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“E eu me comprometo a dar bons mestres à província”: Abílio César Borges e a reabilitação do professorado baiano
“And I commit to giving good masters to the province”: Abílio César Borges and the rehabilitation of the Bahia Teacher
“Y me comprometo a dar buenos maestros a la provincia”: Abílio César Borges y la rehabilitación del profesorado baiano
“E eu me comprometo a dar bons mestres à província”: Abílio César Borges e a reabilitação do professorado baiano
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17451, 2022
Universidade Federal de Sergipe
Recepción: 29 Marzo 2022
Aprobación: 18 Mayo 2022
Publicación: 14 Junio 2022
Resumo: O presente artigo analisou aspectos do ideário de educação presentes na composição discursiva de Abílio César Borges, por meio da sua proposta de reforma educacional, enquanto Diretor Geral dos Estudos, com especial atenção para as suas proposições a respeito do trabalho docente. Por via do método histórico, a pesquisa documental debruçou-se no Relatório sobre a Instrução Pública da Província da Bahia, em 1856. A operação metodológica se deu a partir da categoria de análise do discurso, com base em Foucault (2013; 2021); com o conceito de intelectual, de Sirinelli (2003); em diálogo com Saviani (2000), Gondra e Sampaio (2010) e Alonso (2015) para problematizar a trajetória de Abílio no campo histórico-educacional. O Relatório, fonte e objeto de análise, permitiu captar dados concernentes à educação pública provincial, bem como uma gama de representações dos debates da época à luz de padrões e perspectivas que compunham um ideal de educação e civilidade.
Palavras-chave: Bahia, Docentes, História da educação, Reforma da instrução pública, Relatório.
Abstract: The purpose of this article analyzed aspects of the ideal education, present elements in the speech of Abílio César Borges, through his proposal to reform education, as the General Director of Studies, with special attention to his proposals to respect teaching work. Through historical method, documentary research is anchored in the Report on Public Instruction of the Province of Bahia, in 1856. The methodological operation took place using the discourse analysis category, based on Foucault (2013; 2021); operating with the concept of intellectual, by Sirinelli (2003); in dialogue with Saviani (2000), Gondra and Sampaio (2010) and Alonso (2015) to problematize Abílio's trajectory in the historical-educational field.The Report, source and object of analysis, allowed to capture data concerning provincial public education, as well as a range of representations of the debates of the time, through patterns and perspectives that made up an ideal of education and civility.
Keywords: Bahia, History of education, Reform of public instruction, Report, Teachers.
Resumen: Este artículo analizó aspectos de los ideales educativos presentes en la composición discursiva de Abílio César Borges, a través de su propuesta de reformar la instrucción como Director General de Estudios, con especial atención a sus planteamientos sobre la labor docente. A través del método histórico, la investigación documental se centró en el Informe sobre la Instrucción Pública de la Provincia de Bahía, en 1856. La operación metodológica se inició con la categoría de análisis del discurso, con base en Foucault (2013, 2021); con el concepto de intelectual, de Sirinelli (2003); en diálogo con Saviani (2000), Gondra y Sampaio (2010) y Alonso (2015) para discutir la trayectoria de Abílio en el campo histórico-educativo. El Informe, fuente y objeto de análisis, permitió captar datos relativos a la educación pública provincial, así como un conjunto de representaciones de los debates de la época a la luz de normas y perspectivas que conformaron un ideal de educación y civismo.
Palabras clave: Bahía, Historia de la educación, Informe, Maestros, Reforma de la instrucción pública.
INTRODUÇÃO
O trabalho em questão traz para discussão a proposta de reforma da instrução pública da Bahia, de Abílio César Borges, visando analisar os aspectos do ideário de educação nela representados, principalmente, no que se refere ao trabalho pedagógico e atuação dos professores e professoras da província baiana.
A História da Educação é um campo fecundo para se pensar a apropriação dos ideários civilizatórios e de modernidade presentes em debates e projetos educacionais. Nesta direção, a história intelectual e dos intelectuais (Viera; Strang & Osinski, 2015), homens e mulheres, por via das suas trajetórias, dos seus campos de atuação, das suas redes de sociabilidade; das suas propostas pedagógicas e formas de pensar, permite a nós, pesquisadoras e pesquisadores, uma aproximação maior com o contexto, com os sujeitos, com a cultura, com os elementos de representação do pensamento social vigente ou, ainda, aquele forjado e que se desejava disseminar. Partindo deste pressuposto, buscar vestígios e indícios que nos apontem à trajetória de vida de Abílio César Borges consiste, também, em desvendar uma parte da educação escolar baiana, de meados do século XIX e pensar a experiência educativa, sob a ideia de rupturas e permanências, imbricada às políticas educacionais atuais voltadas à formação docente.
A presença de Abílio Borges na historiografia da educação reflete sua trajetória dinâmica e complexa. Uma busca pelos Congressos Brasileiros de História da Educação, realizados de dois em dois anos a partir dos anos 2000, bem como pela Revista Brasileira de História da Educação, aponta um número considerável de trabalhos que citam, sob diferentes chaves de análise, Abílio Borges. “Autor de livros de leitura”; “representante da pedagogia moderna”; membro da campanha “anti-palmatória”; essas são algumas entradas que os estudos sobre sua figura sinalizam. Em termos geográficos, seu alcance e influência intelectual extrapolam o território baiano. Encontramos estudos que fazem menção ao Abílio, mas com recorte espacial em São Gonçalo (RJ), Mato Grosso, Sergipe, São Paulo, Minas Gerais, Paraná, etc. Não localizamos, em um levantamento inicial, trabalhos que tratem especificamente do Relatório sobre a Instrução Pública da Província da Bahia, elaborado por Borges, em 1856.
Não pretendemos esboçar uma biografia do intelectual, mas faz-se necessário apontar alguns aspectos de sua trajetória que se inicia no ano de seu nascimento, em 1824, em uma cidade baiana, ao sul da Chapada Diamantina, mais precisamente, no povoado cujo nome figurou, anos depois, em seu título nobiliárquico de Barão de Macahubas. Formado em Medicina na capital do Império, tornou-se mais conhecido pela sua atuação enquanto agente pedagógico: é frequentemente citado e estudado como diretor de colégios formadores de personalidades notáveis, escritor de obras didáticas, congressista de eventos educacionais, divulgador de novas metodologias e concepções educativas. Uma literatura mais recente tem focalizado a sua atividade política em primeiro plano, sobretudo no que diz respeito ao ativismo desenvolvido por ele nas campanhas abolicionistas1.
Com ampla circulação social, Abílio constituiu para si um lugar de prestígio do qual podia suster posicionamentos reformadores do ponto de vista da instrução do Império, bem como dos costumes difundidos. Integrante de associações literárias e abolicionistas, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, atuante em veículos de imprensa e comemorações cívicas, dono de um itinerário de viagens internacionais e de aproximações com a família imperial, sua trajetória o coloca na posição de intelectual de sua época2.
Considerando relevante abordar o ideário educativo de um sujeito histórico que pôs lado a lado sua atuação na área de educação às lutas políticas do período em que viveu, este texto pretende analisar o Relatório sobre a Instrução Pública da Província da Bahia, redigido por Abílio Borges, em 1856, quando ocupava o cargo de Diretor Geral dos Estudos, uma vez que “esta nova função parece ter sido decisiva para que abraçasse de vez o compromisso que norteou o resto de sua vida - reformar e modernizar a prática e as teorias pedagógicas aplicadas no Brasil” (Gondra & Sampaio, 2010, p. 76).
Os princípios de instrução defendidos por Abílio Borges e suas práticas institucionais e públicas estavam imbricados com uma intensa atividade política (notadamente pela libertação de escravos e escravas), o que nos permite estabelecer um elo entre (e refletir sobre) a defesa da educação e posicionamentos políticos de transformação – imiscuídos, coadunados, refletindo-se uns aos outros. Os ideários propostos pelo intelectual em questão nos dão indícios sobre as arquiteturas e experiências educativas em torno da formação docente para a consolidação do projeto civilizatório instituído desde a Primeira Lei Geral de Instrução Pública, em 1827, que propunha a criação de escolas e a expansão da instrução popular, cabendo pensar a criação de cursos de formação docente atrelada a uma materialidade pedagógica para atender aos fins sociais idealizados.
INDÍCIOS HISTÓRICOS NA PESQUISA DOCUMENTAL
A pesquisa em questão está pautada no procedimento documental, operando com a documentação levantada na Hemeroteca Digital Brasileira, via Fundação Biblioteca Nacional, composta por relatórios de presidentes de províncias, relatórios dos conselheiros interinos, relatórios de inspetores e periódicos da época.
Por via do método histórico, a pesquisa documental concentrou-se no Relatório sobre a Instrução Pública da Província da Bahia, elaborado por Abílio Borges, em 1856. A operação metodológica se deu a partir do uso da categoria de análise do discurso, com base em Foucault (2013; 2021); operando com o conceito de intelectual, de Sirinelli (2003); em diálogo com Saviani (2000), Gondra e Sampaio (2010) e Alonso (2015) para problematizar a trajetória de Abílio no campo histórico-educacional.
O Relatório, fonte e objeto de análise, construído sob uma demanda reformista, permite captar dados concernentes à educação pública provincial, bem como uma gama de representações dos debates da época à luz de padrões e perspectivas que compunham um ideal de educação e civilidade.
Na investigação da composição textual do relatório, a partir da proposta do estudo do documento de forma microscópica, via paradigma indiciário (Ginzburg, 2014), com ênfase na observação do historiador e da historiadora seguida por análise de rastros, pistas e interpretações a partir de dados marginais, evitando decifrações generalizantes; propomos pesquisar o documento a partir da sua produção, da qualificação de quem pôde fazê-lo, do papel preestabelecido por Abílio César Borges dentro de uma sociedade de discurso e do poder simbólico que o discurso passou a representar.
UM IDEÁRIO EDUCACIONAL EM ANÁLISE
O diretor geral de instrução, Abílio César Borges
Costuma-se dizer que Abílio César Borges é nomeado Diretor Geral da Instrução, em 1856, e a partir daí, tendo ficado apenas um ano no cargo, ele passa a atuar de modo mais determinante na educação. Entretanto, é necessário antepor a essa consideração, o fato de que a nomeação de Abílio é feita alguns meses antes do seu Relatório (em abril de 1856), mais precisamente no ano anterior, em 1855, quando compondo o Conselho de Instrucção Pública, sua assinatura já constava sobre o descritor de “Director Geral dos Estudos” (Almanak administrativo, mercantil e industrial da Bahia, 1855, p. 235).
Pequeno detalhe de data? Pode parecer que o fato tenha pouco impacto na análise da trajetória do Dr. Abílio. O essencial é acrescentarmos a isso, a informação de que a sua nomeação estava vinculada a uma perspectiva de reforma da instrução da província da Bahia3. Dito isso, esse evento possa ganhar um novo tom e nos levar a encarar, por um novo ângulo, o percurso que ele realiza do final de 1855 até a entrega do Relatório em 30 de abril de 1856 (oficialmente Diretor Geral)4: inspeção de escolas, visitas aos colégios, recebimento e análise dos mapas escolares, consideração da situação dos professores e o estudo do repertório internacional de reforma educacional5, o que, possivelmente, serviu para balizar suas posições.
A sua função, naquele momento, era verificar a situação da instrução na província da Bahia e levar ao poder público, não apenas os números e sua apreciação, mas, propostas efetivas que pudessem colocar em prática uma reestruturação da educação pública, atendendo aos critérios de avanço que se dizia esperar e de economia das verbas, pois constantemente (e não à toa) volta à argumentação de Abílio o fator dos recursos econômicos, incontornável naquela discussão.
Com esta tarefa a empreender, gozando certa notoriedade junto à elite, à qual pertencia, e junto à imprensa, Abílio solicita a inscrição, logo abaixo do seu nome, na capa do Relatório que apresenta a Moncorvo Lima, Presidente da Província naquele período, de todas as suas vinculações sociais, reiterando os laços de sociabilidade construídos (Sirinelli, 2003), mas, igualmente, evidenciando o lugar social que forjou para si de onde emanava a posição de homem que tinha respaldo para ocupá-la. Esta estratégia é bastante significativa para pensarmos “o ritual que devem possuir os indivíduos que falam” (Foucault, 2021, p. 39). Poderia tratar-se de praxe oficial. Entretanto, comparando o “jogo” discursivo representado no documento analisado com outros relatórios de instrução observados, normalmente anexos ao Relatórios do Trabalho do Governo, não havia descrições tão longas ou distintivas; alguns sequer possuíam capas detalhadas como a representada no ano de 1856. Segue abaixo a forma como ele se descreve:
Doutor em Medicina pela Faculdade do Rio de Janeiro, Director Geral dos Estudos desta Província [Bahia], Tenente Coronel Chefe d’Estado Maior do Commando Superior da G. N. [Guarda Nacional] das Villas da Barra e Santa Rita, Membro Correspondente do Instituto Historico e Geographico Brasileiro, da Sociedade Auxiliadora da Industria Nacional e do Conservatório Dramático Brasileiro, Socio fundador da Academia Philomatica do Rio de Janeiro, do Instituto Histórico e da Sociedade de Bellas-Artes da Bahia, e Socio Effectivo do Recreio Litterario da mesma &e (Borges, 1856, s/p).
Cumpre salientar que a Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional é apontada como uma associação que congregou membros que se destacavam como abolicionistas no espaço público e que, desde 1850, Abílio integrava a Sociedade contra o Tráfico de Africanos e Promotora da Colonização e da Civilização dos Índios (SCT) (Alonso, 2015). Aqui, dois traços distintivos da prática do intelectual pesquisado devem ser mencionados. O primeiro trata-se da sua tendência a constituir (participar e incentivar a criação de) associações; o segundo consiste no vínculo entre a liberação de escravizados e uma educação sem castigos físicos (Saviani, 2000; Gondra & Sampaio, 2010). O segundo aspecto nos parece ter sido mais amplamente tratado em outros estudos. Contudo, interessa-nos investigar especialmente o primeiro, pois, ele poderá ser problematizado como elemento que emerge na superfície do discurso de Borges, principalmente, ao tratar do professorado baiano.
A reforma de quatro pontos
Após algumas considerações pontuais sobre o estado da instrução pública provincial e da composição da própria Diretoria Geral, Abílio César Borges lança-se à tarefa que lhe havia sido dada: a reforma do ensino. Ou melhor, sua proposta. Vale enfatizar que, seus pressupostos reformadores teriam o mesmo destino que os de seu admirado A. F. de Castilho, no Conselho Superior de Instrução Pública português6. Pouco ou nada seria, efetivamente, aplicado.
Apesar disso, precisamos ter em mente, ao nos depararmos com essas tentativas baldadas de reforma, que elas muito têm a nos oferecer de vestígios históricos, já que testemunham, no mínimo, pressões (vindas seja lá de onde forem) por uma inflexão na condução dos assuntos públicos, ou ainda, uma abertura dentro do espaço político oficial para modos, mais ou menos, diferenciados ou conflitantes em relação ao pensamento vigente. Isto é, insinuam-se outras maneiras de conceber as práticas sociais. E, se vierem a serem transformadas, posteriormente, podem “fazer nascer formas totalmente novas de sujeitos e sujeitos de conhecimento” (Foucault, 2013, p. 8). É um modo possível de interpretar discursos projetados.
Voltando a tratar da reestruturação proposta pelo “Dr. Abílio”, dentre vários pontos, ele define quatro que formariam a base de suas proposições. São: “rehabilitação completa, [...] da classe do Professorado – edificação de casas para as escholas – ensino obrigatório – publicação de livros e compêndios accommodados à infância e ao povo” (Borges, 1856, p. 7).
Trataremos, mais adiante, do trabalho e da formação docente por ser interesse deste estudo considerá-lo mais detidamente. Destarte, partimos para os outros pressupostos apresentados, destacando os elementos que expressavam certa inovação ou que foram mais enfatizados pelo Diretor Geral, em seu projeto.
Começaremos pelos edifícios para escolas. Borges defende uma amplificação da responsabilidade do Estado sobre os imóveis destinados à instrução. Em sua visão, deveria haver uma transição em que, destinando maior quantidade de verbas para esse fim, os aluguéis de casas escolares pelo governo fossem substituídos por compras ou construção de imóveis, substituição que, ao final de uma estimativa de 10 ou 12 anos, possibilitaria a extinção dos edifícios alugados para receber as escolas públicas, tendo o Estado, então, posse total dos prédios junto à função de sua manutenção (Borges, 1856, p. 18).
Nesse quesito, Borges também propõe que as doações testamentárias destinadas às obras pias fossem, ao invés disso, legadas às escolas. Usando argumentos religiosos que qualificaram o destino do dinheiro deixado pelos mortos caridosos e portadores da salvação, ele sustenta seu discurso no imaginário da época em que “as instituições de caridade figuravam entre os principais beneficiários do dinheiro e dos bens deixados pelos mortos como legados pios” (Fraga Filho, 1994, p. 34), para promover uma troca de objetivos social e moral: da assistência para a instrução.
A segunda proposta se referia ao ensino obrigatório. Esta querela se arrastou na Assembleia Legislativa da Bahia sem ser resolvida durante várias décadas após a gestão de Abílio, já que a lei da obrigatoriedade da instrução primária, na Bahia, é instituída já no início da República. Contudo, o Diretor Geral de Estudos defendeu o ensino compulsório, recorrendo à experiência e à autoridade estrangeira, sobretudo aos nomes de Girardin e Cousin7 (Borges, 1856, p. 19). Dizia se tratar de um elemento essencial para a própria cidadania8. Em seu discurso, não associava o ensino obrigatório e o gratuito (p. 19 e p. 25), mas sinalizava a necessidade de constituírem-se instituições que pudessem fazer o papel de acolher aos que não conseguissem pagar pela própria educação (os “paupérrimos”) em “casas de asilo para a infância desvalida” (p. 19-20), onde poderiam receber a instrução.
Não há ineditismo no tratamento desses temas pelo Dr. Abílio. O que é observável nas suas ponderações consiste no seu posicionamento assumido a respeito da educação formal na Bahia, não necessariamente gratuita, mas obrigatória para todos; posição bastante similar com outras estudadas em diferentes províncias nacionais. Em Minas Gerais, por exemplo, apesar da obrigatoriedade ter sido implementada pela primeira vez em uma província brasileira, em 1835, as discussões permaneceram ocupando as páginas da imprensa durante as décadas seguintes, no Império e no início republicano, uma vez que a política da obrigatoriedade do ensino, mais do que por seu caráter de garantia de um direito social, era concebida como um dispositivo de governo em defesa de difusão da escola elementar, sendo compreendida, principalmente, como um “mecanismo de controle para o cumprimento da instrução” (Almeida, 2012, p. 78), apesar de também podermos tencionar as demandas da própria população por escolas e instrução pública.
A terceira propositura refere-se à publicação de livros e compêndios à infância e ao povo. Sobre isso, Abílio César Borges advoga por uma melhoria que aumentasse o número adquirido desse material pelo Estado, bem como uma análise mais rigorosa daqueles que já circulavam nas escolas baianas. Ao se deter nessa proposta, salta aos olhos a sua sugestão de que, para manter os docentes e os comissários de instrução informados e atualizados, fossem adotados os jornais – isto é, a imprensa como principal meio de instrução dos professores (Borges, 1856, pp. 20-22). Para ele, essa seria a principal solução para a “impossibilidade” do governo gastar com livros especializados para distribuição gratuita; assim, proclama: jornal especializado em notícias e assuntos referentes à educação, grátis, mantido pelo erário público, para instruir o corpo docente da Bahia.
A instrução docente, via divulgação e atuação dos periódicos chamados de imprensa pedagógica, refere-se ao quarto assunto em voga no período. Compor impressos que cumprissem a função de atualizar e informar os professores sobre o exercício de sua própria atividade, tal ação funcionava como um recurso acionado pelas forças sociais privadas e públicas para aprofundar um movimento de profissionalização da classe docente. O autor José Gondra sinaliza para uma “cadeia discursiva voltada para a especialização do campo educacional” (2018, p. 21), que interna a “uma política de saberes e princípios doutrinários voltados para a profissionalização da docência” (Gondra, 2018, p.38), engendra uma defesa da criação, circulação e adesão aos periódicos pedagógicos, sobretudo a partir da segunda metade do século XIX.
Os quatro pontos elencados como fundamentos da reforma da instrução, nos moldes do que aconselhava o Diretor Geral dos Estudos, Abílio C. Borges, podem ser vistos como um desdobramento de discussões sobre o campo da educação que se espalhavam pelo país naquelas décadas, sobretudo incentivadas pela aprovação da chamada “Reforma Couto Ferraz”, de 1854, que remodelou a instrução na Corte (Decreto nº 1331-A, 17 de fevereiro de 1854). Nela, eram previstos dispositivos de revisão dos compêndios, de formação pela prática com professores adjuntos auxiliando a resolver a problemática da falta de professores e dos critérios de vitaliciedade no exercício do magistério – questões que foram discutidas por Borges, ao longo do relatório, e consideradas parte da “reabilitação do professorado” e do progresso da instrução na Bahia.
Um ponto controverso das ideias de Abílio, apresentado no documento em análise, pode ser visto no projeto de uma “eschola média” (Borges, 1856, p. 22), etapa intermediária entre a escola elementar e as escolas de qualificação profissional/secundárias. A narrativa que o diretor usava para defendê-la deixa entrever uma visão excludente que interdita a pretensão de ascensão das classes menos abastadas pela via da instrução.
Melhores remunerações e formação intelectual dos professores
O debate sobre a formação de professores habitou os relatórios de instrução pública elaborados pelas províncias, as atas das assembleias legislativas e as páginas dos jornais, sob as penas de intelectuais, desde o século XIX. Abílio não estava alheio ao contexto. Em seu relatório, ao avaliar o corpo de professores da província da Bahia, conclui que era premente fazer algo para melhorar, não apenas as condições de sobrevivência da classe docente, mas para aperfeiçoar a sua formação – que andaria, de acordo com o seu julgamento, aquém do que se desejava para obter uma instrução pública de qualidade.
Desta maneira, ele indica as mudanças que deveriam se destinar ao professorado em duas premissas: melhores remunerações com distinções de honra e punições aos que não cumprissem seus “deveres”, além de uma formação intelectual e moral melhor do que a que se tinha “de parceria com maior severidade nos exames” (Borges, 1856, p. 8-9).
No quesito remuneração, além de aumentar o valor pecuniário dos vencimentos, Borges acreditava que incentivar a formação de associações seria fulcral para dar condições de vida e trabalho mais adequadas aos docentes, uma vez que lhes garantiria maior seguridade; pensava ser necessário trazer para a reforma uma ampla participação professoral na esfera estatal de decisões, no que se refere ao campo em que atuavam. Queria, então, a criação de um “Monte pio [sic] dos Professores da Província”, uma espécie de associação de auxílio mútuo, que “firmaria a idéa [sic] de tornar o Professorado da Província uma corporação [...] ligada por interesses comuns, quaes não os tem na actualidade”, bem como passar a compor-se o Conselho de Instrução apenas por docentes, pois “as suas decisões do Conselho [...] havendo partido de seus pares [...] não podem deixar de depositar a mais plena segurança [...] de que seus interesses não serão [...] esquecidos ou desconhecidos” (Borges, 1856, p. 10). Propõe, desse modo, ao lado de uma iniciativa fora da esfera oficial, outra que passaria pelas mãos do governo e seria de sua responsabilidade.
O associativismo é considerado pela pesquisadora Angela Alonso (2015) uma das hastes do tripé que formaria o tipo de ativismo político trazido ao movimento abolicionista brasileiro pelas ações de Abílio. Ressaltamos, no entanto, que a autora está retratando um período posterior da trajetória desse sujeito. Logo, como adverte Cláudia Alves (2017) não devemos analisar esse aspecto das práticas de Borges, em 1856, como um prenúncio do que se desenrolava nos anos seguintes, de quem se tornaria depois. Feita a ressalva devida, podemos apontar que associar-se a grupos com “interesses comuns” fazia parte das escolhas do Dr. Abílio, desde a década de 1840. É possível que o incentivo dado para que os professores acabassem por se reunir em um “montepio” seja reflexo da maneira como o próprio se movimentava na sociedade e atuava sobre ela, acreditando que o professorado, então, podia se tornar mais uniforme e ganhar mais poder de representação junto ao poder público, bem como o subsídio de "autoproteção".
O “fazer-se” da categoria docente perpassa pela organização de professores e professoras. O reconhecimento e a formação de uma “identidade comum” é parte do próprio processo de profissionalização docente, na medida “em que corresponde à tomada de consciência do corpo docente de seus próprios interesses enquanto grupo profissional” (Novoa, 1991, p. 127).
Não é menos significativo que esses apontamentos surjam em um relatório apresentado por um representante do Estado. Abílio sugere que se criasse uma associação fora da “esfera oficial” e outra “que passaria pelas mãos do governo”. As associações mutualistas, beneficentes, vinculadas às ordens religiosas ou organizadas por ofícios existiram desde o período colonial e conviveram, em muitos aspectos, com o controle e regulação do Estado. Vitor Fonseca aponta que essas entidades cumpriram um papel e ocuparam um espaço em consequência da ausência de ações estatais. Neste sentido, a “autorização age como forma de atuação do Estado” (Fonseca, 2008, p. 69).
Uma segunda preocupação se destaca nas considerações de Abílio a respeito dos professores: a sua formação. Ele defendia que os bacharéis devessem ser preferíveis nessas funções e que, quando não fossem possíveis de empregar, que os responsáveis pela educação, invariavelmente, precisavam ter uma formação específica.
Assim, preconiza: “classe de funccionários esta [professores] que deve ter uma instrucção e educação especiaes, [...] seja também recebida em uma eschola especial” (Borges, 1856, p. 48) – por isso não concordava com a extinção da Eschola Normal ou anexação desta ao Lyceu. Propunha que ela fosse melhorada dando ênfase, por exemplo, no ensino das disciplinas de História e Geografia – em sua opinião, carecido de aperfeiçoamento e maior carga horária. Não deixa de se dizer, porém, que “as habilidades intelectuais dos professores deveriam vir acompanhadas de virtudes morais e religiosas” (Borges, 1856, p. 68)9, de acordo com a concepção de ensino que vigorava no período.
Para ele, uma melhor formação dos professores normalistas seria, indispensavelmente, ligada a um período de experiência, “uma espécie de noviciado”, em suas palavras, que constituiria um pré-requisito para receber a certificação profissional. Dessa maneira, no espaço de três meses após a conclusão dos estudos na Escola Normal, o aluno engajar-se-ia como “Professor adjuncto em uma aula primária desta Capital designada (...) sob indicação do Director Geral dos Estudos" (p. 46-47).
Quanto aos mestres e mestras já atuantes, Abílio reiterava, constantemente, a necessidade de que estivessem atualizados no que se refere aos conhecimentos científicos de sua época e fossem constantemente examinados, a fim de comprovarem que continuavam aptos ao seu exercício profissional, pois denunciava ser “[...] escandalosíssimo [...] leccionar um Professor por espaço de 15 e mais annos pelas mesmas apostilas porque aprendeu (p.35)”. Já citada em um tópico anterior, o diretor lança a ideia de que essa formação acontecesse por meio de periódicos mantidos com recursos públicos, uma vez que via na imprensa um instrumento de educabilidade.
É possível identificar discussão semelhante em Minas Gerais, no século XIX e início do século XX, por meio do estudo que Cíntia Almeida (2012) faz sobre a consideração da formação dos professores nos periódicos. A autora destaca que ao tematizar a situação da Escola Normal e da instrução em geral, considerada inferior ao que se esperava, nos discursos investigados, a questão se agrava pela “incompetência dos professores, aliada a uma legislação permissiva, que abria mão de uma qualificação técnica e exigia poucos exames para concursos e certificações dos mesmos” (Almeida, 2012, p.202).
Como Diretor Geral de Instrução, Abílio Borges não deixou de tocar no aspecto da vitaliciedade do cargo de professor público e de sua aposentadoria (ou jubilação), estabelecendo prazos em que a conduta dos mestres seriam um ponto a ser pesado na consideração dos requerimentos: para tornar-se vitalício, uma atividade de 5 a 6 anos no magistério público; para as jubilações, um prazo mínimo de 10 anos a partir da nomeação e máximo bem como improrrogável de 20 anos, com ou sem pedido (Borges, 1856, pp. 60-62).
Além de deter-se na formação e condições de exercício do magistério, abordava incisivamente os modos de instruir. O ponto em que propõe uma ruptura mais cabal é justamente aquele em que alvitra a adoção do Método Castilho para a educação elementar10. Após fazer o elogio da metodologia que ensinava a ler e contar em espaço de tempo mais curto, sem usar castigos físicos, Borges apresenta o plano de alunos-mestres da Escola Normal serem nomeados e gratificados pelo governo para serem adjuntos do professor particular Filippe Alberto, que aplicava esse método, e depois de examinados, nomeados professores efetivos da metodologia de Castilho (Borges, 1856, p. 55). Sua intenção era que, pouco a pouco, o método antigo fosse abolido do repertório de ensino dos professores e, se possível, uma lei regulamentasse e autorizasse essa prática em toda província (Borges, 1856, p. 57). Para ele, o método Castilho era “verdadeira carta de alforria” [grifo do autor] (Borges, 1856, p. 52).
Neste ponto, notamos a menção a uma medida jurídica que libertava escravos e escravas metaforizadas em libertação dos alunos e mestres das formas aviltantes de ensino. A atuação política refletida e convertida em duplo sentido da língua para ligar-se ao discurso pedagógico e, quem sabe, determiná-lo.
As regularidades do discurso
Michel Foucault declara em A ordem do discurso, aula inaugural proferida por ele no College de France em 02 de dezembro de 1970, que “[...] o discurso não é simplesmente aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de dominação, mas aquilo por que [...] se luta, o poder do qual nos queremos apoderar” (Foucault, 2021, p. 10) e, em sua estrutura, é possível identificar certo número de regularidades, ordenamentos, exclusões (Foucault, 2021, p. 69). Tais elementos podem ser detectados na superfície discursiva do texto redigido por Abílio César Borges, em seu Relatório sobre a Instrução Pública da Província da Bahia, elementos que se repetiram em escritos posteriores.
Algumas regularidades internas ao discurso de Borges podem ser notadas. A primeira foi assinalada por outros autores que abordaram o seu itinerário intelectual, citados anteriormente, neste texto apresentado: trata-se da menção às referências estrangeiras que, no corpo do seu texto, autoriza a sua palavra e lhe confere um lugar de legitimidade.
Uma segunda característica será a referência a sua experiência pessoal como justificadora de seus posicionamentos, conferindo a eles um atributo de veracidade ao mesmo tempo em que contribui para uma proximidade entre aquele que escreve e aquele que lê, movimento discursivo que “limita esse [...] acaso pelo jogo de uma identidade que tem a forma da individualidade e do eu” (Foucault, 2021, p. 29, grifos do autor). Munido dessa retórica personalizante, Abílio comenta o horror das suas primeiras aulas de latim (Borges, 1856, p. 56, nota 19) para corroborar a sua veemência na rejeição dos castigos físicos no ensino e na defesa da implementação do Método Castilho. Recorre à paternidade para o mesmo fim na primeira e na menção seguinte, para elogiar os métodos empregados em um colégio particular para meninas (Borges, 1856, p. 57; p.74). Ainda revela, em nota de rodapé, ter negado auxílio financeiro a um jovem muito pobre que desejava estender os seus estudos até a escola secundária (Borges, 1856, p. 28-9), uma vez que naqueles parágrafos argumentava sobre a inconveniência de se incentivar que os muito pobres avançassem além da educação primária.
O terceiro aspecto é, para os fins deste estudo, o mais importante: o papel conferido pelo Diretor Geral de Instrução, Abílio Borges, aos professores. Ao longo de todo o documento, o professorado é alvo da sua atenção. Torna-se evidente que ele atribui aos docentes um papel crucial na formação dos jovens. Percebe e declara as dificuldades pelas quais passam (Borges, 1856, p. 70-71) - um dos exemplos é a discussão salarial -; preocupa-se com os estabelecimentos e os meios pelos quais se educam; problematiza a valorização dada pelo Estado ao professorado. Partindo do princípio de que os educadores são fundamentais para a qualidade da instrução pública também torna rígidos os critérios pelos quais os mesmos seriam admitidos e, em algumas situações, chega a creditar a sua conduta certos descaminhos que algumas instituições tomam. Longe, porém, de reforçar o recurso das penalidades máximas para os professores (a demissão), sugere que outras medidas de punição e controle sejam regulamentadas.
José Gondra e Thiago Sampaio (2010) propõem que os princípios educativos de Abílio que norteiam a sua campanha anti-palmatória são, por um lado, um avanço no que dizia respeito às condutas violentas nas salas de aula, e por outro, são um sinal da mudança de uma sociedade do tipo punitiva para uma sociedade da vigilância. Essa é uma interessante via de interpretação para se problematizar.
Não somente no que dizia respeito aos estudantes, bem como aos seus mestres, é possível que consigamos identificar esse mesmo princípio condutor no discurso de Borges, pois, embora estes últimos não estivessem dentro da escola sujeitados à punições físicas, podemos estabelecer a seguinte operação mental: a pena da palmatória é substituída na análise pelo signo geral da “pena máxima imposta” e, ao transferir esse signo para o universo professoral, na falta do seu correspondente literal, nos deparamos com a pena de demissão.
Assim, ocupando o cargo mais alto na instância de decisões para a instrução pública, Borges sugere que, ao invés de se recorrer irrevogavelmente à subtração do cargo (punição máxima), se punisse o professor que não cumprisse os seus deveres ou tivesse condutas inadequadas com jubilação (Borges, 1856, p. 61), remoção para outras localidades ou suspensão da remuneração, bem como a presença cotidiana dos Diretores dos estabelecimentos de ensino, a fim de que acompanhassem a conduta dos professores (Borges, 1856, p. 34). Isto é, notamos uma tentativa de maior controle e vigilância dentro do espaço de trabalho. Há possibilidade, então, de estabelecer uma intersecção que nos permita captar a inflexão na mentalidade de uma sociedade acostumada às penas cabais em uma outra que começa a considerar, ao invés de expulsar os indivíduos que perturbam a sua “ordem”, mantê-los, puni-los e aumentar a capacidade de controlar, de perto, seus comportamentos. Em outras palavras, estamos implantando o tripé “vigilância, controle e correção” (Foucault, 2013, p. 103).
Essa vigilância sutil poderia ser notada no discurso de Borges, mais claramente, no item “Visita das escholas” em que trata da conduta ideal dos visitadores/inspetores para que não fossem antipatizados ou temidos pelos professores, mas que usassem de gentileza para que pudessem continuar a exercer suas funções de vigilância eficientemente (Borges, 1856, pp. 63-66).
Essa é uma via crítica do discurso que não pretende excluir a relevância da representação dada por Abílio junto ao poder público de algumas das reivindicações dos professores. É preciso ver que, ao destacar suas funções, a especificidade de sua formação, suas dificuldades financeiras devido aos baixos salários e a necessidade de que o governo garantisse a sua formação e fornecesse instrumentos para tal, há uma certa valorização do corpo docente e uma cobrança para que lhe fossem dadas melhores condições de trabalho. Tornam-se indissociáveis, em seu discurso, a expansão e a melhoria da instrução pública no que se refere à comunidade discente e um avanço qualitativo nas vidas profissionais dos docentes. Esta preeminência deve ser considerada.
Cumpre ressaltar que Borges não se furtava de criticar - como fez através de atos públicos no caso da escravidão - a legislação vigente. Em seu relatório, ele sustenta que seria preciso “nacionalisar [sic] a Nação Brasileira”; se coloca contrário à disposição legal que conferia às províncias independência para legislar e gerir a educação de acordo com premissas locais – o que ele chamava de “mesquinho provincialismo” a impedir “unidade intellectual e moral” do país11 (Borges, 1856, p. 11). Mais do que o conteúdo dessa crítica de Borges, interessa-nos perceber a sua forma, seu significado. Em sua concepção, uma mudança legal seria necessária para que qualquer iniciativa no âmbito das práticas cotidianas se tornasse efetiva, produzindo melhores resultados. A sua posição era de um indivíduo que, tendo conhecimento da legislação do seu país, não a considerava suficiente para garantir uma instrução de melhor qualidade e não se esquivava de apresentar as suas objeções.
Para o Dr. Abílio César Borges, somente uma reforma que fosse capaz de conjugar todos os termos da equação - formação de professores, ação do Estado e novas metodologias e novos recursos de ensino - seria capaz de promover mudanças reais, deste modo, ele poderia se comprometer “a dar bons mestres à Província”12.
CONCLUSÕES
À guisa de considerações finais, ainda que não tenham se esgotado as possibilidades desta pesquisa, trouxemos análises importantes a respeito de questões para pensarmos, por meio das situações criadas pelo discurso do Dr. Abílio César Borges, as permanências e as modificações que experimentamos no ideário educativo em quase dois séculos.
Questionamo-nos, inicialmente, se poderíamos ver na fonte analisada uma espécie de inversão nas concepções, a qual nos tem levado, no campo das políticas públicas educacionais implantadas, atualmente, a vivenciar uma retração dos investimentos na aquisição de recursos para as escolas públicas – vide a questão dos edifícios para as escolas da maneira como é tratada por Abílio.
Depois, problematizamos a representação do papel que os professores devem ocupar nas iniciativas que o Estado lhes destina. Para o futuro Barão de Macahubas, tratava-se de incorporá-los, em algum nível, às decisões, incentivar a sua associação, se preocupar com sua formação e, de modo peculiar, investir nela. Para ele, não era possível pensar em melhores números da instrução pública sem pensar em melhorar os salários, sem incentivar os professores a adquirir conhecimento, sem apresentá-los a possibilidade de atuar em edifícios com melhor estrutura, sem garantir que eles pudessem ter a possibilidade de uma aposentadoria digna, com regulações legais e não a critério de petições individuais. Também, não podemos deixar de mencionar seus esforços em torno de dispositivos de vigilância na atuação e formação docente.
Por último, em defesa do Método Castilho, dos métodos não violentos e em sua contestação da legislação, vem à tona sua movimentação política, que se dava e continuaria a acontecer dentro e fora de instituições escolares ou da esfera governamental.
Política e Educação nos discursos de Abílio Borges são inseparáveis. As relações, os vínculos, as referências, saltam das páginas por todos os lugares, combinam-se para representar um projeto de emancipação e civilização que se manifestava no espaço público e que adentrava o ideário de educabilidade por ele defendido.
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Notas
Notas de autor
cbalmeida@uesc.br
Información adicional
Como citar: Almeida, C. B., Silva, M. G., & Bonfim, R. F. (2022). “And I commit to giving good masters to the province”: Abílio César Borges and the rehabilitation of the Bahia Teacher. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17451. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17451
Contribuições dos Autores: Almeida, C. B.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Silva, M. G.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Bonfim, R. F.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.