Artigo

O mercado do ouro como porto seguro quando os mercados de ações apresentam níveis de risco acentuado: evidência nas crises da China e da pandemia da COVID-19

El mercado del oro como refugio cuando los mercados de acciones presentan niveles de riesgo elevados: evidencia de las crisis de China y de la pandemia de COVID-19

The gold market as a safe haven when stock markets exhibit pronounced levels of risk: evidence during the China crisis and the COVID-19 pandemic

NUNO TEIXEIRA
Instituto Politécnico de Setúbal, Portugal
RUI DIAS
Instituto Politécnico de Setúbal, Portugal
Universidade de Évora, Portugal
PEDRO PARDAL
Instituto Politécnico de Setúbal, Portugal

O mercado do ouro como porto seguro quando os mercados de ações apresentam níveis de risco acentuado: evidência nas crises da China e da pandemia da COVID-19

Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, vol. 21, núm. 1, pp. 27-42, 2022

INDEG-IUL - ISCTE Executive Education

Recepção: 24 Agosto 2020

Aprovação: 10 Fevereiro 2022

Resumo: Este artigo tem como objetivo analisar se o mercado do ouro representa um porto seguro quando os principais mercados financeiros sofrem quebras significativas. Para tal, é efetuada uma análise sobre a integração e os comovimentos nos mercados de ações de França (CAC 40), Alemanha (DAX 30), Estados Unidos (Dow Jones), Reino Unido (FTSE 100), Itália (FTSE MIB), Hong Kong (Hang Seng), além do mercado do ouro (XAU), no período entre maio de 2015 e maio de 2020, o qual compreende dois subperíodos complexos: o crash na China (2015/2016) e o início da pandemia da COVID-19, em 2020. Na análise de integração, utilizou-se a metodologia de Gregory e Hansen (1996), e, para avaliar os choques (comovimentos) entre mercados, a de funções impulso-resposta (IRF), com simulações de Monte Carlo. Os resultados evidenciam que os mercados de ações de França, Alemanha e Estados Unidos mostram os níveis mais elevados de integração, não integrando, contudo, com o mercado do ouro. Relativamente a este, não se observou uma integração com nenhum dos mercados de ações em análise, demonstrando que, quando estes apresentam níveis elevados de risco, o índice XAU poderá representar um porto seguro para a diversificação de carteiras e mitigação desse risco. Tal conclusão é reforçada pela análise da relação entre os mercados de ações e do ouro em curto prazo, por meio das funções de impulso-resposta, e onde se obtém evidência de comovimentos positivos/negativos, com significância estatística, entre todos os mercados, com exceção do ouro.

Palavras-chave: Integração financeira, Porto seguro, Diversificação de carteiras.

Resumen: El objetivo de este artículo es analizar si el mercado del oro representa un refugio seguro cuando los principales mercados financieros sufren caídas importantes. Para ello, se realiza un análisis de integración y de choques (comovimientos) de los mercados de acciones de Francia (CAC 40), Alemania (DAX 30), EE.UU. (Dow Jones), Reino Unido (FTSE 100), Italia (FTSE MIB), Hong Kong (Hang Seng) y el mercado del oro (XAU) en el periodo de mayo de 2015 a mayo de 2020, que comprende dos subperiodos complejos: el crash de China (2015/2016) y el inicio de la pandemia de COVID-19, en 2020. En el análisis de integración, se utilizó la metodología de Gregory y Hansen (1996) y para evaluar los choques de los mercados, la metodología de las funciones de impulso-respuesta (IRF) con simulaciones de Monte Carlo. Los resultados muestran que los mercados de acciones de Francia, Alemania y EE.UU. presentan los mayores niveles de integración, no integrándose, sin embargo, con el mercado del oro. En cuanto a este mercado, no se observó integración con ninguno de los mercados de acciones analizados, lo que demuestra que cuando estos presentan niveles de riesgo elevados, el índice XAU puede representar un refugio seguro para la diversificación de carteras y la mitigación de ese riesgo. Esta conclusión se refuerza con el análisis de la relación entre los mercados de acciones y del oro, a corto plazo, a través de las funciones de impulso-respuesta, y donde se obtienen evidencias de choques positivos/negativos, con significación estadística, entre todos los mercados excepto el del oro.

Palabras clave: Integración financiera, Refugio seguro, Diversificación de carteras.

Abstract: This paper aims to analyze whether the gold market represents a safe haven when major financial markets suffer significant falls. An analysis was carried out to the integration and the co-movements in the stock markets of France (CAC 40), Germany (DAX 30), USA (Dow Jones), UK (FTSE 100), Italy (FTSE MIB), Hong Kong (Hang Seng), and the gold market (XAU), between May 2015 and May 2020, which comprises two complex sub-periods: the crash in China (2015/2016) and the beginning of the COVID-19 pandemic in 2020. The integration analysis used the methodology of Gregory and Hansen (1996). The methodology of impulse-response functions (IRF) with Monte Carlo simulations was used to evaluate the shocks (co-movements) between markets. The results show that the stock markets of France, Germany, and the USA evidence the highest levels of integration, not integrating, however, with the gold market. Regarding this market, no integration was observed with any of the stock markets under analysis, demonstrating that when they show high levels of risk, the XAU index may represent a safe haven for portfolio diversification and mitigation of such risk. This conclusion is reinforced with the analysis of the relationship between the stock and gold markets, in the short term, through the impulse-response functions, where evidence shows positive/negative co-movements, with statistical significance, between all markets except the gold market.

KEYWORDS: Financial integration, Safe haven, Portfolio diversification.

INTRODUÇÃO

A globalização tem acentuado as sincronizações entre os mercados financeiros internacionais, demonstrando que a correlação entre eles tem aumentado, sobretudo em períodos de volatilidade extrema. Se determinado mercado de ações estiver fortemente ligado ao de outro país, a estabilidade financeira do primeiro depende, em parte, da do segundo. Por essa razão, uma ligação estreita ou forte entre mercados aumenta os níveis de vulnerabilidade a choques externos e, em consequência, influencia as condições econômicas e os níveis de bem-estar dos respectivos países, assim como a eficiência do próprio mercado (DURUSU-CIFTCI, ISPIR e KOK, 2019; MALAFEYEV et al., 2019; DIAS et al., 2020; PARDAL et al., 2020; e CARVALHO, 2021; VASCO, PARDAL e DIAS, 2021).

Nesse contexto, a presente investigação tem como objetivo analisar se o ouro representa um porto seguro quando os mercados de ações apresentam quebras acentuadas. Para esta análise, são observados a integração e os comovimentos nos mercados de ações de França (CAC 40), Alemanha (DAX 30), Estados Unidos (Dow Jones), Reino Unido (FTSE 100), Itália (FTSE MIB), Hong Kong (Hang Seng), além do mercado do ouro (XAU), no período de maio de 2015 a maio de 2020, incorporando dois subperíodos de turbulência nos mercados de ações: o crash nos principais mercados da China (entre 2015 e 2016) e o início da situação pandêmica, em 2020.

O mercado financeiro chinês se expandiu exponencialmente na década de 1990, desde a criação das bolsas de valores de Xangai e Shenzhen. No final de 2014, segundo o Relatório Anual da China Security Regulatory Commission, a capitalização das duas bolsas era equivalente a 58,53% do Produto Interno Bruto (PIB) do país. Com o propósito de liberalizar os mercados locais, o governo chinês introduziu duas categorias de ações: A e B. A natureza de dupla cotação do mercado de ações chinês resultou num mercado financeiro parcialmente segmentado, embora o governo tenha tomado várias medidas para liberalizar as operações financeiras.

Apesar desses desenvolvimentos positivos, o mercado de ações chinês sofreu em 2015 o crash mais grave desde a crise financeira de 2008, tendo a turbulência dos mercados de ações começado em junho, após uma forte desaceleração do crescimento econêmico chinês, e terminado no final de janeiro de 2016. A desvalorização inesperada da moeda chinesa (RMB) e as expectativas menos positivas de crescimento econômico do PIB na China podem ter contribuído para os crashs verificados nos mercados de ações.

Após semanas de volatilidade e oscilações na valorização das ações, o índice composto de Xangai perdeu em um mês cerca de 25% do valor. Em particular, nos dias 4 e 7 de janeiro de 2016, a negociação no mercado de ações foi interrompida, depois de uma queda de 7%, o que originou a suspensão da negociação. A turbulência financeira verificada contagiou outros mercados regionais de ações, moedas e commodities (DIAS et al., 2020).

A COVID-19 foi declarada uma pandemia pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. Segundo a instituição, o número de infectados em todo o mundo, desde o início, superava, em 30 de março de 2021, os 129 milhões de casos confirmados e as 2,79 milhões de mortes. A pandemia tem afetado negativamente a economia global, bem como a vida social e cultural, em escala mundial. As agências de rating, como a Moody’s e a Standard & Poors, restringiram a previsão de crescimento da China para 2020. Em linha com todos esses efeitos negativos, parecia inevitável uma afetação significativa do crescimento económico e dos mercados financeiros (LIU et al., 2020).

Esta investigação acrescenta duas contribuições principais à literatura. A primeira se refere ao estudo da diversificação do risco em determinados mercados de ações internacionais e do ouro. A maior parte dos estudos anteriores incidiu sobre as correlações ou dependências médias entre o ouro e os movimentos dos mercados financeiros, assim como entre o ouro e a depreciação da moeda. Este artigo conjuga alguns dos mercados de ações mais relevantes em termos globais e testa se o mercado do ouro é um porto seguro quando existem quebras estruturais, sobretudo nos períodos do crash na China e no início do surto da pandemia da COVID-19.

Estudos recentes analisaram a diversificação do risco, cruzando os mercados de ações e do ouro, como os de Batten et al. (2017); Tursoy e Faisal (2018); Ma et al. (2020); Yamaka e Maneejuk (2020). Todavia, a abordagem foi bastante distinta da seguida neste artigo.

A segunda contribuição é de natureza econométrica, em virtude de serem comparados resultados entre métodos econométricos e modelos matemáticos que têm possibilidade de avaliar correlações de longo prazo em contexto de não estacionariedade. Em particular, o teste de Gregory e Hansen (1996), que demonstra integração entre mercados de ações e quebras estruturais. De forma complementar, o uso do modelo VAR-IRF permite verificar as ligações desses mercados em curto prazo e aferir se o mercado do ouro é uma opção credível à diversificação de carteiras.

Os resultados sugerem que os mercados de ações analisados não são integrados com o do ouro, o que evidencia oportunidades de diversificação de carteiras eficientes. Corroborando com os resultados, a análise da relação entre os mercados em curto prazo, por meio das funções de impulso-resposta (10 dias), evidencia comovimentos positivos/negativos, com significância estatística entre os diversos mercados de ações. No entanto, quando analisamos as sincronizações com o mercado do ouro (XAU), os comovimentos não são significativos, ou seja, esse índice, em relação aos mercados de ações e ao horizonte temporal analisado, evidencia que o mercado do ouro funciona como um porto seguro para os investidores internacionais quando pretendem diversificar suas carteiras.

Em termos de estrutura, este trabalho se encontra organizado em cinco seções. A primeira é representada pela atual introdução. Na segunda, apresenta-se uma revisão da literatura no que concerne a artigos sobre a integração nos mercados financeiros. A terceira descreve dados e metodologia. A quarta contém os resultados. Por fim, a quinta apresenta as conclusões gerais do trabalho.

REVISÃO DE LITERATURA

Nos últimos anos, têm-se intensificado os estudos nessas temáticas, centrando-se na integração financeira dos mercados emergentes, em particular sobre a hipótese da diversificação das carteiras em contexto global. Por exemplo, Jiang, Zhou, Sornette et al. (2010) mostram os resultados conseguidos pelos investidores chineses, que adicionaram às suas carteiras ativos dos mercados de ações emergentes e asiáticos, mediante estratégias consistentes suportadas na diversificação regional.

Segundo Hearn e Piesse (2013); Hearn (2014); Lehkonen (2015); Boamah, Watts e Loudon (2017), a integração dos mercados financeiros é parcialmente impulsionada pela abertura financeira, pela qualidade regulatória e pela estrutura do mercado. Por exemplo, quando um mercado está corretamente regulado e com informação transparente, pode promover a liquidez do mercado e os fluxos financeiros dos investidores internacionais, originando um aumento da integração financeira entre os mercados.

Balcilar, Hammoudeh e Asaba (2015); Zhang, Dufour e Galbraith (2016); Batten et al. (2017); Laily et al. (2017) examinaram determinados índices de ouro, de forma a validar que eles têm características de porto seguro. Balcilar, Hammoudeh e Asaba (2015)demonstram que o ouro é a variável menos volátil, sugerindo seu uso como um ativo “porto seguro”, enquanto a prata e o petróleo são os mais voláteis. Zhang, Dufour e Galbraith (2016) examinaram as relações causais entre três commodities (petróleo bruto, ouro e cobre) e quatro países (Canadá, Austrália, Noruega e Chile).

Os autores evidenciam causalidades entre os preços das commodities e as taxas de câmbio em ambas as direções, em várias escalas de tempo. Batten et al. (2017) evidenciam a não existência de relações causais entre o preço do ouro e o das ações utilizadas na amostra. Laily et al. (2017) mostraram uma relação positiva entre o preço do petróleo bruto e o do ouro, bem como uma relação negativa entre taxas de inflação, de juros, de câmbio, e o PIB.

Siddiqui e Roy (2019) testaram o ouro como um ativo de cobertura ao petróleo e aos mercados de ações em índices da Índia, evidenciando que o mercado do ouro apresenta características de cobertura mais eficientes para os investidores de ações do que o petróleo bruto. Na mesma linha de investigação, Singhal, Choudhary e Biswal (2019) apresentam resultados que evidenciam que os preços internacionais do ouro afetam positivamente o preço das ações do México, ao contrário do preço do petróleo, que demonstra um efeito negativo. De forma adicional, os autores evidenciam que o preço do petróleo internacional influencia negativamente a taxa de câmbio em longo prazo, enquanto o do ouro não apresenta qualquer influência nos mercados de câmbio analisados.

Ma et al. (2020); Yamaka e Maneejuk (2020) examinaram as sincronizações entre ouro, petróleo, câmbios e mercados de ações. No caso da investigação de Ma et al. (2020), ela mostra choques negativos entre o ouro e os mercados de ações e entre o ouro e os mercados de câmbios em dólares americanos. Tais resultados indicam que o ouro poderá ser considerado um porto seguro em períodos de alguma turbulência entre os mercados de ações e as taxas de câmbio.

Yamaka e Maneejuk (2020) evidenciam uma causalidade significativa entre ouro e mercados de ações asiáticos. Os autores mostram correlações fortes entre os mercados de ações da Coreia do Sul e da Índia com o mercado do ouro durante a crise financeira de 2008.

No seguimento de trabalhos anteriores, este artigo visa contribuir para o fornecimento de informação a investidores e reguladores nos mercados de ações internacionais, em que investidores individuais e institucionais procuram benefícios de diversificação, bem como ajudar a promover a implementação de políticas que contribuam para a eficiência dos mercados. Assim, o objetivo deste artigo é examinar a integração financeira em longo prazo e os choques em curto prazo entre os mercados de ações e o índice do ouro selecionados, com o intuito de esclarecer se é eficiente adquirir ativos sobre o ouro em momentos como o crash da China e de pandemia, os quais geraram quebras de estrutura significativas no período em análise.

DADOS E METODOLOGIA

Os dados relativos aos preços de fecho (price index) dos mercados de ações de França (CAC 40), Alemanha (DAX 30), Estados Unidos (Dow Jones), Reino Unido (FTSE 100), Itália (FTSE MIB), Hong Kong (Hang Seng), além do mercado do ouro (XAU), foram obtidos na plataforma Thomson Reuters. As cotações são diárias e compreendem o período de 20 de maio de 2015 a 19 de maio de 2020, englobando os subperíodos relativos ao crash da China e à primeira fase da pandemia da COVID-19, estando tais preços em moeda local, para mitigar distorções nas taxas de câmbio.

Países e índices analisados
QUADRO 1
Países e índices analisados
Fonte: Elaborado pelos autores.

O desenvolvimento da investigação decorrerá ao longo de diversas etapas. A caracterização da amostra usada será efetuada por meio de estatística descritiva e do teste de aderência de Jarque e Bera (1980). Com o objetivo de aferir a estacionariedade das séries temporais, serão utilizados os testes ADF (DICKEY e FULLER, 1981), PP (PERRON e PHILLIPS, 1988) e KPSS (KWIATKOWSKI et al., 1992).

Para aferir a integração dos seis mercados de ações com o do ouro, será usada a metodologia de Gregory e Hansen (1996). Neste estudo, não serão utilizados os testes de cointegração padrão, como o de Engle e Granger (1987) e o de Johansen (1988), pois não são apropriados para testar a cointegração com mudança de regime.

Para aferir e avaliar os choques (comovimentos) entre mercados em curto prazo, será utilizada a metodologia de funções impulso-resposta (IRF), com simulações de Monte Carlo (1000 repetições), proporcionando uma análise dinâmica (variável com o tempo), gerada pelas estimativas do modelo e possibilitando estudar as relações de causalidade apuradas, mesmo quando não forem detectadas previamente, entre as variáveis, relações de causalidade no sentido “grangeriano” (LÜTKEPHL e SAIKKONEN, 1997).

As funções impulso-resposta mostram o modo como determinada variável responde ao longo do tempo a um aumento não esperado nessa variável (estímulo ou inovação) ou noutra incluída no modelo . Dessa forma, uma inovação em determinada variável produz uma reação em cadeia, ao longo do tempo, nas variáveis restantes do , permitindo acompanhar e interpretar de forma mais eficiente os movimentos de curto prazo entre os mercados, por meio das funções impulso-resposta.

Segundo Lütkepohl e Saikkonen (1997) e Aziakpono (2006), se um processo é um ruído branco - com média nula e variância constante -, nesse caso, o avaliado pode ser transformado numa representação de média móvel, cujos coeficientes são as respostas aos impulsos nos erros de previsão. Assim, a média móvel se expressa da seguinte forma:

Y t = C + s = 0 k B s t - s (1)

No presente trabalho, optou-se por recorrer a funções impulso-resposta generalizadas, introduzidas por Koop, Pesaran e Potter (1996); Pesaran e Shin (1998), escolhendo o procedimento de simulação de Monte Carlo, com repetição de 1000 vezes. Esta análise se diferencia da tradicional impulso-resposta ortogonizada por não depender da ordenação das variáveis no modelo A abordagem tradicional, como a baseada na factorização de Cholesky, para a ortogonalização das inovações do VAR, conduz a diferentes resultados, em função da ordenação de variáveis.

RESULTADOS

A Figura 1 mostra a evolução dos mercados de ações e do ouro em primeiras diferenças anuais. A amostra compreende o período de 20 de maio de 2015 a 19 de maio de 2020, de bastante complexidade, em virtude de compreender o crash da China e o surto da COVID-19. Os retornos revelam claramente a instabilidade vivida nesses mercados nos anos de 2015-2016, 2018-2019 e 2020. Porém, existe um reequilíbrio dos mercados entre 2017 e o terceiro trimestre de 2018.

Evolução, em primeiras diferenças anuais, dos sete mercados financeiros, no período de 20/5/2015 a 19/5/2020
FIGURA 1
Evolução, em primeiras diferenças anuais, dos sete mercados financeiros, no período de 20/5/2015 a 19/5/2020
Fonte: Elaborada pelos autores.

A Tabela 1 mostra as principais estatísticas descritivas dos mercados financeiros em análise e o teste de aderência de Jarque-Bera. As análises das estatísticas descritivas permitem aferir que a maioria dos retornos apresenta médias diárias negativas, com exceção aos mercados dos Estados Unidos e do ouro. A Itália é o mercado que apresenta um desvio-padrão (risco) mais significativo, sendo o do ouro o que mostra menor volatilidade. A maioria dos mercados apresenta assimetrias negativas, com exceções aos do ouro e de Hong Kong. Por outro lado, todas as séries de retornos evidenciaram sinais de desvio face à hipótese de normalidade, atendendo aos coeficientes de assimetria e de curtose.

No caso de uma distribuição normal, o coeficiente de assimetria toma o valor zero, e o de curtose, o valor três. As séries analisadas são leptocúrticas e apresentam abas assimétricas. Além disso, todas as de retorno evidenciaram sinais de desvio face à hipótese de normalidade, já que o teste de Jarque-Bera permite rejeitar a hipótese nula da normalidade (H0) a favor da alternativa (H1), não normalidade, para o nível de significância de 1%.

TABELA 1
Estatísticas descritivas, em retornos, dos sete mercados financeiros, no período de 20/5/2015 a 19/5/2020
Estatísticas descritivas, em retornos, dos sete mercados financeiros, no período de 20/5/2015 a 19/5/2020
Nota: *** representa um nível de significância de 1%. Fonte: Elaborada pelos autores.

Os resultados dos testes ADF (DICKEY e FULLER, 1981), PP (PERRON e PHILLIPS, 1988) e KPSS (KWIATKOWSKI et al., 1992) mostram que as séries temporais são estacionárias, em primeiras diferenças, pressuposto fundamental para estimar os modelos VAR-IRF, com simulações de Monte Carlo (1000 repetições).

Com relação à análise de integração dos mercados, a Tabela 2 mostra os resultados do teste de Gregory e Hansen (1996), tendo sido encontrados 22 pares de mercados integrados (em 42 possíveis). Ou seja, tais mercados são parcialmente integrados, promovendo estratégias de diversificação de carteiras eficientes.

Os mercados de ações de França (CAC 40), Alemanha (DAX 30) e Estados Unidos (Dow Jones) mostram cinco integrações (em seis possíveis), ou seja, integram com seus pares, com exceção ao do ouro. Por outro lado, o mercado do Reino Unido integra com quatro mercados, mas não com o do ouro e o de Hong Kong. Já a Itália integra com dois mercados, mas não com os de Estados Unidos (Dow Jones), Reino Unido (FTSE 100), Hong Kong (Hang Seng) e ouro (XAU). O mercado do ouro não integra com nenhum dos analisados, o que evidencia que se trata de um porto seguro quando tais mercados de ações apresentarem níveis elevados de risco. O mercado de Hong Kong apresenta uma única integração, com o de ações francês, evidenciando ter oportunidades de diversificação e sendo referência entre os analisados. Além disso, verificamos que as quebras de estrutura se situam, em sua maioria, nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019.

Esses resultados estão em linha com os estudos de Tursoy e Faisal (2018) e Siddiqui e Roy (2019), que confirmam uma relação negativa entre o mercado do ouro e os de ações, evidenciando que o ouro poderá ser um porto seguro eficaz contra os movimentos extremos dos preços das ações. Tais evidências têm implicações importantes para investidores individuais e internacionais, gestores de carteiras e decisores políticos.

TABELA 2
Testes De Integração De Gregory-Hansen No Período De 20/5/2015 A 19/5/2020
Testes De Integração De Gregory-Hansen No Período De 20/5/2015 A 19/5/2020
Notas: Dados trabalhados pelos autores (software Stata). Os valores críticos para os parâmetros ADF e Zt são: -5,45 (1%); -4,99 (5%); -4,72 (10%). Para o parâmetro Za, os valores críticos são: -57,28 (1%); -47,96 (5%); -43,22 (10%). Métodos de deslocamento Trend e Regime (vide GREGORY e HANSEN, 1996). ***, ** e * indicam significância estatística a 1%, 5% e 10%, respectivamente. Fonte: Elaborada pelos autores.

Para analisar a significância das relações de causalidade entre os sete mercados financeiros considerados, aplicou-se o procedimento VAR Granger Causality/Block Exogeneity Wald Tests. Para determinar o número de lags a incluir nos testes de causalidade, utilizamos os critérios AIC (Akaike information criterion), que sugerem quinze desfasamentos. Um menor número de lags aumenta os graus de liberdade, ao passo que um maior número diminui os problemas de autocorrelação (ver Tabela 3).

TABELA 3
VAR Lag Order Selection Criteria
VAR Lag Order Selection Criteria
Fonte: Elaborada pelos autores.

Na realização do modelo VAR com quinze desfasamentos e, na sequência, do VAR Residual Serial Correlation LM Tests com dezasseis desfasamentos, a hipótese nula não foi rejeitada, o que corrobora que o modelo apresenta uma estimação robusta (ver Tabela 4).

TABELA 4
VAR Residual Serial Correlation Lm Tests
VAR Residual Serial Correlation Lm Tests
Fonte: Elaborada pelos autores.

A metodologia IRF, com simulações de Monte Carlo (ver Figura 2), testou o grau de resposta das variáveis nos mercados (índices) de ações em análise (CAC 30, DAX 30, Dow Jones, FTSE 100, FTSE MIB, Hang Seng) e do mercado do ouro (XAU) a alterações (impulsos) de um desvio padrão de cada uma das variáveis referidas. Esses resultados evidenciam a pronta resposta a choques de mercado, com reflexo no dia seguinte, mas também a rapidez dos mercados no processamento de informação. Em todos os casos, as inovações próprias e de outros pares geram, no dia seguinte, respostas positivas/negativas estatisticamente significativas ao nível de significância de 5%, com exceção ao mercado do ouro.

Tendo em conta o prazo de um dia, a resposta de cada mercado a choques no seu próprio mercado excede a dimensão da resposta a choques em outros, praticamente em todos. As situações em que isso não se verificou foram bastante reduzidas. Foi também possível vislumbrar que os mercados de ações originaram choques, em sua maioria, sem significado no mercado do ouro, o que vai ao encontro dos testes anteriores e contribui para validar a robustez dos resultados alcançados, sugerindo que, nesse contexto, o índice do ouro (XAU) tem as propriedades de um porto seguro para a eficiente diversificação de carteiras.

Gráficos Irf, Com Simulações De Monte Carlo, No Período De 20/5/2015 A 19/5/2020
FIGURA 2
Gráficos Irf, Com Simulações De Monte Carlo, No Período De 20/5/2015 A 19/5/2020
Fonte: Elaborada pelos autores.

CONCLUSÃO

Este ensaio teve como objetivo analisar a diversificação de carteiras nos mercados de ações de França (CAC 40), Alemanha (DAX 30), Estados Unidos (Dow Jones), Reino Unido (FTSE 100), Itália (FTSE MIB), Hong Kong (Hang Seng), além do mercado do ouro (XAU), no período de 20 de maio de 2015 a 19 de maio de 2020. Mais concretamente, tentou analisar se o mercado do ouro pode ser um porto seguro quando os principais mercados financeiros quebram.

Para isso, utilizaram-se dois modelos econométricos. O primeiro estima se os mercados apresentam níveis significativos de integração financeira, ou seja, se apresentam relações de longo prazo. O segundo avalia se os índices de preços exibem comovimentos (relações de curto prazo), evidenciando a possibilidade de ganhos acima da média de mercado.

No modelo de Gregory e Hansen (1996), foram encontrados 22 pares de mercados integrados (em 42 possíveis). Ou seja, esses mercados são parcialmente integrados, abrindo portas à hipótese de diversificação de carteiras. Os mercados (índices) de ações de França, Alemanha e Estados Unidos são os que mostram maior número de integrações (cinco em seis possíveis), ou seja, integram com seus pares, com exceção ao do ouro. Analisado esse mercado em particular, verifica-se que não integra com nenhum dos mercados de ações em análise, o que evidencia que pode ser um porto seguro de investimento quando esses mercados apresentarem níveis elevados de risco. Além disso, verificamos que as quebras de estrutura se situam, em sua maioria, nos anos de 2016, 2017, 2018 e 2019.

O segundo teste evidencia a pronta resposta a choques de mercado, com reflexo no dia seguinte, mas também a rapidez dos mercados no processamento de informação. Em todos os casos, as inovações próprias e de outros pares geram, no dia seguinte, respostas positivas/negativas estatisticamente significativas, ao nível de significância de 5%, com exceção ao mercado do ouro, o que reforça os resultados obtidos pelo teste de Gregory-Hansen.

De forma global, os resultados obtidos por meio dos testes com modelos econométricos evidenciam que o mercado do ouro apresenta caraterísticas de cobertura quando relacionado com investimentos em mercados de ações. Também se verificou que, quando as quedas nos mercados de ações se tornam mais acentuadas, o ouro pode atuar como um porto seguro em detrimento dos mercados de ações, tanto para investidores nacionais quanto para internacionais. Tais evidências são um contributo adicional para supervisores e investidores, podendo influenciar as políticas de desenvolvimento e as estratégias de diversificação de carteiras nos mercados financeiros internacionais.

Este estudo está limitado em seu âmbito de aplicação aos mercados analisados e à primeira fase da pandemia da COVID-19. Em termos de robustez, não foi possível usar dados intradiários (cinco minutos), o que permitiria obter evidências mais significativas dos movimentos entre os mercados analisados.

Para investigações futuras, para além da extensão da amostra, sugerimos a análise do efeito do comportamento dos mercados em variáveis macroeconômicas, como o PIB, o desemprego, a inflação, entre outros. Igualmente, pode ser explorada a relação entre os movimentos dos mercados de ações com commodities - por exemplo, petróleo bruto ou prata - e as taxas de câmbio.

REFERÊNCIAS

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Autor notes

NUNO TEIXEIRA - doutor em gestão pelo instituto universitário de lisboa (iscte-iul); professor coordenador na escola superior de ciências empresariais do instituto politécnico de setúbal, centro de investigação em ciências empresariais (cice). e-mail: nuno.teixeira@esce.ips.pt
RUI DIAS - Doutor em Finanças pela Universidade de Évora; Professor Adjunto Convidado na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal; Membro Integrado no Centro de Estudos e Formação Avançada em Gestão e Economia (CEFAGE) da Universidade de Évora. E-mail: rui.dias@esce.ips.pt
PEDRO PARDAL - Doutor em Contabilidade pelo Universitário de Lisboa (ISCTE-IUL); Professor Adjunto na Escola Superior de Ciências Empresariais do Instituto Politécnico de Setúbal, Centro de Investigação em Ciências Empresariais (CICE). E-mail: pedro.pardal@esce.ips.pt
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