Resumo: Este caso aborda a dicotomia entre política e administração na elaboração de uma política pública voltada à fiscalização das rodovias nas fronteiras do estado de Genebra: a Operação Fiscal Queijo Suíço, que tem por objetivo arrecadar mais recursos para atender aos programas sociais em vigor e realizar obras para grandes eventos esportivos. Como resultados da operação, houve aumento de arrecadação, invasão de competência, usurpação de função, abuso de autoridade e quebra de sigilo fiscal. Os conflitos culminaram na prisão de dois auditores fiscais. Diante do problema, o governador se viu diante de um impasse com relação ao futuro do programa. Às vésperas das eleições, precisou decidir e, ao mesmo tempo, equilibrar os diversos interesses.
Palavras-chave: Dicotomia política, Administração pública, Política pública, Conflitos de interesses, Falhas institucionais.
Abstract: This case addresses the dichotomy between politics and administration in the elaboration of a public policy aimed at the inspection of highways at the borders of the state of Geneva, known as the “Swiss Cheese” tax operation. The program’s primary objectives were to generate revenue to support the government’s existing social programs and fund necessary infrastructure projects for upcoming sporting events, ultimately resulting in increased income. However, it also became a stage for disputes over competence, usurpation of functions, abuse of authority, and breaches of fiscal confidentiality, leading to the arrest of two tax auditors. Faced with the problem, the governor found himself at an impasse regarding the program’s future. On the brink of upcoming elections, the politician had to balance the various interests around the operation and make complex decisions.
Keywords: Political dichotomy, Public administration, Public policy, Conflicts of interest, Institutional failures.
Resumen: Este caso aborda la dicotomía entre política y administración en la elaboración de una política pública dirigida a la inspección de carreteras en las fronteras del estado de Ginebra: la Operación Fiscal Queso Suizo, que tiene como objetivo recaudar más recursos para cumplir con los programas sociales vigentes y llevar a cabo obras para grandes eventos deportivos. Como resultado de la operación, hubo un aumento de los recaudación, invasión de competencias, usurpación de funciones, abuso de autoridad y violación del secreto fiscal. Los conflictos culminaron con la detención de dos auditores fiscales. Ante el problema, el gobernador se encontró en un callejón sin salida sobre el futuro del programa. En vísperas de las elecciones, tuvo que decidir y, al mismo tiempo, equilibrar los diversos intereses.
Palabras clave: Dicotomía política, Administración pública, Política pública, Conflictos de intereses, Fallas institucionales.
Caso de Ensino
Operação Fiscal “Queijo Suíço”
Tax operation “Swiss Cheese”
Operación Fiscal “Queso Suizo”
Recepção: 19 Setembro 2023
Aprovação: 30 Setembro 2023
O início de mandato do governador do estado de Genebra, Colombo Júnior, em 2007, foi marcado por muito trabalho e reuniões, pois ele havia feito diversas promessas de campanha e agora, eleito, precisava cumpri-las. A opinião pública e a imprensa estavam entusiasmados com ele, e os institutos de pesquisa demonstravam recordes de aprovação.
Colombo Júnior, formado em jornalismo, era filho de um também jornalista respeitado na capital de Genebra. Ele vinha de uma carreira política de sucesso. Começou como deputado estadual, cargo que exerceu por três mandatos. Depois, foi eleito senador e, por fim, governador. Já comentara com alguns amigos mais próximos que um dia se tornaria presidente da Suíça.
Já nos primeiros anos, implantou importantes políticas públicas nas áreas de segurança e saúde, com excelentes perspectivas de resultado. No entanto, esses programas consumiam boa parte dos recursos públicos disponíveis. O ano de 2009 foi muito comemorado por Colombo Júnior e todo o seu secretariado, pois Genebra foi o primeiro estado da Suíça a receber o grau de investimento, concedido pela mais importante agência de risco do mundo. Para arrefecer mais seu coração, Colombo Júnior recebeu a notícia de que a capital de seu estado fora eleita para sediar os Jogos Olímpicos de Inverno em 2016, isso sem contar que Genebra seria a principal sede da Copa do Mundo de Rúgbi em 2014.
Todos esses acontecimentos favoreceram a projeção de Colombo Júnior no cenário nacional e internacional, fortalecendo seus ambiciosos planos políticos.
O governador utilizou sua influência e habilidade em favor dos menos favorecidos. Inovador, instituiu por decreto uma cota racial para concursos públicos, tornando Genebra um dos estados pioneiros no país. Ele trabalhava arduamente em defesa das igualdades, sobretudo a racial, por ser descendente de escravos. Esperava, com essa medida, aumentar a representatividade de negros e índios no serviço público, diminuindo aos poucos as injustiças que assolavam seu querido país.
No fim de 2009, Colombo Júnior e sua equipe discutiam soluções para reforçar o caixa do governo, já que havia diversas políticas públicas em andamento que necessitavam de muitos recursos. Entre reuniões e sugestões, surgiu a brilhante ideia de criar uma política pública focada na arrecadação de tributos. Astuto e admirador da administração pública comparada, o governador analisou a ideia e tratou de pesquisar o que outros estados da Suíça praticavam na área.
Inspirado em programas similares já aplicados com sucesso em alguns vizinhos, envolvendo a forte fiscalização de fronteiras, instituiu mais um plano, mesmo sem analisar a peculiaridade de seu estado. O tempo era exíguo para colocar em prática esse ambicioso projeto e colher os frutos a tempo das eleições estaduais em 2010. Estabeleceu-se, então, que o governo lançaria o programa denominado Operação Fiscal Queijo Suíço, de fortalecimento da fiscalização nas principais rodovias de fronteira do estado de Genebra.
Com o calendário apertado, havia pouquíssimo tempo para trabalhar em todas as etapas da formulação dessa política pública, escolhida por Colombo Júnior como prioridade na agenda para o sucesso de sua reeleição. O caráter arrecadatório dessa política poderia trazer prejuízos políticos ao governador, mas fortaleceria os cofres do governo e, consequentemente, daria mais recursos à máquina pública para gerir tantos programas em prol da sociedade. Ademais, ele soube conduzir com mestria essa objeção.
Em evento realizado no Palácio Tabajara, sede do governo, aberto a toda a imprensa para a divulgação da Operação Fiscal Queijo Suíço, Colombo Júnior discursou:
- Genebra hoje é um verdadeiro queijo suíço. Vamos fechar os acessos e os agentes vão reprimir a entrada ilegal de mercadorias, além de acabar com a sonegação de impostos, o roubo de carga, o contrabando de armas, as drogas e a pirataria.
Graças ao fato de o sistema de transporte de cargas na Suíça ser majoritariamente rodoviário, a fiscalização nas estradas ainda era um enorme desafio para a administração pública atual, e a difícil tarefa de conduzir essa política de grande relevância foi confiada ao então secretário de Desenvolvimento Governamental, Wilson Simonal. Ele e Colombo Júnior eram antigos amigos de escola e já se conheciam desde a infância. A amizade era tamanha que Simonal era o homem forte do governo e detinha total confiança do governador, a ponto de ser considerado seu braço direito e confidente.
Difícil era imaginar que a Secretaria de Desenvolvimento Governamental (Sedegov) pudesse formular uma boa política pública com enfoque na área fiscal, já que era um braço eminentemente político e sem um corpo técnico para acolher tamanha responsabilidade. Seus servidores eram contratados por cargos em comissão e assumiam uma função de apoio em algum dos programas do governo.
Diante disso, Simonal, que pouco entendia de tributação, sugeriu envolver o secretário de Finanças, Levindo Lopes, haja vista que o programa tratava diretamente de sua competência. Embora Colombo Júnior respeitasse muito o trabalho do secretário de Finanças, deixou a formulação do projeto a cargo de seu amigo pessoal.
Levindo Lopes assumiu a Secretaria de Finanças (Sefin) respaldado pela brilhante carreira na área financeira e pela passagem por diversos órgãos públicos, onde deixou marcas de sua gestão inovadora e estilo pós-burocrático, mas sem abandonar alguns pontos positivos do modelo weberiano. Quando assumiu o cargo no estado de Genebra, fez questão de recomendar ao governador que se fizesse concurso público para recompor o quadro técnico de sua pasta, já defasado havia 18 anos. O governador atendeu prontamente o pedido do Secretário e realizou diversos concursos, reconhecendo a importância das finanças para uma boa gestão pública.
Apesar de toda a competência profissional e da boa relação com o governador, Levindo Lopes não participou diretamente da formulação dessa política pública envolvendo sua secretaria. Em vez disso, solicitou reuniões para apresentar propostas a Colombo Júnior. Ele acreditava que, para um resultado efetivo do programa, era imprescindível a participação da administração tributária, representada pelo secretário de Finanças e por seus assessores técnicos, bem como que a separação entre política e administração iriam de encontro às práticas administrativas modernas.
O papel do secretário de Finanças se resumiu a alocar um número maior de servidores, ainda escasso, para o programa, atendendo a um pedido do governador. Apesar dos concursos recentes, o quadro de servidores na sua pasta estava longe do ideal. Levindo não concordou com o desenho do programa.
Definiu-se, então, que em 1º de fevereiro de 2010 teria início a Operação Fiscal Queijo Suíço, que visava, principalmente, fortalecer as principais rodovias de fronteira do estado, de modo a impedir que mercadorias entrassem sem pagar os devidos impostos. A operação ocorreria 24 horas por dia, 365 dias no ano, ou seja, em caráter permanente, realizada por equipes mistas. Antes, as fronteiras do estado contavam com apenas dois postos fiscais de fiscalização, a cargo da Secretaria de Finanças, em situações precárias de funcionamento.
Dessa forma, além de fortalecer o aparato dos postos já em funcionamento, o programa previa a abertura de mais três postos fiscais, bem como o aumento e a diversificação do efetivo de pessoas e recursos, de forma a ampliar o escopo da fiscalização. Era um programa que envolvia três secretarias de Estado: a Sefin, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a Sedegov, esta responsável por toda a elaboração e coordenação do programa.
Após diversas reuniões sobre a operação, chegou-se ao seu formato e desenho final. O regime de contratação das pessoas envolvidas no programa ocorreria da seguinte forma:
Sefin - Auditores e analistas: Quadro de servidores já existentes na Secretaria de Finanças que foram contratados por concurso público, em regime estatutário.
SSP - Policiais militares: Quadro de servidores já existentes na Secretaria de Segurança Pública que foram contratados por concurso público, em regime estatutário.
Sedegov - Civis: Contratados por processo seletivo para cargos em comissão, a ser realizado pela Secretaria de Desenvolvimento Governamental.
Na semana anterior ao início, foi realizada uma grande reunião, com todas as pessoas envolvidas na operação, para informar o papel de cada uma no programa. Nela, o então braço direito do governador, Simonal, parabenizou o belíssimo trabalho que todos estavam prestes a desempenhar na operação, exaltando a importância daquele projeto para o bem da população, que disporia de mais recursos nas áreas de saúde, educação e segurança.
O secretário foi categórico ao dizer que os agentes da Sedegov, embora não fossem concursados, haviam passado por um rigoroso processo seletivo de análise curricular e por entrevistas com vários profissionais especializados em recrutamento e seleção. Além disso, esclareceu que o papel dos sedegovs, como foram chamados, era dar todo e qualquer suporte aos servidores da Sefin, estes, sim, detentores da competência para fiscalizar e constituir o crédito tributário.
O secretário complementou dizendo que os agentes da Sedegov seriam os olhos do governador naquela operação e que nada passaria sem que ele soubesse. Deixou claro que os policiais militares ali presentes haviam sido escolhidos por uma minuciosa análise da carreira funcional e pela vida pregressa, sendo os melhores homens da corporação. Quanto às demais pessoas pertencentes ao quadro da Sefin, limitou-se a dizer que eram técnicos muito competentes e que confiava no trabalho deles.
Em 1º de fevereiro de 2010, às 10 horas, a Operação Fiscal Queijo Suíço foi oficialmente iniciada em todos, ou quase todos, os postos fiscais de fronteira do estado de Genebra. O maior posto fiscal, o de Arapongas, localizado na principal rota de passagem de carga do país e responsável por mais da metade do Produto Interno Bruto (PIB) da Suíça, foi o palco escolhido pelas autoridades para presenciarem o primeiro dia da operação.
A despeito do grande sucesso em Arapongas, o mesmo não se pode dizer dos demais postos, sobretudo dos novos, que seriam abertos naquele dia. Os diversos servidores das secretarias envolvidas - Sefin, Sedegov e SSP - que se deslocaram para esses locais, até então inativos, relataram não ter encontrado nenhuma estrutura adequada para iniciar qualquer tipo de trabalho. Não havia escritório, alojamento, sinalização, luz, água... Não havia nada que parecesse com um posto fiscal.
Nos primeiros plantões em Arapongas, o animado auditor fiscal, senhor BBB, trabalhou incansavelmente. Ele estava finalmente exercendo suas funções, colocando em prática horas e horas de estudo, contribuindo para construir um estado mais justo. Pelo menos essa era a forma como o auditor acreditava agir e pensar. Entusiasmado, ele conversou com diversas pessoas que lá trabalhavam para compreender a motivação de cada um. O soldado Nascimento disse ao auditor BBB que estava cansado da violência na capital e que gostaria de uma vida mais tranquila no interior. Quanto aos sedegovs, BBB ficou surpreso com o nível de escolaridade da maioria - alguns não sabiam nem ler e escrever.
Bezerra de Souza, um comissionado da Sedegov, disse que o salário era ótimo e agradecia eternamente ao seu padrinho. Ele afirmou que não precisou de entrevista e que toda a sua família votara no deputado Peixinho, que lhe deu o cargo.
Assombrado, BBB verificou que o tal rigoroso processo seletivo de contratação dos agentes da Sedegov, e propagado por Simonal, nada mais foi do que o famoso clientelismo, fruto da velha política.
Nos primeiros meses da Operação Fiscal Queijo Suíço havia uma forte tensão entre os atores envolvidos. O efetivo dos sedegovs, como eram chamados os agentes da Sedegov, era bem superior ao da Sefin e da SSP, por isso eles preenchiam todos os espaços físicos dos postos fiscais. Ademais, a relação entre sedegovs, policiais e servidores da Sefin não era muito amistosa. Havia, desde o início, comportamentos distintos entre os servidores, dado os mesmos objetivos do programa.
Com três diferentes secretarias envolvidas, a tensão e o conflito de interesses e de competências eram evidentes. Enquanto a Sefin tinha como escopo a fiscalização de tributos e sonegação fiscal, a SSP considerava mais importante a apreensão de drogas e armas. Já a Sedegov estava mais focada em autopromoção e publicidade. Eles fotografavam tudo e repassavam informações à imprensa. Além disso, monitoravam tudo o que as outras secretarias faziam, não obstante o sigilo das operações fiscais e de segurança.
Os policiais militares estavam ávidos por exercer à risca seu papel: proteger a população contra os malfeitores que contrabandeavam drogas, armas e pirataria. Em determinadas abordagens, no cumprimento de seus deveres, alguns se excediam no trato com motoristas, causando muitas reclamações de abusos de autoridade. Chegaram, inclusive, durante certo período, a ter uma meta de apreensão de ilícitos, o que contribuía para o nervosismo de todos ao redor.
Outro aspecto relevante para a deterioração dessa relação eram as inúmeras ações fiscais iniciadas pelos sedegovs e até por policiais, sem qualquer competência, autorização, critério ou inteligência. Todo e qualquer veículo de empresa ou pessoa era alvo fácil; bastava passar pela rodovia - não importava se de empresa pequena ou grande, com muita ou pouca mercadoria, se de alto ou baixo valor, se de rico ou pobre, os agentes e policiais “fiscalizavam” toda e qualquer pessoa com o mesmo rigor.
O caráter impessoal era levado ao extremo. Esse modus operandi causava morosidade na operação, com desvirtuamento dos objetivos por causa da obediência acrítica às regras por parte dos sedegovs e dos policiais. Existia também, entre muitos integrantes, uma arrogância funcional em relação ao público, por estarem em situação de monopólio na prestação desse serviço.
Os servidores da Sefin - auditores e analistas -, em contrapartida, trabalhavam por amostragem e evidência, com forte orientação para resultados. Eles eram interrompidos a todo momento, muitas vezes no meio de uma importante ação fiscal, para prosseguir outra fiscalização iniciada por sedegovs e policiais. Uma total usurpação de função e invasão de competência. Alguns sedegovs, quando uniformizados, pareciam estar investidos de superpoderes. Em pouco tempo, foram apelidados de segolícia, uma mistura de Sedegov com polícia.
O auditor fiscal logo se preocupou com uma questão muito importante envolvendo sua atribuição funcional: o sigilo. Estudioso do direito tributário, percebeu que os sedegovs não tinham nenhum cuidado com essa questão e que não haviam recebido qualquer orientação sobre esse aspecto essencial naquele trabalho. Esse foi, talvez, o elemento principal de estresse nos postos fiscais, pois os agentes da Sedegov queriam ter acesso a todos os dados referente às autuações fiscais, como valores, situação econômica e cadastral, além de endereço dos contribuintes.
Os meses se passaram, e a popularidade do governador só aumentava. Outubro de 2010 chegou, e o resultado das eleições confirmou seu otimismo: Colombo Júnior foi reeleito ainda no primeiro turno, sem chances para os oponentes. Ele colhia os louros dos ótimos resultados, ou, pelo menos, da ótima repercussão e avaliação da Operação Fiscal Queijo Suíço. Os meios de comunicação exaltavam o governador de Genebra, com seu estilo moderno, arrojado e gerencial de gestão pública, do tipo new public management. Ele queria agilidade nas soluções, com preocupação maior no grau de alcance dos resultados.
Nesse contexto, implementou algumas medidas próprias da iniciativa privada, como a descentralização política em alguns órgãos, onde alocou pessoas de sua total confiança. Além disso, introduziu controles por resultados e metas de desempenho em alguns setores estratégicos, replicando o modelo de remuneração variável para algumas carreiras de estado.
Com a proximidade de vários eventos de grande porte e a expressividade de seu estado, Colombo Júnior celebrou diversas parcerias público-privadas (PPP) para realizar as obras necessárias e, assim, compartilhar com a iniciativa privada as responsabilidades e os riscos de tantos projetos. Muito determinado e trabalhador, fez questão de participar das rodadas de negociação e celebração dos contratos com grandes empresários, que se uniram para formar consórcios vencedores.
Tamanhos sucesso e notoriedade, no entanto, o deixaram muito à vontade no cargo, a ponto de reviver momentos de monarquia, em que o Estado era o próprio rei e tudo lhe pertencia. Nos dias atuais, conhecemos como patrimonialismo. Alguns bens do Estado, como helicópteros, veículos e o Palácio Tabajara, passaram a ser utilizados não apenas pelo governador, mas também por seus familiares e amigos, tanto para eventos oficiais quanto de foro íntimo, como passeios, viagens, festas, lazer, tudo sem qualquer relação com o propósito específico a que se destinavam: o interesse público.
Mesmo com o passar dos anos, a Operação Fiscal Queijo Suíço continuava suas atividades. Os resultados, em geral, eram positivos, a ponto de resistirem ao tempo e a várias intempéries. As estatísticas respondiam por si só aos questionadores daquela política. Em todo o período, foi observado um aumento na arrecadação do Estado, com recordes na apreensão de armas e drogas, sensível diminuição da pirataria e roubo de cargas.
Críticos, entretanto, demonstravam que os custos de manutenção da operação eram altíssimos, além de alertarem para uma mudança de comportamento de sonegadores e criminosos, que inventavam a cada dia novas formas de burlar a fiscalização. Eles também apontavam um aumento significativo nos índices de violência em algumas regiões do estado, em especialmente na capital, o que demandava medidas urgentes.
Por outro lado, admiradores do programa defendiam sua expansão, argumentando que o saldo era muito positivo. Além do mais, o custo das obras para os grandes eventos de 2014 e 2016 havia extrapolado todos os orçamentos e precisava de recursos extras. Vozes ecoavam pela necessidade de mudança no programa, falando em encerrá-lo e realocar os recursos, ou expandi-lo, com o objetivo de o estado continuar sendo eficaz.
Um embate notório que existia havia anos e se aprofundara recentemente foi a questão dos ônibus de turismo. Muitos deles passavam pela rodovia, vindos de outros estados, repletos de mercadorias, em boa parte sem documentação fiscal. Os auditores fiscalizavam e autuavam as empresas de turismo, algumas vezes até os passageiros. Mas, com o tempo, perceberam que o resultado era irrelevante, se comparado com o dos grandes caminhões de carga. A fiscalização de ônibus demandava muito tempo, mão de obra e espaço, sem contar o transtorno aos passageiros, incluindo crianças e idosos, que passavam horas e horas aguardando.
Na maioria das vezes, o resultado tributário era pífio, com uma autuação que não compensava todo o tempo e trabalho despendidos. Diante da infraestrutura inadequada e do pequeno retorno tributário, a Secretaria de Finanças optou por otimizar seus recursos e utilizá-los naquilo que trouxesse melhor resultado e benefício para a sociedade. Pautado pelos princípios da eficiência e da insignificância, estabeleceu-se que os ônibus de turismo não fariam mais parte do escopo da fiscalização na Operação Fiscal Queijo Suíço, regra que poderia ser flexibilizada a qualquer tempo.
Após essa medida, começaram a surgir, quase diariamente, denúncias anônimas relatando o transporte de armas e drogas por determinados ônibus de turismo. Nos postos fiscais, todos os funcionários se mobilizavam para interceptar esses veículos e, assim, proceder com a devida fiscalização. Esses ônibus eram abordados, e a fiscalização padrão era realizada. No entanto, nenhuma daquelas denúncias se confirmava. Todos os postos fiscais paravam para focar naquele objetivo imediato, enquanto inúmeros outros trabalhos, muito mais relevantes, deixavam de ser realizados.
A Sefin, novamente, percebeu que algo não estava indo muito bem. Decidiu-se, então, não mais acolher essas denúncias anônimas, as quais, agora, deveriam ser devidamente fundamentadas para que se pudesse dar algum crédito e fossem destinados recursos para essa finalidade.
Num fatídico dia de abril de 2013, no maior posto fiscal do estado de Genebra, o de Arapongas, os servidores da Sefin realizavam seus trabalhos rotineiros de auditoria, fiscalização de cargas e análises de documentação fiscal quando, de repente, o soldado Nascimento e o sedegov Bezerra de Souza entraram na sala dos auditores fiscais, exigiando que um ônibus estacionado no pátio fosse fiscalizado pelos auditores.
O veículo foi interceptado pelo policial e pelo sedegov que efetuaram seu trabalho de rotina: a busca por armas, drogas e outras coisas. No entanto, eles verificaram algumas mercadorias desacompanhadas de documento fiscal. Os auditores informaram que os ônibus não estavam mais no escopo da fiscalização da Sefin por causa da irrelevância para o Estado, razão pela qual não atenderiam aquela ordem.
Após discussões acaloradas entre os servidores das três secretarias, os auditores, por determinação da chefia imediata, começaram a fiscalização-padrão do referido ônibus de turismo, abordado “aleatoriamente” pelos policiais. As atividades já estavam bem adiantadas, e as poucas mercadorias no interior do veículo, devidamente separadas. Foi quando Joca Furtado, comissário de polícia cedido à Sedegov e que gozava de muito prestígio na Assembleia Legislativa de Genebra, chegou ao posto fiscal em sua viatura. Ele era policial civil da velha guarda e atual superintendente da operação.
Mais cedo, o soldado Nascimento havia ligado para Joca e relatado a resistência dos auditores em cumprir as ordens dadas por ele. O comissário saiu do carro com toda a autoridade, aproximou-se do ônibus empunhando sua arma e quis saber quem era o fiscal. Foi um pânico generalizado. Algumas pessoas gritaram, outras correram, umas se abaixaram com medo de tiroteio. Os dois auditores que ali se encontravam, entre eles o já experiente BBB, se identificaram, visivelmente com medo daquele sujeito desconhecido que apontava uma arma para eles. Na sequência, pediram para o sujeito também se identificar, ao que o comissário esbravejou:
- Para vocês, sou o chefe de tudo isto aqui. E, agora, vocês estão presos por não quererem trabalhar.
Joca ainda quis algemá-los, mas foi aconselhado pelo soldado Nascimento a não o fazer. Assim, os dois auditores foram colocados com brutalidade na viatura e conduzidos para a delegacia de polícia mais próxima.
Todos que presenciaram a cena não entenderam nada do que acabaram de ver, afinal eles estavam cumprindo seu papel, fiscalizando o ônibus e seguindo ordens de seus superiores. Os policiais e os agentes da Sedegov não tinham qualquer competência para fiscalizar nenhum veículo, muito menos para ordenar que os auditores assim o fizessem.
Na delegacia, todos prestaram depoimentos. Os auditores negaram veementemente a acusação de prevaricação e detalharam os fatos. Eles acusaram o comissário de abuso de autoridade e os demais, de usurpação de função e invasão de competência. Ao ouvir a versão dos auditores, o delegado ponderou com o colega de corporação:
- Joca, não consigo vislumbrar crime que pudesse imputar aos fiscais. Mas, em contrapartida, o policial e o sedegov podem ser...
Joca interrompeu o delegado:
- Crime de prevaricação, delegado.
Contrariado e conhecedor da fama do comissário, o delegado enquadrou os servidores da Sefin no crime de corrupção passiva privilegiada. Os auditores foram liberados após o depoimento, completamente desolados.
Na saída da delegacia, todos foram surpreendidos com vários repórteres de TV e rádio, com câmeras e holofotes, que aguardavam os envolvidos para uma entrevista exclusiva. Os jornalistas foram avisados por um dos passageiros do ônibus de turismo parado em Arapongas e que trabalhava para um canal de notícias de grande circulação na capital. Os repórteres questionaram: quem comanda a operação?; é verdade que os policiais interferem nas ações dos auditores fiscais?; os comissionados têm competência para acessar documentos fiscais dos contribuintes?; qual é o critério para abordar os veículos?
Diante de tantas perguntas sem respostas, o repórter do jornal A Capital afirmou:
- Enquanto as secretarias brigavam por disputa de poder na operação, demonstrando falta de organização do governo, diversos veículos não foram abordados, e o prejuízo desse conflito recai sobre a sociedade. O Estado não fiscalizou a entrada de mercadorias sem o devido imposto pago nem protegeu as fronteiras de Genebra da entrada de armas e drogas.
O trágico episódio logo chegou aos ouvidos da alta cúpula do governo e de Colombo Júnior. Simonal, Levindo e o secretário de Segurança Pública, Maurício Manieri, trataram de apurar melhor os fatos para tomar as medidas cabíveis.
Colombo Junior não parava de receber ligações de seus assessores relatando que um grande problema acabara de ocorrer na Operação Fiscal Queijo Suíço. O governador convocou os três secretários para uma reunião no Palácio Tabajara. Ele precisava ser firme e ligeiro para não deixar a repercussão daquele episódio prejudicar sua candidatura à presidência nas eleições de outubro de 2014. Logo que os secretários chegaram, o governador começou a discursar sobre a difícil arte de gerir pessoas, principalmente no meio político. Ele disse que nem sempre o profissional mais capacitado é o mais indicado para assumir determinada função e, o mais importante na gestão da coisa pública, que amizade e política não se misturam.
Dito isso, passou a palavra a Levindo, que relatou sua versão dos fatos. Ele declarou ser inadmissível dois de seus melhores auditores fiscais serem presos em pleno exercício do dever por estarem cumprindo suas funções, lembrando que Joca não era profissional idôneo e que sua reputação era bem conhecida da corregedoria da polícia civil. Ele disse ao governador que deveria repensar os rumos da operação e que a melhor medida seria encerrá-la, afirmando que a instalação de câmeras de reconhecimento optico de caracteres nas rodovias, aliada a um robusto sistema de informação com um custo relativamente baixo, quase resolveria a fiscalização na malha rodoviária, sem precisar da presença maciça de auditores.
O secretário afirmou que seus servidores estavam subaproveitados nos postos fiscais e que o princípio da eficiência deveria ser a palavra de ordem na nova administração pública. Seria o bom uso da tecnologia a favor do Estado. Com essas medidas, reforçaria as fiscalizações nas grandes empresas, aumentando consideravelmente a arrecadação, podendo, inclusive, equipar melhor o policiamento da capital, dado o aumento da violência.
Manieri era um delegado respeitado, admirador da hierarquia, das normas e dos procedimentos. Primeiramente, defendeu seus policiais e disse que estavam cumprindo suas funções ao abordarem o ônibus. Ele informou que não havia nenhum veículo acima de qualquer suspeita e que era função de seus homens combater o tráfico de drogas, as armas e qualquer tipo de ilícito, bem como que, a despeito da quantidade irregular de mercadorias, era dever dos auditores fiscais a devida fiscalização.
A operação era muito importante para a segurança pública, por isso precisava ser expandida. Ele disse que a violência na capital vinha aumentando e que precisava de mais homens e viaturas, sugerindo ao governador que realizasse mais concursos e equipasse melhor seus homens para ampliar as apreensões nas barreiras, além de proteger a capital.
O último a falar foi Simonal, cujo papel no governo era fundamental para aprovar pautas importantes na Assembleia Legislativa. Ele argumentou que Joca era um experiente policial, mas que, infelizmente, se excedeu nesse episódio. Aproveitou para reforçar a importância da operação para os planos do governo e a candidatura de Colombo Júnior à presidência, em outubro de 2014. Além disso, defendeu o trabalho das três secretarias no sucesso da pperação, mas principalmente o papel dos agentes da Sedegov, contratados por cargos em comissão, que davam agilidade, liberdade e confiança. A arrecadação era suficiente para manter em curso não apenas a operação, mas também outros programas importantes para a sociedade mais carente. Entretanto, graças à grande demanda por recursos nos programas sociais, nas obras para os eventos de 2014 e 2016 e na eleição para presidente, o governo não tinha condições de aumentar despesas com concursos e novas viaturas. Quanto à violência na capital, sugeriu dividir os policiais e mandar uma parte para lá.
Colombo Júnior, imaginando que aquela reunião serviria para solucionar seus problemas, se viu diante de um grande impasse: como implementar políticas públicas que envolvessem diferentes órgãos setoriais com diferentes objetivos?; de que modo a elaboração de uma política pública, sem a participação da área técnica, proporcionaria melhores resultados?

Sugere-se a aplicação do caso de ensino em cursos de graduação e pós-graduação em ciências sociais aplicadas, nas disciplinas de administração pública e políticas públicas.
Para isso, o docente deve disponibilizar um material teórico que forneça conhecimento aos discentes sobre a temática a ser estudada e realizar uma leitura prévia do caso com a resolução das questões, entregues no início da aula, tornando possível uma análise do progresso do discente.
O estudo poderá também ser aplicado na modalidade híbrida, conforme sugestão de plano de aula a seguir:
Na abertura da disciplina, o docente dá as boas-vindas e procede à criação de rapport.
O docente realiza a exposição de conceitos relacionados ao conteúdo programático.
O docente realiza a estratégia sniper cognitivo: transmissão do vídeo pitch do caso 10’ de vídeo. Formação dos grupos remotos (neurônios espelho) e duplas presenciais (DNAs andragógicos e vírus angragógicos). Tempo estimado de 20 minutos.
O docente propõe a leitura do caso para resolução em grupos. Discente remoto - neurônios espelho responderão às questões do caso. Discente presencial - DNA andragógicos serão responsáveis pela identificação do que foi aprendido (identificar alvos cognitivos) com as ações recomendadas pelos grupos remotos, para resolver o problema. Vírus andragógicos serão responsáveis pela definição de como o aprendizado pode ser reproduzido nas organizações (identificar alvos cognitivos) em contextos semelhantes. Tempo estimado de 40 minutos.
Discussão do caso. Discente remoto: os neurônios espelhos, individualmente e de forma verbal e voluntária, apresentam suas conclusões sobre a atividade proposta. A professora também participa da solução, dando sugestões de ações anotadas em slides previamente preparados. Faz-se um pingue-pongue. Docente apresenta uma ideia e um neurônio espelho apresenta outra, até esgotar a participação. Discente presencial: relata suas contribuições: DNAs andragógicos - apontam os aprendizados, com participação individual e de forma verbal e voluntária; vírus andragógicos - apontam como aplicar o conhecimento nas organizações com participação individual e de forma verbal e voluntária. Tempo estimado de 30 minutos.
Docente faz o fechamento do caso dando feedbacks, reforçando os aprendizados e as melhores formas de replicar as soluções apresentadas para o problema, bem como exemplifica, sempre que possível, organizações públicas que utilizam tais soluções e quais são ganhos ou melhorias reais alcançadas. Tempo estimado de 10 minutos.
Após a leitura e a discussão deste caso, o discente deverá ser capaz de:
) Reconhecer como funciona o modelo de governança para uma política que envolve entes federativos de características tão distintas.
) Compreender como incluir nesse modelo outros órgãos federais, como o que responde pela ampliação do acesso à internet.
) Avaliar como permitir que terceiros realizem o cadastramento e possam ser responsabilizados caso cometam fraudes.
) Desenhar como evitar que os programas sociais que se utilizam do Cadastro Único gerem impactos na política social como um todo.
) Fornecer reflexões críticas sobre as falhas institucionais apontadas no texto e, na qualidade de gestor, tentar resolvê-las.
O caso possui um material de vídeo com o dilema em dez minutos de duração1.
