Resumo: As tecnologias digitais apresentam muitas possibilidades para potencializar os processos de ensino e de aprendizagem de estudantes surdos e ouvintes. Exemplo disso, são os jogos didáticos tecnológicos, que podem contribuir para a aprendizagem e a inclusão digital e social. Utilizar estratégias que promovam a inclusão de estudantes surdos é atualmente, uma necessidade latente. Desse modo, este trabalho tem como objeto de estudo o uso de recursos lúdicos estruturados com a ferramenta Power Point no processo de aquisição da Língua Portuguesa, em uma proposta bilíngue com a Língua de Sinais. Este estudo objetiva analisar a contribuição de jogos didáticos tecnológicos no processo de aquisição de Língua Portuguesa, por estudantes do ensino médio, em um contexto de sala de aula composta por surdos e ouvintes, em uma escola situada no município de Timon, no estado do Maranhão. É uma pesquisa de campo, do tipo exploratória e de cunho qualitativo, que investiga também, a representatividade da cultura surda nos jogos didáticos utilizados, além da contribuição dos recursos tecnológicos em contextos educacionais que não dispõem de acesso à internet. Para atingir os objetivos, além de referências bibliográficas foi feita observação das aulas com o uso dos jogos e aplicação de questionário semiaberto para análises. Os resultados demonstram que os jogos digitais promovem engajamento e motivação para a aprendizagem, além de que a ludicidade proporciona a criação de um ambiente mais empático e inclusivo.
Palavras-chave: Aprendizagem, Inclusão, Jogos didáticos, Surdos.
Abstract: Digital technologies present many possibilities to enhance the teaching and learning processes of deaf and hearing students. An example of this are the technological didactic games, which can contribute to learning and digital and social inclusion. Using strategies that promote the inclusion of deaf students is currently a latent need. Thus, this paper aims to study the use of playful resources structured with the Power Point tool in the process of acquisition of Portuguese language in a bilingual proposal with sign language. This study aims to analyze the contribution of technological didactic games in the process of acquisition of Portuguese Language, by high school students, in a classroom context composed of deaf and hearing students, in a school located in the city of Timon, in the state of Maranhão. It is a field research, of exploratory and qualitative nature, which also investigates the representation of deaf culture in the didactic games used, and the contribution of technological resources in educational contexts that do not have access to the internet. To achieve the objectives, in addition to bibliographic references, it was made observation of the classes with the use of games and application of semi-open questionnaire for analysis. The results show that digital games promote engagement and motivation for learning, and that playfulness provides the creation of a more empathetic and inclusive environment.
Keywords: Deaf, Educational games, Inclusion, Learning.
Resumen: Las tecnologías digitales presentan muchas posibilidades para mejorar los procesos de enseñanza y aprendizaje de los alumnos sordos y oyentes. Un ejemplo son los juegos didácticos tecnológicos, que pueden contribuir al aprendizaje y a la inclusión digital y social. Utilizar estrategias que promuevan la inclusión de los alumnos sordos es actualmente una necesidad latente. Así, este trabajo pretende estudiar el uso de recursos lúdicos estructurados con la herramienta Power Point en el proceso de adquisición de la lengua portuguesa, en una propuesta bilingüe con lengua de signos. Este estudio tiene como objetivo analizar la contribución de los juegos tecnológicos de enseñanza en el proceso de adquisición de la lengua portuguesa, por parte de los estudiantes de secundaria, en un contexto de aula compuesto por sordos y oyentes, en una escuela ubicada en la ciudad de Timón, en el estado de Maranhão. Se trata de una investigación de campo, de tipo exploratorio y de carácter cualitativo, que investiga también la representatividad de la cultura sorda en los juegos didácticos utilizados, además de la aportación de recursos tecnológicos en contextos educativos que no tienen acceso a internet. Para alcanzar los objetivos, además de las referencias bibliográficas, se realizó la observación de las clases con el uso de los juegos y la aplicación de un cuestionario semiabierto para el análisis. Los resultados muestran que los juegos digitales promueven el compromiso y la motivación para el aprendizaje, y que el carácter lúdico proporciona la creación de un entorno más empático e inclusivo.
Palabras clave: Aprendizaje, Inclusión, Juegos didácticos, Sordos.
Publicação Contínua
Recursos tecnológicos na educação bilíngue de estudantes surdos
Technological resources in bilingual education for deaf students
Recursos tecnológicos en la educación bilingüe para alumnos sordos
Recepción: 04 Enero 2022
Aprobación: 02 Marzo 2022
Publicación: 03 Abril 2022
Os avanços tecnológicos no âmbito educacional estimulam uma prática pedagógica conectada aos inúmeros recursos e possibilidades de ensino e aprendizagem disponibilizados. As competências digitais necessárias para o uso produtivo desses ambientes de aprendizagem não são de todo trabalhadas na formação docente e, desta feita, não são vivenciadas pelos estudantes como deveriam.
Uma realidade marcada por mudanças acentuadas em diferentes setores da sociedade, impulsiona a novas concepções, paradigmas, experiências interativas e formas de perceber o mundo (Schlemmer et al., 2020). Nesse sentido, os múltiplos estímulos visuais dos espaços digitais e possibilidades comunicativas podem ser utilizados positivamente na escolarização e na inclusão de pessoas surdas.
Os jogos didáticos tecnológicos surgem, portanto, como um recurso que se apresentam como uma possibilidade de potencialização da aprendizagem e do desenvolvimento tanto do aluno quanto do professor, independente da matriz curricular em que são vivenciados (Vieira et al., 2020). Os jogos fazem parte do cotidiano dos jovens e podem ser utilizados para além do lúdico.
Neste sentido, o presente trabalho se propõe a ampliar a discussão sobre o uso de jogos tecnológicos como recurso potencializador para a alfabetização de estudantes surdos. Trata-se de uma experiência didática com jogos estruturados com o software Power Point, vivenciada em uma escola da rede estadual no município de Timon, no estado do Maranhão.
Este estudo justifica-se por apresentar uma reflexão sobre a inclusão educacional e digital de estudantes surdos, além de apresentar jogos tecnológicos no processo de ensino bilíngue destes estudantes, numa perspectiva que demonstra como as tecnologias digitais corroboram com o trabalho docente no contexto da aprendizagem significativa.
Importa destacar, ainda, a relevância desta pesquisa ao demonstrar, por meio de seus resultados, os aspectos positivos do uso de jogos digitais no ensino de estudantes surdos. Percebe-se ainda que muitos profissionais necessitam conhecer mais a língua de sinais para entender que aquele que se comunica e se expressa por meio dela percebe o mundo e os avanços científicos e tecnológicos, com criticidade e clareza (Quadros, 2003). Os estudos bibliográficos e a análise dos resultados desta investigação, demonstram que profissionais capacitados e o acesso a ferramentas tecnológicas, aliados aos jogos didáticos são potenciais elementos para a aprendizagem e inclusão.
O ensino da Língua Portuguesa implica no desenvolvimento de habilidades e competências acerca das regras normativas e na capacidade de compreensão das inúmeras multiplicidades comunicativas que os usuários desta língua podem encontrar, pois todos os documentos legais estão escritos nessa língua. Nesse sentido, o trabalho de apropriação da língua Portuguesa como L2 (segunda língua) por estudantes surdos requer estratégias que contemplem experiências visuais como base para o ensino e aprendizagem.
É importante pontuar que o ensino da Língua Portuguesa para estudantes surdos, numa proposta bilíngue, requer a experiência natural com a Língua de Sinais refletida nos processos interativos, pois os ganhos cognitivos resultam das habilidades desenvolvidas e da competência linguística adquirida (Quadros, 2003). Entretanto, os alunos participantes deste estudo, filhos de pais ouvintes, ainda estão em fase de apropriação efetiva da Língua de Sinais Brasileira que acontece paralelo ao ensino da L2, visto que a sinalização é associada à escrita, não havendo, portanto, relação com estrutura sonora e sim com as regras ortográficas visualizadas.
Uma proposta educacional, bilíngue e bicultural possibilita que o estudante surdo construa sua identidade e se perceba como parte importante dentro de uma comunidade (Quadros, 2008). A escola em que se ambienta este estudo não possui educadores surdos e a cultura surda ainda precisa de mais representatividade.
Desse modo, trabalha-se sob a perspectiva bilíngue, mas não o bilinguismo que se pretende. A escola necessita ser um ambiente em que o estudante surdo possa desenvolver a linguagem e manifestar seu pensamento na língua que é pautada na visualidade, possibilitando, a partir daí, o ensino de uma segunda língua (Quadros, 2003). É fundamental, porém, o entendimento de que as duas línguas assumem suas devidas importâncias e funções na vida social e escolar do aluno surdo.
A Libras é sua forma legítima de comunicação e a Língua Portuguesa sua forma de expressão escrita. A Língua de Sinais não é a língua legítima do sistema de ensino, mas é a legítima forma de comunicação e expressão de pessoas surdas. Porém, o fato de a Língua Portuguesa escrita ser considerada necessária para competência no âmbito da cultura legítima, não invalida a importância da Língua de Sinais (Albres, 2005). Assim, a escola deve criar condições para que o acesso às línguas seja garantido.
Como garantia do cumprimento do Decreto Nº 5626/2005 que regulamenta a Lei de Nº 10436/2002 que trata do direito de pessoas surdas à educação bilíngue, a escola campo desta pesquisa dispõe de profissionais intérpretes e instrutores de Língua de Sinais que acompanham os alunos nos momentos das aulas em salas regulares e também realizam atendimento em sala de Atendimento Educacional Especializado – AEE, no contraturno, para o trabalho de instrução em Língua Portuguesa e em Língua de Sinais.
As aulas que acontecem no AEE são importantes para que o estudante, numa abordagem bilíngue perceba a estrutura da L2 e da sua língua natural, a Libras. Desse modo, o estudante amplia seu repertório linguístico e tem mais possibilidades de se apropriar de sua língua natural.
As línguas de sinais são línguas que não se derivaram das línguas orais, porém, fluíram de uma necessidade natural de comunicação entre pessoas, através da visualidade conseguem compreender e manifestar seu pensamento, não pela oralidade, mas pelo canal espaço-visual (Quadros, 2003). Assim, são desenvolvidas na comunidade surda, e utilizadas também por ouvintes, pois a comunicação é uma necessidade dos seres humanos.
No contexto de ensino em análise, a Língua de Sinais não é utilizada como a língua de instrução, na classe regular, entretanto são reconhecidos os esforços dos profissionais, principalmente dos intérpretes para que a Libras esteja presente em todos os espaços.
Quanto ao ensino da Língua Portuguesa, a proposta bilíngue para surdos precisa acontecer utilizando técnicas de ensino de segundas línguas (Quadros, 2008). Ou seja, é importante valorizar as experiências e saberes relacionados à L1 (primeira língua). Nos momentos de aprendizagem da L2, enfatiza-se o cuidado com a estrutura ortográfica das palavras, pois o aspecto visual é o que tem significância para os aprendentes surdos. Nesse sentido, as ferramentas tecnológicas surgem como importante suporte para o letramento, dado o forte caráter visual que possuem.
Os avanços tecnológicos têm colaborado com muitos setores da sociedade, notadamente, na área da educação, onde as inovações vem evoluindo e contribuindo significativamente com o fazer pedagógico na perspectiva da inclusão do aluno surdo em situações de aprendizagem.
Nesse sentido, os jogos didáticos tecnológicos, além de gerar habilidades cognitivas e intelectuais, são também responsáveis por desenvolver essenciais para o bom convívio social, tais como: respeito ao próximo, trabalho em equipe, e disciplina para superar problemas e atingir os objetivos (Vieira et al., 2020). Assim, os jogos podem ser utilizados para estimular e desenvolver o aprendizado do aluno, contemplando desde o raciocínio lógico à capacidade de interpretação, oportunizando o autoconhecimento e o fortalecimento emocional, visto que é uma estratégia lúdica de aprendizagem.
O mundo dos jogos é um exemplo de um ambiente que prioriza o usuário e valoriza sua percepção (Prensky, 2012). Uma proposta pedagógica centrada no aluno, em sua aprendizagem resulta em um desenvolvimento pleno. É comum nos espaços escolares a busca por uma padronização das atividades, dos processos avaliativos como se todos aprendessem no mesmo ritmo e da mesma forma. Então, conhecer as características de cada indivíduo dentro do todo da sala de aula e utilizar diferentes metodologias é uma forma de democratizar o ensino.
Nessa direção, Prensky (2012, p. 515) afirma que “a aprendizagem baseada em jogos digitais está sendo, no momento, projetada para públicos de diferentes idades”. Além da faixa etária, os jogos também são elaborados a partir da identificação com um determinado público e intencionalidade. Em se tratando de jogos didáticos, o perfil do aluno e suas habilidades devem ser consideradas para que a aprendizagem aconteça de maneira lúdica e natural.
Em seus estudos, Huizinga (2020) constata que o reconhecimento do jogo, é o reconhecimento do espírito, pois independente do jogo, ele é algo além de material. As experiências proporcionadas pelos jogos didáticos digitais não são palpáveis no sentido do tato, mas são observadas e constatadas nas relações interpessoais, na aprendizagem e na postura frente ao digital. Experiências estas que necessitam ser cada vez mais presentes nos ambientes de aprendizagem.
Os estudantes surdos, na realidade da escola em que este estudo foi desenvolvido, carecem de jogos digitais que contemplem a cultura surda para que sua identidade cultural seja fortalecida, visto que toda a equipe docente e gestora é ouvinte. Segundo Lohn,
Os jogos didáticos surdos, em minha visão, são necessários, isto é, não podem faltar para a educação bilíngue, pois trazem valores, ideias e possibilitam aquisição de conhecimentos pelo brincar lúdico. Sua tarefa é, sem dúvida, dar prazer à aprendizagem e conduzir o estudante surdo à percepção mais prazerosa do conhecimento (Lohn, 2015, p. 83).
O caráter lúdico dos jogos aliado ao engajamento que esta atividade proporciona, mostra uma experiência de envolvimento no ambiente educacional que favorece o interesse em realizar tarefas de maneira colaborativa e a busca pelo conhecimento.
Os jogos surgem como uma proposta educacional que visa fortalecer o processo de aprendizagem, num contexto de muita influência midiática sobre os jovens, que pode despertar o interesse, a curiosidade e o engajamento dos indivíduos, e, ainda, utilizar elementos modernos e prazerosos para a realização das atividades propostas e gerenciamento da aprendizagem (Silva & Pimentel, 2021). O fortalecimento do processo de aprendizagem permite que o desenvolvimento aconteça mais efetivamente.
No contexto de ganhos cognitivos e de engajamento com jogos didáticos, é interessante que numa proposta inclusiva, aspectos culturais surdos também façam parte da constituição dos jogos. Assim, explorar os aspectos visuais que fazem referência à língua de sinais ou configuração de mãos é uma proposta que valoriza a cultura surda.
Os recursos visuais, como elementos constituintes dos jogos possuem valor significativo aos surdos, o mesmo não ocorre com os elementos sonoros, sendo estes relevantes ao público ouvinte. Logo, em um ambiente de aprendizagem com perspectiva inclusiva, conceber jogos didáticos biculturais se constitui uma estratégia pedagógica inovadora e positiva.
Esta é uma pesquisa de campo, do tipo exploratória que segundo Marconi e Lakatos (2003, p. 186) tem “o objetivo de conseguir informações e/ou conhecimentos acerca de um problema, para o qual se procura uma resposta, ou de uma hipótese, que se queira comprovar, ou, ainda, descobrir novos fenômenos ou as relações entre eles”. O estudo foi desenvolvido em uma escola da rede estadual, o Centro Educa Mais Anna Bernardes, localizada na cidade de Timon, no estado do Maranhão.
Sendo de cunho qualitativo, analisa os resultados obtidos em uma vivência pedagógica entre dois estudantes surdos, matriculados no Ensino Médio, duas intérpretes de Língua de Sinais Brasileira e dois jogos digitais, o “Roleta de Sinais” e o “Ditado Estourado”. Além de levantamento bibliográfico e observação da prática pedagógica, foram utilizados questionários semiabertos, com os participantes antes e depois da experiência com os jogos digitais.
Os estudantes surdos, de 19 e 23 anos, matriculados no primeiro ano do Ensino Médio, respectivamente, identificados com as letras iniciais do alfabeto A e B, estão em processo de aquisição de Língua de Sinais Brasileira, concomitante à Língua Portuguesa. As intérpretes C e D, acompanham os estudantes em momentos distintos: primeiro em sala de aula regular, com os ouvintes; e em sala especial, espaço em que promovem a aquisição linguística.
Os jogos propostos utilizam o software Power Point e não necessitam de internet, fato que é positivo pois a escola não dispõe de computadores e os alunos não podem levar aparelhos de telefone celular para a escola, devido ao regimento interno que dispõe sobre o impedimento desses dispositivos por parte dos alunos.
O questionário semiaberto aplicado antes da utilização dos jogos, investiga os conhecimentos dos alunos sobre jogos digitais em seu aspecto lúdico e para a aprendizagem, além de suas experiências com tecnologia digital na escola. As perguntas elaboradas foram:
Você utiliza alguma tecnologia digital para potencializar a aprendizagem? Se sim, quais?
Se a resposta anterior foi positiva, diga quais e de que maneira esta tecnologia contribui para sua aprendizagem
Você costuma utilizar jogos digitais para se divertir?
Se a resposta anterior foi positiva, diga quais.
Em casa ou na escola, você já utilizou algum jogo didático digital?
Se a resposta anterior foi positiva, diga quais.
Seus professores ou intérpretes utilizam ou já utilizaram jogos digitais em sala de aula? Se a reposta for positiva, diga quais.
Com as intérpretes, o questionário semiaberto busca conhecer sobre suas experiências com jogos didáticos digitais e sobre sua utilização ou não em sala de aula. As perguntas elaboradas foram as seguintes:
Você utiliza alguma tecnologia digital em suas aulas? Se sim, quais?
Você costuma utilizar jogos digitais para se divertir?
Se a resposta anterior foi positiva, diga quais.
Você utiliza ou já utilizou jogos digitais em sala de aula com finalidade pedagógica?
Se a reposta for positiva, diga quais.
O primeiro jogo aplicado foi o “Roleta de Sinais”. A dinâmica consiste em girar duas roletas. A primeira com configurações de mãos que indicam quantidade de 1 (um) a 6 (seis) e a segunda, com 8 (oito) diferentes configurações de mãos. Depois que a roleta para de girar, o jogador deverá sinalizar diferentes significantes, com determinada configuração, de acordo com a quantidade de vezes que a primeira roleta indicou. O jogo possui recurso sonoro de modo a instigar a participação de ouvintes, sob a perspectiva inclusiva.
A segunda experiência foi com o “Ditado Estourado”. O jogo consiste em uma sequência de 12 gifs (Graphics Interchange Format ou formato de intercâmbio de gráficos) de animais que aparecem após o comando de mudar o slide. Chama-se “estourado”, devido ao fato de o gif aparecer após a imagem animada de um balão sendo estourado. O “Ditado Estourado” também dispõe de um recurso sonoro que imita o estouro do balão para que alunos ouvintes também se sintam contemplados na atividade. Nesse jogo, além de sinalizar, é sugerido aos alunos escrever a palavra de acordo com a gramática da Língua Portuguesa. Em seguida, o professor verifica a escrita, contabiliza os acertos ortográficos e compartilha a escrita de acordo com a gramática normativa.
Ambas propostas têm o objetivo de estimular a compreensão e a prática da datilologia e o uso de classificadores em Língua de Sinais, bem como o registro gráfico em Língua Portuguesa para que o aluno analise sua estrutura escrita. A atividade pedagógica também pode ser realizada em salas com alunos ouvintes. Os recursos sonoros incorporados aos jogos são uma forma de estimular a participação do ouvinte para que possam interagir e respeitar suas peculiaridades, numa perspectiva inclusiva.
Após a vivência com os jogos, foram aplicados outros questionários com os estudantes e as intérpretes com o intuito de compreender em que aspectos a ludicidade e o suporte tecnológico dos jogos estimula a aprendizagem de Língua de Sinais. Para os alunos, foram feitas as seguintes indagações:
Qual a sua opinião sobre a Roleta de Sinais?
Você acredita que a Roleta de Sinais auxilia a aprendizagem de Libras? Por quê?
Qual a sua opinião sobre o Ditado estourado?
Você acredita que o Ditado Estourado auxilia a aprendizagem de Língua de Sinais e de Língua Portuguesa? Por quê?
Você acredita que o uso de jogos didáticos digitais auxilia a sua aprendizagem? Por quê?
Você acredita que o uso de jogos didáticos digitais melhora a interação entre os estudantes? Por quê?
Você gostaria que os professores e intérpretes utilizassem jogos didáticos digitais em suas aulas? Por quê?
Para as intérpretes, foram feitos os mesmos questionamentos, exceto o último, pois a pergunta tem relação direta a sua prática pedagógica e, pelo envolvimento positivo observado com os jogos, as profissionais evidenciaram o seu interesse em buscar mais recursos neste formato.
Na escola em que se realizou este estudo, o uso de jogos com a intencionalidade de auxiliar no aprendizado dos componentes curriculares não acontece rotineiramente. A partir das observações e relatos dos entrevistados, durante as aulas de Educação Física e momentos em que não acontecem aulas, visto que é uma escola de tempo integral, os estudantes têm acesso a jogos de tabuleiro, de cartas ou brincadeiras orientadas.
As vivências lúdicas voltadas à aquisição de Língua Portuguesa acontecem com as intérpretes e estas utilizam jogos confeccionados por elas ao adquiridos em lojas especializadas. Estes materiais consistem em jogo da memória, dominó, roleta, cartas, dentre outros que não utilizam tecnologias digitais. Devido a este não uso de ambientes digitais e por reconhecer a sua importância para a inclusão digital e social dos estudantes, os jogos analógicos utilizados foram adaptados para o software Power Point para que os alunos experienciem outras possibilidades e ampliem seus conhecimentos linguísticos e tecnológicos.
É importante que os estudantes tenham contato com jogos ou experiências lúdicas que estimulem a expressão do pensamento (Antunes, 2017). Nesse sentido, criar ou adaptar jogos que corroborem para o desenvolvimento da linguagem e da aprendizagem é uma estratégia que enriquece o processo de ensino e aprendizagem.
A atividade de aprendizagem lúdica utiliza um jogo didático composto por duas roletas criadas com o software Power Point. O objetivo do jogo é auxiliar a aprendizagem da Língua de Sinais de maneira divertida e interativa, uma vez que pode ser utilizado por mais de um jogador e em espaços que não sejam somente a sala de aula.
O Power Point foi escolhido para desenvolver o jogo, devido a dificuldade de acesso à internet na escola em que se realizou o estudo. Além disso, a possibilidade de interagir com o jogo em ambientes que não têm acesso à rede também foi considerado, tornando o jogo mais democrático e acessível.
A aprendizagem é tão importante quanto o desenvolvimento social e o jogo se constitui como uma possibilidade pedagógica que promove o desenvolvimento cognitivo, emocional e social (Antunes, 2017). Na expectativa de proporcionar experiências interativas em Língua de Sinais que estimulem e potencializem o aprendizado, o jogo não tem limite de idade e qualquer pessoa que esteja aprendendo Língua de Sinais pode utilizar.
A imagética é pensada em prestigiar a cultura surda pois o jogo utiliza sinais em Libras, contrastando com os jogos que privilegiam a cultura ouvinte, mas possui recurso sonoro, de modo que as individualidades sejam respeitadas e a inclusão se efetive. Todas as culturas e identidades são produtivas, sem deméritos e estão relacionadas tanto aos discursos produzidos quanto à natureza das relações sociais que se estabelecem naturalmente (Gesser, 2020). Assim, torna-se salutar essa relação que se constrói através do lúdico para a formação do ser social.
O criar, adaptar ou traduzir os jogos didáticos que contemplem a cultura surda, é um aspecto importante, pois, conhecer a configuração identitária do aluno direciona o professor para que o processo de ensino-aprendizagem aconteça positivamente (Lohn, 2015). Essa interação entre as culturas surda e ouvinte no recurso lúdico é importante para que a percepção das subjetividades e o respeito ao outro se efetivem.
E o que é “ditar”? Etimologicamente, ditar significa dizer em voz alta para quem escreve, repetir, recitar (Michaelis, 2019). Palavra comum na cultura ouvinte e sem vivência real na cultura surda. E o que é “Estourado”? Estourado faz referência a estourar. “Estourar”, por sua vez, em sua raiz etimológica significa dar estouro, arrebentar com estouro, fazer grande barulho (Michaelis, 2019). Mais uma palavra que para os surdos não agrega prática.
Analisando o recurso didático pela nomenclatura que o define, a cultura surda não está presente. Cultura esta que, conforme Quadros (2003, p. 86) “é multifacetada, mas apresenta características que são específicas, ela é visual, ela traduz-se de forma visual”. A visualidade está presente, há que se analisar, portanto, os outros elementos que compõem o jogo.
A sugestão apresentada no jogo “Roleta dos Sinais” muito comum nos processos de alfabetização de ouvintes. Associar o som à letra que compõe cada sílaba da palavra proferida ou imagem apresentada é a proposta de um ditado normal aos ouvintes. Porém, essa associação linguística não acontece da mesma forma com um estudante surdo. Língua de Sinais e Língua Portuguesa são duas línguas distintas com características e formações linguísticas próprias, que se utilizam de canais diferentes para sua construção e manifestação (Gesser, 2020). Desse modo, percebe-se, na estrutura da atividade, uma sobreposição cultural que privilegia os ouvintes.
Entretanto, há que se reconhecer a ênfase dada aos recursos visuais. A estratégia de apresentá-los como animação, estabelece uma atmosfera de surpresa para o que há de vir e demonstra o empenho em envolver o estudante surdo. Além desse aspecto, há uma releitura de uma antiga proposta pedagógica que era oral e agora, adapta-se ao cenário tecnológico. Nesse sentido, Vieira et al. (2020, p. 279) afirma que “os tempos mudaram, as gerações mudaram e com o avanço das tecnologias as brincadeiras também mudaram”. E a escola vai acompanhando as mudanças e evoluindo com elas.
Na esteira dos acontecimentos, diferentes olhares são percebidos e precisam ser validados. Cada vivência é única e os processos de aprendizagens também são únicos. Embora singulares, as experiências necessitam ser compartilhadas para que, por meio da interação, construam-se relações sociais que impactam cognitiva e culturalmente, pois, entendendo como afirma Vygotsky (2003) as experiências vivenciadas nos contextos individuais trazem ensinamentos que, quando trazidos para o ambiente escolar, mais forte e dinâmico se torna o processo educativo.
Sabendo que por meio da tecnologia Internet, muitos conhecimentos são compartilhados e inúmeras possibilidades interativas e colaborativas são construídas, é importante que a escola acompanhe a evolução tecnológica digital e se aproprie dos benefícios que ela agrega aos professores e alunos para que a aprendizagem escolar tenha significado prático fora da escola (Baladelli et al., 2012). Questionados sobre o uso de tecnologias digitais para potencializar a aprendizagem, a partir das respostas dos participantes, obteve-se o seguinte gráfico (Figura 3):
Dentre as tecnologias utilizadas, foram mencionados equipamentos como computador, tablet, celular, reprodutores de vídeo e materiais impressos. A internet surge na resposta de apenas um participante. Assim, percebe-se o quanto a exclusão digital é presente e o quanto precisamos avançar em termos de democratização do acesso à internet. Além disso, outro participante afirma não ter acesso as tecnologias digitais de forma a potencializar a sua aprendizagem, fora do ambiente escolar.
Para conhecer as vivências de estudantes e intérpretes no universo dos jogos, questionou-se sobre o uso de jogos apenas com finalidade lúdica e apenas as intérpretes afirmaram utilizar jogos em seus momentos de lazer. Dentre eles, foram mencionados dominó, baralho, Sudoku e Bubble Shooter. Já os estudantes não fazem uso de jogos para diversão.
A aprendizagem cognitiva é tão importante quanto o desenvolvimento emocional e social e, nesse sentido, o jogo é uma proposta pedagógica que promove a construção dessas habilidades (Antunes, 2017). Sendo, portanto, o jogo um potencializador do desenvolvimento e da aprendizagem.
Tendo experiências com jogos apenas no ambiente escolar, os jovens surdos participantes deste estudo afirmaram:
Eu gostaria de que os professores e os intérpretes utilizassem mais jogos nas aulas porque assim os surdos aprendem mais rápido. (Estudante A).
Aprender com jogos em sala de aula é diferente e muito bom. Gostaria que os professores utilizassem mais jogos didáticos. (Estudante B).
Jogo é uma atividade voluntária e, por tal característica, é engajadora (Huizinga, 2020). E na voluntariedade reside o desejo de participação. E na participação aprendizagens são construídas. O caráter lúdico da atividade com os jogos estimula a vontade de conhecer e aprender mais.
O jogo é fascinante, cativante, lúdico e prazeroso. Apresenta em sua natureza o ritmo e a harmonia que se pretende encontrar nas relações com o meio e com as pessoas (Huizinga, 2020). Apesar das características que muito somam aos processos de ensino e aprendizagem, os jogos ainda precisam ser mais utilizados nos ambientes educacionais.
Analisando o jogo “Roleta de Sinais”, em seus aspectos de funcionalidade lúdica e pedagógica, alunos e intérpretes relataram da seguinte forma:
Roleta de Sinais é um jogo muito bom. Muito divertido. (Estudante A)
Gostei do jogo porque ensina Libras brincando. (Estudante B)
É um jogo que estimula o aprendizado dos alunos, como o ensino dos numerais e configurações das mãos. Através deste jogo podemos trabalhar várias dinâmicas que reforçam o aprendizado adquirido. (Intérprete C)
É um jogo que estimula a memorização, atenção e principalmente o aprendizado de sinais, pois, à medida em que o aluno for utilizando o jogo, seu leque de sinais aumenta significativamente. (Intérprete D)
Os depoimentos dos participantes demonstram motivação para a aprendizagem e possibilidades de abordagens diferentes a partir do jogo. A motivação influencia o processo de aprendizagem, a manifestação do conhecimento prévio e a identificação com a cultura surda, visto que as configurações de mãos são trabalhadas. Nesse sentido, percebe-se que o uso de jogos pode impulsionar conhecimentos além daqueles previstos para a atividade, constituindo-se em elemento positivo para o desenvolvimento cognitivo e inclusão dos estudantes.
O recurso lúdico “Ditado Estourado” objetiva estimular a escrita em Língua Portuguesa e, nessa perspectiva, as observações dos participantes são as seguintes:
Gostei do jogo. O Ditado Estourado auxilia na aprendizagem de Língua Portuguesa porque ensina a escrever. (Estudante A)
Acredito que ajuda na aprendizagem porque tem que sinalizar e depois escrever. Gostei também. (Estudante B)
O Ditado Estourado é um jogo extremamente interessante, pois foca na alfabetização do aluno, envolvendo a escrita e a sinalização. (Intérprete C)
O Ditado Estourado é um jogo que estimula a percepção do aluno, assim como o conhecimento de sinais e do Português escrito. Estimula o aluno a escrever em português e relacionar os sinais com as imagens, pois a leitura de mundo dos alunos surdos é feita por experiências visuais e concretizadas em sua língua natural para que depois esse aluno seja capaz de aprender o Português como L2. (Intérprete D)
As línguas de sinais são consideradas línguas naturais e, consequentemente, compartilham uma série de características que lhes atribui caráter específico e as distingue dos demais sistemas de comunicação, pois não surgem a partir do canal oral-auditivo, tendo a visualidade como base para sua existência (Quadros & Karnopp, 2007). A Língua de Sinais Brasileira, portanto, possui estrutura sintática e lexical como as línguas orais e com possibilidade de gerar sentenças diversas.
A observação da Intérprete 2 demonstra a preocupação em relacionar imagem e escrita, de modo a contemplar a aprendizagem visual, fato que vai ao encontro do que afirma Quadros (2003, p. 37) “a língua portuguesa será ensinada com ênfase na escrita, considerando que o canal de aprendizagem do surdo é visual”. Desse modo, pode-se concluir que o jogo “Ditado Estourado” atende à proposta do ensino de Língua Portuguesa escrita para estudantes surdos, embora de maneira adaptada da cultura ouvinte.
Com relação ao uso de jogos didáticos como potencializadores da aprendizagem e que possibilitam de maneira efetiva a inclusão de estudantes surdos em classes regulares mistas (surdos e ouvintes), os participantes afirmaram que:
Os jogos digitais ajudam na aprendizagem porque é um jeito diferente de aprender. Ajudam na inclusão porque é divertido e todos participam. (Estudante A)
Com os jogos aprendemos brincando e conversando com os amigos. (Estudante B)
Acredito que com os jogos didáticos digitais podemos desenvolver o aprendizado de uma forma dinâmica e com bastante interação entre os alunos, favorecendo a inclusão. (Intérprete C)
Além de empolgar os alunos, é uma ferramenta bastante presente no cotidiano deles. Os jogos digitais auxiliam na sua ampla utilização, principalmente no que se refere ao uso de imagens que são essenciais no processo de ensino e aprendizagem dos estudantes surdos. Os jogos digitais funcionam como uma linguagem comum entre os jovens, facilitando a socialização entre eles. (Intérprete D)
Face às observações apresentadas, é perceptível que a experiência lúdica de aprendizagem motiva o desenvolvimento cognitivo e a postura inclusiva. A aprendizagem baseada em jogos digitais pode desempenhar um papel importante na interiorização de conteúdos e na compreensão da aplicabilidade desses conteúdos na vida cotidiana (Prensky, 2012). Conteúdos estes que vão além do currículo escolar, pois perceber e respeitar as diferentes apresentações humanas são essenciais para a formação de pessoas, no sentido real da palavra.
Os avanços tecnológicos trazem implicações em todas as esferas sociais. Implicações estas que demandam que os sujeitos busquem conhecimento e desenvolvimento de competências também digitais para interagir plenamente na sociedade em rede que, independentemente de suas condições físicas, sociais, econômicas ou culturais, estão inseridos.
Nesse sentido, os espaços educacionais também precisam apropriar-se desse conhecimento para que professores e alunos ampliem suas possibilidades interativas e cognitivas por meio das tecnologias. O processo que busca o constante aprendizado, procura organizar toda a gama de informações e transformá-las em possibilidades pedagógicas e motiva-se ao perceber estratégias que levem o aluno a também engajar-se aos estudos (Sena et al., 2021). Assim, a formação escolarizada de estudantes surdos também deve contemplar as tecnologias digitais, pois os ambientes digitais fazem parte da cibercultura que habitamos.
Ressignificar estratégias, numa proposta bilíngue, torna-se uma necessidade imprescindível, principalmente porque cada sujeito tem seu ritmo próprio de aprendizagem e as metodologias engessadas e padronizadas não atendem às necessidades de maneira uniforme, visto que vivemos numa sociedade heterogênea. Alia-se a isso, o fato de que elementos da cultura necessitam de representatividade para que a inclusão, de fato, seja efetivada.
Nesse sentido, encontrar algo que aproxime os interesses em sala de aula, seja bicultural e promova o engajamento educacional é a melhor forma de aliar conhecimento e inclusão. Ao se reconhecer o jogo, se reconhece o espírito, a participação voluntária é imaterial e por isso tão valorizada nas atividades (Huizinga, 2020). Os valores de respeito e solidariedade não são materialmente palpáveis, mas são concretizados à medida que se constroem espaços e relações inclusivas aos pares.
As análises dos dados deste estudo demonstram o potencial dos jogos didáticos tecnológicos na alfabetização e inclusão de estudantes surdos, além da necessidade de formação docente voltada às competências digitais. Assim, enfatiza-se a necessidade de mais estudos sobre a temática para que os benefícios deste tipo de recurso didático sejam mais pesquisados, debatidos e popularizados.
Como citar: Sena, L. S., Serra, I. M. R. S., & Schlemmer, E. (2022). Technological resources in bilingual education for deaf students. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17234. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17234
Contribuições dos Autores: Sena, L. S.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Serra, I. M. R. S.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Schlemmer, E.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
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