ARTIGO

Produção e comercialização de mirtilo: estudo de caso em uma empresa familiar

Producción y comercialización de arándanos: un estudio de caso de una empresa familiar

Blueberry production and commercialization: a case study in a family business

DULCIMAR JOSÉ JULKOVSKI *
Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brazil
IEDA MARGARETE ORO **
Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brazil
SIMONE SEHNEM ***
Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brazil
ANDREZZA APARECIDA SARAIVA PIEKAS ****
Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brazil
ALAN ZANELLA *****
Universidade do Oeste de Santa Catarina, Brazil

Produção e comercialização de mirtilo: estudo de caso em uma empresa familiar

Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, vol. 20, núm. 1, pp. 41-60, 2021

INDEG-IUL - ISCTE Executive Education

Recepção: 23 Março 2020

Aprovação: 01 Maio 2021

Financiamento

Fonte: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES)

Número do contrato: 001

Resumo: O mirtilo é uma fruta rica em antioxidantes naturais, sais minerais e vitaminas. Considerada um alimento da moda, a fruta possui propriedades para desacelerar o envelhecimento e auxiliar na prevenção de doenças. Neste trabalho, analisou-se, sob as premissas da Teoria dos Stakeholders, a percepção dos stakeholders sobre aspectos que impactam no negócio de produção e comercialização dessa fruta por uma empresa familiar. Foi desenvolvido um estudo de caso qualitativo, orientado pela Teoria dos Stakeholders, com dez entrevistas semiestruturadas com cada um dos representantes dos grupos de acionistas, empregados, clientes, fornecedores, credores e da sociedade - sem estes, segundo as premissas da teoria, a empresa deixaria de existir. Uma vez que é dependente dos stakeholders, a empresa familiar deve planejar e executar as atividades sob a ótica da Teoria dos Stakeholders. Este trabalho contribui para a teoria com a evidência de que os stakeholders possuem relação direta com a empresa familiar e geram valor sustentável, social e econômico. Como contribuição prática, são desenvolvidas categorias de análise da empresa familiar, ligando-as às perspectivas da Teoria dos Stakeholders, e evidenciadas as diferentes percepções dos stakeholders e de uma gestão para relacionamentos benéficos, em que todos podem contribuir e obter ganhos. Aponta-se como fator limitante o estudo de um caso único, isto é, se ampliada a amostra, pode-se gerar viés nos resultados. Sugere-se para estudos futuros expandir a amostra e avaliar como as empresas familiares podem medir a influência dos stakeholders na geração de valor sustentável, social e econômico.

Palavras-chave: sustentabilidade, teoria dos stakeholders, empresa familiar, mirtilo.

Resumen: El arándano es una fruta rica en antioxidantes naturales, minerales y vitaminas. Considerada un alimento de moda, la fruta tiene propiedades para retrasar el envejecimiento y ayudar a prevenir enfermedades. En este trabajo se analizó ‒bajo las premisas de la teoría de los grupos de interés o stakeholders‒ la percepción de las partes interesadas sobre aspectos que impactan en el negocio de producción y comercialización de esta fruta por parte de una empresa familiar. Se desarrolló un estudio de caso cualitativo, guiado por la teoría de los stakeholders, con diez entrevistas semiestructuradas con cada uno de los representantes de los grupos de accionistas, empleados, clientes, proveedores, acreedores y de la sociedad, sin los cuales, según las premisas de la teoría, la empresa dejaría de existir. Dado que depende de las partes interesadas, la empresa familiar debe planificar y ejecutar las actividades desde la perspectiva de la teoría de los grupos de interés. Este trabajo aporta a la teoría con la evidencia de que los grupos de interés tienen una relación directa con la empresa familiar y generan valor económico, social y sostenible. Como aporte práctico, se desarrollan categorías de análisis de la empresa familiar, vinculándolas a las perspectivas de la teoría de los stakeholders, y se evidencian las diferentes percepciones de los grupos de interés y la necesidad de una gestión para relaciones beneficiosas, en las que todos puedan contribuir y obtener ganancias. El estudio de un solo caso se señala como factor limitante, es decir, si se agrandara la muestra se podría generar sesgo en los resultados. Se sugiere para futuros estudios ampliar la muestra y evaluar cómo las empresas familiares pueden medir la influencia de los grupos de interés en la generación de valor económico, social y sostenible.

Palabras clave: Sostenibilidad, Teoría de las partes interesadas, Empresa familiar, Arándano.

Abstract: Blueberry is a fruit rich in natural antioxidants, minerals, and vitamins. It is considered a trendy food and has properties to slow aging and help prevent disease. This study adopted the premises of the stakeholder theory to examine the perception of stakeholders about aspects impacting a family business based on blueberry production and commercialization. A qualitative case study guided by the stakeholder theory was developed, collecting data through ten semi-structured interviews with representatives shareholders, employees, customers, suppliers, creditors, and society. According to the theory, the company would cease to exist without these actors. Thus, the family company must plan and execute activities based on the perspective of the stakeholder theory. This work contributes to the theory offering evidence that stakeholders have a direct relationship with the family business and generate sustainable, social, and economic value. As a practical contribution, categories of analysis of the family business are developed, linking them to the perspectives of the theory, and evidencing both the different perceptions of the stakeholders and a management practice that benefits the relationships, where everyone can contribute and obtain gains. The single case study is a limitation of this research, since results can be biased. Future studies can expand the sample and evaluate how family businesses can measure the influence of stakeholders in generating sustainable, social and economic value.

Keywords: Sustainability, Stakeholder theory, Family business, Blueberry.

INTRODUÇÃO

A sustentabilidade empresarial é um conjunto de ações que uma empresa toma (SACHS, 2002) visando respeitar o meio ambiente e o desenvolvimento sustentável da sociedade (LÜDEKE-FREUND e DEMBEK, 2017). Para a sociedade, os valores ligados ao desenvolvimento sustentável e ao respeito às políticas ambientais (BARBIERI et al., 2010) têm sido institucionalizados em maior ou menor grau nos países pela mídia, pelos movimentos sociais e ambientais e pelos governos (MA et al., 2018). Adotar práticas sustentáveis é um posicionamento estratégico que pode resultar em vantagem competitiva para todos os stakeholders (MARCOUX, 2003) e contribuir para melhorar o processo decisório das empresas familiares (FREEMAN et al., 2010).

A sustentabilidade também leva em conta questões ambientais e sociais que afetam o futuro da população e das empresas (MA et al., 2018). Quando as empresas familiares percebem que a comunidade está observando sua relação com as questões ambientais e sociais, podem responder de forma benéfica pela implementação de novas práticas e valores (NÚÑEZ-CACHO et al., 2018).

A influência da família é o que constitui a empresa familiar (MILLER e LE BRETON-MILLER, 2006) e torna o negócio único nas questões de gerenciamento, objetivos e estratégias adotadas nas transações (NECKEBROUCK, MANIGART e MEULEMAN, 2016).

O mirtilo, produzido e comercializado por empresa familiar, também conhecido como blueberry, é uma fruta muito popular nos Estados Unidos e na Europa (KALT, JOSEPH e SHVKITT-HALLE, 2007). Seu cultivo tem se expandido no Brasil pelas condições favoráveis de clima e solo e pelo aumento da demanda do mercado interno e das exportações. Essa cultura apresenta-se como ideal para a agricultura familiar e proporciona a construção de relações benéficas com os stakeholders, promovendo o desenvolvimento de toda a cadeia produtiva (ANTUNES et al., 2008).

A noção de bem-estar está associada ao poder de consumo e é promovida pelos avanços tecnológicos e científicos que proporcionam novos tipos de produtos que são integrados à sociedade e vistos como benéficos para a melhoria da saúde e da qualidade de vida (STRIK, 2007). O mirtilo (blueberry) corrobora essa noção, uma vez que é conhecido por possuir características benéficas para os usuários.

As empresas familiares constituem uma relevante forma de organização nomundo, sobretudo em mercados emergentes como o Brasil, e geram aspectossustentáveis, econômicos e sociais para a sociedade (GAVANA, GOTTARDO e MOISELLO, 2016). Se as demandas dos stakeholders, que são estrategicamente importantes para as empresas familiares, não forem devidamente atendidas, elas podem sofrer consequências negativas, como boicote de consumidores ou fornecedores, com consequentes prejuízos (DAWSON, PAEGLIS e BASU, 2018). Para o contexto das empresas familiares e a sustentabilidade dos negócios, as pequenas frutas como o mirtilo podem gerar desenvolvimento e geração de renda (STRIK, VANCE e FINN, 2017). No Brasil, no entanto, são escassos ainda estudos que analisam as empresas familiares no contexto de todos os envolvidos nas operações (FONSECA et al., 2018).

O mirtilo representa um potencial de agregação de valor para a região produtora no oeste de Santa Catarina. Neste caso, a empresa familiar exerce um papel de destaque no processo de produção e comercialização do mirtilo. Com o aproveitamento do microclima formado pela usina hidrelétrica e após muita pesquisa sobre a produção do mirtilo, obteve-se sucesso no desenvolvimento dessa atividade. Em virtude de a empresa familiar ser pioneira na região na produção e comercialização de mirtilo e do êxito e reconhecimento no negócio, a demanda pelo fruto aumentou consideravelmente e a produção desta empresa tornou-se referência no Brasil.

Neste trabalho, objetiva-se analisar, sob as premissas da Teoria dos Stakeholders, como os fatores externos e internos impactam no negócio de uma empresa familiar que produz e comercializa mirtilo. Em termos metodológicos, a pesquisa é classificada como qualitativa, embasada em dez entrevistas semiestruturadas com representantes de grupos e orientada pela Teoria dos Stakeholders, a qual abrange acionistas, empregados, clientes, fornecedores, credores e a sociedade, por ter como premissa que sem estes a empresa deixaria de existir.

Após a seção introdutória, este trabalho apresenta uma revisão bibliográfica abordando a sustentabilidade empresarial, a Teoria dos Stakeholders e a empresa familiar produtora e comercializadora de mirtilo. Na sequência, os procedimentos metodológicos, a discussão e análise dos resultados, as conclusões e as referências.

Sustentabilidade da empresa familiar no contexto dos stakeholders

O alto consumo de produtos e serviços projetados com base na consciência sustentável e, por sua vez, no tripé da sustentabilidade visando buscar o equilíbrio econômico, social e ambiental (ELKINGTON, 1997), torna-os mais propensos à geração de valor e a um melhor desenvolvimento no mercado (BARBIERI et al., 2010), o que se reflete no crescimento econômico sempre desejado e perseguido por empresários (PARIDA et al., 2019).

Para ser sustentável, uma empresa deve buscar em todas as suas ações e decisões a ecoeficiência, procurando produzir mais e com melhor qualidade, gerando menos poluição e utilizando menos recursos naturais (SAVITZ e WEBER, 2007). A empresa deve ainda ser socialmente responsável e assumir que está imersa nesse ambiente social; além disso, a gestão para a sustentabilidade também deve ser motivada pelo líder da empresa (HOLTON, GLASS e PRICE, 2010). O conhecimento das práticas de sustentabilidade, bem como sua importância para a sociedade são notórios, de tal forma que foram incorporadas no âmbito político, empresarial, na agricultura e na sociedade civil. Para alcançar o desenvolvimento sustentável, é necessário um esforço da empresa (Figura 1) com a finalidade de aumentar as oportunidades econômicas, sociais e ambientais de forma legal, ecoeficiente, sem impactos negativos, com investimento social para gerar sinergia com os stakeholders e buscar integrar constantemente a sua missão e valores empresariais (ELKINGTON, 1997; BARBIERI et al., 2010).

Esforço da empresa legal
FIGURA 1
Esforço da empresa legal
Fonte: Adaptada pelos autores de Elkington (1997) e Barbieri et al. (2010).

A sustentabilidade empresarial significa entender e agir em resposta a essa nova demanda da sociedade, uma vez que a agregação de valor se reflete em benefícios não somente para os acionistas, mas também para o conjunto de todos os stakeholders (CARBALLOPENELA e CASTROMÁN‐DIZ, 2015). A sustentabilidade deve basear-se em um relacionamento entre sistemas econômicos, sociais e ambientais de forma dinâmica, para que os indivíduos e os resultados das atividades humanas possam prosperar de forma harmônica (ALVES, 2019). No longo prazo, a sustentabilidade deve fazer parte das práticas empresariais, para alcançar qualidade, desempenho e desenvolvimento de produtos que satisfaçam os clientes (SEHNEM et al., 2019). Os argumentos apresentados fornecem a base para a primeira proposição: as práticas de sustentabilidade da empresa familiar facilitam sua relação com os stakeholders.

O termo stakeholders refere-se a qualquer indivíduo ou grupo que possa afetar a obtenção dos objetivos organizacionais ou que é afetado pelo processo de busca destes objetivos (FREEMAN, 1984). O termo foi inicialmente empregado na área de Administração em um memorando interno do Stanford Research Institute em 1963, designando todos os grupos sem os quais a empresa deixaria de existir: acionistas, empregados, clientes, fornecedores, credores e a sociedade (EVAN e FREEMAN, 1993).

A questão central e normativa da Teoria dos Stakeholders trata do verdadeiro propósito da empresa, o de servir de veículo para coordenar os interesses dos stakeholders (EVAN e FREEMAN, 1993). De caráter relacional (Figura 2), apresenta-se como uma teoria das organizações que propõe um modelo relacional de visão do negócio, interligando indivíduos, grupo, comunidade, empresa, instituições e Estado (PESQUEX e DAMAK-AYADI, 2005). É fundamental para o entendimento sobre como gerar riqueza nas empresas, uma vez que demonstra não ser possível a sobrevivência destas sem a entrega de valor aos stakeholders (FRIEDMAN e MILES, 2006).

Visão do negócio voltado para os stakeholders
FIGURA 2
Visão do negócio voltado para os stakeholders
Fonte: Adaptada pelos autores de Pesqueux e Damak-Ayadi (2005) e Friedman e Miles (2006).

A ideia de criar valor para os stakeholders passa pela visão de que o negócio pode ser compreendido como um conjunto de relacionamentos entre grupos de pessoas com interesse nas atividades que compõem o negócio (PESQUEUX e DAMAK-AYADI, 2005). O negócio trata-se, então, de como clientes, fornecedores, funcionários, financiadores (acionistas e bancos), comunidade, etc. interagem e criam valor (FRIEDMAN e MILES, 2006). Para entendê-lo, é necessário compreender como estes relacionamentos funcionam, sendo papel do gestor gerenciar e moldá-los para alcançar os objetivos da empresa (FREEMAN et al., 2010).

A teoria pode ser entendida em três grupos inter-relacionados (EVAN e FREEMAN, 1993) que abordam o seu conceito corrente como descritivo, instrumental e normativo (FRIEDMAN e MILES, 2006). No descritivo, a empresa pode ser entendida como um conjunto de relações com os grupos de interesse e a teoria é usada, nesse caso, para descrever e explicar, algumas vezes, características próprias das corporações. No instrumental, procura-se encontrar a conexão, ou a ausência de conexão, entre o processo de gestão dos stakeholders e o alcance dos objetivos da corporação, criando modelos para explicar essas relações, com ênfase na observação dos impactos relacionados ao incremento da performance das empresas. No normativo, a teoria seria utilizada para interpretar a função da empresa, incluindo a identificação de princípios morais e filosóficos que norteiam as operações e a administração das organizações (FREEMAN et al., 2010). Com base nas premissas da Teoria dos Stakeholders, tem-se a segunda proposição: a empresa familiar está relacionada positivamente com as premissas da Teoria dos Stakeholders.

As empresas familiares possuem características que as distinguem das grandes corporações, como identificação da família com a empresa e, consequentemente, preocupações com a reputação da família e da imagem da empresa na sociedade (CENNAMO et al., 2012). A perspectiva da Teoria dos Stakeholders expande a responsabilidade da gestão da empresa familiar a um conjunto ampliado de interesses, que depende de sua habilidade em cumprir os objetivos sustentáveis, econômicos e sociais para gerar valor nos relacionamentos com todos os stakeholders (CLARKSON, 1995). A fruticultura e a empresa familiar, nas quais o mirtilo se encaixa, representam uma comprovada alternativa de negócios e transformação para gerar desenvolvimento econômico e social, podendo ser promotora da inclusão social e da melhoria da qualidade de vida da população (RETAMALES e HANCOCK, 2012). A fruticultura de mirtilo, portanto, é uma atividade que gera renda familiar no campo e potencializa os locais onde as empresas familiares se encontram (ANTUNES e PERES, 2013).

Ao possuir a presença de um líder inovador (Figura 3) está preparada para lidar com todos os tipos de situação que o mercado impõe e, também, com os conflitos familiares dentro da própria empresa (ADACHI, 2006). Empresas familiares são uma forma de organização com predominância de tipos específicos de atores sociais e econômicos que representam uma grande quantidade de empregos e negócios, contribuindo para o Produto Interno Bruto (PIB) do país (BASCO, 2015). Trata-se de uma organização peculiar porque envolve, ao mesmo tempo, a família, o negócio, as pessoas e o meio ambiente ou mercado (SHARMA, CHRISMAN e GERSICK, 2012); deve, portanto, ter cuidados e dedicação para melhorar a eficiência de suas operações (ORO e LAVARDA, 2017).

A presença do líder na empresa familiar
FIGURA 3
A presença do líder na empresa familiar
Fonte: Adaptada pelos autores de Adachi, (2006) e Sharma, Chrisman e Gersick (2012).

A capacidade da empresa familiar (Figura 3) em gerenciar seus stakeholders está relacionada à habilidade do líder em ser inovador, buscar entender o mercado e atuar de forma constante na resolução dos conflitos (ADACHI, 2006). A empresa familiar capaz de estabelecer esses conceitos pode influenciar na obtenção de resultados econômicos robustos, melhorias nos produtos e processos de forma constante e, com isso, manter o relacionamento duradouro e benéfico com os seus stakeholders (SHARMA, CHRISMAN e GERSICK, 2012).

Do ponto de vista de uma organização, as empresas familiares podem ser consideradas próximas às suas comunidades devido aos laços pessoais entre membros da família e outros membros da comunidade (ORO e LAVARDA, 2018). O posicionamento da família levará a responder às rupturas da comunidade, buscando o reconhecimento desta, cuidando de sua reputação e preservação do capital social, permitindo a continuidade familiar e o aprimoramento comercial por meio das oportunidades empresariais que a comunidade lhe oferece (BERRONE et al., 2011). A sustentabilidade das empresas familiares baseia-se no equilíbrio entre família e negócios (ANTUNES e PERES, 2013). A família deseja preservar e aumentar o seu valor econômico; desse modo, a adoção do comportamento sustentável e de uma boa e contínua relação com os stakeholders gera reconhecimento social, melhorando tanto o desempenho econômico como o desempenho ambiental (DEBICKI et al., 2016).

A administração é uma atividade inseparável de qualquer situação na empresa e envolve pessoas e práticas de gestão adotadas pela empresa familiar para o alcance dos resultados esperados (BROCKHAUS, 2004). Para que essa interação aconteça de forma sistemática, é imprescindível que a empresa tenha conhecimento de suas forças e fraquezas quanto a configuração de uma empresa familiar (CASILLAS, 2007), pois o seu crescimento dependerá dessa configuração para a competitividade e manutenção dos negócios (ORO e LAVARDA, 2018). Diante do exposto, tem-se a terceira proposição: a empresa familiar é mais sustentável quando adota maior relação com os stakeholders por meio de ações conjuntas.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Realizou-se um estudo de caso com abordagem qualitativa, visto que esta possibilita conhecer um fenômeno em profundidade (YIN, 2015), além da compreensão dos significados que os atores atribuem a este, o que facilita a apreensão do contexto. O estudo foi desenvolvido em uma empresa familiar produtora e comercializadora de mirtilo localizada na região Oeste do Estado de Santa Catarina. A escolha da empresa ocorreu em razão de esta empresa familiar ser reconhecida nacionalmente, estar entre os maiores produtores do mirtilo no país e possuir cerca de 40 produtos derivados do mirtilo, como biscoitos, geleias e cervejas.

O estudo foi operacionalizado com a definição dos objetivos de pesquisa e abordagem conceitual, identificação e seleção do caso de estudo; elaboração do roteiro de entrevista; contato com o proprietário da empresa e convite para participação no estudo e agendamento de visita in loco; realização das entrevistas e transcrição na íntegra; e, por fim, análise de conteúdo (BARDIN, 2016). O instrumento de coleta de dados foi composto por dez questões abertas relacionadas com as nove categorias e práticas (Quadro 1). A coleta de dados foi realizada por meio de dez entrevistas semiestruturadas. Este método de coleta de dados permitiu discorrer sobre as percepções dos entrevistados com a definição do tema principal proposto pelo estudo.

Foram selecionados os stakeholders envolvidos direta e indiretamente com a empresa, de forma que fossem abordadas as perspectivas da Teoria dos Stakeholders relacionadas a acionistas, empregados, clientes, fornecedores, credores e a sociedade. Salientando que esses stakeholders devem ter importância dupla para a empresa, sendo o primeiro de caráter de diretriz e acompanhamento e o segundo de caráter de execução, processos e entrega de serviços (WINSTANLEY, SORABJI e DAWSON, 1995). Após contatos com os selecionados, deu-se início às entrevistas. Por uma questão ética e no intuito de preservar a identidade, foram utilizados codinomes para os entrevistados. A Figura 4 apresenta o fluxo operacional das etapas da pesquisa.

Fluxo operacional das etapas da pesquisa
FIGURA 4
Fluxo operacional das etapas da pesquisa
Fonte: Elaborada pelos autores.

As categorias de análise foram estabelecidas conforme proposto por Bardin (2016). Esta maneira de categorizar os achados permitiu ampliar a compreensão da realidade vivida pelos respondentes por meio das nuances da percepção dos entrevistados. Por fim, procedeu-se à análise de conteúdo em três fases: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados (BARDIN, 2016).

Etapas da pesquisa.
>Quadro 1
Etapas da pesquisa.
Fonte: Elaboradopelos autores

Nas etapas da pesquisa (Quadro 1), relaciona-se o design da pesquisa com a classificação. O estudo é uma abordagem qualitativa, tipo de pesquisa descritiva classificada como estudo de caso único, com método de coleta de dados por meio de entrevistas semiestruturadas e gravadas com visita in loco e análise documental com determinação de codinomes para os entrevistados. Ao todo, foram gravadas 5 horas e 22 minutos de áudio de entrevistas, sendo transcritos na íntegra os relatos, que resultaram em 32 páginas. Foi realizada uma segunda análise da transcrição para excluir assuntos que não tinham relação direta com o objeto de pesquisa, resultando em 19 páginas. A ordem dos entrevistados (Quadro 1) corresponde à mesma em que ocorreram as entrevistas durante o mês de outubro de 2019. Na técnica de tabulação de dados, foram utilizadas figuras e tabelas. As nove categorias de análise foram elaboradas de acordo com os valores da empresa familiar publicados em seu portal eletrônico e sob a perspectiva da Teoria dos Stakeholders (FREEMAN, 1984; FREEMAN e MILES, 2002), segundo a qual acionistas, empregados, clientes, fornecedores, credores e sociedade são elementos essenciais à empresa, de forma que sem estes ela deixaria de existir.

DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS

O mirtilo é uma espécie frutífera de clima temperado que necessita de frio no outono e inverno, com origem nos Estados Unidos e Canadá (HOFFMANN e ANTUNES, 2015). O fruto tem poucas calorias, não contém colesterol nem sódio e constitui uma importante fonte de vitaminas, nutrientes e sais minerais, além de ser um poderoso antioxidante. Também suas folhas são muito nutritivas e usadas em infusões, saladas e medicamentos. A fruta é consumida fresca ou pode ser congelada para a produção de sorvetes, sucos, iogurtes, farinha integral e bebidas.

A empresa analisada surgiu para inovar a forma de comercialização de frutas finas como o mirtilo, amora, framboesa, morango e phisalys. Seus produtos são processados de forma artesanal e industrial por parceiros comerciais, o que permite a integração constante entre a empresa e os seus stakeholders. A busca incessante por saúde, bem-estar, qualidade alimentar e nutricional de frutas e produtos naturais de frutas, sem adição de conservantes levam mais pessoas e regiões a descobrir a existência dos produtos e dos seus benefícios.

Para que os stakeholders entendam o direcionamento econômico, social e sustentável, a empresa familiar (Figura 5) deve escutá-los e gerar diálogo. Dessa forma, pode estabelecer uma conexão robusta para o desenvolvimento de ações concretas e incremento da sustentabilidade do negócio, obtendo, assim, resultados melhores e novos valores para os stakeholders.

Stakeholders e a geração de valor nos três pilares
FIGURA 5
Stakeholders e a geração de valor nos três pilares
Fonte: Elaborada pelos autores.

A sustentabilidade empresarial é abordada pelos stakeholders como fator principal para a fixação da empresa no local e para a manutenção e continuidade dos negócios. A sobrevivência e o crescimento são desafios constantes para as empresas. A adoção de práticas como ecoeficiência, redução da poluição e racionalidade dos recursos, tanto na produção como na comercialização, conduzirá as decisões gerenciais à superação de obstáculos, tornando-a mais sustentável.

A sustentabilidade da empresa familiar deve basear-se em um relacionamento constante entre os sistemas econômicos, sociais e ambientais, gerando, de forma dinâmica, resultados aos stakeholders, para que prosperem de forma harmônica e em conjunto com a empresa familiar. Desse modo, corroborando a primeira proposição deste trabalho, as práticas de sustentabilidade facilitam a relação com os stakeholders da empresa familiar.

Os stakeholders, como indivíduos que influenciam diretamente o alcance dos objetivos organizacionais, contribuem para a manutenção e solidificação da empresa familiar. Identificar e compreender os stakeholders e os pontos críticos que intervêm diretamente no sucesso da empresa é imprescindível, pois somente deste modo é possível manter relacionamentos e parcerias de forma harmônica e, com isso, gerar benefícios mútuos e reduzir riscos de insucesso. A empresa familiar, como um conjunto de relações com os grupos de interesse, deve gerar conexão para desenvolver modelos que norteiam as operações e inter-relações dos seus negócios com o seu público, permitindo o alcance dos objetivos de forma integrada ao planejamento. Esses fatores alinham-se à segunda proposição deste trabalho, a de que a empresa familiar está relacionada positivamente com as premissas da Teoria dos Stakeholders.

A empresa familiar é uma organização peculiar por desenvolver relacionamentos com múltiplos stakeholders e se insere nas comunidades mediante múltiplos laços de relacionamentos. Quando a empresa familiar se desenvolve e se posiciona de forma sustentável, torna-se mais propensa a gerar valor econômico, social e ambiental para todos os atores. Desenvolver e aplicar mecanismos para a sustentabilidade permitirá que a empresa busque de forma constante melhorar os seus produtos e processos, inovando na gestão e melhorando a qualidade, o que a posiciona fortemente como uma empresa sustentável diante dos seus stakeholders. Focar em melhorias para a sustentabilidade permitirá à empresa buscar a melhoria contínua dos seus produtos e processos e atender as exigências ambientais e do mercado. Com isso, ratifica-se a terceira proposição deste trabalho: quanto mais ações sustentáveis realizadas pela empresa familiar por meio de ações conjuntas, maior a relação com os stakeholders.

A empresa familiar possui relação direta com os stakeholders (Figura 6) e vice-versa. Desenvolver ações sustentáveis significa adoções que permitam o crescimento econômico e social aliados com o crescimento sustentável da empresa. Esse processo gera maior relação e tem reflexo positivo na empresa, uma vez que as ações sustentáveis possuem relação direta com os stakeholders.

Interrelacionamento das proposições
FIGURA 6
Interrelacionamento das proposições
Fonte: Elaborada pelos autores.

Adotar categorias e práticas (Quadro 2) para que o negócio tenha crescimento benéfico, não somente para seus proprietários, mas para todos os stakeholders, é fundamental para a permanência e sustentabilidade do negócio. Uma vez que o desenvolvimento sustentável é uma das principais demandas do mundo empresarial, desenvolver aspectos sustentáveis nos negócios e disseminar as melhores práticas pode posicionar a empresa em um patamar de otimização, melhorar as relações existentes e fidelizar os stakeholders.

Relações entre categoria com as práticas e respondentes
QUADRO 2
Relações entre categoria com as práticas e respondentes
Fonte: Elaborado pelos autores.

Adotar práticas sustentáveis valoriza a empresa diante dos stakeholders, conquista ainda mais consumidores, levando o negócio a crescer de forma sempre positiva. Na categoria 1, sustentabilidade - ações internas: PR (proprietário), EP (empregado direto), ST (secretário de turismo), SE (secretário de desenvolvimento econômico), GF (gerente de instituição financeira), RP (representante) e ET (empresa terceirizada) abordaram ações de sustentabilidade que a empresa adota, tais como reutilização de materiais plásticos, papelão e paletes de madeira, economia de água e luz por meio de investimento em instalação de painéis fotovoltaicos para geração da própria energia, não utilização de produtos químicos na plantação das mudas de mirtilo e sim de compostos orgânicos.

Essas ações foram tratadas de forma enfática tanto por PR como por EP e RP. Nas ações externas, PR, EP, ST, SE, GF, RP e ET relataram como práticas as ações realizadas pela empresa, como o dia do mirtilo, quando os visitantes colhem os seus próprios mirtilos, ações em folders informativos e ações por meio da mensagem ecológica que os produtos possuem, procurando, com isso, aumentar as possibilidades de marcar a lembrança dos stakeholders. Para CV (cliente que visita a empresa), CR (cliente do representante) e MC (morador mais antigo da cidade), tantas ações internas como externas são desconhecidas, como fica evidente em seus relatos: “A gente escuta e sabe que a empresa deve fazer, mas não temos a noção clara do que faz” (CV; CR; MC).

Desenvolver parcerias diz respeito à empresa assumir uma mentalidade voltada para entender e valorizar as vantagens da sua rede com o objetivo de gerar benefícios mútuos e superar barreiras. Na categoria 2, desenvolvimento de parcerias, CV respondeu não ter conhecimento sobre o mercado atual da empresa. Para novos mercados, PR, EP e RP mencionaram novas propostas desenvolvidas pela empresa para melhorar e fidelizar os seus parceiros atuais. Para novos mercados, PR, EP e RP informaram que estão realizando planejamento para ampliar a disseminação dos seus produtos no mercado, bem como para outros estados com novos representantes. Para ST, SE, GF, CV, CR, RP, MC e ET, tanto a abordagem de novos mercados não está clara, como não têm conhecimento sobre o que a empresa pretende realizar. PR e RP argumentam: “Pensamos que buscar novos mercados é fundamental para a empresa crescer e melhorar economicamente e, com isso, gerar benefícios econômicos, sociais e ambientais para toda a cadeia”. De acordo com PR:

Falta união e parceria entre a empresa e outros segmentos, como, por exemplo, com a rede hoteleira. As redes hoteleiras poderiam dispor dos nossos produtos no local ou incluir no pacote de hospedagem uma visita à empresa, mas a rede hoteleira tem receio porque querem que os turistas gastem no seu estabelecimento. Então, temos essa dificuldade com esse setor. Realizamos inúmeras reuniões, mas não obtivemos avanço.

Para uma empresa se autodenominar responsável e sustentável no ambiente organizacional, necessita ser ecologicamente correta, economicamente viável e socialmente justa. Na categoria 3, responsabilidade social e econômica - ações sociais e impactos econômicos -, CV e MC declararam desconhecer o que a empresa realiza como ações sociais e o que ela gera economicamente para a sociedade. Contudo CV e MC revelam ter conhecimento de que a empresa desenvolve inúmeras ações sociais e certamente gera inúmeros impactos econômicos, tanto para o município quanto para os envolvidos diretamente e indiretamente com as operações da empresa.

Em relação à categoria 4, empreendedorismo - processos de iniciativa da empresa para implementar novos negócios e produtos -, CR desconhece o que a empresa vem desenvolvendo, enquanto CV desconhece o que a empresa faz para inovar em produtos. Coadunando-se com as respostas de PR, EP, ST, SE, GV, RP, MC e ET, mencionam que visualizam a empresa como uma fonte de empreendedorismo, pois estão constantemente olhando o mercado e analisando internamente o que podem desenvolver para melhorar os produtos e, consequentemente, incrementar os negócios. PR comenta: “Todos os dias olho para o meu negócio e me pergunto: No que posso melhorar? No que posso contribuir para gerar mais valor?”.

Possuir foco no cliente significa tê-lo em mente em cada decisão, sistema ou processo da empresa. A categoria 5, foco no cliente, evidenciou que todos os respondentes possuem conhecimento sobre as informações do produto ou as informações mínimas exigidas pela legislação. Complementaram que, nesse caso, os produtos condizem com as informações legais das embalagens e com o design apresentado. Conforme abordou CV: “[...] as embalagens deixam a gente com água na boca e querendo abrir rapidamente para consumir o produto”. Os locais de venda foram enfatizados e frequentemente comentados tanto por PR como por EP, enquanto os outros respondentes mencionaram desconhecer, de forma mais precisa, quais ou quantos pontos a empresa possui. Mesmo RP, que está mais próximo, também demonstra não ter informação, conforme menciona: “Com certeza a empresa possui vários, mas também tenho certeza que pode melhorar muito para que tenha uma abrangência maior. Mas a empresa já está pensando nisso e vai melhorar os pontos de venda”.

Saúde financeira significa controle do dinheiro e isso permite que os compromissos sejam mantidos. Com isso, desenvolve-se tranquilidade para focar em investimentos e em novos projetos visando alavancar os negócios. Mantendo-se a liquidez, os compromissos assumidos com terceiros são honrados em dia e ampliam-se os lucros sobre investimentos. Com relação à categoria 6, garantias legais e retorno dos investimentos, CV, CR e MC demostraram desconhecimento, mas comentaram que, uma vez que a empresa está aberta, vendendo, participando de eventos e desenvolvendo novos produtos, provavelmente está gerando lucro. PR mencionou que monitora constantemente os investimentos e demonstrou preocupação por não possuir uma gestão profissionalizada para cuidar desses assuntos. Relatou, ainda, que pretende profissionalizar a empresa para torná-la mais lucrativa. Conforme menciona GR: “Nunca tivemos problemas financeiros com essa empresa, pelo contrário, toda vez que negociamos e os valores são estabelecidos, a empresa responde muito bem e em muitas ocasiões antecipa-se aos compromissos, mostrando que é uma empresa séria e ciente dos seus deveres”.

Manter uma política de boa convivência é um fator estratégico para quem deseja ir longe nos projetos e negócios. O bom relacionamento com fornecedores favorece as atividades comerciais, visto que, para desenvolver estratégias e gerar resultados positivos, as empresas dependem diretamente dessa relação. No que concerne à categoria 7, relacionamento com fornecedores com as práticas de canal de comunicação e novas demandas, CV e MC relataram não conhecer ou não utilizar o canal de comunicação e possuir ideias para novos produtos e sugestões de melhorias respectivamente. PR, EP e RP comentaram que é sempre propício escutar os fornecedores, bem como trazê-los para conhecer a realidade da empresa, pois isso estreita e melhora as relações (PR). Conforme mencionou ET, “[...] sempre tivemos uma relação de mútua troca, porque tanto nós que processamos o produto in natura e devolvemos um produto final industrializado, manter e difundir boas práticas e bom relacionamento ajuda na construção de valor para ambas as partes”.

As categorias 8, inovação, e 9, qualidade, apresentaram convergência e foram abordadas por todos os entrevistados. Na inovação de produtos e processos, os entrevistados enfatizaram que a empresa está sempre em busca de novidades. GF e ET comentaram: “Conhecemos muito bem o proprietário e sabemos que ele é uma pessoa que está sempre buscando coisas novas e isso faz toda a diferença para o modelo de negócio que ele desenvolve continuar dando certo”. Na categoria qualidade, os respondentes ressaltaram que tanto os produtos como os serviços oferecidos pela empresa atendem as necessidades, são saborosos e geram sentimento de bem-estar quando consumidos. CV e MC relataram: “[...] os produtos são excelentes e da mais alta qualidade, assim como o serviço, pois quando visitamos a empresa sempre fomos bem atendidos e nos sentimos parte dela”. PR, EP e RP destacam que “[...] a inovação e a qualidade devem andar juntas, para que o desempenho da empresa e dos produtos gere constantemente satisfação para os consumidores”.

Ao fomentar a produção do mirtilo na região Oeste de Santa Catarina, a empresa familiar atua diretamente na questão social, econômica e sustentável, na medida em que o mirtilo gera diversificação na produção da agricultura familiar e, consequentemente, benefícios para múltiplos stakeholders. Além disso, o desenvolvimento de uma produção inovadora estimula a permanência das famílias no campo e pode atrair novos potenciais de empreendimento para a região e o estado. Aliado ao potencial turístico do município, o aumento da produção do mirtilo poderia também ser mais um ponto a ser lembrado pelo turista. Ao promover atividades e rotas turísticas envolvendo a empresa familiar produtora e comercializadora de mirtilo, o município poderia contar com este atrativo de forma mais proveitosa, o que pode gerar mais benefícios econômicos tanto para o município como para a empresa. Isso evidencia-se na fala de PR: “[...] não temos um vínculo direto com os hotéis turísticos da região e isso com certeza impede um crescimento maior”. Relata ainda que o poder público poderia investir e incentivar o modelo de negócio e aponta: “[...] pois vejam, o acesso a nossa empresa é dificultado porque tem alguns metros de estrada de terra sem pavimentação”. PR enfatiza: “[...] já solicitamos inúmeras vezes melhorar esse acesso. Isso dificulta também o acesso de ônibus que trazem os turistas, pois o pouco espaço no local, aliado à estrada sem pavimentação acabam afastando a pretensão dos turistas em visitarem a empresa”. Portanto o incentivo aos produtores familiares à fruticultura do mirtilo poderia ser uma alternativa para estimular a permanência das pessoas no campo, bem como gerar desenvolvimento para o município.

A realidade que envolve a gestão do sistema de empresa familiar da produção de mirtilo (Figura 7) é bastante diversa daquela que se apresenta em empresas rurais de maior porte e de outros produtos. As variáveis que se encontram no ambiente em que estão inseridas, tanto para as pequenas, médias e grandes unidades de produção, são as mesmas, no entanto, a maneira como esses gestores reagem às influências que estas exercem sobre seu empreendimento é diferente de um segmento para outro. A capacidade de ação, reação e adaptação ao ambiente depende do nível de organização coletiva da empresa familiar.

Organização do sistema familiar
FIGURA 7
Organização do sistema familiar
Fonte: Elaborada pelos autores.

Levando-se em consideração o ambiente em que a empresa familiar se desenvolve, as variáveis e fatores relevantes para o sucesso de seu empreendimento envolvem domínios internos e externos que necessitam ter e desenvolver capacidades de reação e adaptação, para que possam ser capazes de minimizar efeitos indesejáveis. Dessa forma, pelas particularidades que envolvem cada um dos sistemas citados (Figura 7), é possível considerar que, quanto maior o grau de inter-relacionamento do sistema familiar com os stakeholders, maior será o grau de sucesso do negócio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As empresas familiares podem desenvolver diferentes tipos de vínculos com os stakeholders. O escopo de atenção a esses vínculos e a ampliação de objetivos organizacionais podem alterar o interesse de todos os stakeholders sobre produtos à base de mirtilo e aumentar a procura por eles. Os argumentos sobre sustentabilidade, Teoria dos Stakeholders e empresa familiar mostram uma relação positiva.

A primeira proposição deste trabalho foi de que as práticas de sustentabilidade facilitam a relação com os stakeholders da empresa familiar; com isso, a sustentabilidade deve estar inserida na rotina da empresa. A segunda proposição é de que a empresa familiar está relacionada positivamente com as premissas da Teoria dos Stakeholders, visto que a empresa como um conjunto de relações com os grupos de interesse deve gerar conexão com esses grupos para permitir integração e alinhamento. Na terceira proposição, argumenta-se que a empresa familiar é mais sustentável quando adota maior relação com os stakeholders por meio de ações conjuntas. Quando a empresa se desenvolve e posiciona-se de forma sustentável, torna-se mais propensa a gerar valor econômico, social e ambiental para todos os atores, melhorando, com isso, sua relação com os stakeholders.

Nos resultados das entrevistas, evidenciou-se que a empresa necessita realizar uma análise crítica das práticas e propor formas de melhorias para abranger todos os stakeholders. Ainda, as análises podem servir de subsídios para a melhoria contínua da relação com os stakeholders. Este estudo contribui teoricamente ao integrar os campos da sustentabilidade, empresa familiar e Teoria dos Stakeholders e no entendimento de que o foco do negócio exigirá comportamento organizacional alinhado aos stakeholders e contribuição para o pensamento estratégico sustentável do modelo de negócio familiar.

A empresa familiar é dependente dos stakeholders, porque são eles que promovem a permanência e o crescimento dos negócios. Sob essa perspectiva, planejar e executar as atividades da ótica da Teoria dos Stakeholders estabelecerá uma parceria duradoura e integrativa. Este trabalho contribui para a teoria com evidência de que os stakeholders possuem relação direta com a empresa familiar e geram valor sustentável, social e econômico. Como contribuição prática, desenvolvem-se categorias de análise da empresa familiar, ligando-as às perspectivas da Teoria dos Stakeholders e gera-se evidência das diferentes percepções dos stakeholders e de uma gestão para relacionamentos benéficos, em que todos podem contribuir e obter ganhos.

Aponta-se, aqui, como fator limitante o estudo de um caso único: a amostra ampliada pode gerar viés nos resultados. Sugere-se para estudos futuros expandir a amostra visando aprofundar a relação da Teoria com as empresas familiares. Outra possibilidade é avaliar como as empresas familiares podem medir a influência dos stakeholders na geração de valor sustentável, social e econômico. Outro aspecto, ainda, que pode ser explorado é o comportamento dos gestores voltado a priorizar as demandas dos stakeholders.

AGRADECIMENTOS

O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

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Autor notes

* DULCIMAR JOSÉ JULKOVSKI - Doutorando em Administração pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Campus Chapecó. E-mail: professordulcimar@gmail.com
** IEDA MARGARETE ORO - Doutora em Ciências Contábeis pela Universidade Regional de Blumenau (FURB); Professora e Coordenadora do Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Campus Chapecó. E-mail: ieda.oro@unoesc.edu.br
*** SIMONE SEHNEM - Doutora em Administração e Turismo pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI); Professora do Mestrado e Doutorado em Administração da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL); Professora do Doutorado Acadêmico em Administração e no Mestrado Profissional em Administração da Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Campus Chapecó. E-mail: simone.sehnem@unoesc.edu.br
**** ANDREZZA APARECIDA SARAIVA PIEKAS - Doutoranda em Administração pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Campus Chapecó. E-mail: andrezzapiekas@gmail.com
***** ALAN ZANELLA - Mestrando em Administração pela Universidade do Oeste de Santa Catarina (UNOESC), Campus Chapecó. E-mail: ac_zanella@yahoo.com.br
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