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A PPP dos aeroportos na república de Bruzundanga: a disputa de todos pelas joias da coroa
The airports PPP in the republic of Bruzundanga: everyone’s fight for the crown jewels
El PPP de los aeropuertos de la República de Bruzundanga: la lucha de todos por las joyas de la corona
Revista de Gestão dos Países de Língua Portuguesa, vol. 22, núm. 3, pp. 167-179, 2023
INDEG-IUL - ISCTE Executive Education

Caso de Ensino


Recepção: 27 Dezembro 2023

Aprovação: 08 Janeiro 2024

DOI: https://doi.org/10.12660/rgplp.v22n3.2023.90546

Resumo: Este caso de ensino apresenta a tensão entre interesses técnicos, políticos e econômicos na elaboração do edital de concessão de aeroportos da imaginária República de Bruzundanga. Estudos e análises técnicos concluem pela licitação conjunta de dois aeroportos grandes e superavitários, bem como de mais doze pequenos e deficitários. O ministro da Infraestrutura, contudo, apresenta elementos políticos e econômicos para a licitação de apenas um grande aeroporto, o que alteraria as pesquisas. Cabe ao secretário nacional de Transporte Aéreo efetuar os eventuais ajustes, de preferência com embasamento especializado. O estudo pode ser inserido na oposição entre vontade política e fundamentação técnica, nas nuances inerentes à negociação de grandes empreendimentos, na importância de uma boa análise ex ante do impacto social e econômico do contrato, assim como na politização da burocracia mediante indução de interesses regionais na política aeroportuária nacional.

Palavras-chave: Vontade política, Fundamentação técnica, Análise ex ante, Politização da burocracia.

Abstract: This teaching case presents the tension between technical, political, and economic interests in the preparation of the airport concession notice for the imaginary Republic of Bruzundanga. Technical studies and analyses conclude that two large and surplus airports and twelve small and deficit airports should be jointly tendered. The Minister of Infrastructure, however, presents political and economic elements for bidding for just one large airport. The National Secretary of Air Transport is responsible for adjustments, preferably with specialized support. The study can be inserted into the opposition between political will and technical foundations, in the nuances inherent to the negotiation of large projects, in the importance of a good ex-ante analysis of the social and economic impact of the contract, as well as in the politicization of bureaucracy through the induction of regional interests in national airport policy.

Keywords: Political will, Technical basis, Ex ante analysis, Politicization of bureaucracy.

Resumen: Este caso didáctico presenta la tensión entre intereses técnicos, políticos y económicos en la preparación del anuncio de concesión de aeropuertos para la imaginaria República de Bruzundanga. Los estudios y análisis técnicos concluyen que deberían licitarse conjuntamente dos aeropuertos grandes y superavitarios, y de otros doce aeropuertos pequeños y deficitarios. El ministro de Infraestructura, sin embargo, presenta elementos políticos y económicos para licitar solo un gran aeropuerto, lo que alteraría la investigación. Corresponde a la Secretaría Nacional de Transporte Aéreo realizar cualquier ajuste, preferiblemente con apoyo especializado. El estudio puede insertarse en la oposición entre voluntad política y fundamento técnico, en los matices inherentes a la negociación de grandes proyectos, en la importancia de un buen análisis ex ante del impacto social y económico del contrato, así como en la politización de la burocracia mediante la inducción de intereses regionales en la política aeroportuaria nacional.

Palabras clave: Voluntad política, Base técnica, Análisis ex ante, Politización de la burocracia.

INTRODUÇÃO

As parcerias público-privadas (PPPs) de aeroportos na República de Bruzundanga vêm sendo formatadas em blocos, com aeroportos grandes sendo oferecidos junto com pequenos ou com aqueles sem viabilidade econômico-financeira, caso fossem tomados isoladamente. A gestão realizada pela empresa pública de infraestrutura aeroportuária já utilizava o lucro e a atratividade dos aeroportos superavitários para gerir conjuntamente os deficitários, proporcionando a eles modicidade de tarifas, aumento de investimento e qualidade na administração. Essa modelagem, entretanto, aumenta o nível de discricionariedade nas diferentes combinações, dando ensejo a conflito de interesses técnicos, econômicos e políticos.

A condição fundamental para que esse modelo funcione é garantir que os aeroportos deficitários que venham a fazer parte do bloco não tornem a concessão inviável. Ou seja, os aeroportos pequenos não devem afastar os interessados em administrar os grandes.

No presente caso, os servidores do Ministério da Infraestrutura analisaram os aeroportos da lista de interesse para concessão e encontraram o modelo ideal com a inserção de dois grandes aeroportos - Irmãos Wright e Cegonhas - e outros doze pequenos. O resultado veio do estudo sobre o movimento de passageiros, a saturação da infraestrutura local, a necessidade de obras e melhorias, o tombamento, o potencial crescimento, a eficiência geral das operações, a concorrência de outros aeródromos e o retorno esperado do investimento. Ou seja, houve uma análise da atratividade econômico-financeira e do resultante interesse da iniciativa privada em participar da licitação naqueles moldes.

A composição do bloco com catorze aeroportos nasceu após diversas simulações efetuadas pelo corpo técnico do ministério, com diferentes proposições e estimativas econômico-financeiras. O objetivo foi encontrar blocos sustentáveis, capazes de garantir a qualidade da prestação dos serviços a cidadãos e usuários beneficiários.

TESOURAS DE VENTO E TURBULÊNCIAS NA GESTÃO DE AEROPORTOS DE BRUZUNDANGA

O presidente da República de Bruzundanga está preocupado com o resultado da próxima rodada de leilão de aeroportos, pois as eleições presidenciais estão próximas e as PPPs são uma grande bandeira de seu programa de governo. Uma falha a essa altura do campeonato também traria consequências desastrosas para a carreira política do ministro da Infraestrutura, que vem sofrendo pressões diariamente para a inclusão ou a exclusão de aeroportos na próxima rodada de concessão.

A pressão política está bastante presente, seja por meio dos representantes das cidades pequenas e dos aeroportos deficitários, seja por meio dos representantes do estado da Guanabara, onde se situa o aeroporto Irmãos Wright. A última se dá por conta do receio de que tal aeroporto, a ser concedido, venha a competir com o aeroporto Rei Leão, já concedido antes e que tem gerado um prejuízo acumulado de 7,5 bilhões de dólares desde o início da operação em modelo PPP, em 2014.

Num clima de tensão entre todos esses interesses, não há uma contraposição correta entre técnica e política. Embora divergentes, elas se mesclam numa solução criativa que ressalta o âmbito de discricionariedade da administração pública no desenho de uma PPP: o Irmãos Wright é retirado do bloco para ser oferecido depois, junto com o aeroporto Rei Leão, cuja devolução é obtida de maneira consensual com a atual administradora.

Como o aeroporto de Cegonhas é o mais atrativo, foi possível manter vários menores no seu bloco. Entretanto, com a saída dos Irmãos Wright, dois aeroportos pequenos saíram do bloco na tentativa de equalizar a vantagem.

Se bem que a solução tenha sido adotada em estágio avançado do processo das concessões, trabalha-se para acomodar os diversos interesses, pretendendo conciliar política e técnica de forma criativa e desafiadora.

MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM TEM JUÍZO

O presidente da República está inquieto com a possibilidade de não cumprir uma de suas promessas de campanha. Na última eleição, ele assegurou que resolveria o problema dos aeroportos e aprofundaria o plano nacional de privatizações, mas já se passaram três anos desde sua posse e os resultados obtidos estão muito aquém disso.

A questão dos aeroportos no estado da Guanabara é particularmente crítica, uma vez que um daqueles que servem à capital, o Rei Leão, está tendo déficits sucessivos. Já se fala em devolução da concessão para uma nova licitação.

O presidente, incomodado com as críticas ao atraso nos leilões, não sabe o que esperar da oposição com o eventual fechamento do Rei Leão.

Em meio a essa tormenta política, a assessoria do presidente pegou o telefone e ligou para o gabinete do ministro da Infraestrutura. A ligação foi atendida pela secretária, que não soube informar onde estava o ministro. Na sequência, o próprio presidente, já irritado, conseguiu uma videochamada:

- Senhor ministro, tudo bem? Como vai o edital dos aeroportos?

- Bom dia, senhor presidente. Tudo joia? Como vai o senhor? Já estamos na fase final. Temos duas opções. A gente decide hoje se o aeroporto Irmão Wright será...

O presidente interrompeu a fala do ministro. Ele não gosta de falas muito demoradas ou com muitos detalhes em ligações telefônicas, pois sempre desconfiou que seus aparelhos fossem grampeados pela CIA, pela China e pelos agentes da oposição.

- Ótimo, ótimo, ótimo. Por favor, mande a versão final para a Casa Civil ainda hoje, viu? A agência e a Casa Civil estão alinhadas, né?

- Sim, senhor. Tudo certo.

- Tem que manter isso aí, viu?

- Ok, senhor presidente. Obrigado. Bom dia para o senhor!

De forma ríspida, o presidente se despediu:

- Passar bem!

O ministro, então, ligou para sua secretária:

- Etelvina, chame com urgência o secretário, por favor.

Assim, foi agendada uma teleconferência com o secretário nacional de Transporte Aéreo.

AS JOIAS DA COROA

O ministro sabia que sua carreira política estava em jogo. O eventual sucesso nos leilões dos aeroportos poderia catapultá-lo para voos maiores. Mas não era simples equilibrar os interesses em jogo.

Bem no início do processo, foi desenhado um modelo de leilão por lotes de aeroportos em que dois dos maiores do país, Cegonhas e Irmãos Wright, seriam leiloados em conjunto com outros doze menores.

Nas primeiras reuniões, foi apresentada ao ministro o seguinte quadro:


QUADRO 1
Análise do resultado operacional dos aeroportos de Bruzundanga
Fonte: Elaborado pelos autores.

Com base nesses dados, busca-se formatar um bloco que sustentasse os aeroportos deficitários, garantindo lances expressivos no leilão, dada a crise fiscal do Estado.

A discussão ganhou nuances políticas quando parlamentares da Guanabara e das mais diferentes localidades do país começaram a exercer pressão em prol de interesses locais ou eleitorais na escolha dos aeroportos que comporiam o bloco de concessões seguinte.

Os deputados da Guanabara exigiam que o Irmãos Wright saísse do próximo bloco e ficasse reservado para, no futuro, salvar o Rei Leão, que fica na mesma cidade e está em maus lençóis.

Como se isso não bastasse, o ministro vinha recebendo pedidos de políticos de todas as cidades com aeroportos cogitados para a inclusão nessa rodada de leilão.

Enfim chegara a hora da reunião de definição com o secretário nacional de Transporte Aéreo.

Sem perder tempo, o ministro falou:

- Obrigado pelo pronto comparecimento. A questão é urgente e já demoramos demais no assunto, senhor secretário. Pode fazer um resumo de como anda o processo, por favor?

- Lógico! Sétima rodada dos leilões dos aeroportos. Escolhemos vários que estavam deficitários na mão da empresa pública. Segundo os relatórios da Secretaria, esses microaeroportos somados operaram com déficit médio anual de 1,4 bilhão de reais no retrospecto dos últimos cinco anos. A ideia inicial era colocá-los para leilão no mesmo bloco com os dois grandes aeroportos, as joias da coroa: Cegonhas e Irmãos Wright, para conferir atratividade, garantindo a operação conjunta com perspectiva de superávit anual médio de 800 milhões de reais para os próximos quinze anos, segundo as projeções dos nossos técnicos. Isso está nos estudos aprovados em PMI e já tem respaldo técnico e político para prosseguir...

O ministro balançou a cabeça e interrompeu a explicação:

- Com licença, secretário. Achei que tinha deixado bem claro que o Irmãos Wright não pode estar nessa rodada. Teremos apenas um grande aeroporto. Para atender à bancada do estado da Guanabara, deixaremos o Irmãos Wright para um futuro bloco em conjunto com o Rei Leão.

- É que achei que a dúvida tinha retornado após a audiência com aquelas empresas interessadas, lembra? Elas reforçaram os estudos que mostram que tirar o Irmãos Wright poderia gerar uma debandada das maiores administradoras e nos deixar sem interessados. Em ano eleitoral, seria um fiasco.

- O Irmãos Wright vai na próxima rodada e ponto-final. A pressão política do estado da Guanabara é muito forte. Além disso, estou convencido de que a sinergia de dois aeroportos grandes no mesmo estado, nas mãos do mesmo administrador, pode tornar o leilão muito mais atraente do que nesse bloco.

- O senhor fala do Rei Leão? Ele tem dado muito prejuízo, né? Precisaremos avaliar se, de fato, a sinergia com o Irmãos Wright viabiliza economicamente o bloco. Por sinal, ele vai ser devolvido mesmo pela atual concessionária?

- Os administradores já deixaram claro que não querem mais. Além disso, chamaram de “inaceitável” uma eventual concorrência com o Irmãos Wright, principalmente se este, como é o plano, passar a comportar voos internacionais.

- Então a ideia é mesmo juntá-lo no futuro ao Irmãos Wright e fazer um bloco da licitação apenas do estado da Guanabara?

- Isso. Com uma tacada, salvamos o Rei Leão, contentamos a turma da Guanabara e formamos um bloco estratégico, cheio de sinergia regional e de vocação. Vai ser um sucesso.

- Mas e o bloco atual? Sem o Irmãos Wright? Até acho que pode dar certo, mas vamos correr o risco de não haver interessados. Já devo pedir à equipe que refaça o planejamento e a análise ex ante?

Nesse instante, o telefone do gabinete do ministro tocou e ele disse:

- Um minuto, secretário...

E saiu momentaneamente para atender à ligação.

O DESTINO DE PITOMBA ESTÁ EM SUAS MÃOS

Do outro lado da linha estava um deputado nascido e criado na pequena Pitomba, cantor famoso na cidade, preocupado com a possibilidade de exclusão do aeroporto Irmãos Wright da sétima rodada de leilões das PPPs, o que excluiria também alguns dos deficitários. Era preciso impedir que o aeroporto de Pitomba estivesse entre os excluídos.

Por isso, ele decidiu ligar para o ministro da Infraestrutura.

- Alô? É o ministro quem fala?

- Deputado! Quanto tempo! Gostei muito do seu último sucesso: “Três cervejas no seu apê”.

Sem mostrar os dentes, o deputado prosseguiu:

- Como vai, ministro? Imagino que já saiba sobre o que quero falar. E não é sobre música.

- Não consigo pensar em outra coisa. E, se durmo, sonho com isso.

Mais calmo, o deputado desabafou:

- Eu também, meu amigo. Mas, veja: um passarinho me contou que alguns daqueles aeroportos pequenos vão sair da sétima rodada do leilão. Custei a acreditar.

- Deputado, estamos fazendo arranjos no bloco...

Desconfiando que sua cidade natal estaria fora do próximo bloco de concessões, o deputado se exaltou:

- Só não me diga que minha querida Pitomba, cidade onde nasci, vai sair do bloco de Cegonhas!

- Os estudos mostram que...

O deputado interrompeu a fala do ministro, coisa que raramente fazia:

- Pitomba, não, ministro! Aquele aeroporto é o coração da cidade. Traz os muitos funcionários da Bali, os turistas... Muita gente depende dele. Se ele não for com Cegonhas para leilão, ninguém vai querer pegar. E uma cidade inteira vai sofrer. Aí é demais.

- Calma, deputado. Como eu ia dizendo, os estudos mostram que Pitomba só tem viabilidade com Cegonhas. Ele fica. Está decidido.

- E quem sai?

- Ainda não sabemos.

- Nem ideia? Estamos nos 45 do segundo tempo.

- Em off, viu? Araucárias e Castanheiras. Mas não há nada ainda definido.

- Tudo bem. Eu e o povo de Pitomba queremos que você saiba o bem que está fazendo para nossa cidade. E o senhor já está convidado para assistir de camarote ao meu próximo show. E é open bar.

- Até a próxima, deputado.

O ministro retornou à reunião com o secretário nacional de Transporte Aéreo.

VAI OU NÃO VAI?

O secretário, pessoa de gestos módicos e reservados, ingressou no serviço público mediante concurso e nunca teve pretensões políticas. No entanto, teve a oportunidade de trabalhar no passado com o atual ministro, que gostou do seu perfil técnico.

A dinâmica política não lhe agrada, mas a lógica da reunião de que estava participando já indicava a necessidade de refazer vários estudos técnicos por motivos políticos.

Enquanto esperava o ministro, divagava sobre qual seria o critério a ser utilizado para a exclusão de alguns aeroportos do leilão, pois havia bons argumentos para a manutenção de qualquer um deles.

Seus pensamentos foram interrompidos pelo ministro:

- Desculpe, mas tive que atender uma ligação. Secretário, vamos retirar alguns aeroportos pequenos do bloco. Pode ser?

- Irmãos Wright saindo, realmente temos que tirar alguns pequenos. Cegonhas não segura 12 aeroportos pequenos. O pessoal da Agência de Aviação está comigo em tempo real e me diz que há até 10 interessados. Ele fica mesmo?

- Sim. Mas Araucárias e Castanheiras talvez possam ser realocados em outro bloco futuro. Não sei. Irmãos Wright sai dessa rodada e fica para uma futura. Assim, teremos Cegonhas e 10 pequenos. O que acha?

Enquanto esperava a resposta, o ministro recordou que já estivera nos aeroportos de Araucárias e Castanheiras e fora muito bem recebido. As populações de ambos os municípios são extremamente carentes e dependem em grande extensão dos aeroportos para atrair empresas, turistas e movimentar a economia local.

A Fábrica de Papéis Mata Verde se instalou em Araucárias há 10 anos, gerou muitos empregos e aumentou a arrecadação municipal de tributos em 30%. Sem o aeroporto, corre-se sério risco de a indústria migrar de local.

Lembrou-se também de Castanheiras, que fica numa das cidades de maior beleza natural do país. A chegada do aeroporto alavancou o turismo e a renda da população local.

Nessa tempestade de ideias e preocupações, sabendo dos impactos que a exclusão de Araucárias e Castanheiras geraria para aqueles municípios, o ministro ouviu do secretário:

- Confesso que já estava acostumado com a ideia de Cegonhas e Irmãos Wright juntos. Os dois mais promissores do país, na minha opinião. Mas pode funcionar, sim. Vou pedir ao pessoal para preparar a minuta, reviso e passo para o senhor até as 16 horas.

- Em ponto.

O secretário confirmou:

- Em ponto.

MISSÃO DADA É MISSÃO CUMPRIDA

O presidente da República não era um homem conhecido pela paciência. Embora educado e respeitoso no trato, odiava esperar e exigia respostas antes mesmo de precisar cobrá-las.

Naquele mesmo dia, havia despachado com o ministro acerca do leilão dos aeroportos, mas ainda não tinha sido informado sobre os desdobramentos.

Ansioso, decidiu fazer uma videoconferência com ele:

- Boa tarde, senhor presidente! Estamos finalizando a minuta do edi...

O presidente interrompeu a fala do ministro:

- Boa tarde, senhor ministro. Já deixei a Casa Civil de sobreaviso para agilizar e concluir ainda hoje a análise da versão final do documento.

- Tudo bem, senhor presidente.

- Nunca tivemos uma equipe tão competente! Uma última coisa, senhor ministro: confio na sua visão técnica no tocante a essa questão. Manter equipes técnicas nos ministérios será um dos motes da minha campanha de reeleição. Cumpra sua missão, ok?

- Cumprirei, senhor presidente.

E desligou prontamente, pensando consigo: “Até simpatizo com o ministro, mas se ele atrasar meu leilão...”.

ENCERRAMENTO DO CASO

Está Entregue

Ao final do dia, o ministro aprovou a versão final da minuta do edital do leilão das PPPs dos aeroportos, deixando o Irmãos Wright de fora. Cumpriu o prazo estipulado pelo presidente e atendeu às demandas dos principais atores políticos. Com muito alívio e alguma satisfação, ligou para a Casa Civil:

- Prezados, estou encaminhando agora a versão final da minuta do edital dos aeroportos.

Na Secretaria Nacional de Transportes Aéreos, porém, a sensação de satisfação não era tão intensa. Embora a versão final fosse tecnicamente adequada, o secretário nacional acreditava que a versão anterior, com as duas joias da coroa no mesmo edital, era a melhor alternativa. Estafado e ainda pensativo, disse a si mesmo: “Equilibrar política e técnica é complicado”.

Na sequência, pegou a versão anterior do edital e a jogou no triturador de papel. Um último pensamento lhe passou pela cabeça: “Será que esse é o destino de todas as boas ideias que não conseguem o aval dos políticos e não encontram uma agenda política adequada?”.

Dilema

A sétima etapa da concessão de aeroportos na República de Bruzundanga transitou na fronteira tênue entre a atuação técnica da burocracia do Ministério da Infraestrutura e a visão sociopolítica da situação por parte de atores políticos, fazendo emergir uma situação-problema que afeta a dicotomia administração/política.

A concessão aeroportuária em blocos ensejou discricionariedade dos gestores na tomada de decisão acerca da melhor configuração dos aeroportos que serão transferidos à iniciativa privada nas etapas licitatórias sucessivas. Nesse processo, o dilema surge quando começam as pressões políticas para a formação do bloco inicialmente idealizado com catorze aeroportos, sendo dois grandes superavitários (Irmãos Wright e Cegonhas) e doze deficitários.

De um lado, o desenho inicial do bloco é fruto de estudos, simulações e estimativas técnicas. Há, inclusive, predisposição do presidente a opções técnicas a respeito do assunto, sem, contudo, abrir mão da entrega ainda no mesmo ano, como dividendo político em sua campanha de reeleição. De outro lado, intervenções políticas alcançam o desenho do bloco a ser licitado, simbolizadas pelo contato direto do deputado do município de Pitomba com o Ministério da Infraestrutura.

Além disso, a menção a uma reunião com as empresas demonstra, de forma marginal à situação-problema, uma pressão adicional: a das empresas privadas interessadas em obter Irmãos Wright e Cegonhas de uma só vez.

A pressão política é a mais evidente. Agentes advogam por interesses das localidades dos aeroportos envolvidos, insondáveis pelo conhecimento produzido intramuros do ministério, seja para pleitear a retirada do aeroporto Irmãos Wright da etapa licitatória - que teria uma licitação futura conjunta com o Rei Leão -, seja para postular a manutenção do aeroporto de Pitomba a reboque do de Cegonhas, uma das joias da Coroa, como trunfo para o pequeno município de interior.

Com a saída do Irmãos Wright, dois aeroportos pequenos, Araucárias e Castanheiras, ficaram de fora da rodada, com prejuízos para a atividade econômica das cidades sede.

Questões para debate

1) O ministro da Infraestrutura agiu bem na sua interlocução com o secretário nacional de Transporte Aéreo e com o deputado? Por quê?

2) Os agentes políticos agiram de modo adequado ao tentar influenciar o desenho dos blocos?

3) Em sua opinião, a decisão pela retirada e pela reserva do aeroporto Irmãos Wright para posteriormente salvar o Rei Leão foi correta? Por quê?

4) Com base no caso apresentado, pode-se dizer que foram adotados os procedimentos de análise ex ante de políticas públicas? Explique.

5) Quais são as diretrizes de controle e os atores legitimados a avaliar a discricionariedade técnica envolvida no desenho dos blocos da licitação aeroportuária?

NOTAS DE ENSINO

Sugere-se a aplicação do caso de ensino em cursos de graduação e pós-graduação em ciências sociais aplicadas, nas disciplinas de administração pública, políticas regulatórias e política pública. Para aplicação do caso em sala de aula, sugere-se que o docente disponibilize material teórico que forneça conhecimento aos discentes sobre a temática a ser estudada e que seja realizada uma leitura prévia do caso com a resolução das questões, entregues no início da aula, tornando possível uma análise do progresso do aluno ao longo da discussão.


QUADRO 2
Pilares do caso de ensino
Fonte: Elaborado pelos autores.

MATERIAL DE VÍDEO

O caso conta com um material de vídeo de aproximadamente 10 minutos.1

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à FGV EBAPE pelo aprendizado ao longo do Mestrado Profissional em Administração Pública e, especialmente à professora doutora Aline Brêtas de Menezes, pelo apoio à divulgação científica deste caso de ensino.

BIBLIOGRAFIAS

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DISPONIBILIDADE DE DADOS

2 O conjunto de dados que dá suporte aos resultados deste estudo não está disponível publicamente.
1 Disponível em: https://periodicos.fgv.br/rgplp/article/view/90546/85138. Acesso em: 29 jan. 2024.

Autor notes

Jackson Ricardo de Souza Mestrando em Administração Pública pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Procurador Federal na Advocacia-Geral da União. E-mail: jackson.souza@agu.gov.br
Jimmy Lauder Mesquita Lucena Mestrando em Administração Pública pela pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Procurador da Fazenda Nacional na Advocacia-Geral da União. E-mail: jimmy.lucena@pgfn.gov.br
João Henrique Cardoso Ribeiro Mestrando em Administração Pública pela pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Procurador Federal na Advocacia-Geral da União. E-mail: joao.henrique@agu.gov.br
Leonardo Ricardo Araújo Alves Mestrando em Administração Pública pela pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Procurador Federal na Advocacia-Geral da União. E-mail: leonardo.alves@agu.gov.br
Nícolas Francesco Calheiros de Lima Mestrando em Administração Pública pela pela Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas (FGV EBAPE); Procurador Federal na Advocacia-Geral da União. E-mail: nicolas.lima@agu.gov.br


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