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A assistência estudantil para discentes LGBTQIA+: uma análise das políticas institucionais no âmbito da Residência Universitária de uma Universidade Federal do Brasil
Student assistance for LGBTQIA+ students: an analysis of institutional policies within the scope of the University Residence of a Federal University in Brazil
Asistencia estudiantil para estudiantes LGBTQIA+: un análisis de las políticas institucionales en el ámbito de la Residencia Universitaria de una Universidad Federal en Brasil
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17628, 2022
Universidade Federal de Sergipe

Publicação Contínua

Revista Tempos e Espaços em Educação 2022

Recepción: 03 Marzo 2022

Aprobación: 12 Mayo 2022

Publicación: 11 Junio 2022

DOI: https://doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17628

Resumo: O presente estudo objetivou analisar se há, na Universidade Federal de Alagoas, Campus A.C. Simões, políticas institucionais de assistência estudantil, mais especificamente referentes à Residência Universitária, capazes de assegurar, diante de um cenário marcado pela diversidade, o respeito aos valores da equidade e respeito à pessoa humana, no caso em especial, de estudantes com gênero e orientação sexual divergente da heterocisnormatividade. Como opção teórico-metodológica, esta pesquisa adotou a abordagem de natureza qualitativa, com ênfase na revisão de literatura e na análise documental. Para a análise dos dados encontrados, elegeu-se a Análise de Conteúdo de Bardin (2016). Como resultados principais, inferiu-se que, apesar de existir um trabalho já iniciado na referida instituição de ensino acerca do tema em comento, necessário se faz a adoção de mais ações pontuais, definidas organicamente no seio da universidade, para se garantir a maior efetivação dos direitos deste público discente.

Palavras-chave: Educação, Diversidade, Orientação Sexual, Relações de Gênero, Universidade.

Abstract: The present study aimed to analyze whether, at the Federal University of Alagoas, Campus A.C. Simões, institutional student assistance policies, more specifically referring to the University Residence, capable of ensuring, in a scenario marked by diversity, respect for the values ​​of equity and respect for the human person, in the particular case of students with gender and orientation deviant from heterocisnormativity. As a theoretical-methodological option, this research adopted a qualitative approach, with emphasis on literature review and document analysis. For the analysis of the data found, Bardin's Content Analysis (2016) was chosen. As main results, it was inferred that, although there is a work already started in the mentioned educational institution on the subject in question, it is necessary to adopt more specific actions, defined organically within the university, to ensure greater effectiveness. of the rights of this student audience.

Keywords: Education, Diversity, Gender Relations, Sexual Orientation, University.

Resumen: El presente estudio tuvo como objetivo analizar si, en la Universidad Federal de Alagoas, Campus A.C. Simões, políticas institucionales de atención al estudiante, más específicamente referidas a la Residencia Universitaria, capaces de garantizar, en un escenario marcado por la diversidad, el respeto a los valores de equidad y el respeto a la persona humana, en el caso particular de los estudiantes con orientación desviada de la heterocisnormatividad. Como opción teórico-metodológica, esta investigación adoptó un enfoque cualitativo, con énfasis en la revisión de literatura y análisis de documentos. Para el análisis de los datos encontrados se optó por el Análisis de Contenido de Bardin (2016). Como principales resultados se infirió que, si bien existe un trabajo ya iniciado en la mencionada institución educativa sobre el tema en mención, es necesario adoptar acciones más específicas, definidas orgánicamente al interior de la universidad, para garantizar una mayor efectividad de los derechos. de este público estudiantil.

Palabras clave: Educación, Diversidad, Orientación Sexual, Relaciones de Género, Universidad.

INTRODUÇÃO

As raízes que sedimentam o presente texto estão imbricadas ao estudo realizado durante pós doutoramento em Educação na Universidade Federal de Sergipe, em que se voltou o olhar a analisar a existência ou não de políticas equitativas para discentes no contexto da Universidade Federal de Alagoas-UFAL, no que pertence especificamente à população estudantil pertencente ao grupo LGBTQIA+, estabelecendo-se, naquele momento de maior densidade de pesquisas, vários segmentos no âmbito da UFAL a serem retratados por meio dos dados coletados, bem como pela leitura dos referenciais teóricos capazes de desvelar a problemática em questão.

Importante realçar que se entendeu ser bastante oportuno mergulhar no assunto sobre educação e diversidade, mais precisamente às questões ligadas às relações de gênero, por se perceber que, infelizmente, essa parcela de hipossuficientes, calcada dentro dos grupos sociais de diferença, em suas diversas subjetividades coletivas, parecem ainda necessitar de muito apoio dos setores governamentais para garantia do direito à equidade, na acepção mais ampla do vocábulo, aqui se incluindo o meio universitário.

Esta sensibilização para a exclusão de muitos hipossuficientes dos bens educacionais, ditada pelo olhar sempre voltado para a esfera da Educação em Direitos Humanos, vem fazendo com que, já há alguns anos, as aludidas preocupações tenham ainda mais se acentuado. Nota-se que, mesmo lentamente, amplia-se o ingresso dessas pessoas na educação superior sem se saber, ao certo, como estão sendo trabalhadas questões que se liguem a garantir o respeito necessário não só ao ingresso, mas, principalmente, à permanência exitosa dessas pessoas na universidade (Rios, Dias & Brazão, 2019; Menezes, Dias & Santos, 2020; Cardoso & Dias, 2016).

Tal percepção tem sido tanto mais nítida, quanto se tem conhecimento dos indicadores educacionais, eis que o sucesso escolar dessas pessoas pode depender de uma política ainda mais incisiva, sistemática e eficaz de garantia ao respeito de suas “diferenças”, já que, não devendo ter essas suas necessidades negligenciadas ou mal consideradas por aqueles que estão atuando no cotidiano estudantil educativo como a universidade, onde usuários de tal natureza, muitas vezes, mal começam a ser notados, quando não são considerados simplesmente importunos e silenciosamente eliminados como indignos de ali se encontrarem, reivindicando a condição de pares.

Não se pode desconsiderar ainda que, diante de toda conjuntura política que se vem atravessando nos últimos anos neste país, o assunto se torna ainda mais pertinente para estudos desse nível, até porque a pauta LGBTQIA+ é também essencialmente de natureza política, eis que remonta uma luta acirrada no intento de que direitos fundamentais fossem elevados à categoria legal e normativa, com aptidão de exequibilidade, o que faz com que se garantam às pessoas a titularidade de poder usufruir de todas as liberdades, dentre elas a de manter a relação afetiva que lhe convenha, sendo respeitada e existindo dignamente (Palmeira & Dias, 2021; Brazão, Oliveira & Dias, 2021).

Assim, ao se observar dirigentes governamentais que declaram publicamente, por meio de discursos odiosos, repúdio a grupos de pessoas que divergem da heterossexualidade, a preocupação tende a ficar sempre crescente, já que, pessoas que deveriam respeitar as leis e o próprio humanismo, jogam por terra toda ideia de tolerância e alteridade.

Diante de tal linha de raciocínio, não se pode desvincular, no prisma teórico, muito do que aqui está sendo discorrido em relação ao que já fora há tempo trabalhado nos estudos de Foucault, quando ao discutir a origem da sexualidade, mostra que tal problemática tem raízes seculares, evidenciando de forma nítida que:

Parece que, por muito tempo, teríamos suportado um regime vitoriano e a ele nos sujeitaríamos ainda hoje. A pudicícia imperial figuraria no brasão de nossa sexualidade contida, muda, hipócrita. Diz-se que no início do século XVII ainda vigorava uma certa franqueza. As práticas não procuravam o segredo; as palavras eram ditas sem reticência excessiva e as coisas eram feitas sem demasiado disfarce; tinha-se com o ilícito uma tolerante familiaridade. Eram frouxos os códigos da grosseria, da obscenidade, da decência, se comparados com os do século XIX. Gestos diretos, discursos sem vergonha, transgressões visíveis, anatomias mostradas e facilmente misturadas, crianças astutas vagando, sem incômodo, nem escândalo, entre os risos dos adultos: os corpos “pavoneavam”. Um rápido crepúsculo se teria seguido à luz meridiana, até as noites monótonas da burguesia vitoriana. A sexualidade é, então, cuidadosamente encerrada. Muda-se para dentro de casa. A família conjugal a confisca. E, absorve-a, inteiramente, na seriedade da função de reproduzir. Em torno do sexo, se cala. O casal, legítimo e procriador, dita a lei. Impõe-se como modelo, faz reinar a norma, detém a verdade, guarda o direito de falar, reservando-se o princípio do segredo. No espaço social, como no coração de cada moradia, um único lugar de sexualidade reconhecida, mas utilitário e fecundo: o quarto dos pais. Ao que sobra só resta encobrir-se; o decoro das atitudes esconde os corpos, a decência das palavras limpa os discursos. E se o estéril insiste, e se mostra demasiadamente, vira anormal: receberá este status e deverá pagar as sanções. O que não é regulado para a geração ou por ela transfigurado não possui eira nem beira, nem lei. Nem verbo também. É ao mesmo tempo expulso, negado e reduzido ao silêncio. Não somente não existe, como não deve existir e à menor manifestação fa-lo-ão desaparecer – sejam atos ou palavras. As crianças, por exemplo, sabe-se muito bem que não tem sexo: boa razão para interditá-lo, razão para proibi-las de falarem dele, razão para fechar os olhos e tapar os ouvidos onde quer que venham a manifestá-lo, razão para impor um silêncio geral e aplicado. Isso seria próprio da repressão e é o que distingue das interdições mantidas pela simples lei penal: a repressão funciona, decerto, como condenação ao desaparecimento, mas também como injunção ao silêncio, afirmação da inexistência e, consequentemente, constatação de que, e tudo isso, não há nada para dizer, nem para ver, nem para saber. Assim marcharia, com sua lógica capenga, a hipocrisia de nossas sociedades burguesas. Porém, forçada a algumas concessões. Se for mesmo preciso dar lugar às sexualidades ilegítimas, que vão incomodar noutro lugar: que incomodem lá onde possam ser reinscritas, se não nos circuitos da produção, pelo menos nos do lucro. (Foucault, 2020, p.7-8)

Infelizmente, essa “lógica” arcaica e que retroalimenta os discursos das “tradicionais famílias conservadoras” ainda é uma realidade viva e nítida na nossa cultura social, histórica, política e, acima de tudo, (des)humana, o que torna cada dia mais assustador os índices de homofobia, sexismo e outras práticas de violência dentro do referido contexto.

Assim, tomando por base tais ideais e sem perder de vista o foco nos direitos da cidadania, a problemática ora suscitada tem trazido uma vasta gama de questões que a matéria abarca, agora mais do que antes, visto que, de acordo com pesquisa realizada pela Universidade Federal de Alagoas, catalogada em E-book nominado “Perfil Socioeconômico e Cultural dos(as) estudantes da UFAL”, que mostra a real distribuição dos estudantes na atualidade, por categorias como renda familiar, faixa etária, raça, deficiência, situação conjugal, sexo, gênero e orientação sexual, dentre outras, evidente fica uma considerável mudança do perfil da universidade, no sentido do aumento de pessoas com diversidade de gênero bem como das várias orientações sexuais.

Saindo um pouco do campo dos dados e voltando a reflexão a uma esfera mais ampla, não se tem como deixar de considerar que a academia se caracteriza em uma ambiência que assume na sua tradição os valores do humanismo e que o pensamento científico, sem a interação humana ou para o melhoramento da humanidade, sobretudo dos grupos mais vulneráveis e hipossuficientes, endossa uma ciência desprovida de qualquer interlocução mais profunda com o compromisso moral de suas atividades, tornando-se oportuna e extremamente justificável uma pesquisa que investigasse se a legitimidade de temas como diversidade de gênero, orientação sexual e equidade estão sendo colocados na prática efetiva das políticas institucionais da Universidade Federal de Alagoas.

Assim, a pesquisa mais ampla da qual se extraiu o texto em égide se configurou como uma forma de investigar um conjunto de situações inquietantes como, por exemplo, os mecanismos e processos existentes ou em vias de efetivação, não só para o ingresso, como também para a permanência com sucesso no ensino superior brasileiro dos hipossuficientes, nesse caso específico, das pessoas com orientação sexual e identidade de gênero que fogem aos padrões heteronormativos que são socialmente aceitos pelas maiorias no seio da Universidade Federal de Alagoas.

Por outro lado, ao pensar na inclusão educacional como possibilidade de acesso de pessoas com limitações de várias vertentes, vê-se, pela história, que essa demanda feita pelas pessoas excluídas vem sendo relativamente atendida. Se esse atendimento foi universalizado na Europa e nos países desenvolvidos até a década de 1950, no Brasil, mesmo de forma lenta, as crianças, adolescentes, jovens e adultos excluídos da escola por razões sócio-históricas passaram a ser cada vez mais admitidos nas instituições escolares de ensino fundamental com a sua quase universalização em termos de ingresso, a partir dos anos 90.

Na educação superior, porém, a inclusão genericamente pensada é um fenômeno que, no Brasil, ainda hoje, vem se dando com fortes limites. No caso alagoano, então, segundo ensina Élcio de Gusmão Verçosa (Verçosa, 1997), a democratização do acesso pode ser considerada como um fenômeno dos últimos 20 anos. Mesmo assim, em Alagoas, a inclusão de pessoas com certas limitações vem se ampliando muito lentamente, de modo que nos indicadores educacionais o Estado figura ainda em posição desfavorável, em termos de matrícula líquida e até matrícula bruta. Importa salientar que quando, por exemplo, consultam-se referências que datam dos anos 50 até o presente, percebe-se que as reivindicações estudantis sempre se concentraram em ampliação de vagas, moradia estudantil e restaurante universitário, além da luta política por maior representação nos órgãos colegiados. (Vasconcelos, 2011). Nesse contexto, a demanda por igualdade tem sempre deixado de reivindicar acesso e apoio à Universidade daqueles e daquelas que apresentam necessidade de respeito e tratamento pautado pela dignidade humana.

Nessa seara, importante ressaltar que a Carta Constitucional vigente, ao tratar a educação como um direito social, estabelece em seu artigo 205 que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Dando continuidade, o aludido diploma legal consagra, no artigo 206, inciso I, que o ensino “será ministrado com base, entre outros, nos seguintes princípios: I -Igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”.

Não é vicioso esclarecer que a redação acima resulta de um processo histórico de aperfeiçoamento da lei, desde o seu artigo 5º, caput que enuncia serem todos “iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, até os últimos diplomas legais vigentes, como o Decreto nº 7.234/10 (que dispõe sobre o Programa Nacional de Assistência Estudantil – PNAES), o Parecer CNE/CP 8/2012 (que estabelece as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, definindo como princípios da educação a dignidade humana, a igualdade de direitos e o reconhecimento/valorização das diferenças e diversidades), o Decreto nº 8.727/2016 (que dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transsexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional), além de diversos outros Decretos e Portarias emanados do Ministério da Educação no âmbito da regulação da educação superior no país.

Entretanto, mesmo com o avanço normativo, procurou-se observar se, no prisma concreto, essas leis se materializam de forma a garantir o acesso e a permanência com sucesso dos hipossuficientes na educação superior pública, já que é preciso haver ações que resultem em práticas efetivas e exitosas da inclusão educacional ampla e irrestrita. Aqui, encontra-se posta a necessidade do que se denomina de institucionalização das determinações legais traduzidas em concepções e políticas que levem às práticas inclusivas.

Ao trazer à cena a ideia da institucionalização, não deve existir a desvinculação do pensamento de que instâncias externas a uma universidade concreta, como o MEC, o Conselho Nacional de Educação e o INEP, podem determinar a instituição, toda sua forma de gestão e, nesse caso específico da inclusão, modos de lidar com o fenômeno em todas as suas dimensões.

Nesse sentido e de acordo com Fernandes, atitudes dessa natureza apresentarão tendência a observar as instituições sociais “como se seu rendimento constituísse uma função exclusiva de sua organização interna, da qualidade do pessoal (ou de sua motivação) e da adequação das relações entre meios e fins [...] bastando uma ‘boa organização’ e uma ‘boa direção’ para ter-se um ‘bom rendimento’ ou um ‘rendimento ótimo’” (Fernandes, 1975, p. 92-93).

Pelo contrário, pode-se dizer que a institucionalização, no tocante ao respeito das diferenças no ensino superior, só se efetiva mediante concepções, percepção de sentidos e desenvolvimento de práticas inclusivas. A partir do momento em que o prisma legal e o prisma atitudinal se entrelaçarem, ocorrerá a tão almejada inclusão, e, efetivando a inclusão, ocorrerá, consequentemente, a igualdade plena, propugnada nos ideais da Educação em Direitos Humanos.

Constituindo os princípios norteadores de uma sociedade moderna, os Direitos Humanos têm representado formas de combate às situações de desigualdades. Cronologicamente falando, essas lutas surgidas no início da modernidade culminam com a reafirmação das Declarações feitas pela Organização das Nações Unidas - ONU, em 1948, e no caso das reuniões de cúpulas educacionais, nas décadas mais recentes, tem-se afirmados os direitos sintetizados nos princípios da liberdade e igualdade.

Importante assinalar que, ao se analisar o princípio da igualdade, é fundamental fazer a distinção entre igualdade no plano formal e igualdade no plano material. Quando se fala em igualdade perante a lei como garantia de concretização de determinado direito, ou seja, quando se pensa que a simples inserção da igualdade no rol dos direitos fundamentais é o bastante para efetivar determinado direito, tem-se a chamada igualdade formal. Todavia, as necessidades das pessoas como sujeitos sociais mostram que, para se atingir a efetividade do princípio da igualdade, é preciso desapegar-se da mera concepção formalista, buscando mecanismos de operacionalização dos direitos, passando-se a olhar nitidamente as desigualdades concretas existentes na sociedade, de maneira a tratar de forma desigual situações também desiguais, e é justamente disso que se trata quando nesta pesquisa se buscou visualizar e entender as políticas institucionais desenvolvidas na Universidade, seja por meio das Pró-Reitorias de Graduação e de Assistência Estudantil, seja por meio de cursos de formação para seus docentes e técnicos-administrativos visando a conscientização da efetivação dessa igualdade formal e dessa igualdade material, pelo prisma basilar do respeito a qualquer pessoa.

É nessa vertente que Boaventura da Sousa Santos enfatiza que “[...] temos direito a ser iguais sempre que a diferença nos inferioriza; temos o direito de ser diferentes sempre que a igualdade nos descaracteriza” (Santos, 1995, p.44). Assim, buscando amparo socioantropológico, pode-se afirmar que, para se alcançar a igualdade e tentar se tornar incluso em determinado panorama, é preciso admitir que as sociedades apresentam, como característica, sistemas de pertença social com base na desigualdade e na exclusão. De acordo com o autor,

[...] no sistema de desigualdade, a pertença dá-se pela integração subordinada enquanto que no sistema da exclusão a pertença dá-se pela exclusão. A desigualdade implica um sistema hierárquico de integração social. Quem está em baixo está dentro e sua presença é indispensável. Ao contrário, a exclusão se assenta num sistema totalmente hierárquico mas dominado pelo princípio da exclusão: pertence-se pela forma como se é excluído. [...] Se a desigualdade é um fenômeno socioeconômico, a exclusão é sobretudo um fenômeno cultural e social, um fenômeno de civilização. Trata-se de um processo histórico através do qual uma cultura, por via de um discurso de verdade, cria o interdito e o rejeita. (Santos, 1995, p. 02).

Dessa forma, foi seguindo essa ordem de ideias que a pesquisa de pós doutoramento se desenvolveu, ressaltando-se que, aqui serão apresentados, tão somente, uma fração da mesma, quais sejam: os resultados e discussões acerca das políticas institucionais da Pró-Reitoria de Assistência Estudantil - PROEST para o público estudantil LGBTQIA+, com recorte específico às ações direcionadas a tais estudantes no âmbito da Residência Universitária – RUA.

METODOLOGIA

No tocante ao percurso metodológico, além da pesquisa bibliográfica, que teve o objetivo de ampliar e aprofundar o arcabouço teórico, assim como as diversas abordagens sobre educação, gênero e orientação sexual, mergulhando em teóricos como Foucault, Guacira Lopes Louro, Joan Scott, Jeffrey Weeks, Deborah Britzman, Bell Hooks, Richard Parker, Judith Butler, dentre outros, fora também realizada pesquisa documental, a qual consistiu na análise das normativas da PROEST acerca de políticas de assistência estudantil para alunos que relatam problemas dentro da universidade, especificamente na Residência Universitária, relacionados com sua orientação de gênero.

Assumindo o presente estudo a natureza qualitativa, fora utilizada a Análise de Conteúdo como método de análise que objetiva a inferência de conhecimentos pertinentes às condições de produção e recepção das mensagens enunciadas. Para tanto, trabalhou-se cada fase na qual se baseia a Análise de Conteúdo, a saber: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados - com ênfase, nessa terceira fase, à inferência e à interpretação.

A primeira fase, a pré-análise, correspondeu à etapa de organização, na qual se estabeleceu o mecanismo de trabalho. Aqui se contemplou a leitura “flutuante”, ou seja, um contato preliminar com os textos e documentos que foram analisados, a escolha dos mesmos, a formulação das hipóteses e objetivos.

Importante registrar, ainda, que se procurou observar as regras de exaustividade (que consiste em esgotar a totalidade da comunicação), da representatividade (que significa que a amostra deve representar o máximo do universo pesquisado), da homogeneidade (em que os dados devem guardar relação a um mesmo assunto e serem obtidos por técnicas semelhantes), da pertinência (em que os documentos devem se vincular ao conteúdo da pesquisa) bem como da exclusividade (segundo a qual um elemento não deve ser classificado em mais de uma categoria) (Bardin, 2016).

Na segunda fase, escolheu-se as categorias analíticas que foram trabalhadas. Aqui, estabeleceu-se como categoria mais ampla o olhar sob a vertente da existência ou inexistência de políticas institucionais já suscitadas nas linhas anteriores e, na categoria das políticas existentes, procurou-se eleger, sempre que possível, subcategorias, tentando refinar os achados da pesquisa e ampliar a análise no sentido de vislumbrar se tais ações existentes já atendem de forma plena ou necessitam de incrementos para satisfazer adequadamente às necessidades dessa parcela estudantil. Ressalta-se que, neste aspecto, preferiu-se, no lugar de criar quadros analíticos para demonstrar de forma estática as categorias, exibi-las de maneira discursiva durante a apresentação dos resultados, em que se fez a leitura gradativa e sequenciada de cada elemento apto a consubstanciar o objeto estudado.

Durante a terceira fase do processo de análise do conteúdo fora realizado o tratamento dos resultados – a inferência e interpretação dos resultados da pesquisa. Esclarece-se que esta interpretação buscou ir além do conteúdo que aparecia nos documentos, já que o mais importante é o conteúdo latente, ou seja, o sentido que se encontra por trás dos resultados aparentemente encontrados, não se podendo deslembrar que, durante a interpretação dos dados, foi necessário olhar com atenção os marcos teóricos, ligados à investigação, já que eles sedimentam as vertentes da pesquisa, pois o elo entre os dados coletados e a fundamentação teórica é que assegura sentido à interpretação do estudo, permitindo as inferências.

Evidentemente, que sobre as questões gerais que envolveram os problemas de pesquisa será possível derivar novos objetos e até conclusões acerca da existência de eventuais avanços ou respostas ao que aqui se investigou, o que demonstra que o presente trabalho não representou um instrumento de avaliação das referidas ações, mas, acima de tudo, um estudo que tentou apontar formas de redirecionamento das mesmas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Instigar o debate acerca de gênero e sexualidade no âmbito educacional é, sem dúvida, de uma significância ímpar no que se liga à possibilidade de tentar iniciar um processo de desconstrução da homofobia, da transfobia, da misoginia e do sexismo que, infelizmente, insistem em fazer parte das diversas vertentes sociais, que reproduzem desenfreadamente discursos preponderantemente heterocisnormativos.

Sem querer minimizar a importância de se trabalhar a temática dentre todos os segmentos sociais, mas, ao focar essas linhas em conjugação à esfera educacional, tem-se como parâmetro a necessidade de levar à tona a compreensão de que é marcadamente no ambiente escolar e universitário que as pessoas se preparam não apenas para uma profissão e consequentemente para empregabilidade, mas, acima de tudo, para o exercício da cidadania ativa com vistas à construção de um respaldo ético e humano que as façam realmente “gente” dentro de qualquer contexto.

Especificamente no tema específico do recorte feito ao presente estudo, que se volta a analisar o respeito à pessoa humana, no caso em especial, de estudantes com gênero e orientação sexual divergente dos padrões sociais dominantes no âmbito da UFAL, é fulcral destacar o Projeto Escola sem Partido, que trazia impisição de limitação na atuação docente, por meio de leis municipais e materiais didáticos, como também no tocante a conteúdos progressistas e de gênero, o qual teve a inconstitucionalidade decretada em 2020 pela corte judiciária máxima do país, a saber o Supremo Tribunal Federal. Nessa conjuntura, com a nomenclatura de “Ideologia de gênero”, fora realizada uma verdadeira “invenção” realizada por várias correntes religiosas que reforçavam a temática de segregação e discriminação, com reflexos diretos na via das políticas educacionais brasileiras.

Não é excessivo realizar um breve retrospecto e lembrar que em 2014, fase temporal que marcou a aprovação do Plano Nacional de Educação (PNE), a discussão fora impulsionada no momento em que o Senado Nacional e a Câmara dos Deputados Federal, por meio de suas bancadas assinaladamente religiosas, travaram embates acirrados em defesa da exclusão de expressões no texto do aludido documeto que pugnavam pela “promoção da igualdade racial, regional, de gênero e de orientação sexual”, de modo que no documento resultante deste Plano não trouxeram a incorporação dos termos “igualdade de gênero” e “orientação sexual”, tendo-se ainda a supressão de flexões de gênero, com adoção da forma genérica masculina (Brasil, 2014).

Nessa vertente, houve uma série de projetos que intencionavam excluir cada vez mais tais discussões do contexto das políticas educacionais, como se denota do Projeto de Lei 4893/20 que tipifica como crime a conduta de quem, nas dependências das escolas da rede municipal, estadual e federal de ensino, adote, divulgue, realize ou organize política de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa ou ainda atividades culturais que tenham como conteúdo a “ideologia de gênero”, com previsão de pena de detenção de 6 meses a 2 anos.

Dentro desse segmento de ideias, é importante registrar que essa celeuma tem como fundamento uma ideia de cunho biológico de gênero e sexualidade que insiste em fazer imperar preceitos os quais buscam privilegiar o masculino e a a heterossexualidade como padrões e tudo o que difere disso é tido por estranho, inferior e desviante (LOURO, 2000). “Aos sabores desse conjunto de normas, quer-se uma identidade para um corpo e outra para outro corpo” (Cardoso, 2011, p. 4). Nesse sentido, a regra é: “o sistema heteronormativo onde caberiam apenas duas identidades de sexo/gênero/desejo: masculino e feminino” (Cardoso, 2011, p. 4).

Ainda voltando o olhar aos marcos regulatórios, nã se pode esquecer que, guiando-se pela mesma vertente do PNE (2014-2024), o Ministério da Educação promoveu a exclusão da terceira versão da Base Nacional Comum Curricular para o Ensino Fundamental das expressões “gênero”, “identidade de gênero” e “orientação sexual” de vários segmentos, deixando apenas a expressão gênero onde há alusão ao critério do respeito à diversidade focado nas peculiaridades biológicas havidas entre homens e mulheres. O Projeto de Lei 4893/20 tipifica como crime a conduta de quem, nas dependências das escolas da rede municipal, estadual e federal de ensino, adote, divulgue, realize ou organize política de ensino, currículo escolar, disciplina obrigatória, complementar ou facultativa ou ainda atividades culturais que tenham como conteúdo a “ideologia de gênero”.

Assim, vai-se, cada vez mais, reforçando-se a urgência de se discutir, fora do senso comum e com base epistemológica, as características que vão dando forma aos conteúdos mais amplos que envolvem gênero e sexualidade, eis que tais conteúdos não são elabotados em um momento repentino, sendo, ao contrário, fruto de uma lenta e contínua construção social, histórica e cultural.

Nos precisos termos de Louro:

As identidades sexuais se constituiram, pois, através das formas como vivem sua sexuaidade, com parceiros/as do mesmo sexo, do sexo oposto, de ambos os sexos ou sem parceiros/as. Por outro lado, os sujeitos também, se identificam, social e historicamente, como masculinos ou femininos e assim constroem suas identidades de gênero. Ora e evidente que essas identidades (sexuais e de gênero) estão profundamente inter-relacionadas: nossa linguagem e nossas práticas muito frequentemente as confundem, tornando difícil pensá-las distintivamente. No entanto, elas não são a mesma coisa. Sujeitos masculnos ou femininos podem ser heterossexuais, homossexuais (e, ao mesmo tempo, eles também podem ser negros, brancos, ou índios, ricos ou prbres etc.). O que importa aqui é considerar que – tanto na dinãmica do Gênero como na dinâmica da sexualidade – as identidades são sempre construídas, ela não são dadas ou acabadas num determinado momento. Não é possível fixar um momento – seja esse o nascimento, a adolescência, ou a maturidade – que possa ser tomado como aquele em que a identiddae sexual e/ou a identidade de gênero seja “assentada” ouu estabelecida. As identidades estão sempre se constituindo, elas são instáveis e, portanto, passíveis de trasnsformação (Louro, 2020, p. 30-31).

E, seguindo a mesma vertente Britzman ensina que :

Nenhuma identidade sexual – mesmo a mais normativa- é automática, autêntica, facilmente assumida; nenhuma identidade sexual existe sem negociação ou construção. Não exsite, de um lado uma identidade heterossexual lá fora, pronta, acabada, esperando para ser assumida e, de outro, uma identidade homossexual instável, que deve se virar sozinha. Em vez disso, toda identidade sexual é um constructo instável, mutável, volátil, uma relação social contraditória e não finalizada (Britzman,1996, p. 74).

Levando em consideração não apenas o enfoque referente ao conteúdo já abordado, mas também buscando adentrar no campo que se elegeu como recorte para o estudo em comento, a saber as ações existentes no âmbito da PROEST para garantia de respeito e equidade a estudantes do público LGBTQIA+ na Residência Universitária da Universidade Federal de Alagoas, far-se-á, de início, um breve trajeto evolutivo acerca da assistência educacional no país, chegando-se à realidade do locus da pesquisa, configurada na Universidade Federal de Alagoas.

Segundo Costa (2010) a primeira menção a assistência estudantil no Brasil ocorreu no ano de 1928, com a criação da Casa do Estudante Brasileiro em Paris, a qual apresentava a função de auxiliar a permanência dos estudantes brasileiros que tinham dificuldade em se manter na França para concluir seus estudos. Nessa mesma época, por volta do ano de 1930, surgem no país outros programas assistenciais universitários, focando na garantia de alimentação e moradia para os discentes.

Imperatori (2017), afirma que os desafios desse tipo de assistência aos discentes das instituições públicas de ensino superior brasileiras aumentaram e ganharam mais importância, quando em 1980 o número de matrículas nas mesmas passou de pouco mais de 300 mil na década de 1970 para 1,5 milhão. Segundo a mesma autora, essa expansão possibilitou o acesso ao ensino universitário a brasileiros de classes sociais menos favorecidas, surgindo demandas específicas a serem atendidas em prol desse público, para garantir sua permanência na instituição. A importância dessas ações está disposta no Plano Nacional de Educação, conforme se encontra expresso nas metas da educação superior, que traduz literalmente,como objetivo daquele documento, “estimular a adoção, pelas instituições públicas, de programas de assistência estudantil, tais como bolsa-trabalho ou outros destinados a apoiar os estudantes carentes que demonstrarem bom desempenho acadêmico” (Brasil, 2001).

Ainda contextualizando brevemente a história dessas ações no Brasil, ocorreu em 12 de dezembro de 2007 a instituição do Programa Nacional de Assistência Estudantil (PNAES), segundo portaria normativa 39, para estudantes de ensino superior matriculados em cursos presenciais de Instituições de Federais de Ensino Superior (Ifes), delineando caminhos de articulação entre atividades de ensino, pesquisa e extensão com o intuito de subsidiar a permanência dos estudantes nos cursos de graduação, sendo a moradia estudantil a primeira das ações de assistência estudantil destacadas à época no artigo 2º parágrafo único e, a partir do decreto de 19 de julho de 2010, no art. 3º, parágrafo primeiro do referido programa, além de ações nas áreas de alimentação, transporte, assistência à saúde, inclusão digital, cultura, esporte, creche e apoio pedagógico.

Imperatori (2017) destaca, contudo, que embora o PNAES seja um marco para assistência estudantil universitária no Brasil, ela não garante uniformidade nas ações desenvolvidas nas diferentes Ifes, uma vez que não existe o delineamento de um padrão a ser adotado por todas. Assim, de acordo com a autora:

Em relação à moradia estudantil, por exemplo, em algumas instituições existem residências universitárias, onde é disponibilizada toda a infraestrutura, tal como quartos mobiliados e com eletrodomésticos, enquanto em outras é fornecida uma bolsa destinada ao pagamento dos gastos com moradia com valores variados (Imperatori, 2017, p. 295).

É válido ressaltar, que boa parte do que hoje é garantido pelas diretrizes do PNAES no âmbito das Ifes, é produto de reivindicações históricas e lutas estudantis levantadas ainda nos anos de 1970 e 1980, com a ocorrência da ampliação do acesso à universidade pública no Brasil, já citado anteriormente. As necessidades específicas do público discente LGBTQIA+, nesse contexto, são ainda muito negligenciadas em todo o país e só recentemente vem sendo alvo de algumas pesquisas que poderão servir como base de ações assistenciais que impeçam que as questões relacionadas ao gênero se tornem obstáculos à permanência dos discentes no ambiente universitário.

Buscou-se informações referentes a temática do estudo junto a Pró-Reitoria Estudantil (PROEST-UFAL), órgão que tem como finalidade, por sua própria definição encontrada no site da instituição, “assistir à comunidade estudantil em toda sua plenitude e planejar, gerir e executar as políticas e atividades estudantis, promovendo ampla integração do corpo discente, comunidade e Universidade”.

Ainda segundo a descrição das ações do órgão junto aos estudantes, tem-se que a Proest desenvolve programas mediante quatro linhas prioritárias de ação – inclusão e permanência; apoio ao desempenho acadêmico; promoção da cultura, do lazer e do esporte; e assuntos de interesse da juventude, resultando destas linhas todos os programas de assistência estudantil no âmbito de assistência à saúde, assistência a moradia e à alimentação, além de auxílios financeiros (bolsa permanência) e programas de apoio à vida acadêmica em todas as dimensões (social, política, cultural, esportiva e de formação técnica).

Ao perguntar-se sobre dados quantitativos do número de discentes cadastrados na residência universitária da UFAL que apresentam identidade de gênero diversa do padrão feminino e masculino, foi respondido que não existe essa informação de forma oficial, uma vez que uma parte dos discentes optam por não fazer esse tipo de declaração de forma espontânea, existindo, contudo, conhecimento por parte da PROEST de estudantes do público LGBTQIA+ morando na Residência Universitária Alagoana (RUA).

Foi relatado ainda que há um total de 135 vagas para discentes nessa estrutura, e que, em relação aos espaços (dormitórios) específicos para esse grupo, existem atualmente na RUA, quartos masculinos, femininos e mistos, com uma política de ocupação que segue a lógica abaixo, transcrita literalmente da resposta enviada: “O estudante Gay fica no quarto masculino ou misto”; “A estudante Lésbica fica no quarto feminino ou misto”; “Temos na RUA estudantes transexuais, que passaram a assumir o gênero feminino. Nestes casos, estes estudantes ficam em quartos femininos”.

Nota-se nesse aspecto, uma necessidade de amadurecimento no que tange a esta política de organização do espaço universitário, visto ser esse um ponto sensível já apontado em alguns estudos que tratam dos desafios de permanência na universidade por parte do público LGBTQIA+.

Poucos são os estudos que avaliam os desafios enfrentados por estudantes LGBTQIA+ em residências ou moradias universitárias de instituições federais de ensino superior. Lima (2019) analisou o acesso dessa população às residências universitárias no âmbito da UFRN, com foco principal na questão da discriminação e do preconceito enfrentados pelos usuários, identificando em suas entrevistas que as mesmas agressões físicas e morais que sofriam no ambiente familiar se repetem no ambiente da residência universitária, culminando em situações em que o estudante desiste de permanecer nesse local e opta pelo auxílio moradia, para alugar uma residência fora da instituição, mesmo estas sendo bastante precárias e sem acesso a facilidades como internet livre e mais refeições no restaurante universitário. A autora ainda relata que, conforme coligido nas entrevistas, identifica-se um preconceito mais forte quando a pessoa é um homem gay afeminado ou uma mulher lésbica afeminada, apontando que todos esses aspectos devem ser muito bem ponderados ao se estabelecer uma política inclusiva para o público LGBTQIA+ nas residências universitárias.

É interessante mencionar que o estudo de Souza & Costa (2020), que ao analisarem o Programa de Residência Universitária para Graduação (Prug) da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), assevera que não basta apenas a instituição de ensino disponibilizar a moradia estudantil, sendo necessário o acompanhamento da vida acadêmica e pessoal dos residentes, não como um elemento fiscalizatório, mas sim como uma mais uma ferramenta de apoio ao discente que eventualmente esteja passando por problemas ensejadores de dificuldades em seu rendimento em sala de aula. Na pesquisa em questão, identificou-se 14% de taxa de retenção entre os moradores da residência universitária da UFRPE, sendo 10% retidos a 1 semestre e 4% retidos a 4 semestres, sem que existam na instituição ações que busquem explicar esse fato.

Dentro da linha de raciocínio que vem sendo traçada nesta pesquisa, não é demais ressaltar, a título de informações gerais, que se questionou também a PROEST-UFAL sobre ações de desenvolvimento de materiais explanativos e/ou educativos acerca dessa temática para a comunidade acadêmica como um todo, obtendo-se como resposta que nunca foi publicado um documento dentro dessa perspectiva.

Assim, cumpre a ressalva de que a atenção dispensada a ações como esta, com o objetivo de diminuir o preconceito e a discriminação sexual no âmbito universitário, mostra-se imperiosa e urgente, até porque conforme se demonstra em um estudo realizado por Capucce et al. (2021) acerca da realidade de uma instituição particular de ensino do Amazonas, com alunos do curso de Medicina, evidenciado ficou que 20% dos discentes que se identificaram como parte do público LGBTQIA+, sentem-se constrangidos ou inseguros no ambiente universitário, devido sua orientação sexual.

No que diz respeito ao aspecto de assistência psicológica, foi relatado que a referida pró-reitoria disponibiliza para todos os estudantes um serviço de atendimento psicológico no Núcleo de Assistência Estudantil. A solicitação é feita através de um formulário próprio. Mais uma vez é importante destacar que, a conjuntura de preconceito e discriminação sexual que envolve o público LGBTQIA+, em todas as esferas da sociedade, aponta para uma necessidade de maior atenção para esse público nas IFES. Assim, trazendo à tona novamente o estudo de Capucce et al. (2021), tem-se que 13,3% dos discentes que se identificaram como parte deste público, no curso de Medicina de uma instituição de ensino superior particular no estado do Amazonas, afirmaram já terem pensado em desistir do curso por algum conflito interno ou externo relacionado à sua orientação sexual.

A finalização das informações oriundas da PROEST-UFAL deu-se através da resposta ao questionamento sobre o apontamento de outras ações que fossem, pela pró-reitoria, julgadas relevantes para o atendimento do público hipossuficiente em análise, quer sejam já realizadas ou em planejamento para realização. Assim, obteve-se o que segue transcrito na íntegra a seguir:

“a) Nos editais de cadastro socioeconômico da Proest, que dão acesso ao ingresso nos programas das bolsas e auxílios da assistência estudantil, os estudantes que se declaram pertencentes ao grupo LGBTQIA+, possuem uma bonificação na composição do seu Índice de Vulnerabilidade Socioeconômica (IVS).

b) Em 2020, a UFAL em parceria com a Google, promoveu um treinamento em Google Cloud. Esse treinamento foi direcionado prioritariamente às mulheres, negros e estudantes do grupo LGBTQIA+.”

Observa-se, dessa forma, uma preocupação e já a iniciação de algumas ações que visam, de alguma maneira, fortalecer o público estudantil em comento. Todavia, não se pode deixar de registrar que as mesmas são ainda muito incipientes e merecedoras de uma atenção bem mais alargada, a fim de dar conta de inúmeras dimensões situacionais que, aparentemente, podem não se tornar visíveis, diante de questões que demonstrem maiores preocupações, mas que são latentes e emergenciais, principalmente diante do contexto sócio-político hodierno.

O estudo de Mesquita & Rodrigues (2019) sobre as intervenções do serviço social no ambiente universitário junto a discentes transsexuais da UFRJ, identificaram que cerca de 23% estavam com matrícula trancada, e embora não afirmem que situações de constrangimento ou vivências de preconceito sejam os fatores determinantes para a essa evasão temporária, identifica-se que esse público merece uma atenção especial no que tange à assistência estudantil, a fim de diminuir esse índice.

Diante de todo o exposto, acredita-se que, por meio dos dados apresentados e analisados ao longo do trabalho, tenha sido possível realizar um percurso, que apesar de árduo, pela própria peculiaridade e sutileza das informações tratadas, permitiram algumas importantes inferências, conforme se apresentará, ainda que de maneira sucinta, nas linhas que se seguem à título conclusivo.

CONCLUSÃO

Iniciou-se o estudo em tela, partindo-se da premissa corroborada por pesquisas que indicam uma mudança no perfil do corpo discente das mais diversas instituições de ensino do país, o que não é diferente na Universidade Federal de Alagoas, razão pela qual se buscou, diante do recorte metodológico adotado, analisar a presença de políticas para discentes que se enquadrem nos parâmetros do público LGBTQIA+, até porque, conforme já fora discorrido em outros momentos, o preconceito impregnado em vários segmentos sociais e, inclusive, no espaço acadêmico, infelizmente é ainda uma realidade visível e vívida na nossa atualidade, principalmente em questões vinculadas à identidade de gênero e orientação sexual, discriminação esta fruto de todo um processo social, cultural e histórico que circunscreve a temática e ainda a torna emblemática.

Assim sendo e buscando efetivar o que poderia ser apenas uma paráfrase à obra de Bell Hooks, exercendo uma possível “pedagogia da transgressão”, no intento de romper esse paradigma marcado pelo atraso e pelas intolerâncias, em que a heterossexualidade é tratada como “natural’ e que as outras formas de sexualidade são vistas como “anormais” (Louro, 2019, p.19), realizou-se todo um percurso exploratório nesta pesquisa, a fim de constatar se há na Universidade Federal de Alagoas políticas institucionais que assistam estudantes contra dissabores de tal natureza no âmbito da Residência Universitária e, em havendo, se as mesmas atendem de forma satisfatórias as necessidades desse público discente.

Dessa forma, não se pode deixar de registrar o trabalho desenvolvido pela PROEST no tocante a destinar das 135 vagas existentes na estrutura, espaços (dormitórios) específicos para esse grupo, existindo atualmente na RUA, quartos masculinos, femininos e mistos, com uma política de ocupação que segue a lógica abaixo, transcrita literalmente da resposta enviada: O estudante Gay fica no quarto masculino ou misto; A estudante Lésbica fica no quarto feminino ou misto; Temos na RUA estudantes transexuais, que passaram a assumir o gênero feminino. Nestes casos, estes estudantes ficam em quartos femininos.

Nota-se nesse aspecto, uma necessidade de amadurecimento no que tange a esta política de organização do espaço universitário, visto ser esse um ponto sensível já apontado em alguns estudos que tratam dos desafios de permanência na universidade por parte do público LGBTQIA+.

Sugere-se, aqui, como ação mais emergencial a ser implementada, até pelo próprio caráter que define a PROEST, nos exatos termos que estão, inclusive, na sua página oficial, em que se mostra como finalidade “assistir à comunidade estudantil em toda sua plenitude e planejar, gerir e executar as políticas e atividades estudantis, promovendo ampla integração do corpo discente, comunidade e Universidade”, um olhar mais atento para destinação de espaços na RUA que não se limitem a quartos femininos, masculinos e mistos, já que no espaço nominado como “misto” pode haver uma junção de pessoas que não se encaixem em perfis já vislumbrados, gerando assim uma série de dificuldades nas suas acomodações e permanências, eis que a questão que aqui se discute está para além de uma mera diferença biológica, sendo, acima de tudo, de ordem emocional. Afinal, de acordo com as precisas palavras de Judith Butler:

Não se pode, de forma alguma, conceber o gênero como um construto cultural que é simplesmente imposto sobre a superfície da matéria – quer se entenda essa como o “corpo”, quer como um suposto sexo. Em vez disso, uma vez que o próprio sexo seja compreendido em sua normatividade, a materialidade do corpo não pode ser pensada separadamente da materialização daquela norma regulatória. O ‘sexo” é, pois, não simplesmente aquilo que alguém tem ou uma descrição estática daquilo que alguém é: ele é uma das normas pelas quais o “alguém” simplesmente se torna viável, é aquilo que qualifica um corpo para a vida no interior do domínio da inteligibilidade cultural. (Butler, 2019, p. 196).

Nessa linha de raciocínio e buscando evitar problemas como já ocorrera em outras universidades do mundo, como, por exemplo, a situação que ganhou notoriedade registrada na Universidade Rutgers, dos Estados Unidos, em que, no ano de 2010, um aluno gay cometeu suicídio ao tomar ciência que um colega de quarto estava fazendo bullying contra ele, expondo de forma vexatória questões que se ligavam à sua sexualidade, chegando até mesmo a convidar amigos para adentrar no quarto e observá-lo de forma mais particular, invadindo toda sua esfera de intimidade, reforça-se a sugestão e apelo de que sejam (re)pensadas as condições dos quartos de estudantes gays, lésbicas e transgênero no âmbito da Residência Universitária da UFAL, ofertando estruturas mais especializadas às peculiaridades aqui já demonstradas.

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Notas de autor

1 Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil.

lana.palmeira@arapiraca.ufal.br

Información adicional

Como citar: Palmeira, L. L. L. (2021). Student assistance for LGBTQIA+ students: an analysis of institutional policies within the scope of the University Residence of a Federal University in Brazil. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17628 http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17628

Contribuição da Autora: Palmeira, L. L. L.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. A autora leu e aprovou a versão final do manuscrito.



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