Resumo: A pandemia do Covid-19 trouxe mudanças e necessidade de adaptação no setor educacional, principalmente nas escolas públicas. O estudo teve como objetivo analisar os depoimentos dos professores/ profissionais da rede pública acerca do acesso, tanto pelos alunos, quanto pelos profissionais de educação à rede mundial de computadores e às plataformas digitais de ensino. A coleta de dados foi feita no período de março a agosto de 2020, na Rede Social Facebook, em postagens e comentários de grupos abertos e destinados aos profissionais de educação da Rede Pública do Estado e Municípios do Rio de Janeiro. Os dados foram analisados por meio do software Iramuteq constituindo um corpus com 1.086 segmentos de texto e aproveitamento de 91,07%. Os resultados apresentaram-se em duas áreas temáticas (a) ensino remoto com três classes: modalidade de ensino remoto, condições de acesso à tecnologia e organização sindical e (b) pandemia no contexto escolar com três classes: medidas de segurança para o retorno e estrutura escolar, preocupação com a preservação da vida e escola como lugar de risco e propagação do vírus. Os profissionais de educação mostraram-se preocupados com a possibilidade de contaminação diante as condições físicas das unidades escolares e com a exclusão de acesso às atividades remotas da maior parte dos estudantes.
Palavras-chave: Ensino, Exclusão digital, Isolamento social, Rede pública.
Abstract: The Covid-19 pandemic brought changes and need for adaptation in the educational sector, especially in public schools. The study aimed to analyze the statements of teachers/professionals in the public network about the access by both students and education professionals to the World Wide Web and digital teaching platforms. The data was collected from March to August 2020, in the Facebook Social Network, in posts and comments from groups open and intended for education professionals from the Public Network of the State and Municipalities of Rio de Janeiro. The data were analyzed using the Iramuteq software, constituting a corpus with 1,086 text segments and a 91.07% utilization rate. The results were presented in two thematic areas (a) remote teaching with three classes: remote teaching modality, conditions of access to technology and union organization and (b) pandemic in the school context with three classes: safety measures for the return and school structure, concern with the preservation of life and school as a place of risk and propagation of the virus. Education professionals showed concern about the possibility of contamination in face of the physical conditions of school units and the exclusion of access to remote activities for most students.
Keywords: Digital exclusion, Public network, Social isolation, Teaching.
Resumen: La pandemia de Covid-19 trajo consigo cambios y la necesidad de adaptación en el sector educativo, especialmente en las escuelas públicas. El estudio pretendía analizar las declaraciones de los profesores/profesionales de la red pública sobre el acceso tanto de los estudiantes como de los profesionales de la educación a la World Wide Web y a las plataformas digitales para la enseñanza. La recolección de datos se realizó en el período de marzo a agosto de 2020, en la Red Social Facebook, en posts y comentarios de grupos abiertos y destinados a profesionales de la educación de la Red Pública del Estado y Municipios de Río de Janeiro. Los datos se analizaron con el software Iramuteq, constituyendo un corpus con 1.086 segmentos de texto y un 91,07% de utilización. Los resultados fueron presentados en dos áreas temáticas (a) enseñanza a distancia con tres clases: modalidad de enseñanza a distancia, condiciones de acceso a la tecnología y organización sindical y (b) pandemia en el contexto escolar con tres clases: medidas de seguridad para el regreso y estructura escolar, preocupación con la preservación de la vida y la escuela como lugar de riesgo y propagación del virus. Los profesionales de la educación mostraron su preocupación por la posibilidad de contaminación frente a las condiciones físicas de las unidades escolares y por la exclusión del acceso a las actividades a distancia para la mayoría de los alumnos.
Palabras clave: Aislamiento social, Enseñanza, Exclusión digital, Red pública.
Publicação Contínua
Cotidiano escolar em tempos de pandemia: percepções dos profissionais de educação da rede pública do Rio de Janeiro
School daily life in times of pandemic: perceptions of professionals of the public education system of Rio de Janeiro
La vida cotidiana escolar en tiempos de pandemia: percepciones de profesionales de la educación de la red pública de Rio de Janeiro
Recepción: 17 Diciembre 2021
Aprobación: 12 Febrero 2022
Publicación: 15 Marzo 2022
A pesquisa surgiu do cenário de mudanças trazidas pela pandemia de Covid-19 - doença respiratória causada pelo agente SARS-CoV-2 (síndrome respiratória aguda grave coronavírus 2) (Franco Adriano et al., 2020) e a necessidade do isolamento social no fazer pedagógico. Em fevereiro de 2020, confirmou-se o primeiro episódio no Brasil e desde então, convivemos com casos de infecção e reinfecção pelo coronavírus, e o surgimento de novas variantes do vírus (Rodrigues, 2020). Como medida de redução do contágio, todos os setores considerados não essenciais foram fechados, incluindo as escolas, até que as curvas de contágio e mortes reduzissem e se fez necessário buscar um modelo de ensino que permitisse a manutenção do distanciamento social. A opção, para dar continuidade às aulas, foi utilizar as tecnologias digitais, por meio do ensino remoto, para intermediar o aprendizado, inclusive na Educação Básica (Brasil, 2020). Assim, a pandemia proporcionou mudança na forma de transmissão da educação, principalmente com o uso de tecnologias, com uma interrupção de grande impacto na interação professor-aluno. Gomes et al. (2020) destacam que nessa nova forma de mediação do ensino, não houve mudança ou adaptação das aulas e atividades, somente a distância é o elemento novo, visto que a maior parte das escolas públicas mantiveram as aulas expositivas, com leitura dos livros didáticos e pedidos de exercícios, agora enviados pelas redes sociais.
Alguns pontos a observar, nesse período em que o ensino na Educação Básica ocorre unicamente na modalidade remota, são: o panorama da educação pública em sua estrutura física, logística, a formação de profissionais e a (im)possibilidade em garantir o acesso de todos alunos à educação conforme Art. 206. Inciso I da Constituição Federal “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (Brasil, 1988); e, a diferença existente entre a Educação à Distância (EaD) e o ensino remoto nesse período emergencial. Em relação ao retorno às aulas presenciais, os representantes dos poderes públicos instituíram um comitê para desenvolvimento e acompanhamento de estratégias para a retomada dos serviços (Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, 2020). Neste sentido, antes da pandemia, o Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCMRJ) (2019) ressalta a importância de o poder público sanar aspectos relacionados à falta de professores e a estrutura física das escolas municipais. De Oliveira Brito e Siveres (2015), em um estudo in loco, destacam a importância da participação da comunidade escolar em um modelo de gestão compartilhada, incluindo a tomada de decisão.
O documento elaborado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), destaca três pontos principais para retorno das aulas presenciais: “(i) o conhecimento sobre transmissão e gravidade da Covid-19 em crianças e adolescentes, (ii) a situação epidemiologia em cada local específico, e (iii) a capacidade das escolas de manter medidas de prevenção e controle da doença” (OMS citado por Soares & Schoen, 2020, p.5). Soares e Schoen (2020) analisaram protocolos para reabertura de instituições educacionais em 13 países e identificaram medidas quanto ao alunado que pode frequentar a escola, higiene pessoal e limpeza escolar, uso de máscara e distanciamento social.
Segundo T. Cunha et al. (2020) a educação pública enfrenta problemas anteriores a pandemia, como falta de manutenção das instalações físicas, ausência de acesso à tecnologia no ambiente escolar, classes numerosas, dificuldades na formação docente e falta de profissionais. Neste sentido, o profissional da educação pública, como mediador do poder público nesse ambiente, é capaz de observar a (in)eficiência das medidas e alternativas ofertadas pelos representantes públicos em garantir a universalização do ensino.
A pandemia tem revelado muitas desigualdades e, no campo educacional, as diferenças na forma de acesso à educação ultrapassam questões geográficas (área rural ou urbana; bairros seguros ou violentos), questões de gênero (homem, mulher), questões socioculturais (maior ou menor renda; ambiente e materiais adequados para estudo, seja em casa ou no ambiente escolar) (Nascimento & Santos, 2020). Tais questões sobrepõem-se entre si, interagindo e interferindo no modo e no acesso à educação (Gomes et al., 2020). Ao longo do tempo, estudiosos e profissionais em educação pontuam que as escolas precisam se atualizar usando as tecnologias digitais no processo ensino-aprendizagem (T. Cunha et al, 2020). Sabe-se, que tal empreendimento requer investimentos substanciais em equipamentos, adequação da estrutura predial e formação dos profissionais e alunos para lidarem com a tecnologia enquanto ferramenta educacional (Novello et al., 2020).
Com o isolamento social a única forma de manter a continuidade do sistema educacional foi por meios tecnológicos, à distância. Com isso, as desigualdades sociais foram intensificadas. Os estudantes só poderiam utilizar os recursos que dispunham em suas residências e o capital cultural familiar. Ou seja, precisam de apoio para orientar as tarefas e estudo, acesso a livros, ter hábitos e local próprio para estudar. E, o principal em tempos de isolamento social, acesso a equipamentos eletrônicos e internet (Gomes et al., 2020; Pereira & Barros, 2020).
Para Pereira e Barros (2020), a qualidade da aprendizagem nesse período emergencial depende de três fatores relacionados a professores e alunos. O primeiro está relacionado aos profissionais de ensino, sua formação para uso das tecnologias, acesso e familiaridade com as mesmas. O segundo se relaciona à exclusão dos alunos sem equipamentos e acesso à internet. O terceiro, também, se relaciona aos alunos e a falta de motivação em realizar as tarefas e acompanhar o ensino. Precisam de motivação com algo que traga significado para o aprender, além de instalações adequadas em casa para o estudo.
Hodges et al. (2020) indicam a comparação da experiência de aulas on-line com o EaD e o questionamento da qualidade do que se oferece nesse período emergencial. Pode-se observar, como exemplo, o tempo disponibilizado para o planejamento das atividades e conteúdos. A mudança para ensino on-line trouxe a possibilidade de manter o aprendizado, mas exige que professores e alunos aprendam e improvisem diante das circunstâncias não ideais.
Dentro desse contexto, discute-se as diferenças entre os dois ensinos. No chamado EaD são considerados diversos tipos de interação do estudante, seja com o conteúdo, com o professor ou com os demais estudantes. Existe um planejamento do aprendizado e de qual forma será possível dar suporte aos diversos tipos de interação reconhecendo o processo da aprendizagem como social e cognitivo, muito além do que transmitir informações. Para que isso ocorra, faz-se necessário pensar e desenvolver diversas formas de transformar o ambiente virtual em uma comunidade de aprendizagem, em que todos possam contribuir na construção do conhecimento (Hodges et al., 2020).
Em contrapartida, o ensino remoto emergencial trata de algo temporário e alternativo devido ao contexto de saúde pública. Deve ser feito exclusivamente à distância e tão somente com a estrutura existente na moradia de cada aluno. Assim, o principal objetivo dessa modalidade de ensino é dar acesso aos conteúdos, que deveriam ser estudados, de forma rápida e o mais universal possível e, paralelamente, fazer um levantamento das necessidades e limitações de alunos e professores. Diante disso, é fácil deduzir que a qualidade será amplamente afetada, e devem ser vistas como algo temporário que precisará de soluções a médio e longo prazo para resgatar o que foi perdido nesse período. Ressalta-se o seu caráter emergencial e a impossibilidade de comparar o ensino oferecido nesse período com o EaD (Hodges et al., 2020).
Segundo Cardoso et al. (2020), com o atendimento escolar exclusivo em meio digital pode-se observar que além das políticas públicas serem aquém do necessário para implementar uma educação que utilize os meios tecnológicos no ambiente escolar, também não contemplam a universalização do acesso às tecnologias fora do ambiente escolar. A pandemia mostrou que a exclusão digital se estendeu para a exclusão do ensino, levando em conta que o único meio de acesso à educação é o virtual. Sentir-se-á os impactos desse período na educação por muito tempo, e as diferenças e disparidades sociais serão agravadas trazendo uma falta de perspectiva na mobilidade social, que se refletirá no mercado de trabalho e na economia.
Melo (2020) destaca que a mudança repentina para o ensino não presencial traz para o corpo docente inúmeros desafios, visto que sem formação continuada voltada para recursos tecnológicos tiveram de desenvolver aulas, apresentar conteúdos e atividades por meios digitais. Para além da carência de formação dos professores, há a questão socioeconômica dos alunos e a dificuldade dos gestores públicos em promover oportunidade de acesso a todos. As medidas são implementadas pelo governo por meio da verticalização das propostas de atendimento que visam à apresentação dos conteúdos acadêmicos e o acesso ao material didático, mas torna-se fundamental a escuta dos profissionais e o entendimento das especificidades de cada unidade escolar, com vistas a promover a equidade no acesso à educação. Ressalta ainda que nos casos em que o aluno não tem acesso as tecnologias digitais, recebem o material impresso e/ou assistem programas didáticos na televisão ou rádio e tais procedimentos não fornecem a orientação do professor, cabendo a responsabilidade aos familiares.
As estratégias de atendimento remoto no estado e município do Rio de Janeiro seguiram as normativas gerais, com o uso das redes sociais, aplicativos de conversas instantâneas, materiais preparados de acesso virtual, programas educativos na televisão, canal da prefeitura no YouTube e fornecimento de material didático impresso (Brasil, 2020). Tomou-se como procedimento alternativo à falta de equipamentos de alunos, somente a entrega de material impresso. Contudo, essa alternativa não possibilita atendimento para explicação, execução e correção das atividades. Com o prolongamento do afastamento escolar, plataformas de ensino a distância foram implementadas. Em março de 2021, foi disponibilizado um aplicativo com a transferência de dados patrocinada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro (Rio Prefeitura, 2021).
Corroborando com as pesquisas sobre o contexto pandêmico, L. Cunha et al. (2020) ressaltam que devemos considerar as implicações de ordem didática-pedagógica e socioeconômica e as grandes limitações das estratégias disponibilizadas em substituição às aulas presenciais. Em primeiro lugar, pela autonomia dos estudantes na Educação Básica que, dependendo do segmento, terão maior ou menor autossuficiência para execução das atividades e necessitarão de orientação e acompanhamento de um familiar ou outra pessoa por ele delegada. Soma-se aqui a impossibilidade de suporte, por falta de tempo e/ou falta de escolaridade necessária para tal. Seguindo para os que têm acesso às tecnologias digitais, é possível destacar a quantidade insuficiente de equipamentos para todos os estudantes do domicílio, a oscilação do sinal para acesso à internet e a obsolescência dos equipamentos. Já para os que assistem pela televisão e rádio, os programas educativos nem sempre seguem uma ordem cronológica dos conteúdos programáticos. Por último, outra limitação ocorre pela falta ou pouca interação aluno-professor, tendo em vista a maioria das atividades sendo oferecidas de maneira assíncrona1. Somado a estes fatores faz-se necessário um local minimamente apropriado para o estudo, com iluminação e silêncio.
Buscou-se observar o desenvolvimento e a continuidade do trabalho dos professores e funcionários da educação pública do Estado do Rio de Janeiro neste contexto e, possíveis efeitos psicológicos, para auxiliar na recuperação dos possíveis danos que a pandemia traria para o setor educacional. Assim, este artigo teve como objetivo analisar as percepções dos profissionais de educação acerca do acesso às plataformas digitais de ensino e as alterações na dinâmica escolar decorrente do contexto pandêmico. E como objetivo específico discutir as medidas preventivas para retorno à escola. O presente estudo pretende dar voz aos profissionais de educação sobre a inclusão/exclusão digital e a infraestrutura no retorno às atividades escolares.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, exploratória e documental. Segundo Fontelles et al. (2009), a pesquisa qualitativa propicia o entendimento de fenômenos de natureza social e cultural, mediante descrições, interpretações e comparações por parte do pesquisador e a pesquisa exploratória possibilita uma aproximação inicial com o tema e os aspectos relacionados ao fenômeno. Ainda segundo os autores, a pesquisa documental utiliza a coleta de documentos como base constituindo-se uma técnica adequada de dados qualitativos.
O corpus foi coletado das declarações dos profissionais de educação, principalmente professores, da Rede Pública do Estado e Municípios do Rio de Janeiro. Profissionais de educação são todos aqueles que atuam dentro da unidade escolar e participam da dinâmica da instituição, ou seja, professores, coordenadores, diretores, merendeiras, agentes educadores e funcionários administrativos.
A coleta de dados foi feita na Rede Social Facebook nos grupos destinados aos participantes dessa pesquisa. Tendo por período determinado a data de fechamento das escolas no Estado do Rio de Janeiro, 18 de março de 2020 até 31 de agosto do mesmo ano, completando cinco meses e 13 dias de coleta. Por questões éticas, somente os grupos públicos foram usados para a coleta de dados: “SEPE” e “SEPE RJ – Oficial”. Os dois grupos são representativos do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação do Estado do Rio de Janeiro (SEPE), segundo seu estatuto, Art. 2º, Inciso I, uma de suas finalidades é “reunir e congregar os professores, funcionários administrativos, orientadores e supervisores, ativos e aposentados, enfim, os profissionais de educação das redes públicas de educação Estadual e Municipais do Estado do Rio de Janeiro” (SEPE, 2014, p. 1).
Como fonte de coleta de dados utilizou-se postagens e comentários resultantes da busca nas páginas com os descritores “aula” e “pandemia”. O critério de inclusão foi postagens realizadas por profissional de educação, conforme devidamente delimitado acima. Para identificação usou-se (a) o autorreconhecimento, diretamente por sua fala, ao se colocar nesse lugar e (b) por pesquisa nas informações públicas contidas em seu perfil na referida rede social. O critério de exclusão foi postagens de comentários e publicações com menções a partidos políticos, ainda que profissional da educação. Dentre as postagens resultantes da busca, quando compartilhadas pelos sujeitos do corpus, transcreveu-se suas observações sobre o compartilhamento e os comentários feitos na publicação que atendiam aos critérios de inclusão. Neste caso, o texto compartilhado também foi considerado como corpus, a maior parte trazia notas de esclarecimento, reivindicações, cartas abertas e posicionamentos do sindicato.
Os dados foram analisados por meio do software Iramuteq® (Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires). Trata-se de um software gratuito que permite analisar estatisticamente corpus de textos, visualizar e comparar formas linguísticas e características das palavras utilizadas. Ou seja, acessar o conteúdo simbólico dos textos, dos discursos. Desta forma, pode-se realizar um estudo qualitativo através da análise dos discursos que compõem o corpus, buscando representações ideológicas e socioculturais manifestos no léxico (Camargo & Justo, 2013; Salviati, 2017).
Primeiramente, os dados foram transcritos na íntegra de maneira ordenada em uma tabela no software aplicativo de textos Microsoft® Word, separados por meses e conteúdo de postagens com seus respectivos comentários. Ao final, contabilizou-se um total de 1.157 entradas de postagens e comentários distintos retirados das páginas e divididos entre os meses: março - 227; abril - 95; maio - 104; junho - 251; julho - 345; e, agosto - 130. A partir dessa primeira organização dos dados, levantou-se a hipótese que o foco das preocupações se modificara no tempo, conforme a situação de reabertura/funcionamento das escolas se mantinha incerta e a divulgação de notícias e pesquisas sobre as formas de contágio e protocolos de enfrentamento e contenção do contágio se propagavam. Por isso, o corpus foi dividido em seis textos de acordo com os meses do período de coleta com o intuito de identificar os comentários ao longo do tempo e as possíveis mudanças. Devido ao corpus extenso, utilizou-se somente os vocábulos que se repetiam a partir de dez vezes, e para a formação da nuvem de palavras somente as formas ativas. Vale ressaltar que o número de postagens e comentários não é equivalente ao que se configura Segmentos de Texto (STs) no programa. Segundo Camargo e Justo (2013), STs são fragmentos dimensionados pelo software em acordo com o tamanho do corpus de três linhas. Destaca-se que ao inserir um corpus no software, este deve ter um aproveitamento de 75% para ser considerado apto (Camargo & Justo, 2013).
Logo após, os dados foram tratados conforme os parâmetros indicados para análise no software Iramuteq®. Os textos foram revisados ortograficamente, retirados os emoticons e as pontuações excessivas, padronizou-se as siglas e escreveu-se por extenso as abreviações. As palavras que juntas trazem uma única ideia, foram ligadas por um traço baixo, como em Ministério_Público; escola_pública; escola_particular; Rio_de_Janeiro; entre outros. A seguir, as postagens e os comentários foram analisados no software.
Na análise textual, considerou-se as classes de palavras: substantivos, formas não comuns, adjetivos e verbos como formas ativas; artigos e preposições foram eliminados; e, as demais classes como formas suplementares. Dentre as alternativas de análise de dados fornecidas pelo programa, escolheu-se Classificação Hierárquica Descendente (CHD), Análise Fatorial por Correspondência (AFC) e nuvem de palavras.
A análise CHD, também conhecida por método Reinert, agrupa as palavras dos textos em classes de acordo com a proximidade semântica observadas nos STs. A partir disso, apresenta um dendograma que organiza as palavras por: quantidade, mostrando as com maior frequência primeiro e em tamanho maior que as demais; e, por composição das classes, mostrando a ramificação dos sentidos identificados nos STs (Tavares, 2019).
A análise AFC representa em um plano fatorial cartesiano as palavras e suas classes, conforme agrupadas na análise CHD, sendo possível visualizar a proximidade e as interações entre palavras e classes dos STs, ou seja, observar graficamente os diversos contextos e sentidos do corpus (Tavares, 2019). Por último, a análise de Nuvem de Palavras agrupa e organiza as palavras do corpus de acordo com a frequência. Quanto maior a frequência, maior o tamanho da palavra, facilitando a observação dos termos que mais aparecem no conjunto de textos (Camargo & Justo, 2013; Salviati, 2017).
O corpus geral foi constituído por seis textos representativos dos dados de cada mês analisado (março, abril, maio, junho, julho e agosto), com 1.086 STs, e aproveitamento de 989 STs, 91,07% do total, conforme Figura 1. Apresentaram-se 39.103 ocorrências de palavras, com 5.520 palavras distintas e 2.946 aparecendo uma única vez. Formaram-se seis classes de categorias divididas em dois ramos temáticos: classe 1 (em vermelho) com 128 STs, 12,94% do total; classe 2 (em cinza) com 174 STs, 17,59% do total; classe 3 (em verde claro) com 208 STs, 21,03% do total; classe 4 (em azul claro) com 128 STs, 12,94% do total; classe 5 (em azul escuro) com 198 STs, 20,02% do total; e, classe 6 (em rosa) com 153 STs, 15,47% do total.
Observa-se na Figura 1, que os textos se dividiram em duas áreas temáticas. A primeira, Ramo 1, trouxe questões relacionadas ao ensino remoto, envolvendo três classes: Classe 3 – Modalidade de ensino remoto; Classe 4 – Condições de acesso à tecnologia; e, Classe 6 – Organização sindical. Destaca-se a conexão entre as classes 3 e 4, pois levantaram discussões sobre os tipos de modalidade de ensino remoto e a disponibilidade de recursos tecnológicos para garantir a universalização da educação, e a classe 6 retratou o posicionamento político enquanto servidor público. A segunda, Ramo 2, problematizou a pandemia no contexto escolar e agrupou a Classe 1 – Medidas de segurança para o retorno e estrutura escolar; Classe 2 – Preocupação com a preservação da vida; e a Classe 5 – Escola como lugar de risco e propagação do vírus. As classes 1 e 2 relacionaram a preservação da vida e a necessidade de cumprir um protocolo de segurança nas escolas com a estrutura física apresentada nas unidades escolares, enquanto a classe 5 se preocupou com a propagação do vírus para as famílias de alunos e profissionais.
Observa-se nessa área a busca por soluções para continuação das atividades escolares. Nesse momento, o uso das tecnologias digitais se apresentou como o único modo de promover a continuidade da oferta de ensino, e os professores questionaram a igualdade de acesso, tendo em vista a desigualdade social vivenciada, principalmente nas instituições públicas de ensino. Outro ponto levantado pelos profissionais, nos meses de março e abril, foi a impossibilidade de se transformar as aulas presenciais em EaD. Até aquele momento não se falava em ensino remoto emergencial. A confusão entre EaD e aulas emergenciais estava posta. Depois de muito questionamento e constatação das diferenças entre o oferecido emergencialmente e o EaD iniciou-se o ensino remoto emergencial. Devido à falta de formação continuada e a falta de estrutura sanitária observou-se inquietações e questionamentos dos profissionais nas classes 3 e 4, dentro da área temática do ensino remoto. Já a classe 6, teve seu foco temático na luta sindical e, embora esteja no Ramo 1, é presente em todos os meses de coleta, conforme demonstra a Figura 2.
A classe 3 (Figura 2) teve predominância nos meses de março e abril trazendo o tema da implementação do ensino remoto emergencial e do uso das plataformas de EaD, como na fala dessa professora: “Estamos falando de política educacional durante uma crise epidemiológica. E achar que dá para substituir a aula presencial por EaD, sabendo da realidade dos nossos alunos, não é uma saída. ” (ST, 20 mar. 2020). Os professores, desde o início da pandemia, ressaltaram as diferenças entre as modalidades de ensino corroborando com os estudos publicados posteriormente sobre a educação em contexto de pandemia (T. Cunha et al., 2020; Gomes et al., 2020; Hodges et al., 2020; Novello et al., 2020). De fato, existem muitas diferenças entre a modalidade de ensino EaD e a oferecida emergencialmente. A primeira é complexa e tem uma legislação própria, possui profissionais qualificados, materiais didáticos adequados, planejamento com visão multidisciplinar e, é focada no aluno como protagonista do processo ensino-aprendizagem. A segunda não possui legislação, e tem por objetivo transmitir o conteúdo do programa presencial, com pouca interação com os professores e muito menor com os colegas, sendo em sua totalidade improvisada (Joye et al., 2020). A preocupação dos profissionais se estendeu para uma possível utilização precária dos recursos tecnológicos que seriam disponibilizados. Outro questionamento referiu-se a falta de formação dos professores para utilizar as tecnologias digitais como ferramentas pedagógicas, tornando o ensino mais deficitário: “Bom, também não acredito que implementar o Ead sem a devida qualificação e treinamento dos professores será efetivo... o Ead dá certo justamente porque os profissionais são qualificados para esse tipo de curso e os materiais são feitos com cuidado e técnica ...” (ST, 20 mar. 2020).
A primeira experiência de isolamento sanitário para o Covid-19 foi a da cidade de Wuhan, na China, epicentro da disseminação do vírus. A cidade ficou em isolamento por 76 dias, findando em sete de abril de 2020 (G1, 2020). Com base nessas informações, havia a expectativa de que as mesmas medidas e prazos de isolamento seriam implementadas pelos Estados, em especial o Estado do Rio de Janeiro. Nesse contexto, os profissionais de educação questionavam a forma de reposição das aulas no retorno presencial. E, se acaso houvesse reposição, não teria sentido um atendimento remoto nesse momento em que a preocupação primeira seria a manutenção da vida: “Nesse momento precisamos nos cuidar e cuidar dos nossos. Não é hora pra pensar em reposição ou aula virtual... eu hein.” (ST, 20 mar. 2020).
A classe 4 (Figura 2) apresentou ocorrências predominantemente nos meses de março, abril e maio, e corroborando com a literatura, refletiu a preocupação dos profissionais de educação com a falta de recursos tecnológicos e a dificuldade de acesso à internet por grande parte dos alunos da rede pública de ensino (Cardoso et al., 2020; L. Cunha et al., 2020; Pereira & Barros, 2020). Esta classe também revelou a preocupação com o acesso dos professores, seja por questões materiais, seja por falta de qualificação para utilizar equipamentos, programas e plataformas de ensino. Esse dado vai ao encontro dos estudos de Melo (2021) e Novello et al. (2020). Os STs com maiores escores estavam relacionados à carência de recursos próprios e a observada nos alunos para a efetivação das aulas em meio eletrônico: “Dou aula em comunidade, vários alunos não possuem acesso à internet. Como vão fazer as aulas no Teams? E os professores que não têm computador? Esse app não tem as mesmas ferramentas de PC para uso no celular...” (ST, 13 mai. 2020).
Examinando as declarações coletadas, uma das preocupações dos profissionais em educação estava no uso, exclusivamente, das tecnologias mediando o processo educativo, nesse período pandêmico. Principalmente pela dificuldade no acesso às tecnologias. Tal fato, impossibilita o acesso de todos à educação possível no momento de crise. Segundo Joye et al. (2020), nos dados da última pesquisa, em 2019, sobre Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), somente 14% dos domicílios das classes D e E, possuem computador. Neste caso, no contexto atual de isolamento, as pessoas de classes econômicas mais vulneráveis têm o acesso à internet restrito, cerca de 26% da população. Outro dado relevante da mesma pesquisa é o meio de acesso, 57% dos que acessam é pelo smartfone. Um professor trouxe o seguinte depoimento:
Por mais que a ideia de EaD em um primeiro momento pareça boa, na prática se mostra um caos e um desastre por todos os motivos que conhecemos, principalmente porque fere a garantia de universalidade de ensino para todos os filhos e filhas da classe trabalhadora, que é o maior propósito da educação pública, visto que o Estado não fornece os meios e os recursos para que haja igualdade de condições para todos. (ST, 11 abr. 2020).
Ao pensar em inclusão digital primeiramente se apresenta os equipamentos e o acesso à rede mundial de computadores. Contudo, a inclusão digital não é somente ter meios e saber acessá-los. Como todo processo de aprendizagem, é importante que haja apropriação, que os sujeitos aprendentes possam não só consumir, mas também produzir cultura e conhecimento no meio digital. Assim, mesmo que tenham acesso e façam uso das tecnologias digitais em seu cotidiano, a inclusão digital não está garantida, porque precisam deixar o lugar de meros consumidores, recebendo as informações sem pensar sobre, ou sem uma visão crítica do que acessam (Joye et al., 2020). Porém, a maior parte das unidades escolares da rede pública não possuem estrutura e/ou equipamentos tecnológicos para uso coletivo de alunos e professores (TCMRJ, 2019). Não é possível planejar e executar aulas que incluam o uso das tecnologias de maneira crítica, seja para produzir conteúdo, compartilhar saberes ou buscar direitos. Dessa forma, pôde-se deduzir que a deficiência da rede de ensino em propiciar a inclusão digital é anterior à pandemia, e afetou, inclusive, aos alunos que possuem acesso aos meios digitais, pois não estavam aptos a usar essa forma para construir seu conhecimento (Gomes et al., 2020; Joye et al., 2020).
A classe 6 (Figura 2) teve predominância nos meses de julho e agosto, embora aparecessem STs com escore alto em março. Nesse grupo de STs, o foco referiu-se ao movimento sindical organizado dos profissionais da educação para garantir seus direitos e dos alunos. Foram chamados, apelos para a organização e luta enquanto categoria. Foi possível observar o discurso sindical em busca da garantia dos direitos dos servidores públicos e dos usuários do serviço público, coincidindo com a ação pública do sindicato (SEPE, 2021).
No mês de março, o posicionamento foi contra à implementação das atividades remotas. A preocupação estava na impossibilidade dos professores em acessar: “A partir do momento em que vão votar na ALERJ o EaD como dia letivo, logo, quem não entrar vai tomar falta, 10 consecutivas é processo administrativo, abandono e tchau! A não ser que o sindicato judicialize e consiga liminar” (ST, 28 mar. 2020). E, na impossibilidade dos alunos: “Escola do interior, metade dos alunos não terão acesso. ” (ST, 24 mar. 2020). Outro ponto nesse mês foi a abertura das escolas do município do Rio de Janeiro para fornecer alimentação. Os profissionais pediam, outras formas de atendimento alimentar, tendo em vista que abrir as escolas para alimentação, também traria a aglomeração e circulação do vírus: “A diretora do Sepe comenta a decisão da SMERJ de abrir as escolas para o almoço, no recesso do combate à pandemia. O sindicato já movimentou seu departamento jurídico para resguardar a saúde das funcionárias e professoras.” (ST, 20 mar. 2020). Os STs predominantes, em julho e agosto, mostraram as convocações e movimentações para impedir legalmente o possível retorno das atividades presenciais: “A campanha, intitulada ‘A vida é mais importante: volta às aulas na pandemia é genocídio’, está sendo realizada pelos núcleos do Sepe” (ST, 24 jul. 2020).
A presente área temática expressa as preocupações compartilhadas pelos profissionais de educação com a falta de infraestrutura tecnológica no ambiente escolar, falta de formação tecnológica dos professores e, principalmente, da impossibilidade de acesso dos alunos às tecnologias digitais. Tais deficiências para acessar a internet e interagir nas atividades de ensino, não poderiam ser supridas imediatamente, pois necessitam da implementação de políticas públicas nesse setor. Os relatos dos educadores contribuem com Cardoso et al. (2020) quando ressalta que para construir um cidadão crítico incluso nas tecnologias digitais, faz-se necessário uma política pública educacional voltada para propiciar o uso pedagógico das tecnologias de maneira efetiva no ambiente escolar e social, bem como é essencial uma formação efetiva dos profissionais de educação que favoreça a apropriação das tecnologias nesse novo modelo educacional.
A área temática do contexto escolar teve predominância nos meses de junho e julho, e abrangeu a falta de elaboração de um protocolo de segurança eficaz e a impossibilidade física e organizacional das instituições de ensino públicas em executar esse protocolo. Das três classes que compõe o ramo 2 (ver Figura 3), a Classe 1 – Medidas de segurança para o retorno e estrutura escolar – e Classe 2 – Preocupação com a preservação da vida – se mostraram próximas, como duas partes de um mesmo assunto. Enquanto, a Classe 5 – Escola como local de risco e propagação do vírus – evidenciou a situação precária em que as unidades escolares já se encontravam antes da pandemia, seja em relação ao espaço físico, seja em relação aos recursos humanos. Fato que dificulta a execução de qualquer protocolo de segurança.
A Classe 1 (Figura 3) evidenciou a necessidade de protocolos de segurança para o retorno das atividades presenciais. Soares e Schoen (2020) destacam que a reabertura de escolas deve considerar a situação epidemiológica de cada região e as condições de infraestrutura de cada instituição. Os profissionais de educação se mostraram preocupados com um retorno presencial quando a curva de contágio subia e a ocupação dos leitos estava alta: “Com a curva só aumentando, é descaso com a vida de alunos, profissionais da educação e responsáveis” (ST, 03 jun. 2020). Principalmente, pela imensa rede de contatos que o ambiente escolar envolve, com muitas pessoas de convívio próximo e que se movimentam pela cidade.
Nesse momento, os representantes dos poderes públicos anunciavam o retorno das atividades presenciais (Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, 2020), contudo não apresentavam o planejamento estratégico de acompanhamento destes protocolos ou formas que protegessem a comunidade escolar. Muitos evidenciaram a distância entre o que se propunha de medidas e o que acontecia no ambiente escolar:
Na teoria, tem tapete sanitizante, álcool em gel e uso obrigatório de máscara. Na prática, tem um monte de criança com saudade dos amigos, se abraçando, incomodada com a máscara e mexendo o tempo todo, tem compartilhamento de lanche, sem dar tempo de a professora interferir, tem empréstimo de borracha, tem falta de profissional de limpeza de banheiros a cada uso e não tem sabonete pra lavar as mãos, durante todo o tempo. (ST, 24 jun. 2020).
A palavra vacina apareceu, em diversos STs desta classe, como alternativa diante da impossibilidade de se resolver tantos problemas estruturais observados nas escolas: “Precisamos de vacina antes de qualquer coisa, tudo além disso é engodo.” (ST, 24 jul. 2020); “Só acredita na segurança da ‘volta às aulas com protocolo’ quem nunca mais pisou numa escola, desde que terminou os estudos. ” (ST, 24 jul. 2020). O vocábulo “piolhar”, que apareceu com destaque médio na nuvem de palavras dessa classe, trouxe curiosidade. Fez-se uma busca nos STs e a palavra “piolho” apareceu associada a “controlar” e “covid_19”: “Volta as aulas com vacina, escola não controla piolho. Vai controlar COVID?” (ST, 24 jul. 2020). A analogia entre propagação de piolhos com a propagação do vírus no ambiente escolar também apareceu em outras discussões: “Só uma coisinha pra quem não entende xxx nenhuma sobre escolas e seu funcionamento: se um aluno pegar piolho, todos, ou quase todos, vão pegar também, ok?! Entenderam agora?” (ST, 24 jun. 2020). De acordo com estes STs, mesmo com todos os cuidados da família e protocolos de afastamento da criança infestada, é provável que a maioria dos alunos da turma, incluindo o professor, “pegará” piolho.
A Classe 2 (Figura 3) teve como assunto principal a vida e sua preservação e conforme a imprensa noticiava o aumento do número de mortes diárias e infecções (Exame, 2020), os professores/profissionais educação não apoiavam o retorno das aulas presenciais: “Não é hora de voltar às aulas, não é questão de opinião, estamos no meio de uma grave pandemia, há risco de morte e a prioridade é preservar a VIDA!” (ST, 23 jul. 2020). Na presente classe, os profissionais de educação se apegaram às questões legais e sindicais para evitar a pressão social de retorno das aulas presenciais (Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro, 2020). Difere ao observado na Classe 6, cujo foco foi a preservação da vida. Os profissionais de educação baseavam-se na experiência de funcionamento escolar anterior à pandemia: turmas lotadas, algumas passando de 45 alunos; falta de insumos de limpeza; preservação precária de banheiros. E ressalta-se que a escola é um ambiente frequentado não só por alunos e professores, mas também por funcionários de apoio administrativo, de serviços gerais e da família dos alunos e a comunidade local (De Oliveira Brito & Siveres, 2015).
A Classe 5 (Figura 3) foi predominante no mês de julho. Nesse grupo de STs, o tema estava no contágio e na exposição ao vírus dentro do ambiente escolar, caso as aulas presenciais retornassem naquele momento. Observamos o medo do contágio e/ou de contaminar os familiares: “Pior os professores que não são do grupo de risco, porém convivem com familiares que são. E aí, como fica? Vai trabalhar, pega o vírus, leva para casa e contamina familiares com comorbidades? Absurdo sem tamanho!!!” (ST, 07 jul. 2020). De alunos também: “Sem mencionar que às crianças levam para dentro de casa o vírus transmitindo assim para pessoas do grupo de risco” (ST, 04 jul. 2020). Também, preocupação com o grande número de profissionais em grupo de risco, se fossem afastados aumentaria o déficit de professores e, os que ficassem não seriam suficientes para atender todos alunos: “vão contratar novos professores para suprir a carência desses que apresentam comorbidades? Vai haver essa contratação ou chamada de concursados relâmpago?? Se for, ótimo!” (ST, 07 jul. 2020).
O segundo eixo temático trouxe a percepção, desse grupo de profissionais da educação, a respeito das dinâmicas, precariedade das instalações físicas e falta de profissionais nas unidades escolares. O observado condiz com recomendações do relatório das atividades do TCMRJ “R7 – Que se envide esforços para solucionar a carência de professores, bem como as questões relativas à infraestrutura das escolas.” (TCMRJ, 2019). E, com dados fornecidos pela imprensa “Segundo o estudo, cerca de 73% das escolas do ensino fundamental estão em situação precária. Em 2008, quando o levantamento começou a ser produzido, eram apenas 14%.” (G1, 2019). A educação pública no estado do Rio de Janeiro já estava carente de uma efetiva modificação. E, nesse momento de crise sanitária, seriam a base para o retorno gradual das atividades presenciais.
Após a análise das classes e seus STs, comprovou-se a percepção inicial de que os temas das falas se modificaram entre os meses de coleta. O primeiro eixo temático – Ensino remoto – é discutido nos primeiros meses de fechamento das unidades escolares, nas classes 3 e 4. Quando observamos o gráfico de coordenadas cartesianas (AFC – Figura 4) estas classes estão correlacionadas.
A Classe 6, nos meses de julho e agosto, embora se apresente no mesmo eixo, no gráfico AFC está bem destacada das demais classes do corpus. São STs de construção semântica diversa e isolados dos demais, tão destacados que seria possível classificá-los como um ramo independente. Tal evidência concorre com estudos de análise do discurso trabalhista-sindical que indicam ser este “constituído por formações discursivas provenientes de diferentes campos: do político, do jurídico-trabalhista, do patronal, do governamental, do trabalhador, que se opõem hierarquicamente de forma instável.” (Steingenberger, 2007. p. 42). Correlacionou-se a AFC (Figura 4) com o litograma (Figura 5), usando as seis primeiras palavras mais citadas em cada classe para buscar possíveis inferências. Na Classe 6 (destacada em cor rosa), temos: sepe; rio_de_janeiro; diretor; sindicato; rede_municipal; conselho. São palavras ligadas diretamente ao sindicato enquanto instituição (sepe, sindicato), ao local de atuação (rio_de_janeiro, rede_municipal), e a gestão das unidades escolares (diretor, conselho). Nesse contexto, o gestor representa o poder público, é o agente que efetiva as medidas ordenadas, enquanto é pelo sindicato e organização de seus filiados que se torna possível ir contra as determinações percebidas como “irresponsabilidade dos governantes para com os profissionais de educação e a população” (SEPE, 2021). Na Classe 3, verde-claro: ead; distância; ensino; repor; reposição; solução. E, Classe 4, (cor azul-claro): acesso; internet; computador; celular; aluno; whatsapp. Nessas classes, evidencia-se a interdependência, para que o ensino remoto, Classe 3 (cor verde), se efetive e concretize faz-se necessário um meio para acessar a rede mundial de computadores (internet) e equipamentos. Assim, o aluno precisa ter acesso à internet, equipamentos (celular, computador) e programas (whatsapp). Essa correlação é vista na AFC (Figura 4), na qual as palavras das classes 3 e 4 se misturam no plano cartesiano.
O segundo eixo temático – Contexto escolar – foi predominante nos meses posteriores, junho e julho, justamente no momento de pressão pública para a reabertura das escolas e retorno das aulas presenciais. Neste eixo, as três classes interagem entre si, os vocábulos estão próximos e misturados no plano cartesiano (Figura 4) mostrando uma correlação semântica na construção dos STs. Na Classe 1, (cor vermelha), destacou-se: vacina; protocolo; curva; voltar; previsão; segurança. E, na Classe 2, (cor cinza): vida; filho; voltar; pai; matar. No litograma (Figura 5), apareceram como nuances do mesmo assunto. A Classe 2 mostrou a preocupação com a preservação da vida, por isso, a necessidade de se estabelecer um protocolo de segurança nas escolas, Classe 1. Conforme destacam T. Cunha et al. (2020) para a implementação do protocolo de segurança faz-se necessário avaliar as instalações físicas, insumos e recursos humanos das unidades escolares com o intuito de proteger a comunidade escolar da contaminação – Classe 5, (cor azul escuro): risco, grupo, vírus, criança, lugar, comorbidades. Profissionais (comorbidades, grupo, risco) e alunos (crianças) iriam interagir no ambiente escolar (lugar) e poderiam espalhar o vírus em suas casas.
Os três pontos principais destacados pela OMS para retorno das aulas presenciais (OMS citado por Soares & Schoen, 2020) foram observados também, nos dados coletados no presente estudo e apareceram como preocupação nos discursos dos profissionais. Destes, o que mais apareceu foi a capacidade das escolas em manter tais medidas, principalmente pela falta de materiais e insumos constantes, depreciação das estruturas físicas das unidades escolares, superlotação das turmas e profissionais de apoio insuficientes. Assim, os riscos de infecção e transmissão tornam-se aumentados pela deficiência em manter a higiene e dificuldade em controlar o acesso e circulação dos alunos, por falta de insumos e recursos humanos. Para uma efetiva separação da comunidade escolar em pequenos grupos permanentes e com ausência de contatos entre si, seria necessário investimento e ampliação de recursos físicos e humanos. O contexto pandêmico em seus vieses escolar e social no Estado do Rio de Janeiro, dentro do período coletado (18 de março a 31 de agosto de 2020), foi percebido por meio dos STs coletados nas redes sociais abertas que a suspensão das aulas presenciais seria a medida possível de evitar a propagação do vírus e preservar mais vidas.
O objetivo deste estudo foi analisar as percepções dos profissionais de educação acerca do acesso tanto pelos alunos, quanto pelos profissionais de educação às plataformas digitais de ensino e as alterações na dinâmica escolar decorrente do contexto pandêmico, bem como discutir as medidas preventivas para retorno à escola. No momento de fechamento desse artigo, observa-se um retorno escalonado do ensino presencial após um ano de escolas fechadas, no Estado do Rio de Janeiro. Passado esse tempo, continuamos enfrentando a pandemia no ambiente escolar com políticas públicas isoladas para redução da exclusão digital, e movimentos pontuais de reestruturação das unidades escolares. Foi evidenciado nos STs analisados que os profissionais de educação executaram suas atividades sem recursos, planejamento e orientação para efetivação do atendimento remoto. Com cada unidade escolar buscando soluções para manterem o vínculo dos estudantes com a escola em um momento em que não havia uniformidade no atendimento. No momento, a instabilidade se fez presente, e os profissionais de educação manifestaram ansiedade e medo quanto ao futuro retorno das atividades presenciais: “Prioridade é a vida. Educação se recupera, se houver uma política de qualidade no futuro. Até parece que teremos um ano letivo de qualidade em se voltando às aulas. Esse prefeito está louco, desrespeitando os protocolos da saúde mundial. O Rio está em plena contaminação.” (ST, Classe 1, 23 jun. 2020).
O atendimento escolar ofertado, quase exclusivamente no meio digital, segrega a maior parte dos alunos. Pode-se pensar na exclusão da exclusão, caso se leve em conta a deficiência do poder público em promover uma educação universal e de qualidade. Em meio a esses processos, o professor/profissional da educação, vivencia os problemas sociais estruturais, pois se replicam no ambiente escolar:
a adesão por parte dos alunos é mínima, uma mentira, uma enganação. O esperado. Com familiares desempregados, passando necessidades, irmão menores em casa sem aula, sem acesso a uma internet boa e a computadores, sem um ambiente favorável ao estudo, sem privacidade e silêncio, dividindo cômodos com muitas pessoas, somado ao total despreparo da rede para este tipo de aula online, o resultado só poderia ser esse. Uma derrota. Uma vergonha. (ST, Classe 4, 15 abr. 2020).
Por isso, torna-se importante refletir o efeito limitado dessa estratégia e seus impactos na ampliação da desigualdade, para então, desenvolver programas educacionais que assegurem a aprendizagem de todos (Nascimento & Santos, 2020). No corpus desse estudo, os STs expressaram a preocupação com o retorno às aulas presenciais e com a disponibilidade de formas de acesso as TICs, para professores e alunos. Evidencia-se que tal posicionamento se justificava pelas condições da infraestrutura das unidades escolares em que atuavam. Para um retorno presencial, muitos fatores interconectados devem ser observados: questões sanitárias do ambiente com adequação do espaço e continuidade de procedimentos de higienização; manutenção dos protocolos de segurança por todos envolvidos; vacinação; propagação de novas variantes do vírus e letalidade. Deste modo, faz-se importante o estabelecimento de estratégias para o retorno que atentem para alternativas construídas no coletivo, como por exemplo, um retorno progressivo. Exemplificando o exposto – parte da turma frequenta as aulas em formato presencial e outra parte da turma realiza atividades assíncronas. Provavelmente, esta estratégia pode auxiliar na adesão a participação dos alunos.
Outro ponto a ser observado são os resultados de pesquisas. Destaca-se a divulgação recente de uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ) em conjunto com a Universidade da Califórnia (UCLA) e a London School of Hygiene and Tropical Medicine (LSHTM) (Azevedo, 2021). Os estudos indicaram que crianças e adolescentes foram mais infectados por adultos que atuaram como transmissores no período de maio a setembro de 2020 (momento em as escolas estavam fechadas no Rio de Janeiro). Concluem dizendo que mesmo com esses resultados, se faz necessário imunizar esse grupo, além dos adultos. Tendo em vista que 25% da população brasileira tem menos de 18 anos e o nível de proteção para que não se perpetue a epidemia de Covid-19 é uma imunização de 85% dos indivíduos suscetíveis (Azevedo, 2021), a vacinação dos professores/profissionais de educação antes de um retorno presencial auxiliaria na contenção da propagação do vírus. O que justifica sua inclusão como grupo prioritário para a vacinação.
Esta pesquisa contribuiu com elementos, indicados pelos STs de profissionais de educação, para auxiliar no planejamento da recuperação das lacunas no acesso aos recursos digitais deste período pandêmico. Incita pesquisas sobre os possíveis impactos psicológicos nos profissionais de ensino, pois poderão influenciar na gestão educacional e na prática pedagógica. Pesquisas que relatem as experiências dos profissionais se fazem necessárias para sustentar um planejamento capaz de amenizar, significativamente, os danos educacionais agravados pela pandemia de Covid-19. E, auxiliam no estudo da eficiência das medidas e alternativas ofertadas pelos representantes públicos em garantir a continuidade do ensino de forma que todos tenham acesso. Apesar disso, apresenta algumas limitações, uma vez que para uma comprovação ou melhor verificação das inferências apresentadas, precisa-se aumentar e diversificar as fontes de coleta dos dados. Neste estudo, foi possível pesquisar em dois grupos, abertos, por questões éticas. Usar somente grupos abertos não permitiu uma universalização dos resultados. Contudo, foi possível fazer um levantamento de hipóteses sobre as percepções e sentimentos no discurso dos professores e demais profissionais de educação quanto as circunstâncias da educação pública do Estado e Municípios do Rio de Janeiro. Um discurso voltado para seus pares, aqueles com quem divide as angústias, limitações, experiências e dificuldades enfrentadas no ambiente escolar; cheio de esperança, ideias e consciência do importante papel social de uma educação pública universal e de qualidade.
Como citar: Pinto, R. C. B., & Quiterio, P. L. (2022). School daily life in times of pandemic: perceptions of professionals of the public education system of Rio de Janeiro. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e16900. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.16900
Contribuições dos Autores: Pinto, R. C. B.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Quiterio, P. L.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. As autoras leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
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