Publicação Contínua
A contribuição da educação infantil no repertório de habilidades sociais de crianças de 4 e 5 anos de idade
The contribution of child education on the social skills’ repertory of children of 4 and 5 years old
La contribución de la educación infantil en el repertorio de habilidades sociales de los niños de 4 y 5 años
A contribuição da educação infantil no repertório de habilidades sociais de crianças de 4 e 5 anos de idade
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17244, 2022
Universidade Federal de Sergipe
Recepción: 30 Octubre 2021
Aprobación: 06 Febrero 2022
Publicación: 03 Abril 2022
Resumo: O objetivo deste estudo é compreender os efeitos das propostas pedagógicas e dos contextos socioeconômicos nos repertórios de habilidades sociais de crianças de 4 e 5 anos de idade de duas instituições de Educação Infantil, uma pública e uma privada do município de Ipiaú-Bahia. O percurso metodológico foi inspirado na pesquisa exploratória e qualitativa. Os dados foram gerados por meio da análise do Projeto Político Pedagógico de cada instituição, diário de campo e entrevista semiestruturada. As informações geradas pela pesquisa de campo e documental, a partir das categorias: Educação Infantil, habilidades sociais e contexto socioeconômico, possibilitou conhecer as potencialidades, as lacunas e as contradições do tema das habilidades sociais na Educação Infantil naquele contexto. Os resultados da pesquisa indicam que a noção de habilidades social é relativamente nova na área da educação e pouco difundida. Tanto na realidade educacional quanto na legislação as habilidades sociais, mesmo não sendo conhecidas ou trabalhadas como tal, estão presentes de forma indireta. Verificou-se também que não há distinção em relação ao repertório de habilidades sociais das crianças matriculadas na Educação Infantil em contextos socioeconômicos e propostas pedagógicas distintas. O repertório de habilidades sociais das crianças é influenciado pelo contexto familiar, educacional, religioso, pelas redes de apoio social, entre outros.
Palavras-chave: Contexto socioeconômico, Educação, Habilidades sociais.
Abstract: The objective of this study is to comprehend the effects of the pedagogical proposals and socioeconomic contexts on the repertoire of social skills of children of 4 and 5 years old from two Child Education institutions, one public and one private from the city of Ipiaú-Bahia. The methodological path was inspired in exploratory and qualitative research. The data was generated through the analysis of the Political Pedagogical Project of each institution, field journal and semi structured interview. The informations generated through field and documental research, from the categories: Child Education, social skills and socioeconomic context allowed to know the potentialities, the gaps and the contradictions of the theme of social skills in Child Education in that context. The results of the researches indicate that the notion of social skills is relatively new in the area of education and less spread. As much in educational reality as in legislation, social skills, even not being recognized and worked as such are present in an indirect way. It was also verified that there is no distinction between the repertory of social skills from children enrolled in Child Education in distinct socioeconomic and pedagogic proposals. The repertory of social skills of the children is influenced by the familiar, educational and religious context, by the social support nets, and others.
Keywords: Education, Social skills, Socioeconomic context.
Resumen: El objetivo de este estudio es conocer los efectos de las propuestas pedagógicas y de los contextos socioeconómicos en los repertorios de habilidades sociales de niños de 4 y 5 años de dos instituciones de Educación Infantil, una pública y otra privada, del municipio de Ipiaú-Bahia. El enfoque metodológico se inspiró en la investigación exploratoria y cualitativa. Los datos se generaron mediante el análisis del Proyecto Político Pedagógico de cada institución, el diario de campo y la entrevista semiestructurada. La información generada por la investigación de campo y documental, desde las categorías Educación Infantil, habilidades sociales y contexto socioeconómico, permitió conocer potencialidades, vacíos y contradicciones del tema de las habilidades sociales en la Educación Infantil en ese contexto. Los resultados de la investigación indican que la noción de habilidades sociales es relativamente nueva en el ámbito de la educación y no está muy extendida. Tanto en la realidad educativa como en la legislación, las habilidades sociales, aun no siendo conocidas ni trabajadas como tales, están presentes de forma indirecta. También se verificó que no hay distinción en cuanto al repertorio de habilidades sociales de los niños matriculados en Educación Infantil en diferentes contextos socioeconómicos y propuestas pedagógicas. El repertorio de habilidades sociales de los niños está influenciado por el contexto familiar, educativo, religioso y las redes de apoyo social, entre otros.
Palabras clave: Contexto socioeconómico, Educación, Habilidades sociales.
INTRODUÇÃO
Os modelos e as organizações familiares, bem como suas funções sociais variam de um povo para outro e de um tempo para outro. Porém, a função que aparece com constância a todos os formatos familiares é dar, na primeira infância, atendimento às demandas biopsicossociais dos filhos. É no grupo familiar que a criança encontra os elementos fundamentais para constituir uma visão de si mesma e do mundo à sua volta e estabelecer a rede de relações (sociais, emocionais, psicológicas) que compõem seu processo de desenvolvimento para a vida adulta.
Podemos dizer que a família exerce o papel primário da ação educadora da criança. Os estímulos recebidos, as trocas emocionais, o convívio diário com pais, avós, tios, irmãos, primos, entre outros, permitem à criança, em seu tempo, conhecer e ampliar o significado do mundo que a cerca, além de constituírem a base para as demandas de interação social a partir da concepção dos pais e familiares. Neste ambiente e com estas pessoas, ela começa a construir comportamentos, valores, padrões e inicia o seu processo de formação identitária.
Contudo, a vida moderna tem mudado as exigências da educação que as famílias dão às crianças. As transformações do sistema econômico e das organizações do mundo do trabalho exigiram dos pais maior tempo fora de casa, principalmente pela inserção da mulher-mãe no mercado de trabalho. Essas mudanças no contexto familiar fizeram com que os pais passassem a pensar em outros espaços sociais para as crianças, antecipando a entrada dos filhos em creches e escolas. Assim, meninos e meninas são inseridos no âmbito educacional cada vez mais cedo.
Nesse contexto, a responsabilidade da família para estimular o desenvolvimento do senso de responsabilidade pessoal, social e ecológica das crianças passa agora também às instituições educacionais. Estas mudanças acabam produzindo diferenças significativas no processo educacional das crianças, pois antes elas tinham suas aprendizagens/experiências de modo espontâneo no convívio familiar. Agora elas terão que aprender a partilhar suas experiências com outras crianças e começar a aprender o quanto antes as regras e preceitos presentes no ambiente educacional.
Isto não significa uma posição contrária à frequência da criança na Educação Infantil ou quaisquer outros ambientes institucionalizados. O que se ressalta é que a educação, as aprendizagens e os desenvolvimentos das crianças dependem das condições que elas encontram nestes ambientes e que isso pode influir sobre a qualidade de suas relações interpessoais (Del Prette & Del Prette, 2006).
No ambiente institucional da Educação Infantil cada criança tem realidades diferentes dentro da mesma turma. São diferentes histórias de vida, diferenças socioeconômicas, culturais, entre outras. Os novos contextos de diferenças, com pessoas estranhas ao seu convívio, acabam gerando diferentes comportamentos nas crianças.
Os cenários de mudanças que as crianças enfrentam na Educação Infantil estão na base de justificação do presente artigo, abrindo a possibilidade de discutir diferentes aspectos que se referem ao processo da socialização a partir de habilidades sociais, as quais devem ser desenvolvidas e/ou aprimoradas em tais contextos educacionais.
O termo habilidades sociais é utilizado para fazer referência a diferentes classes de comportamentos sociais de um sujeito. As habilidades sociais contribuem para a competência social, que pode vir a gerar um bom relacionamento com outras pessoas (Del Prette & Del Prette, 2017). Elas compõem os comportamentos sociais disponíveis no repertório do indivíduo, que são solicitados pela pessoa no momento de lidar com as demandas de interação social. Segundo esses autores (2009), um bom repertório de habilidades sociais compõe fator de proteção ao desenvolvimento das crianças.
O desenvolvimento de habilidades sociais perpassa um número elevado de variáveis, provenientes da situação familiar, seus modelos de relacionamento moral, afetivos, valores, situação socioeconômica, mas também provenientes do contexto educacional, proposta pedagógica, entre outros aspetos educacionais.
As variáveis contextuais são apontadas por Robalinho (2013) como fatores altamente vinculados ao desempenho social. Entre as variáveis citadas, a situação socioeconômica abarcaria o nível econômico, o nível de escolaridade dos pais, contexto sociocultural e instituição onde a criança está matriculada.
Os primeiros anos de vida são de fundamental importância para o desenvolvimento integral da criança. Por isto, a relevância das ações promovidas pela Educação Infantil na formação do sujeito, juntamente com os familiares.
Considerando as possíveis variações de um ambiente para outro, o questionamento deste estudo interroga as especificidades que contextos socioeconômicos e propostas pedagógicas diferentes - uma de instituição educacional pública e a outra particular - podem exercer sobre o repertório de habilidades sociais de crianças de 4 e 5 anos da Educação Infantil no município de Ipiaú- Bahia?
Portanto, o objetivo é compreender os efeitos das propostas pedagógicas e dos contextos socioeconômicos nos repertórios de habilidades sociais de crianças com 4 e 5 anos de idade matriculadas em duas instituições de Educação Infantil, uma pública e uma privada, do município de Ipiaú-Bahia. Além da relevância educacional e social, o estudo se justifica também por haver poucas publicações que debatam as questões inerentes a esta temática. Tratar-se de uma temática cujos conteúdos muitas vezes são assimilados de maneira simplista por profissionais da educação, familiares e até por alguns psicólogos que ainda veem as habilidades sociais como condição sine qua non para um bom desempenho e sucesso na vida pessoal e profissional. Outra justificativa é o fato de existir um vínculo da prática profissional com a temática desta pesquisa no que abrange as interações sociais das crianças.
Dessa forma, quanto aos procedimentos metodológicos, por considerar que o percurso de uma investigação é longo e tem vários caminhos, quanto aos objetivos, classificamos a pesquisa como exploratória, uma vez que, segundo Triviños (1987), a investigação exploratória permite ao pesquisador aumentar sua experiência em torno de um problema, executar a revisão da literatura, manter contato com uma determinada população, aplicar entrevistas e outros procedimentos para a geração de dados.
Ainda no tocante à metodologia, fez-se uma abordagem qualitativa. A escolha por essa abordagem deu-se em função de adequar-se bem aos propósitos desta investigação, o que possibilitou a leitura do fenômeno sem alterar-lhe o sentido, permitindo a interação com o objeto de pesquisa a partir da escuta das participantes.
Para atender o que foi proposto nesta pesquisa, analisamos o Projeto Pedagógico de duas escolas, uma pública municipal e a outra privada e fizemos entrevistas com coordenadoras e educadoras de cada uma das escolas sobre o repertório de habilidades sociais de crianças da Educação Infantil. A análise se fez de acordo com as categorias: Educação Infantil, habilidades sociais, contextos socioeconômicos.
Os dados foram gerados por meio de três instrumentos: a) análise do Projeto Político Pedagógico (PPP) de cada escola; b) diário de campo; c) entrevista semiestruturada. O conjunto de dados gerados pela pesquisa de campo e documental, a partir das categorias, possibilitou conhecer as potencialidades, as lacunas e as contradições do tema das habilidades sociais na Educação Infantil naquele contexto, neste momento de sua história.
A EDUCAÇÃO INFANTIL: ESPAÇO DE INTERAÇÃO E EDUCAÇÃO
A Educação Infantil constitui a primeira etapa da educação básica no Brasil. Ela ocorre em espaço formal de convívio, interação, cuidado e educação que tem importante papel no desenvolvimento humano das crianças. Os componentes básicos da Educação Infantil, o educar e o cuidar, são ações indissociáveis, respaldadas pela legislação e permeiam a prática dos educadores. Eles envolvem contato, carinho, escuta, zelo com o corpo, solicitude, atenção, reflexão, atitude consigo e com o outro.
O DCRI (Ipiaú, 2020) assevera aos profissionais da educação de Ipiaú a necessidade de superar a dicotomia que envolve o cuidar, na concepção assistencialista direcionadas às creches e o educar para a pré-escola, como requisito para ingresso ao Ensino Fundamental. Talvez, por saber quão grande é o desafio em romper o caráter assistencialista da educação municipal, o referido documento enfatiza que a educação e o cuidado dispensados às crianças de 0 a 5 anos devem acontecer de maneira indissociável e requer atender às demandas intelectuais, físicas, emocionais, sociais e culturais.
Para que a Educação Infantil exerça a função de cuidar e educar, é fundamental que os envolvidos nesse processo compreendam que
As crianças são seres sociais, têm uma história, pertencem a uma classe social, estabelecem relações segundo seu contexto de origem, têm uma linguagem, ocupam um espaço geográfico e são valorizadas de acordo com os padrões do seu contexto familiar e com a sua própria inserção nesse contexto. Elas são pessoas, enraizadas num todo social que as envolve e que nelas imprime padrões de autoridade, linguagem, costumes. Essa visão de quem são as crianças - cidadãos de pouca idade, sujeitos sociais e históricos, criadores de cultura - é condição para que se atue no sentido de favorecer seu crescimento e constituição, buscando alternativas para a educação infantil que reconhecem o saber das crianças (adquirido no seu meio sociocultural de origem) e oferecem atividades significativas, onde adultos e crianças têm experiências culturais diversas, em diferentes espaços de socialização (Kramer,1999, p. 2).
Perceber as crianças de todas as classes, raças e etnias como autores e/ou atores sociais e sujeitos de direito é um marco recente no cenário educacional nacional. Desta forma, convém que os profissionais da Educação Infantil elaborarem e desenvolvam as ações pedagógicas, com um olhar atento aos sinais, interesses e particularidades apresentados pelas crianças, que muitas vezes os externam por meio da comunicação não verbal.
As atuais legislações estabelecem que as propostas pedagógicas para a Educação Infantil devem estar voltadas para a ampliação do universo cultural e social das crianças, possibilitando que elas tenham condições para compreender os eventos da realidade e agir nos contextos em que estão inseridas, gerando possíveis modificações e adaptações.
Nas mudanças com relação à Educação Infantil, ela passa a ser vista como um espaço de interações sociais das crianças entre si, delas com os adultos, dos adultos entre si. Neste processo são compartilhados os conhecimentos promotores do desenvolvimento humano. Este é um dado relevante, principalmente para as crianças que frequentam o ambiente educacional cada vez mais cedo. Estes assuntos não podem passar desapercebidos quando dialogamos sobre esta etapa de ensino, visto que estas informações são fundamentais na elaboração da ação docente.
Considerar o contexto em que está inserida a instituição em que se trabalha é concebê-la como ambiente de manifestações de afeto, amizades, diálogos, desajustes, conflitos, encontros e desencontros. Desta forma, a conjuntura educacional pode ampliar a possibilidade de aquisição de conhecimentos, de experiências efetivas e atuar como agente socializador, visto que, na maioria das vezes, esta instituição é um dos primeiros espaços de interação da criança, “podendo ser considerada um microssistema que opera como um setting sociocultural relevante.” (Marturano & Loureiro, 2014, p. 256). A convivência educacional ocorre a partir de todas as relações e transações interpessoais, envolvendo duas ou mais pessoas, no grupo da sala de aula ou em níveis mais amplos, como em relações que ocorrem com os educadores, coordenadores, outros funcionários da instituição e crianças de outras classes (Arráez et al., 2015).
A convivência educacional é gerada na inter-relação entre pessoas da mesma comunidade educacional, proporcionando um impacto significativo sobre o aspecto ético, socioafetivo e intelectual dos envolvidos, sendo uma construção coletiva e de responsabilidade da comunidade educacional. Este aspecto é ressaltado pela educadora Eliane-PM11
Aqui na escola é tranquilo, desde o início do ano trabalhamos com as regras de convivência, então vai acontecendo naturalmente o respeito das crianças com as pessoas que trabalham na escola e entre elas. Mas tem alguns casos raros, que age com agressão para chamar atenção, mas com a mediação e a conversa com os responsáveis tendem a melhorar.
Na instituição educacional há maior complexidade nas exigências das inter-relações do que em outras situações sociais, o que gera a necessidade de maior repertório comportamental. Com isso, a Educação Infantil é um período importante para o desenvolvimento de habilidades sociais, visto que a criança, nesse momento, pode utilizar as habilidades que possui e adquirir novas, para participar das interações sociais (Garnica, 2009).
As habilidades sociais, como já mencionado, são as diferentes classes de comportamentos sociais que o indivíduo desenvolve ao longo do tempo. Estas habilidades contribuem para a qualidade das interações sociais (Santos, 2019).
A interação social que ocorre na Educação Infantil é expressiva, pois é na infância que o indivíduo possui uma maior plasticidade comportamental, sendo um período significativo para a desenvolvimento do repertório de habilidades sociais. As habilidades sociais desenvolvidas nessa faixa etária podem ser aperfeiçoadas ou até mesmo substituídas ao longo do tempo, uma vez que os comportamentos podem mudar.
Ressaltamos que um repertório elaborado de habilidades sociais, nessa faixa etária, pode cooperar para que a criança tenha relações interpessoais harmoniosas, desenvolva independência, responsabilidade e empatia, auxiliando em momentos adversos e estressantes (Del Prette & Del Prette, 2009), posto que as interações sociais se modificam com rapidez e frequência.
A INFLUÊNCIA DO CONTEXTO FAMILIAR E SOCIOECONÔMICO NO REPERTÓRIO DE HABILIDADES SOCIAIS
O desenvolvimento dos comportamentos sociais inicia no núcleo familiar, uma vez que esse deve ser o primeiro ambiente de experiências da criança e deve propiciar as primeiras referências afetivas, sociais, culturais. Nesse ambiente aprendem-se valores, regras, condutas e maneiras de reagir em determinadas circunstâncias. Assim, a família, grupo de pessoas que deve acolher e cuidar, propicia demandas interativas diversas, promovendo desenvolvimento e aprimoramento da competência social.
Competência social é um qualificativo do desempenho de uma pessoa durante uma interação social, que deve ser relacionado com o alcance dos objetivos pretendidos na interação. Na família ocorre a estimulação inicial dos padrões de relacionamentos e competência social das crianças. O repertório de comportamentos sociais é inicialmente aprendido a partir das instruções, observação e imitação dos pais e/ou cuidadores, os quais fornecem modelos e reforçam comportamentos aprovados na cultura ou na subcultura em que estão inseridos.
Nesse constructo é preciso considerar que as famílias não são grupos uniformes. Em suas singularidades elas se “diferenciam entre si por motivos e compromissos de classes sociais, de etnia, de gênero, de sexualidade e de religião, que, por sua vez, incidirão nas relações que estabelecerão [...]” (Santomé, 2003, p. 247).
O convívio com os pais e/ou cuidadores propicia oportunidades para a criança adquirir habilidades e valores importantes para a interação social. A importância da família no desenvolvimento das habilidades sociais das crianças aparece na fala de todas as participantes da pesquisa. Elas acreditam que a família tem uma grande influência nas habilidades sociais e na interação social das crianças matriculadas na Educação Infantil. Esta informação pode ser evidenciada no relato da participante:
A família tem toda influência nas relações das crianças, porque o comportamento é aprendido em casa, aqui na escola fazemos um trabalho de restruturação. A primeira sociedade é a família. A escola é essencial, claro, é aqui que a criança vai socializar com outras pessoas, mas a família é fundamental (Lívia-PM2).
A influência da família nas habilidades sociais e nas interações sociais também pode ser observada na fala da educadora da instituição particular, ao mencionar que
Existe total influência da família. A criança demonstra muito o que é transmitido em casa para eles. Na maioria das vezes, quando a criança chega à escola batendo no colega, logo após diz que a mãe ou o pai bateu nela em casa.
A mesma coisa acontece com a afetividade, quando a criança recebe carinho, atenção em casa, geralmente ela passa para o professor e para os colegas. A família é a base (Luize-PP2).
Atualmente, os cuidados prestados às crianças não são realizados apenas por seus genitores, devendo ser incluídos outros cuidadores, como avós, tios/tias, irmãos/irmãs, integrantes da comunidade, entre outros. Na formação da criança, esses cuidadores também influenciam no desenvolvimento social e no repertório de habilidades sociais. Desta maneira, é importante levarmos em consideração o contexto familiar ao observamos o repertório de habilidades sociais das crianças, a forma como são desenvolvidos e utilizados durante as interações sociais que ocorrem em diversos ambientes.
Além do contexto familiar, também o contexto socioeconômico pode exercer influência na aquisição do repertório de habilidades sociais. Destacamos que, inicialmente, não levantamos nenhuma hipótese sobre haver ou não diferenças no repertório de habilidades sociais, advindas de contextos socioeconômicos distintos. Isso por não queremos ser precipitados, preconceituoso e perpetuar o que Santomé (2003, p. 109) chama de
[...] desconhecimento - e também um certo olhar negativo – da capacidade de esforço e de preocupação desses grupos de humanos (com status socioeconômico mais baixo) pelo bem-estar de seus filhos e filhas; deve-se destacar que esses grupos contam com uma longa história de sofrimento e de injustiça [...].
A instituição pública municipal, localizada na periferia da cidade, dispõe em sua estrutura física: salas amplas e arejadas; mobiliários, objetos e materiais decorativos condizentes com a faixa etária das crianças; um espaço interno que favorece movimento, brincadeiras e interações. O entorno da instituição educacional é formado por ruas sem pavimentação e saneamento básico. A população que reside nesta localidade possui menor poder aquisitivo e alta vulnerabilidade social. Na entrevista, a coordenadora da instituição, quando questionada sobre o contexto socioeconômico das famílias das crianças matriculadas, esclarece que “são famílias de baixa renda e sem escolaridade” (Jerusa CM).
A grande maioria dos adultos desta área trabalham na zona rural, no comércio local e em serviços domésticos. Muitos são beneficiários de programas socioassistenciais. Nesse bairro, também existe um alto índice de criminalidade, devido ao tráfico de drogas.
Em contrapartida, a instituição particular localiza-se em um bairro com boa infraestrutura, próximo ao centro da cidade e composto por famílias de alto poder aquisitivo. O bairro é considerado a área mais nobre da cidade. Os moradores, em sua grande maioria, são médicos, comerciantes e fazendeiros da região.
Em relação ao contexto socioeconômico das crianças, integrantes da Educação Infantil da instituição particular, a coordenadora e as educadoras mencionaram que são filhos de famílias de diversos bairros da cidade e de cidades vizinhas e em sua grande maioria tem alto ou médio poder aquisitivo.
Na pesquisa, quando perguntamos às participantes das instituições educacionais sobre a influência do contexto socioeconômico nas interações sociais e no repertório de habilidades sociais das crianças, todas afirmaram haver influência desse contexto nos comportamentos sociais. Como observamos no relato da educadora: “O contexto influencia sim, no caso da nossa escola que fica em um bairro carente, com muitas famílias desempregadas, com pessoas envolvidas no tráfico, familiares alcoolistas. Isso influência na forma da criança se relacionar com os outros” (Eliane-PM1).
Também notamos essa afirmação no discurso da coordenadora: “Existe influência do contexto, pois a criança se constitui enquanto sujeito a partir dos estímulos que recebe do meio social em que vive” (Emília-CP).
Porém, tanto as colaboradoras da rede privada, quanto as da rede pública informaram que os comportamentos sociais das crianças eram condizentes com a idade, que grande parte das crianças conseguia manter uma boa interação social.
Durante os diálogos, nos 2 espaços educacionais, foram mencionadas algumas das principais classes de habilidades sociais na infância, que segundo Del Prette e Del Prette (2009) são: autocontrole e expressividade emocional; civilidade; empatia; assertividade; fazer amizades; soluções de problemas interpessoais; habilidades acadêmicas. Essas classes são interdependentes e complementares, podem contemplar a maioria das demandas sociais da infância. Elas podem ser observadas quando a colaboradora relata que:
A maioria das crianças interagem bem. Possuem facilidade de fazer amizade, principalmente no momento da rodinha, que é um momento de socialização, onde um espera o outro falar, tem atenção na fala do outro [...] eles sempre falam quando estão tristes ou quando percebem que o colega está triste, por exemplo, falam quando apanham em casa (Lívia-PM2).
A interação social das crianças também foi pontuada por uma colaboradora da instituição particular, ao mencionar que: “[...] elas conseguem conviver, gostam de participar das conversas, no início do convívio escolar apresentam um certo nível de resistência, mas após um tempo estabelecem os grupos, aí ocorre afetividade e parceria” (Luize-PP2).
Dessa forma, conforme as falas das participantes da pesquisa, evidencia-se que, mesmo inseridas em contextos socioeconômicos distintos, a maioria das crianças matriculadas nas duas instituições de ensino apresentou bom repertório de habilidades sociais e boa interação social, com seus pares e com os profissionais das instituições. O que nos faz refletir sobre a influência de outros contextos em que a criança está inserida, como o familiar e as habilidades sociais aí desenvolvidas, o educacional, o religioso, as redes de apoio social, entre outros.
A INFLUÊNCIA DA PRÁTICA EDUCACIONAL E DO PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO NO REPERTÓRIO DE HABILIDADES SOCIAIS
O repertório de habilidades sociais de uma pessoa passará por transformações ao longo de sua vida, na medida em que se convive com novos grupos sociais, respondendo aos desafios propostos por essas vivências. A partir da inserção da criança na instituição educacional ela passa a conviver com grupos sociais mais amplos do que o familiar. Enquanto espaço de vivências sociais, a instituição educacional é concebida como espaço democrático, de socialização e de aprendizagem de regras de convívio coletivo, desenvolvendo princípios éticos de respeito e solidariedade. A partir dessas vivências na instituição educacional, a criança participa de contextos cada vez mais complexos e de demandas mais específicas, exigindo, assim, o aprimoramento das habilidades sociais já existentes e o desenvolvimento de outras.
O ambiente educacional é de grande importância para o desenvolvimento do repertório de habilidades sociais na infância, considerando-se que, nesse contexto, ocorre a ampliação das interações sociais e de experiências afetivas (Santos, 2019). Dessa forma, os primeiros anos numa instituição de educação são desafiadores, porque a criança estabelece novas relações e precisa atender às exigências do novo ambiente de convivência.
Ao ingressar na Educação Infantil a criança, em geral, experimenta novas demandas, como um novo ambiente, distanciamento dos familiares, interação com adultos ainda desconhecidos, relação com um novo grupo de iguais e tarefas mais desafiadoras. Este processo, pelo qual a criança passa ao adentrar o espaço educacional, é de grande relevância para sua constituição.
O que se evidencia é uma relação entre o contexto familiar, socioeconômico e educacional, visto que a criança inicia o seu convívio educacional dotado de um repertório de comportamentos sociais desenvolvido ao logo das suas interações extraescolares, aprendidos com a família e com a comunidade em que está inserida. Este aspecto pode ser evidenciado na fala da participante da pesquisa:
No momento da intervenção na escola, conseguimos um retorno, mas quando elas vão para casa e retornam para a escola no dia seguinte é como se tudo fosse novo para elas. Precisamos fazer um trabalho diário, conversando com elas para que a socialização aconteça de forma harmoniosa. Precisamos muito da família e, às vezes, é o que dificulta essa convivência da criança na escola. O que é um grande desafio para nós (Jerusa CM).
Mesmo que o ambiente familiar apresente dificuldades para o desenvolvimento do repertório de habilidades sociais, a fala da coordenadora explicita o papel da prática educacional no repertório de habilidades sociais das crianças. Apesar de restrições no ambiente familiar, as habilidades sociais podem ser desenvolvidas pela Educação Infantil, com estratégias específicas, diálogo constante dos profissionais da instituição de ensino com as crianças e das crianças entre si. São práticas importantes para o desempenho social e acadêmico das crianças.
A Educação Infantil pode estimular a socialização da criança, por meio de atividades acadêmicas e lúdicas, vivências de diferentes papéis e/ou papéis bem definidos, formação de grupos, interações com seus pares e profissionais da instituição e resolução de tarefas e possíveis conflitos. A instituição educacional pode ser compreendida como um importante ambiente socializador que aumenta as possibilidades de obtenção de conhecimento e de vivências afetivas. Ela é um espaço de grande significação para o desenvolvimento infantil, “um microssistema que opera como um setting sociocultural relevante” (Marturano & Loureiro, 2014, p. 256).
A coordenadora da instituição privada menciona que é no ambiente educacional que a criança também aprende a compartilhar:
[...] ela vive em sociedade, precisando contribuir para que tudo funcione bem. Então elas acabam ajudando um ao outro com as tarefas, para retirar ou colocar um material das estantes, na partilha de objetos e lanches. Acaba sendo uma espécie de comunidade (Emília CP).
Também foi exposto, pelas participantes da pesquisa, que algumas crianças precisam de um período maior de adaptação às novas regras, normas e ao convívio com outras pessoas. Porém, após os primeiros meses a maioria das crianças: “se envolvem com o ambiente e com seus integrantes, criam vínculos tanto com os adultos e principalmente com os colegas, expressam seus sentimentos, desejos e frustações” (Emília CP).
Ao ser inserida na Educação Infantil, a criança tem a possibilidade de estabelecer relações com seus pares, o que pode provocar o aumento na variabilidade de modelos comportamentais e demandas para a obtenção de novas habilidades sociais. Tal aspecto foi observado no momento da pesquisa, quando as participantes mencionaram que as crianças iniciam a interação de forma cautelosa, mas, com o passar do tempo, começam a criar seus grupos, formas de interação e suas regras. A educadora esclarece: “quando as crianças chegam na escola, estão se conhecendo. Com o tempo, começam a expor seus comportamentos, fazem amizades, dividem as coisas e estabelecem suas formas de convivência” (Eliane PM1).
Observamos que a qualidade das interações sociais que ocorrem entre as crianças, no contexto educacional, pode ser mediada pelos educadores e por outros profissionais da Educação Infantil. Quando ampliam ou restringem as possibilidades de atividades grupais, vivências, os educadores expressam rejeição ou aceitação das formas de relacionamento e oferecem modelos e regras de relações sociais (Del Prette & Del Prette, 2009).
As atividades grupais propostas pelos educadores estimulam também, além do desenvolvimento cognitivo, o desenvolvimento de habilidades sociais, a partir das trocas entre as crianças. O que nos faz pensar na ineficácia, para o desenvolvimento de habilidades sociais, do contexto educacional centrado exclusivamente em atividades individuais (Garnica, 2009).
Quanto às ações, promovidas pelas instituições, que possam contribuir para o desenvolvimento ou aprimoramento das relações sociais, todas as participantes da pesquisa afirmaram que realizam atividades no intuito de promover uma melhoria e/ou manutenção das interações sociais. A educadora da instituição pública relatou que: “[...] trabalhamos com a contação de histórias, a hora da rodinha no início da aula. Fazemos aula passeio e oficina de artes” (Eliane PM1).
O que também é explicitado pelas participantes da instituição particular: “[...] para melhorar as interações, realizamos rodas de conversas voltadas para as interações das crianças” (Luize PP2).
A roda de conversa, hora da rodinha ou outros nomes são utilizados para denominar uma prática muito comum nas classes de Educação Infantil. Quando devidamente planejada, é um momento enriquecedor de diálogo e interação entre as crianças e destas com os adultos. Não deve ser utilizada de forma mecânica ou como um horário para impor regras e normas.
O trabalho realizado na instituição particular, no sentido de desenvolver o repertório de habilidades sociais das crianças, é apresentado na fala da educadora: “[...] trabalhamos para que eles tenham independência e que possam resolver os conflitos quando existirem. Isso faz parte da proposta da escola. Elas tentam resolver as desavenças sozinhas e nós as incentivamos” (Bethe PP1).
Também foi exposto, pela maioria das educadoras entrevistadas, que as práticas desenvolvidas por elas e que auxiliam no desenvolvimento e/ou melhoria do repertório de habilidades sociais das crianças são as atividades em grupo. Nessas atividades, é proposto para as crianças ações em que possam compartilhar ideias, trocar informações, brinquedos, solucionar conflitos dentre outros.
A brincadeira do faz de conta foi a atividade mencionada pelas entrevistadas da instituição municipal como um dos momentos de maior interação entre as crianças. Conforme Oliveira (2014, p.191), “na brincadeira [...] a criança aprende a assumir papeis diferentes e, ao se colocar no lugar do outro, aprende a coordenar seu comportamento com os de seus parceiros e a desenvolver habilidades variadas, construindo sua identidade”.
Assim, percebemos que as atividades sugeridas e as condutas das educadoras, como mediadoras, têm o intuito de promover o diálogo e a participação ativa das crianças no contexto educacional. São momentos em que elas podem expressar seus sentimentos, solucionar seus conflitos, se colocar no lugar do outro e verbalizar acontecimentos cotidianos sem medo.
A fim de legitimar tais ações que promovem as interações sociais na Educação Infantil, é necessário que o PPP seja concebido como um instrumento de identidade do ambiente educacional, possibilitando transformar em realidade social o direito de todos a uma educação de qualidade, pautada em desafios que contrariam os padrões de um aluno ideal e de uma educação homogeneizadora. Isso efetiva, na instituição, um processo democrático que prioriza a participação dos educadores, direção, auxiliares, coordenadores e famílias de toda comunidade educacional que educa e cuida das crianças da Educação Infantil (BAHIA, 2019).
No contexto educacional, os PPPs das instituições de Educação Infantil são concebidos como planejamentos que definem “as metas propostas para o desenvolvimento dos meninos e meninas que nelas são cuidados e educados” (Oliveira, 2014, p. 188). A análise dos PPPs das duas instituições pesquisadas mostrou que em seus objetivos apresentam a necessidade de auxiliar as crianças no desenvolvimento e/ou na melhoria das relações sociais. As instituições ainda almejam proporcionar ambientes que valorizem o diálogo entre as crianças e com os demais profissionais das instituições. Com isso, observamos que os objetivos dos projetos englobam a aquisição ou melhoria de algumas classes de habilidades sociais, como: expressividade emocional, assertividade, empatia, fazer e manter amizades e soluções de problemas interpessoais.
O PPP da instituição particular (PPP, 2020, p.17) apresenta que “em todo processo de ensino-aprendizagem a prática social e relacional de quem ensina e de quem aprende é muito importante.” O que coaduna com as afirmações feitas pelos autores citados anteriormente, quando ressaltam o valor das inter-relações estabelecidas no ambiente educacional.
No PPP da instituição municipal (PPP, 2019) consta que as interações e práticas sociais oferecem subsídios vinculados às diversas linguagens e ao contato com múltiplos conhecimentos, para a formação de uma identidade autônoma. “[...] Pois é na dinâmica de sua interação com o meio físico e social que a criança vivencia as suas experiências e constrói seu conhecimento” (PPP, 2019, p. 9). Assim, observamos que este documento reconhece a importância das relações sociais no processo de construção da criança, como sujeito ativo da própria história e componente de uma comunidade, com características singulares.
Os PPPs de ambas as instituições ressaltam a necessidade de manter-se o diálogo constante entre as instituições de ensino e os familiares que contribuem de forma significativa para o desenvolvimento integral das crianças. O contexto familiar é compreendido por ambas como um agente socializador, construtor de hábitos e valores.
Os projetos pedagógicos propõem que todos os cenários geográficos, econômicos e culturais experienciados pela criança são importantes para a construção do conhecimento. Nesse mesmo sentido, consta no PPP da instituição pública: “sabemos que todo conhecimento está em permanente construção e que cada indivíduo constrói o seu conhecimento através de experiências vividas.” (PPP, 2019, p.9).
Quando perguntamos às educadoras sobre o PPP da instituição e como ele contempla as habilidades sociais, elas não souberam responder ou mudaram de assunto. O fato pode significar que elas não estiveram presentes na construção do PPP ou que foram contratadas posteriormente para trabalhar na instituição ou até mesmo por considerar o PPP apenas um documento burocrático para encher o arquivo da instituição educacional. O que não justifica a falta de conhecimento sobre um documento que deve ser organicamente concebido pela comunidade educacional e permear a práxis. Já as coordenadoras comentaram que os PPPs visam contemplar os trabalhos em grupo, atividades recreativas e simbólicas que favorecem a comunicação, socialização e as aprendizagens das crianças. A coordenadora da instituição pública relatou que o projeto visa: “[...] estabelecer ações que colaborem e reforcem as interações sociais entre as crianças e delas com os adultos” (Jerusa CM).
Mesmo que as educadoras entrevistadas tenham alegado que não sabiam responder como o PPP da instituição considera o que é proposto pelas habilidades sociais, percebemos que, em diferentes momentos do diálogo, elas explicavam o desenvolvimento das práxis diárias respaldadas nas orientações contidas no PPP. Isso pode ser verificado quando relataram as atividades e intervenções realizadas com as crianças, as quais eram condizentes com os conteúdos e propostas apresentados nos PPPs das instituições. Como observado na fala da educadores: “[...] nós precisamos estimular as atividades em grupo (brincadeiras, dinâmicas), o compartilhamento dos brinquedos e materiais, o respeito ao outro e o sentimento de coletividade” (Livia PP2).
Neste sentido, consideramos que os projetos das instituições, mesmo sendo uma pública, situada na periferia da cidade, e a outra particular, localizada em área nobre, portanto, realidades socioeconômicas distintas, os PPPs não se distinguem em demasia, pois ambos apresentam propostas voltadas para a interação social e o desenvolvimento do repertório de habilidades sociais, de modo bastante semelhante. Também evidenciamos que as educadoras demonstram realizar atividades coerentes com o que é proposto no PPP, considerando a heterogeneidade existente nas instituições educacionais.
Isto dá sentido ao que estabelece o DCRI (Ipiaú, 2020) quando afirma a relevância da existência do PPP como elemento norteador das práticas pedagógicas, pautadas nos princípios éticos, políticos, em concepções pedagógicas que atendam às especificidades locais e contribuam para a formação integral das crianças matriculadas na Educação Infantil.
Como o DCRI (Ipiaú, 2020) reproduz os documentos estaduais e federais, as instituições educacionais investigadas também o fazem de maneira análoga. Isto, em parte, explica o fato de instituições educacionais com realidade socioeconômica tão distinta terem o PPP tão semelhante. Mas quando observamos os relatos das educadoras e coordenadoras, verificamos que também na prática de ambas as instituições aparecem princípios educacionais semelhantes. Isto talvez se explique na formação propiciada às e aos educadoras e educadores da Educação Infantil, como proposta de formação humana integral. É preciso se despir de ações reproducionistas e efetivar um fazer pedagógico reflexivo, permeado por concepções teóricas que concebam as crianças como seres cognoscentes, curiosos, capazes, em processo de formação.
CONCLUSÃO
Compreendemos, durante o desenvolvimento da pesquisa, que é relevante a contribuição teórica e prática do campo das Habilidades Sociais para os profissionais da educação, aos estudantes, às crianças e para as relações interpessoais, que podem ser estabelecidas com senso de responsabilidade pessoal, social e ecológica. Contudo, não se visa fazer das habilidades sociais a solução, o bálsamo, para os problemas atuais, principalmente no campo da educação, visto que as pessoas são influenciadas por diversas variáveis e estão inseridas em contextos sociais marcados por normas, valores e regras que governam o seu fazer no mundo.
Após o estudo teórico e a análise das informações geradas em campo, observamos que o contexto familiar influencia significativamente o desenvolvimento do repertório de habilidades sociais, visto que neste contexto ocorrem as primeiras interações sociais das crianças. Essas interações podem impactar, de forma positiva e/ou negativa, no desenvolvimento social, pois os comportamentos sociais são aprendidos por intermédio de instruções, observação e imitação dos pais e/ou cuidadores.
Por meio dos modelos dos pais e/ou cuidadores são desenvolvidas habilidades sociais e alguns valores culturais são estipulados como fatores de competência social pela criança. Dessa forma, o contato com os familiares situa um dos principais ensejos para a criança pequena aprender e desenvolver habilidades e valores necessários a uma boa interação social.
Outro contexto que identificamos como influenciador do repertório de habilidades sociais foi o socioeconômico. Porém, vale ressaltar: durante a pesquisa notamos que, apesar das crianças matriculadas nas duas instituições educacionais, uma pública e a outra privada, viverem em contexto socioeconômicos distintos, elas apresentam, conforme relato das participantes da pesquisa, um bom repertório de habilidades sociais. Isso nos faz refletir que as condições socioeconômicas não devem ser compreendidas como determinantes para o desenvolvimento do repertório de habilidades sociais, mas sim como fatores associados. Mas ressalta, também, o quanto a educação nas instituições de Educação Infantil é relevante e pode auxiliar na superação das limitações impostas pela realidade socioeconômica das famílias.
Mesmo que fatores de risco estejam mais presentes em populações com alto nível de vulnerabilidade social, a qualidade das relações interpessoais estabelecidas entre a criança e seus familiares, o contexto educacional, religioso, as redes de apoio social, entre outros, podem ser considerados como fator de proteção para o desenvolvimento social da criança. Essas variáveis podem atenuar os efeitos, decorrentes da privação material e outras formas de vulnerabilidade social, no desenvolvimento e aprimoramento de habilidades sociais. Nesse sentido, pode-se citar, por exemplo, modelos de comportamento, valores transmitidos, bem como, atividades efetivadas entre as crianças e os integrantes dos contextos que estão inseridas.
Destaca-se, no contexto da pesquisa, a importância do ambiente educacional para o desenvolvimento de habilidades sociais, visto que a instituição educacional muitas vezes, é o primeiro ambiente socializador que a criança é inserida, depois do contexto familiar. Esse ambiente proporciona novas interações sociais e promove atividades que visam o desenvolvimento humano e social das crianças.
Observamos o engajamento das instituições educacionais, participantes da pesquisa, com o desenvolvimento integral das crianças, bastante presente na análise dos PPPs. Os 2 projetos pedagógicos objetivam proporcionar ambientes que estimulem o diálogo entre as crianças e com os profissionais das instituições. Também almejam auxiliar as crianças no desenvolvimento e/ou na melhoria das relações interpessoais. Dessa forma, ressaltamos que, de forma indireta, os PPPs analisados, respaldados nas legislações, visam o desenvolvimento e/ou a melhoria do repertório de habilidades sociais das crianças matriculadas na Educação Infantil.
A Educação Infantil pode ser compreendida como um espaço de construção de conhecimentos advindos das relações sociais, presentes no meio sociocultural em que as crianças estão inseridas. Isso não está apenas vinculado às diretrizes e normatizações da Educação Infantil, mas também, à realidade cotidiana das crianças e ao contexto educacional. Tudo isto gera um desafio entre o ideal proposto em legislações e documentos com o contexto social, cultural e econômico em que a sociedade e, consequentemente, as instituições de Educação Infantil estão inseridas.
Embora tendo mencionado a importância da Educação Infantil para o desenvolvimento do repertório de habilidades sociais, precisamos destacar a oferta incipiente do sistema público dessa etapa da educação básica. Essa realidade faz com que muitas crianças fiquem sem acesso ao contexto educacional e a outras variáveis que podem influenciar no seu desenvolvimento integral.
Uma das limitações deste estudo foi a falta de acesso direto às crianças matriculadas na Educação Infantil das duas instituições, com contextos socioeconômicos diferentes e propostas pedagógicas distintas, devido ao cenário pandêmico vivenciado nos anos de 2020 e 2021, período em que a pesquisa foi realizada. Isso fez com que as crianças não pudessem frequentar as instituições educacionais e, com isto, participar da pesquisa. Mesmo com frequência parcial, nos últimos meses, as restrições de contato, em função da pandemia da covid19, inviabilizou o acesso direto às crianças.
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Notas
Notas de autor
Información adicional
Como citar: Vieira, S. T., & Kraemer, C. (2022). The contribution of child education on the social skills’ repertory of children of 4 and 5 years old. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17244. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17244
Contribuições dos Autores: Vieira, S. T.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Kraemer, C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
Aprovação Ética: Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Fundação Universidade Regional de Blumenau. CAAE: 34450420.1.0000.5370.