD se apresenta como um “paradigma estabelecido dentro da linguística” (WODAK e CHILTON, 2005) e busca combinar contribuições de teóricos das Ciências Sociais (Karl Marx, Theodor Adorno, Jürgen Habermas, Antonio Gramsci, Louis Althusser, Anthony Giddens), da filosofia da linguagem (Mikhail Bakhtin, Valentin Volochínov), da análise do discurso francófona (Michel Pêcheux, Dominique Maingueneau, Jacqueline Authier-Revuz) e da linguística sistêmico-funcional (Michel Halliday, Ruqayia Hasan, Christian Matthiessen).

A ACD parte do princípio de que o discurso tem poder constitutivo, porque cria formas de conhecimentos e crenças, relações sociais e identidades. Ela pressupõe que a compreensão do modo como o discurso cria, mantém ou questiona relações de dominação e poder exige uma perspectiva interdisciplinar e procura explicar as estruturas do discurso a partir das propriedades da interação social e, especialmente, da estrutura social mais ampla (MEURER, 2005), desvelando, assim, como as estruturas do discurso produzem, reproduzem, legitimam ou desafiam as relações de poder e de dominação na sociedade.

Na ACD, o discurso é concebido por meio de um processo circular, em que práticas sociais influenciam textos (modelando o contexto e o modo como os textos são produzidos), ao passo que os textos, por sua vez, ajudam a influenciar a sociedade, modelando os pontos de vista daqueles que os leem ou consomem esses textos (FAIRCLOUGH, 2014). Assim, criticar é “tornar visível a interligação das coisas” (FAIRCLOUGH, 1995, p. 36), adotando uma posição política de forma explícita e focalizando a autorreflexão (WODAK e CHILTON, 2005).

No limite, a ACD desvela as inconsistências, as contradições e os dilemas nas estruturas internas dos textos e dos discursos. Neste artigo, adotamos contribuições, em especial, da ACD proposta por Fairclough, para quem o discurso “é mais que apenas uso da linguagem: é uso da linguagem, seja falada, seja escrita, vista como um tipo de prática social” (FAIRCLOUGH, 1992, p. 28).

Assim, o discurso não deve ser entendido como instrumento de comunicação, mas uma prática social, e, por isso mesmo, as estruturas do discurso e as estruturas sociais mantêm relações complexas de influência. Afinal, para entender a sociedade, é preciso entender o discurso que nela se produz e circula; para entender o discurso, é preciso entender a sociedade que o constitui. Neste sentido, os discursos dos tutores revelam como percebem a si, o mundo acadêmico e, no limite, como (res)significam seu trabalho.

PERCURSO METODOLÓGICO

Nesta pesquisa, partimos do pressuposto da impossibilidade de neutralidade por parte dos pesquisadores dado que, mesmo que involuntariamente, eles podem (re)produzir as relações de poder existentes na IES. Neste sentido, buscamos um distanciamento (bracketing) do objeto científico, adotando processos de reflexividade (PARKER, 2005) e vigilância interpretativa (CASAGRANDE e FREITAS, 2020), as quais são fundamentais para se desvelar as relações de poder entre os pesquisadores e os entrevistados (STANLEY e WISE, 1990). Por isso, tornou-se importante reconhecer os efeitos da relação de poder e da posição hierárquica dos pesquisadores no próprio resultado das pesquisas, bem como nossas posições sociais, institucionais, incluindo as categorias e interseções entre gênero, raça, classe, idade e sexualidade e o impacto nas respostas dessas posições nas interações com os participantes.

Entrevistamos 36 indivíduos, dos quais 30 trabalham em cursos de graduação tecnológica e pós-graduação lato sensu EAD, e seis são tutores de cursos de mestrado e doutorado. Todos foram informados sobre os procedimentos éticos, a intenção e os objetivos da pesquisa antes da entrevista, e estavam cientes de que poderiam recusar a gravação do áudio ou pará-la a qualquer momento da entrevista, ou não responder quando bem entendessem. Também deixamos claro que eles podiam debater conosco sobre qualquer aspecto do estudo e solicitar uma versão da pesquisa. Estes pontos se referem ao “consentimento informado” (BURMAN, 1998). Também garantimos aos nossos entrevistados, sigilo e anonimato, e que toda e qualquer informação que eles não quisessem revelar seria mantida fora da pesquisa, assim como nenhuma informação seria passada à IES.

As entrevistas semiestruturadas, realizadas presencialmente ou via Skype, foram individuais, com gravação de áudio, e realizadas no Rio de Janeiro. Ao longo de todo o percurso metodológico - desde a concepção do objeto, durante a entrada, trabalho e saída de campo - fizemos anotações (field notes) sobre nossas expectativas, impressões, ambientação da entrevista, gestos e alterações da fisionomia de cada entrevistado.

O roteiro de entrevista se dividiu em quatro grandes blocos. O primeiro tratava dos dados categóricos do(a) entrevistado(a); isto é, sua idade, formação acadêmica, tempo de função, disciplinas lecionadas. No segundo bloco, abordamos a trajetória profissional do(a) respondente; já o terceiro focou na experiência como tutor (sentimentos, sensações, prós e contras); no quarto, questionamos sobre a interação destes sujeitos com os demais docentes, bem como seu senso de pertencimento com a IES e; finalmente, no quinto, perguntamos sobre suas expectativas para o futuro, no que tange à vida profissional. Como fator limitador do método, é necessário que ressaltemos que todos estes trabalhadores atuam na mesma IES, no Rio de Janeiro.

As entrevistas foram transcritas e os dados foram submetidos a análise crítica do discurso; assim trabalhamos com três categorias a priori: tutoria como prática social, a prática discursiva dos tutores e tutoria como prática textual. Apesar de termos observado a saturação do campo (repetição de respostas) já na 22a entrevista, realizamos mais 14, no sentido de nos verificarmos a existência de uma possível categoria emergente (o que não se confirmou).

Revelações do campo

O modelo proposto por Fairclough (1989) analisa o discurso como fenômeno tridimensional. Desta forma, para entender o discurso, revelando como este participa da criação, manutenção e questionamento das relações de dominação e de poder (FOUCAULT, 1998), o autor concebe o discurso como resultante de três práticas, que se complementam: social, discursiva e textual, que serviram de base para a construção de nossas três categorias a priori.

Tutoria como prática social

A prática social se refere à dimensão macrossocial do discurso ou, mais especificamente, como este é produzido, circula e é regulado pelo contexto sociopolítico, no qual é produzido. Analisar o discurso dos tutores, dentro desta dimensão mais ampla nos estudos do discurso, é fundamental pois a constituição discursiva da sociedade não emana de um livre jogo de ideias nas cabeças das pessoas, mas de “uma prática social firmemente enraizada em estruturas sociais materiais concretas, orientando-se para elas” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 93).

O estudo dessa dimensão do discurso se faz por meio da consideração das noções de poder, ideologia e hegemonia. As ideologias estão implícitas na produção e na interpretação dos discursos, o que leva os sujeitos a, sem disso se darem conta, reproduzir ideologias prejudiciais para eles e para os outros.

Fortemente vinculadas à noção de ideologia estão as noções de hegemonia e de poder; o qual, a rigor, é “um foco constante de luta sobre pontos de maior instabilidade entre classes e blocos para construir, manter ou romper alianças e relações de dominação/subordinação que assumem formas econômicas, políticas e ideológicas” (FAIRCLOUGH, 2008, p. 122). Esta é visão marxista do jogo de influência entre classes dominantes e classes dominadas, que se reifica nas relações de poder na sociedade.

Em função da epistemologia adotada, identificamos similaridades na IES estudada. De fato, nos discursos dos tutores ficou evidenciada uma sujeição aos professores, a qual foi desvelada nas seleções lexicais “detentores do poder”, “os donos da bola” ou, ainda, “os chefes”. Estas denotam uma relação de poder assimétrica; pois, nesta lógica, cabe aos tutores atuarem como coadjuvantes, sem ingerência sobre as ementas, eixos temáticos, nem o conteúdo programático. Esta sensação de meros auxiliares foi expressada pelo tom de voz pausado e as feições faciais contraídas.

A prática social se refere também à maneira como se manifesta a regulação, bem como a constituição intertextual e interdiscursiva dos discursos, principalmente em situações comunicativas específicas; no caso, a sala de aula física ou virtual. Pelo discurso dos tutores podemos inferir que o ensino superior é, na realidade, um instrumento de reprodução dos fundamentos do sistema capitalista. Por exemplo, eles reiteraram, sistematicamente, que suas aulas se baseiam em atividades que reforcem conceitos como “otimização de lucro”, “maximização de retorno e eficiência”, “motivação de pessoas para aumento da produtividade” e “autogestão da carreira”. Os tutores não usaram estes termos de forma crítica; pelo contrário, ficou nítido que eles realmente acreditam e reconhecem estes “valores de mercado” como dogmas a serem seguidos.

De fato, os discursos dos tutores são forjados com base na ideologia neoliberal, dado que eles, ao longo de suas falas sobre suas atividades docentes e de interação com os alunos, demonstraram buscar apenas pasteurizar a realidade. Uma tutora dos cursos de pós-graduação asseverou que: “(...) não são só alunos; eles nos avaliam. Desta avaliação depende meu emprego. Fico entre a cruz e a caldeira: qual é o limite da cobrança? Mas é normal, o mercado é assim, o cliente tem sempre razão”.

Recorrentemente, mesmo que de forma irônica, os tutores se referiam aos alunos como “clientes”, no caso do fragmento de discurso apresentado, ficou implícito na seleção lexical “não são só alunos”. Este posicionamento coloca-os num dilema entre o papel de “ser professor”, no qual está imbuído o poder de autoridade e do de um “prestador de serviço”, cuja missão é manter o cliente satisfeito. Ficou evidente, em diversas falas, que os alunos têm consciência do poder a eles conferido por meio da avaliação, a qual é utilizada como métrica pela IES para a alocação dos tutores em turmas futuras.

Este conflito interno é percebido como uma disfunção, metaforicamente, um micro-organismo patogênico, a ser destruído por meio de um processo de pasteurização; no caso, a naturalização dos preceitos vigentes no mercado, como explicitado na seleção lexical “o cliente tem sempre razão”. Um outro tutor, apesar de ter demonstrado insatisfação com o comportamento abusivo dos alunos, bem como a pressão que percebe sofrer da IES para evitar reprovações, admitiu adotar uma estratégia de aquiescência; pois, em suas palavras, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”. Apesar de acreditar que esta leniência possa comprometer no futuro a marca, ele entende não ter poder de barganha para enfrentar.

Assim, a tutoria como prática social ocorre dentro de uma arena, na qual há concentração de poder nas mãos de poucos, que detém o controle de agendamento, em detrimento dos muitos, que se percebem sem poder de agência, pouco valorizados e facilmente substituíveis.

Observamos ainda, nomeadamente entre os tutores que atuam nos cursos de MBA, a profusão de conceitos e constructos criados e valorizados pelo pop-management (WOOD JUNIOR, 2000), o que, mais uma vez, sugere um imbricamento entre discurso destes profissionais as e estruturas sociais.

As falas dos tutores sobre as disciplinas que lecionam reproduzem e enaltecem as inúmeras publicações de negócios e os sucessivos best-sellers, os quais são museus de grandes novidades; pois, apesar de se apresentarem como indispensáveis, não trazem nada de novo, a não ser uma nova roupagem (em larga escala) para o que, na realidade, já existia antes. Dessa forma, a reprodução do discurso do pop-management abafa o espaço para reflexão crítica com sua avalanche de conteúdo, que se restringe a reproduzir os preceitos da ideologia neoliberal.

Por isso, entendemos que os tutores, ao agirem de forma robótica, contribuem para a formação de cidadãos sem pensamento crítico, que apenas se contentam em reproduzir as mesmas relações de poder econômico entre uma classe dominada e uma classe dominante, assim como os professores e os tutores.

A prática discursiva dos tutores: o que o seu vocabulário revela

Se a prática social tem por objetivo resgatar como o contexto sócio-histórico regula e, eventualmente, determina o processo de produção, circulação e recepção dos discursos, a prática discursiva busca explicar exatamente como esse processo ocorre em contextos institucionais particulares, no caso a IES.

Na dimensão da prática discursiva, os tutores revelaram desconhecer esse jogo mais amplo e sócio-histórico, do qual inevitável e inconscientemente participam; todavia, eles produzem um discurso (a aula) que corrobora para a reprodução dessas relações de poder, tanto pela escolha do conteúdo ministrado quanto pela relação que estabelece com os alunos.

Do ponto de vista do conteúdo, os tutores limitam-se ao utilitarismo e instrumentalização do ensino; ou seja, à abordagem de conhecimentos e ao treino de tarefas úteis à inserção do aluno no mercado de trabalho.

Já sob a ótica da relação com os alunos, os tutores sentem prazer em demonstrar seu poder e reproduzir a relação de poder entre alguém que manda e alguém que obedece, entre alguém que detém o conhecimento e alguém que não detém esse conhecimento.

Por exemplo, um dos nossos entrevistados contou que sente prazer em lembrar aos discentes que a origem da palavra aluno é a-luminus, isto é, alguém sem luz. Textualmente, este interlocutor afirmou que “gosto de lembrar à garotada que eu sou a luz que os guia”. Já outra tutora asseverou que “sempre lembro a eles que eu tenho o poder da caneta”. Por último, outro tutor disse que sente prazer em brincar com os alunos; pois quando estes perguntam o que vai cair na prova, a resposta é “lágrimas.. suas [dos alunos], não minhas [do tutor]”.

Estes fragmentos de discursos reforçam o prazer que os tutores têm em reproduzir uma relação assimétrica de poder; uma em que alguém fala e alguém ouve; no limite, uma relação semelhante à existente entre eles e os professores e a IES.

Por outro lado, quando perguntados sobre suas práticas didático-pedagógicas, os tutores afirmaram que sempre partiam do conhecimento dos alunos, que estes são “os protagonistas” da sala de aula e que, não raramente, buscavam usar métodos de ensino como “a sala de aula invertida”. Ou seja, se por um lado há um discurso burocrático, hierárquico e opressor, que ameaça os alunos e busca sempre colocá-los no seu lugar de “sem luz”; por outro lado, há um discurso brando, que busca amenizar eventuais conflitos por meio de símbolos, artefatos e retórica sedutores.

Desta forma, ao se apropriarem do simbolismo, ou seja, ao se valerem do discurso ambíguo enquanto força simbólica, os tutores convertem a sala de aula - física ou virtual - em um “universo mágico e imaginário”, mascarando a opressão como afetividade, preocupação pelo futuro dos alunos ou, ainda, treinamento para o mundo corporativo. Assim, ao imporem um controle por meio de sentimento pseudoamoroso, em substituição à tradicional burocracia, os tutores estimulam a identificação e a fusão dos alunos com um ser fascinante (o mercado).

Tuto Minion Proria: O sentido do trabalho como prática textual

Por fim, a prática textual corresponde à dimensão propriamente linguística e de construção textual do discurso. Por meio dessa dimensão, o objetivo não é proceder a uma descrição do sistema linguístico abstrato (SAUSSURE, 1971) ou das propriedades lexicais, sintáticas e textuais de uma produção discursiva.

Na prática textual, o objetivo é analisar em que medida a seleção lexical, as construções sintáticas, o emprego de mecanismos coesivos, a distribuição dos turnos de fala e a mobilização de determinados argumentos contribuem para a reprodução ou a subversão de discursos hegemônicos, para a naturalização de determinadas ideologias ou para a manutenção e o reforço de relações de poder.

Para a maioria dos entrevistados, como a tutoria não se configura como a primeira opção de carreira, a necessidade de que esse trabalho seja associado a sentimentos de realização é imprescindível. Como disse um dos entrevistados, “Ser tutor na IES é só para quem gosta” (E4), senão ela perde o sentido. Alguns deles chegaram a comparar a tutoria a “uma cachaça”, “um vício”. Estas seleções lexicais denotam uma dependência, no mínimo, psíquica da IES e das relações com os professores e alunos. Nota-se aí um estranhamento, dado que, na maioria das vezes, os tutores afirmaram não pertencerem à IES.

Em outros fragmentos de discurso, a tutoria foi, metaforicamente, descrita como uma ponte, um trampolim, e a IES, em questão, a uma uma grife valiosa. Estas seleções lexicais sugerem o uso instrumental da função de tutor, uma vez que esta seria a porta de entrada para carreira de docente, nomeadamente nos cursos presenciais de MBA, que é percebida como prestigiosa e cuja remuneração é muito mais alta.

No que tange ao uso do vocabulário pelo grupo estudado, não verificamos diferenças consideráveis entre homens e mulheres. Entretanto, no que tange à titulação, os tutores, que possuem doutorado, expressaram perceber mais reconhecimento por parte da instituição, com base na meritocracia. Este fato justifica-se possivelmente a um reconhecimento por parte da instituição aos profissionais que estão investindo em suas carreiras e aprimorando seus currículos, fruto de seu processo interno de reestruturação. Associando o fator titulação à idade, os tutores mais velhos, mas que não possuem título de doutor, se sentem esquecidos e desvalorizados pela IES. Por outro lado, os tutores mais jovens, que têm especialização se sentem mais valorizados a exercerem suas atribuições, característica que também é atribuída ao menor tempo no mercado de trabalho.

Se observarmos o fator “formação na IES”, os entrevistados que tiveram sua formação dentro da Instituição, independente do título, se sentem orgulhosos e carregam este vínculo afetivo, independente das condições empregatícias estabelecidas.

No terceiro, quarto e quinto blocos de nosso roteiro de entrevista, abordamos a questão do sentido do trabalho per se, sem nunca questionar nossos interlocutores diretamente para não influenciarmos suas respostas.

Quando questionados sobre seu trabalho, o vocabulário empregado pelos tutores revelou um conteúdo instrumental, simbólico e paradoxal, muito smiliar ao modo como as empresas definem e difundem sua razão de ser e de existir.

Foi possível identificar duas perspectivas distintas e complementares relativas aos limites de atuação profissional destes indivíduos: um olhar objetivo, concreto e transacional, que exprime uma visão funcionalista, similar aos objetivos inerentes às dimensões do mundo dos negócios: a financeira, que se refere ao retorno sobre o investimento (eventual lucro futuro quando se tornarem professores do MBA presencial); a do marketing, que diz respeito ao fato de pertencerem a uma instituição de prestígio internacional (apesar de, a rigor, não manterem vínculos de emprego formal com a mesma), bem como o de aprendizagem, uma vez que estes indivíduos têm acesso a treinamentos anuais.

Todavia, ao analisarmos a relevância das palavras por sua recorrência, a perspectiva subjetiva, abstrata e relacional se revelou mais forte, uma vez as seleções lexicais como netwoking, capital social, carreira e excelência foram mais utilizadas em detrimento dos termos relacionados à perspectiva anterior.

A análise da prática textual dos tutores resultou na construção de três subcategorias lexicais com base nos 17 verbos mais utilizados. Por definição, os verbos são a classe gramatical responsável por exprimir a ideia de ação ou de estado, inclusive sem o apoio de outras palavras, como no caso dos verbos intransitivos. Assim, a análise dos verbos possibilita avaliar como os tutores dão sentido ao seu trabalho.

A primeira categoria é a “mercantilização da docência”; isto é, os tutores percebem seu trabalho como um trampolim para a docência nos MBA, bem como uma chancela para o seu currículo. Esta categoria foi construída com base nos verbos mais citados: elevar, ascender, atingir e ganhar. Esta visão de mundo é, sistematicamente, compartilhada com os alunos, para os quais é vendida (literalmente) a ideia de que a formação educacional é um investimento financeiro, que deve ser feito (e tolerado), uma vez que gerará retorno pecuniário, no futuro.

A segunda categoria reflete a “instrumentalização do trabalho de tutor”, o qual se limitaria a transferir, transmitir (conteúdos), atender (alunos) e facilitar (aprendizagem). Estes quatro verbos compõem o segundo grupo mais citado e retratam uma simplificação do trabalho docente, pois limita o(a) tutor(a) como um mero canal de transmissão de conteúdo desenhado pelos professores formalmente contratados pela IES.

A terceira e última categoria lexical é a do “chamado acadêmico”; pois, especificamente, os tutores que mais reclamaram da falta de reconhecimento por parte da IES, da baixa remuneração e da invisibilidade no ambiente virtual de trabalho, foram os que utilizaram o terceiro grupo de verbos mais citados: impactar, ajudar, cativar, contribuir, compartilhar, doar, mudar, transformar e fazer (a diferença).

Mas, o que a ACD revela sobre o sentido do trabalho?

Tutoria e o sentido do trabalho

Os educadores vêm enfrentendo um período de transição importante que envolve as modalidades de ensino presencial e a distância. Para a maioria dos entrevistados, como a tutoria não se configura como a primeira opção de carreira, a necessidade de que esse trabalho seja associado a sentimentos de realização é imprescindível, como explicitado no seguinte fragmento de discurso: “(...) ser tutor na IES é só para quem gosta e sente prazer nisso”.

A seleção lexical prazer foi associada a vício (“tutoria é como uma cachaça”) ou ainda, paradoxalmente, a dor (“parece que somos mulher de malandro; gostamos de apanhar”), o que sugere uma interpretação diferente da proposta por Morin (2001).

Ademais, quando questionados sobre como apreendiam o trabalho em si, os tutores se definiram, num tom melancólico e demonstrando certa frustração, como adjuvantes, sem autonomia e que não são devidamente reconhecidos pela IES. Entretanto, eles afirmam que, apesar de não serem professores, são mais importantes que estes, dado que cabe a eles a função de explicar e interagir com os alunos. Desta forma, a realização jaz nas relações sociais (BENDASOLLI, 2007).

O ressentimento com a falta de reconhecimento por parte da IES, por sua vez, é substituído pelo uso instrumental dela; isto é, os tutores valem-se deste frágil elo para se promoverem no mercado de trabalho como profissionais qualificados. Conforme já sinalizado por Irigaray, Sampaio, Oliveira et al. (2019), há perda de significado do trabalho em função da falta de um vínculo empregatício formal.

A rigor, o sentido não jaz no trabalho em si, mas no seu significado, como ficou evidenciado no seguinte fragmento de discurso do depoimento de uma tutora: “a grife como um argumento valoroso no mercado, abre portas”. As seleções lexicais “grife” e “abrem portas” denotam a importância social da IES e sua capacidade de conferir qualidade aos seus cursos e aos docentes que nela trabalham, independentemente do vínculo empregatício (formal ou não). Aqui trabalho ganha significação em função dos ambientes social e organizacional (RODRIGUES, BARRICHELLO, IRIGARAY et al., 2017).

A tutoria também foi descrita unicamente como uma fonte de complemento de renda, apesar da baixa remuneração, possibilita flexibilidade de horários e agendamentos, como desvelado na seguinte fala: “paga pouco, é como um bico; mas pelo menos eu posso administrar meu próprio tempo”. A rigor, a seleção lexical “bico” desqualifica a tutoria, apresentando-a como trabalho não oficial, temporário e sem compromisso.

RESULTADOS E ANÁLISE

Os resultados desta pesquisa demonstram que, para os tutores, o sentido positivo neste trabalho é percebido com maior intensidade quando há uma associação com os seus objetivos estratégicos e pessoais. Para estes, a modalidade a distância não se configura como a primeira opção de carreira e o fato de a legislação não equiparar o indivíduo que exerce o cargo de tutor em EAD a um professor, com seus direitos garantidos por lei, contribui para a percepção da ausência de senso de pertencimento por parte dos entrevistados.

Por outro lado, a tutoria é uma atividade com alto grau de flexibilidade de horário; assim, ela é percebida não só como uma porta entrada à docência, mas como fonte de renda extra. O quanto estas diferentes motivações implicam a qualidade das aulas e o comprometimento destes profissionais. Se, por um lado, é importante para a IES ter profissionais com experiência de mercado para compartilhar com seu corpo discente; por outro, é imperioso capacitá-los didaticamente e envolve-los no corpus organizacional.

Para os entrevistados com maturidade profissional e doutorado, este vínculo, mesmo que informal com a Instituição é diferencial em sua qualificação curricular, sendo principal motivador da escolha dessa carreira. Para estes, trabalhar para a Instituição de Ensino Superior em questão é sinônimo de status e diferenciação no mercado de trabalho.

Como consequência, o lado negativo é a desvalorização que esta modalidade de ensino ainda sofre, fazendo com que os tutores não se sintam reconhecidos, apesar de toda dedicação necessária ao desempenho das atividades. O tutor ainda é mal remunerado e inferiorizado, se comparado aos professores presenciais e esse fato faz com que a tutoria não seja vista como única e nem primeira opção de carreira por eles.

Embora esse sentimento de desvalorização esteja presente neste grupo de docentes, eles entendem que de fato são professores e atribuem esta afirmação ao grau de envolvimento e responsabilidade que a função impõe e que o próprio aluno exige, realidade crescente nesta modalidade de ensino em questão.

Neste sentido, uma das implicações desta pesquisa para as IES é a elaboração de um plano de carreira transparente, que possibilite aos tutores planejarem uma trajetória profissional. Outra possibildade, é promover uma política de integração dos mesmos à Instituição, no sentido de absorvam melhor a cultura organizacional e se sintam mais motivados.

Questões como a remuneração, que permearam as respostas de todos os entrevistados e a necessidade de se elaborar uma política de avaliação de desempenho desses tutores são temas que merecem uma reflexão pela Instituição, de modo que a qualidade do trabalho seja garantida e a mão de obra se mantenha qualificada. Por outro lado, os tutores podem pensar em seus objetivos estratégicos para alcançarem satisfação e retorno, não apenas financeiro ou material, pois muitos deles exercem esta função com vistas à experiência docente.

Em relação às limitações, os achados desse trabalho não pretendem generalizar os tutores de todas instituições de ensino privado e nem mesmo os da própria Instituição analisada em outro momento. Cada organização funciona como um organismo particular, com suas características e especificidades e o tempo é determinante para avaliar o sentido do trabalho, que se modifica de acordo com a mudanças internas e externas da organização.

Os estudos anteriores têm centrado as análises nas relações entre o sentido do trabalho e as experiências e expectativas humanas (MORIN, 2011), as relações sociais (BENDASOLLI, 2007), os ambientes social e organizacional (RODRIGUES, BARRICHELLO, IRIGARAY et al., 2017) e os vínculos empregatícios (IRIGARAY, SAMPAIO, OLIVEIRA et al., 2019). Desta forma, os resultados deste trabalho apontam para outras veredas de pesquisas, como por exemplo, em que medida o sentido do trabalho se reconfigurou para aqueles tutores que foram efetivados. Outra possibilidade é que sejam estudados como os tutores ressignificaram seu trabalho em decorrência das novas modalidade de ensino, adotadas durante a pandemia do COVID-19.

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Autor notes

HÉLIO ARTHUR REIS IRIGARAY - Doutor e Mestre em Administração de Empresas pela FGV-EAESP e PUC-Rio, respectivamente; Bacharel em Economia pela University of Northern Iowa, EUA; Professor adjunto da FGV-EBAPE e do programa CIM - Corporate International Masters, da Georgetown University, Washington, EUA; Líder do tema Diversidade e Relações de Trabalho, na linha de Gestão de Trabalho (ANPAD). E-mail: helio.irigaray@fgv.br
YVIANA NEVES - Mestre em Administração pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas (FGV EBAPE). E-mail: yviana.neves@fgv.br


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