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Na gestão pública, a cor importa?
In public management, does color matter?
En la gestión pública ¿importa el color?
Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, vol. 22, núm. 2, pp. 128-140, 2023
INDEG-IUL - ISCTE Executive Education

Caso de Ensino


Recepção: 19 Setembro 2023

Aprovação: 30 Setembro 2023

DOI: https://doi.org/10.12660/rgplp.v22n2.2023.90144

Resumo: Ibirapitanga é um país em que 56% da população se declara negra, a despeito da sub-representação de pessoas negras em sua administração pública. Nesse contexto, foi aprovada, em 2014, uma lei que reserva às pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos da administração pública federal e tem vigência de dez anos, com o intuito de aprimorar a representatividade étnico-racial no setor público. Após sete anos da aprovação, Sr. Militaldo, secretário do órgão que acompanha as políticas públicas afirmativas no governo federal, recebe de um ministro a demanda de elaboração de um estudo sobre a implementação da referida política. A jornada para entregar o trabalho é exposta por este caso, assim como os resultados observados no que tange à implementação da política relativa à representatividade da população negra na burocracia de Ibirapitanga.

Palavras-chave: Burocracia, Representatividade, Políticas públicas afirmativas, Avaliação, Monitoramento.

Abstract: Ibirapitanga is a country in which 56% of the population identifies as Black. However, this population is underrepresented in the public administration. In 2014, the government passed a law to address this issue, reserving 20% of the job vacancies in the federal bureaucracy offered through public examinations for Black individuals. The law is valid for ten years and aims to improve ethnic-racial representation in the public sector. After seven years since its approval, Mr. Militaldo, the secretary of the agency that monitors affirmative policies in the federal government, was tasked with conducting a study about the policy’s implementation. This case exposes Mr. Militaldo’s journey to develop the study and the results obtained from the affirmative policy in the bureaucracy of Ibirapitanga.

Keywords: Bureaucracy, Representativeness, Affirmative public policies, Evaluation, Monitoring.

Resumen: Ibirapitanga es un país en el que el 56% de la población se declara negra, a pesar de la escasa representación de los negros en su administración pública. En este contexto, en 2014 se aprobó una ley que reserva a las personas negras el 20% de las vacantes ofrecidas en los concursos públicos de la administración pública federal, cuya vigencia de diez años y se propone mejorar la representatividad étnico-racial en el sector público. Después de siete años de esta aprobación, el Sr. Militaldo, secretario del organismo que monitorea las políticas públicas afirmativas en el gobierno federal, recibe de un ministro una solicitud de elaboración de un estudio sobre la implementación dicha política. El trayecto para entregar el trabajo es expuesto por este caso, así como los resultados observados con respecto a la implementación de la política relativa a la representatividad de la población negra en la burocracia de Ibirapitanga.

Palabras clave: Burocracia, Representatividad, Políticas públicas afirmativas, Evaluación, Monitorización.

INTRODUÇÃO

A República Federativa de Ibirapitanga é um país de dimensões continentais, com cerca de 210 milhões de habitantes em 2022, cuja maioria (56%) é constituída por pessoas negras. Entretanto, a distribuição racial da população em certos segmentos sociais não acompanha essa proporção, muito em função do passado de escravidão institucionalizada, abolida oficialmente em 1888, sobre o qual Ibirapitanga foi fundada.

A burocracia do país é um dos segmentos em que há sub-representação de pessoas negras, sendo que, entre 2004 e 2013, quando o percentual de pessoas negras na população era de 53%, o ingresso delas na administração pública federal ibirapitanguense variou de 22% a 29%, segundo levantamento do Ministério da Gestão (MiniGes), encarregado, entre outros assuntos, das políticas de gestão de pessoas em âmbito federal.

A maior parte (90%) da burocracia do país é formada por servidores públicos selecionados por exames meritocráticos acessíveis à população: os concursos públicos. Acolhendo o problema na agenda pública e determinado a aumentar a representatividade de pessoas negras no funcionalismo público federal de Ibirapitanga, o governo encaminhou, em 2013, uma proposta legislativa para o Congresso Nacional que estabelecia um percentual mínimo de vagas nos concursos públicos a serem reservadas às pessoas negras.

A medida foi aprovada pelos representantes do povo e materializada com a sanção, pela presidenta de Ibirapitanga, da Lei nº 99.012/2014, que reservou às pessoas negras 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos da administração pública federal. A lei foi aprovada com vigência de dez anos, ou seja, até 2024, e estabeleceu que caberia ao Ministério da Igualdade Racial (MIR) o acompanhamento e o monitoramento anual do disposto na norma.

Como boas intenções não bastam para governar um país, a partir de 2014, Ibirapitanga passou a experimentar uma crise político-econômica e a então presidenta acabou sendo deposta do cargo, em 2016, pelo mesmo Congresso Nacional que aprovara a Lei nº 99.012/2014. Seu vice-presidente, então, assumiu o comando de Ibirapitanga com a missão de adotar medidas para melhorar a saúde das contas públicas do país. Um de seus objetivos era “racionalizar a atual estrutura do Poder Executivo e orientá-la para a prestação de serviços à população com eficiência”, o que significava “fazer mais com menos”.

Uma das áreas mais afetadas por essa nova diretriz governamental foi a de pessoal, com a redução da quantidade de concursos públicos para recompor o quadro de servidores da burocracia federal ibirapitanguense. Acompanhados dessa “racionalização administrativa”, vieram a troca de postos-chave da Secretaria de Acompanhamento de Políticas Afirmativas (Sacompa), do MIR - responsável pelo monitoramento e pela avaliação da política de cotas implementada pela Lei nº 99.012/2014 -, a drástica redução do orçamento do MIR e o esvaziamento da importância das políticas de igualdade racial na agenda do governo.

O MIR não tem uma carreira própria de servidores, e sua força de trabalho é composta, majoritariamente, por pessoas cedidas de outros órgãos. Diante desse novo cenário na gestão do órgão, muitos desses servidores do MIR foram devolvidos aos seus órgãos de origem ou solicitaram, por conta própria, a movimentação para órgãos com um ambiente de trabalho mais favorável à entrega de serviços e políticas públicas efetivas.

Em 2018, ocorreram eleições presidenciais em Ibirapitanga, e em 2019 tomou posse uma gestão ainda mais propensa a reduzir as despesas com servidores públicos concursados. Em 2016, o número de servidores públicos ativos na administração pública federal somava cerca de 632 mil pessoas. Com a redução na taxa de recomposição de pessoal adotada a partir daquele ano, o estoque desses servidores caiu para cerca de 568 mil. Tal contexto impôs sérios desafios à política de aumento da representatividade racial na burocracia de Ibirapitanga, que tinha o concurso público como principal porta de entrada para novas pessoas nos quadros de pessoal da administração pública federal.

Em 2021, sete anos após a publicação da Lei nº 99.012/2014, a Comissão de Acompanhamento de Políticas de Reparação Histórica (CAPRH) da Câmara dos Deputados solicitou o acesso aos dados de monitoramento da política de cotas implementada pela referida lei de 2014. Nesse contexto, a gestão do MIR se deu conta de que a pasta, até o momento, nada fizera para acompanhar a política.

Receoso de que a inércia do MIR pudesse causar algum problema político ou eleitoral ao presidente da República, pois em 2022 haveria eleições e o atual mandatário concorreria à reeleição, o ministro do MIR determinou ao secretário da Sacompa, Militaldo, que desse um jeito de correr atrás do prejuízo e apresentasse as informações sobre o monitoramento da política pública em questão.

DA TRANQUILIDADE AO “BARATA-VOA” DENTRO DO MIR

Depois da ordem recebida do ministro do MIR, Militaldo, o secretário da Sacompa se viu diante da primeira medida concreta a ter de adotar em relação a uma política pública desde que assumira o cargo, em janeiro de 2019. No mesmo dia, convocou uma reunião com toda a equipe de seu gabinete e informou acerca da demanda do ministro do MIR relativa ao monitoramento da política de cotas aprovada pela Lei nº 99.012/2014.

Assustados, todos os presentes se entreolharam, pois boa parte dos servidores ali não era efetivamente do MIR e chegara em 2019. Palmirinha, responsável por coordenar a parte administrativa da Sacompa e única sobrevivente do “choque de gestão” passado, além de conhecer os termos da referida lei, citou que aquele ministério teria de acompanhar anualmente os resultados da política. Porém, desde 2016, quando passou a atuar com o fluxo de processos administrativos da secretaria, não se recordava de ter tramitado documentos sobre o acompanhamento na secretaria e adicionou que o MIR dispunha de uma diretoria cuja competência era acompanhar questões.

Após a reunião e sem encaminhamentos à demanda, Militaldo chamou à sua sala Rubinho, diretor de pesquisas sobre questões raciais do MIR. Rubinho assumira o cargo naquele mês, cedido pelo MiniGes, ministério responsável pela gestão de pessoas, e não conhecia muito bem a pauta das políticas afirmativas. Mas era um servidor arrojado e muito conhecido na Avenida dos Ministérios.

Rubinho, em seu discurso obscuro sobre o tema, afirmou a Militaldo que a lei, além de ter um aspecto ideológico errôneo, tratava de regras a serem atendidas por editais de concursos públicos e que o MiniGes era o órgão responsável pela gestão de pessoas, e não o MIR. Militaldo, convencido de que o MIR não seria o órgão a tratar do tema, buscou no MiniGes alguém responsável pelas tratativas do caso.

MEU PROBLEMA É SEU PROBLEMA

O MiniGes, por meio da Secretaria de Dados e Informações (Sedin), era responsável pela guarda e pela gestão dos dados de agentes públicos, incluindo servidores concursados e aqueles ainda atuantes desde antes da exigência constitucional de concurso público para o provimento de cargo efetivo no serviço público no conhecido sistema denominado Inco. Entre os dados do Inco, estavam informações autodeclaradas de identidade étnico-racial, captadas dos agentes públicos quando entraram no serviço público ibirapitanguense. Tais dados, inclusive, entre outros ali armazenados, eram definidos como pessoais e protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD).

O secretário Militaldo, diante da demanda do ministro do MIR, recordou-se de um servidor com quem havia trabalhado por anos em outro órgão da Avenida dos Ministérios e, graças aos conhecimentos na área de sistemas, conseguiu uma boa função comissionada no MiniGes, em especial na Sedin. Pedro Gude, responsável pela administração de dados disponíveis no Inco, era amigo de Rubinho, com quem, todos os fins de semana, no futebol, costumava trocar informações acerca dos trabalhos desempenhados. Militaldo, então, chamou Rubinho e solicitou que envolvesse Pedro Gude no trabalho.

Rubinho logo ligou para o amigo e explicou a demanda, quase impossível de ser concretizada pela Sacompa, pois não tratava de regras de concurso público. Pedro, percebendo que o trabalho envolveria a Sedin por conta dos dados dispostos no Inco, também tratou de esclarecer que a análise da política étnico-racial não seria competência do MiniGes. Tratava-se, então, de uma atividade interministerial, em que o MiniGes forneceria os dados específicos solicitados pelo MIR e esta pasta ministerial, diante de suas atribuições, seria a responsável pelo monitoramento da política.

Após outras tratativas entre Militaldo, Rubinho e Pedro Gude, percebeu-se que as informações tinham de ser solicitadas por meio oficial, diante da definição de dados sigilosos da LGPD, norma que protege dados pessoais.

Palmirinha ficou responsável pela elaboração do ofício e, durante o trabalho, perguntou a Rubinho sobre as regras a serem utilizadas pela Sedin na filtragem dos dados específicos para a análise pelo MIR, sobretudo pela Sacompa. Após a breve reflexão, Rubinho compartilhou sua inquietação com Militaldo acerca das tais regras citadas por Palmirinha, e Militaldo, por sua vez, lembrou que, cerca de três anos antes, realizou um curso na Escola de Administração Burocrática (Enabur), onde conheceu o Dr. Douglas, professor que ministrou o curso de avaliação de políticas públicas.

Dr. Douglas era extremamente experiente na avaliação de políticas voltadas ao atendimento de demandas étnicas, raciais, de gênero e religiosas, denominadas “políticas públicas afirmativas”. Militaldo, então, chamou Rubinho, e ambos entraram em contato com o professor. Eles lhe explicaram o trabalho e perguntaram sobre sua possível contratação e a da equipe da Enabur, que concordaram prontamente em prosseguir com a negociação do acordo.

Para viabilizar a contratação, Militaldo solicitou a Palmirinha que verificasse o orçamento para estudos e pesquisas. A rubrica estava parada, empoçada, haja vista que exigia a assinatura do Termo de Cooperação Técnica (Teco) entre os órgãos. Como o trabalho seria desenvolvido pela Sacompa com o auxílio da Sedin, a contratação da Enabur seria plenamente possível. Era só ajustarem os montantes orçamentários ao que tinham disponível na rubrica.

Após definirem um limite quanto aos valores e conversarem sobre todo o espectro do trabalho numa segunda reunião, Militaldo, Rubinho e Dr. Douglas chegaram a um acordo, dentro de todos os limites legalmente aceitos, para sua execução. Já na terceira reunião, envolvendo os profissionais da Sedin, eles conversaram sobre um plano de trabalho, contendo a definição das regras de filtragem do sistema Inco e a análise quantitativa dos dados a ser desenvolvida pela equipe.

Rubinho, após tudo acertado, preparou o Teco para formalizarem a parceria entre a Sacompa e a Enabur. Também ficou responsável pela documentação que tratava do comprometimento quanto ao atendimento da LGPD de todos os envolvidos. Com tudo em mãos, Palmirinha correu para coletar as assinaturas dos ministros do MIR e do MiniGes, a fim de que a dotação orçamentária fosse liberada. Aparentemente, o trabalho sairia do papel. Com a sinergia dos órgãos, em breve a Sacompa disponibilizaria uma prévia do estudo.

SÓ SE COLHE O QUE SE PLANTA?

Decorridos quatro meses da formalização do Teco para a elaboração do estudo sobre a implementação da Lei nº 99.012/2014, Dr. Douglas foi ao gabinete de Militaldo na Sacompa, acompanhado de Pedro e Rubinho, para apresentar os resultados preliminares do estudo. Na avaliação realizada pela equipe da Sacompa (do MIR), da Sedin (do MiniGes) e da Enabur, concluiu-se que, apesar de garantir um percentual mínimo de entrada de pessoas negras no serviço público, a implementação da lei não levou a um aumento expressivo da parcela de servidores negros no Poder Executivo Federal de Ibirapitanga. Em termos percentuais, a parcela de pessoas negras concursadas, que em 2013 era de 28%, chegou ao total de 31%, aproximadamente, em 2019, um avanço de apenas 3 pontos percentuais.

Militaldo, surpreso, questionou se a política de cotas não havia determinado um patamar mínimo de novos entrantes, com reserva de 20% das vagas para pessoas negras. Dr. Douglas, o professor da Enabur, explicou que os dados demonstraram que, considerando todos os concursos, com exceção da carreira de professor de magistério superior, apenas 15,4% dos candidatos aprovados e nomeados se declararam ou foram identificados como cotistas. E a situação da carreira de professor de magistério superior, que contemplava grande número dos servidores de Ibirapitanga, era ainda mais crítica, porque o percentual de nomeados em vagas reservadas para negros atingiu apenas 0,53% do total.

Militaldo não entendia o resultado. Ocorre que o estudo apontou entraves para atingir o percentual de 20% tanto na fase do edital de abertura quanto nas nomeações publicadas em portarias do Diário Oficial. Na fase do edital, foi ressaltado pelo relatório que a lei determinou a aplicação da reserva de vagas toda vez que o número de vagas do concurso público fosse igual ou superior a três. Na prática, houve um grande fracionamento das vagas nos certames, com muitos concursos disponibilizando apenas uma ou duas para determinado cargo e local.

Para exemplificar o que dissera, Dr. Douglas mostrou a Militaldo uma cópia do edital de concurso de 2016 para a carreira de técnico-administrativo em educação da Universidade Federal da Fronteira do Leste, que, de um total de 28 vagas, reservou apenas duas (7,14%) para cotistas. Caso se considerasse a aplicação de cotas na quantidade total de vagas ofertadas, o número reservado deveria ter sido maior: 6, ou 20%, com o arredondamento para cima, como determina a legislação.

Pedro Gude, da Sedin, acrescentou que editais com fracionamento de vagas por cargo e lotação resultou na diminuição do total de vagas de cotistas. Não havia, portanto, um entendimento unificado nos órgãos sobre se a percentagem da aplicação da lei deveria ser aplicada sobre o total de vagas do certame ou se seria sobre cada cargo/lotação.

Além disso, na fase de nomeações, houve ao menos duas dificuldades adicionais. A primeira delas, quando o concurso público foi para um cargo muito específico ou de provas e concorrência muito exigente, sem candidatos cotistas aprovados em número suficiente para suprir a reserva de vagas. Já a segunda consistia em nomear candidatos pelas cotas quando estes tivessem nota para ser nomeado em vagas de ampla concorrência, diminuindo o número de servidores públicos que, de fato, ingressariam utilizando a cota.

Segundo a lei, os candidatos cotistas concorrem, concomitantemente, às vagas reservadas e àquelas destinadas à ampla concorrência, sendo que a nomeação dos candidatos aprovados deveria respeitar os critérios de alternância e proporcionalidade, considerando a relação entre o número de vagas total e o número de vagas reservadas.

Palmirinha, que acompanhava calada e atenta a reunião, recordando que a lei havia disciplinado o acompanhamento e o monitoramento anual da norma, afirmou que a ausência de monitoramento regular da política impedira ajustes e aprimoramentos, gerando resultados mais eficazes no atingimento de seus objetivos.

ATINGINDO O PONTO FRACO

Do lado do MiniGes, a notícia de que a política de cotas nos concursos públicos não vinha sendo efetiva logo se espalhou e acendeu o alerta para o ministro, que sabia da política, mas não acompanhava de perto eventuais mudanças na composição dos servidores públicos da administração pública federal entre pessoas brancas e negras.

A fim de ficar a par dos problemas trazidos à tona pelo estudo conduzido pela Enabur, os ministros do MIR e do MiniGes convocaram uma reunião interministerial com Militaldo e a respectiva equipe envolvida, além da equipe do MiniGes, de Pedro, da Sedin e de Gentildo, responsável pela Secretaria de Estratégia de Gente e Gestão (Sesgen), a qual cuidava da parte normativa relativa a concursos públicos na administração pública federal. Nela, havia técnicos que trabalharam na concepção do que veio a ser a Lei nº 99.012/2014. Portanto, sua participação poderia contribuir para o debate sobre os desafios que a gestão precisava enfrentar.

Na reunião, o ministro do MIR expôs sua preocupação em relação aos resultados publicados pela Sacompa, de modo que o ministro do MiniGes solicitou aos demais presentes um resumo dos contornos da implementação da política de cotas para negros nos concursos públicos de Ibirapitanga. Gentildo, secretário da Sesgen, disse que a política era fruto de um desejo político de aumento da proporção de servidores públicos negros no serviço público de Ibirapitanga.

Na época de sua elaboração, houve muita discussão, e, quando o assunto entrou na agenda da gestão, houve quem acreditasse que um quadro de pessoal mais representativo na administração pública poderia trazer benefícios para as políticas públicas e para os serviços públicos do país. Mas o fato é que a lei foi sancionada e não conseguiu garantir um percentual mínimo de pessoas negras na administração pública.

Militaldo advogou ainda que a política não foi aplicada de maneira uniforme pelos órgãos. Enquanto alguns deles ficaram muito aquém da meta de 20% na reserva de vagas para pessoas negras em seus concursos públicos, outros conseguiram atingir o percentual mínimo de 20% de cotistas por meio de uma interpretação das normas mais “favorável” às pessoas negras.

O ministro do MiniGes quis saber como, no caso de a lei ser uma só, seria possível haver essa desigualdade na implementação. Logo após, Douglas apontou que a redução no número de concursos públicos promovida pelo governo daquele momento também contribuiu para uma menor quantidade de pessoas negras no serviço público.

Sentindo o baque do que acabara de ouvir e sabendo da necessidade de enxugar a máquina pública, além dos resultados, um tanto desfavoráveis, expostos naquela reunião acerca da avaliação e do monitoramento concluído em relação à política pública de cotas, os ministros do MIR e do MiniGes perguntaram à equipe de Militaldo o que poderia ser feito para resolver a questão.

ENCERRAMENTO DO CASO

Com base no desenrolar da história, podemos tentar ajudar Militaldo e Gentildo a atuarem sobre o dilema com o qual depararam. Para isso, ficam algumas questões norteadoras:

  1. 1. ) Por que é importante que o serviço público tenha uma representatividade étnico-racial que espelhe demograficamente o público ao qual servem?
  2. 2. ) Como realizar a implementação de políticas públicas que envolvem diferentes órgãos setoriais?
  3. 3. ) Que tipos de alternativas e soluções Militaldo poderia levar ao ministro do MIR diante dos resultados verificados na implementação da política?
  4. 4. ) E quanto a Gentildo? O que ele poderia propor ao ministro do MiniGes para aumentar a efetividade da política de cotas em concursos públicos?
  5. 5. ) O que fazer para aumentar a proporção de pessoas negras nos quadros de pessoal da administração pública federal de Ibirapitanga?
  6. 6. ) A atribuição de cotas apenas na entrada de servidores efetivos seria o suficiente para garantir essa representatividade?

NOTAS DE ENSINO

Sugere-se a aplicação do caso de ensino em cursos de graduação e pós-graduação em ciências sociais aplicadas nas disciplinas de administração pública e políticas públicas. Para isso, propõe-se que o docente disponibilize um material teórico que forneça conhecimento aos discentes sobre a temática a ser estudada e que seja realizada uma leitura prévia do caso com a resolução das questões, entregues no início da aula, tornando possível uma análise do progresso do discente ao longo da discussão.

Após a leitura e a discussão deste caso, o discente deverá ser capaz de:

  1. 1. ) Reconhecer como funciona o modelo de governança para uma política que envolve organizações de características tão distintas.
  2. 2. ) Compreender a importância do monitoramento e da avaliação de políticas públicas.
  3. 3. ) Refletir sobre como promover a gestão da diversidade no setor público.
  4. 4. ) Fornecer reflexões críticas sobre as falhas institucionais apontadas no caso e, na qualidade de gestor, tentar resolvê-las.

MATERIAL DE VÍDEO

O caso possui um material de vídeo com o dilema em dez minutos de duração1.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à nossa professora Aline Brêtas de Menezes da FGV EBAPE por todos os ensinamentos, dedicação e pelas excelentíssimas aulas ministradas, aos nossos familiares e filhos pelo apoio e paciência.

REFERÊNCIAS

ESCOLA NACIONAL DE ADMINISTRAÇÃO - ENAP. Pesquisa de avaliação da política de cotas no serviço público e elaboração de metodologia para avaliação da lei de cotas raciais e sociais em universidades e institutos federais. Disponível em:<Disponível em:htpp://repositorio.enap.gov.br/handle/1/6672>. Acesso em: 25 nov. 2022.

UNSPLASH. Homem vestindo camisa polo bege durante o dia. 2019. Disponível em: <Disponível em: https://unsplash.com/pt-br/fotografias/homem-vestindo-camisa-polo-bege-durante-o-dia-7n9WBoMwDPo>. Acesso em:25 nov. 2022.

BIBLIOGRAFIAS

ALVES, I. Burocracia representativa como chave para uma gestão pública em prol da igualdade de gênero e raça. Disponível em:<Disponível em:https://republica.org/emnotas/conteudo/burocracia-representativa-como-chave-para-uma-gestao-publica-em-prol-da-igualdade-de-genero-e-raca-2/>. Acesso em: 28 nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Disponível em:<Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm>. Acesso em:25 nov. 2022.

FERREIRA, M. A. C. Burocracia de Estado e políticas de promoção da igualdade racial. Tese (Doutorado em sociologia) - Universidade de Brasília, UnB, Brasília, 2014.

SECCHI, L. Políticas públicas: conceitos, casos práticos, questões de concursos. Boston: Cengage Learning, 2022.

VIANA, R. R.; TOKARSKI, C. P. Burocracia representativa: uma (re)produção de desigualdades de gênero e raça no setor público federal? NAU Social, v. 10, n. 19, p. 65-84, 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.9771/ns.v10i19.33968>. Acesso em: 25 nov. 2022.

ANEXOS


Figura 1
Homem negro caminhando em direção a um prédio
Fonte: Unsplash (2019).


Figura 2
Frame do vídeo pitch do caso de ensino sobre a República Federativa de Ibirapitanga
Fonte: Elaborada pelos autores.


Quadro 1
Candidatos cadastrados no Siape, no caso do Brasil
Fonte: Enap (2021).


Gráfico 1
Percentual de candidatos aprovados como cotistas por ano, no caso do Brasil
Fonte: Enap (2021).


Gráfico 2
Aprovados cotistas por órgão (exceto instituições de ensino vinculada ao MEC) no Siape, no caso do Brasil
Fonte: Enap (2021).


Gráfico 3
Evolução do estoque de servidores concursados por raça/cor no Siape, no caso do Brasil
Fonte: Enap (2021).

Notas

1 Disponível em: <https://periodicos.fgv.br/rgplp/article/view/90144/84584>. Acesso em: 25 out. 2023.

DISPONIBILIDADE DE DADOS

6 O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente.

Autor notes

Rafael Vieira Fernandes de Castro - Mestrando em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Bacharel em Gestão de Políticas Públicas pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: rafaelvfcastro@gmail.com
Thayssa Mendes Tavares - Mestranda em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Pós-Graduada (MBA) em Finanças pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC); Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: thayssamt@gmail.com
Pedro Henrique de Andrade Reckziegel - Mestrando em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Pós-Graduado (MBA) em Gestão e Políticas Públicas pelo Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC); Bacharel em Ciências Econômicas pela Universidade de Brasília (UnB). E-mail: phdareckziegel@gmail.com
Winnye Goes Silva - Mestranda em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Pós-Graduada em Reprodução Assistida pela Pontifícia Católica de Goiás (PUC); Bacharel em Biomedicina pelo Centro Universitário de Brasília (UniCEUB). E-mail: winnyegoes@gmail.com


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