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O ensino remoto e a educação inclusiva: aproximações com o Desenho Universal para Aprendizagem
Elizabete Cristina Costa-Renders; Debora de Lourdes da Silva Sous; Ana Carolina Bresciani Valverde
Elizabete Cristina Costa-Renders; Debora de Lourdes da Silva Sous; Ana Carolina Bresciani Valverde
O ensino remoto e a educação inclusiva: aproximações com o Desenho Universal para Aprendizagem
Remote teaching and inclusive education: approximations with Universal Design for Learning
Enseñanza remota y educación inclusiva: aproximaciones con Diseño Universal para el Aprendizaje
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17508, 2022
Universidade Federal de Sergipe
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Resumo: Este artigo resulta da aproximação entre dois estudos na área da educação: uma pesquisa de iniciação científica com fomento da FAPESP e uma pesquisa de mestrado no PPGE/USCS. Ambas pautaram-se no paradigma da inclusão e nos princípios do Desenho Universal para Aprendizagem (DUA) e foram realizadas no contexto do fechamento das escolas, devido à pandemia da COVID-19 entre 2020 e 2021. O objetivo foi promover uma interface entre os princípios do DUA e a abordagem curricular no ensino remoto emergencial. Trata-se de investigações empíricas que combinaram a pesquisa narrativa e a pesquisa de desenvolvimento e como instrumento foram realizadas rodas de conversas com professores que atuam no grande ABC Paulista. Dentre os resultados, destaca-se o fato do ensino remoto colocar luzes sobre a grande desigualdade social e educacional no Brasil, evidenciada, por exemplo, pelo desenvolvimento do ensino remoto assíncrono em material impresso, algo contraditório numa sociedade digital. Além dessa necessidade de eliminação das barreiras digitais, no ensino remoto foi preciso alargar o grau de influência do aprendiz no processo de ensino e o DUA deu suporte para professores, uma vez que minimiza a necessidade de adaptação curricular.

Palavras-chave: Desenho Universal para Aprendizagem, Educação Especial, Educação Inclusiva, Ensino Remoto.

Abstract: This article results from the approximation between two researches in the area of education: a scientific initiation research with promotion of FAPESP and a master’s survey at PPGE/USCS. Both were based on the paradigm of inclusion and the principles of the Universal Design for Learning and were carried out in the context of the closure of schools due to the COVID-19 pandemic between 2020 and 2021. The objective was to promote an interface between UDL principles and the curriculum approach in emergency remote teaching. It was empirical investigations that combined narrative research and development research and as instrument were held wheels of conversations with teachers working in the great ABC Paulista. Among the results, stands out the fact that remote teaching places light on the great social and educational inequality in Brazil, evidenced, for example, by the development of asynchronous remote teaching in printed material, something contradictory in a digital society. In addition to this need to remove digital barriers, in remote teaching it was necessary to extend the degree of influence of the learner in the teaching process and the UDL supported teachers, as it minimizes the need for curricular adaptation.

Keywords: Inclusive Education, Remote Teaching, Special Education, Universal Design for Learning.

Resumen: Este artículo es el resultado de la aproximación entre dos investigaciones en el área de la educación: una investigación de iniciación científica con promoción de la FAPESP y una investigación de maestría en PPGE/USCS. Ambos se basaron en el paradigma de la inclusión y los princípios del diseño universal para el aprendizaje y se realizó en el contexto del cierre de escuelas, debido a la pandemia de COVID-19 entre 2020 y 2021. El objetivo fue promover una interfaz entre los principios del DUA y el enfoque curricular en la enseñanza remota de emergencia. Fueron investigaciones empíricas que combinaron la investigación narrativa y la investigación de desarrollo y como instrumento fueron realizadas ruedas de conversación con profesores que actúan en el gran ABC Paulista. Entre los resultados, destacamos el hecho de que la enseñanza remota arroja luz sobre la gran desigualdad social y educativa en Brasil, evidenciada, por ejemplo, por el desarrollo de la enseñanza remota asincrónica en material impresso, algo contradictorio en una sociedad digital. Además de esta necesidad de eliminar las barreras digitales, en la enseñanza remota era necesario ampliar el grado de influencia del aprendiz en el proceso de enseñanza y la DUA apoyaba a los docentes, ya que minimiza la necesidad de adaptación curricular.

Palabras clave: Diseño Universal para el Aprendizaje, Educación Especial, Educación Inclusiva, Enseñanza Remota.

Carátula del artículo

Publicação Contínua

O ensino remoto e a educação inclusiva: aproximações com o Desenho Universal para Aprendizagem

Remote teaching and inclusive education: approximations with Universal Design for Learning

Enseñanza remota y educación inclusiva: aproximaciones con Diseño Universal para el Aprendizaje

Elizabete Cristina Costa-Renders1
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil
Debora de Lourdes da Silva Sous1
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil
Ana Carolina Bresciani Valverde1
Universidade Municipal de São Caetano do Sul, Brasil
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17508, 2022
Universidade Federal de Sergipe

Recepción: 08 Abril 2022

Aprobación: 22 Agosto 2022

Publicación: 03 Noviembre 2022

INTRODUÇÃO

A educação especial vem sofrendo importantes mudanças desde a Constituição Federal de 1988, a qual dispõe sobre a garantia da igualdade das condições de acesso e permanência na escola e o oferecimento do Atendimento Educacional Especializado (AEE) aos estudantes elegíveis aos serviços da educação especial.

Desde então, essas conquistas foram consolidadas por intermédio de um marco regulatório amplo, desde a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (Lei nº 9394, 1996) até a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (Ministério da Educação [MEC], 2008), que defende o acesso e permanência exitosa na escola, bem como estabelece o caráter transversal da educação especial, antes concebida como substitutiva no Brasil. Agora, ela deve acontecer, preferencialmente, na rede regular de ensino.

Com a aprovação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, 2015), os sistemas de ensino, sejam públicos ou privados, devem elaborar e executar projetos político-pedagógicos responsáveis por assegurar aos estudantes elegíveis aos serviços da educação especial o pleno acesso ao currículo, de forma equitativa. Concomitantemente, o Plano Nacional de Educação (Lei nº 13.005, 2014), em sua meta 4 (estratégia 4.8), estabelece a garantia da oferta de educação inclusiva, em que fica: “vedada a exclusão do ensino regular sob a alegação de deficiência e promovida a articulação pedagógica entre o ensino regular e o atendimento educacional especializado” (Lei nº 13.005, 2014, p. 55). Mas, para garantir o cumprimento de tais direitos, a escola também deve promover medidas de flexibilização curricular.

Flexibilizar o currículo implica estabelecer metas e objetivos de aprendizagem para todos os educandos, de modo a valorizar os diferentes recursos e estratégias utilizados, contemplando as diferenças em cada turma. Isso vai ao encontro da proposta do Desenho Universal para Aprendizagem ([DUA] CAST, 2018). No entanto, simplificar o currículo ou promover um ensino mediano (falsamente assegurando iguais oportunidades a todos) não constituem medidas eficazes para a garantia da equidade educativa (Madureira & Leite, 2003) e a construção da escola inclusiva.

Todo este percurso das conquistas políticas e conceituais, a partir de março de 2020, foi atravessado pela pandemia da COVID-19 e pelo fechamento das escolas, o que colocou em xeque a consolidação do paradigma da inclusão nas unidades escolares. A comunidade escolar foi, portanto, desafiada a considerar se seria possível trabalhar com a educação inclusiva no ensino remoto emergencial. Neste cenário, ecoou a seguinte indagação: como trazer o paradigma da inclusão para o ensino remoto emergencial?

Diante disso, o presente estudo considera em que medida o DUA pode apoiar as práticas da educação especial inclusiva nesse contexto educacional adverso e emergencial. Metodologicamente, as pesquisas aqui consideradas foram de caráter intervencionista, pois buscaram promover uma interface entre os princípios do DUA e o planejamento de ensino de professores atuantes no ensino remoto na região do grande ABC paulista. Por meio da combinação de dois métodos, a pesquisa narrativa (recolha de experiências docentes) e a pesquisa de desenvolvimento (análise, avaliação e validação de objetos de aprendizagem), os interesses científicos foram, portanto, direcionados à experiência pedagógica inclusiva no ensino remoto emergencial.

Neste artigo, o foco de discussão repousa na intercepção do cotidiano docente pela pandemia da COVID-19 e o esforço em se seguir construindo uma escola inclusiva também no ensino remoto emergencial. Para isso, inicia-se o texto com os relatos do cotidiano das professoras na forma de uma crônica em dois atos. Na sequência, apresentam-se os fundamentos teóricos aqui discutidos, acerca do paradigma da inclusão e do Desenho Universal para Aprendizagem. Por fim, discute-se acerca do ensino remoto emergencial e os desafios da abordagem curricular inclusiva.

UMA CRÔNICA EM DOIS ATOS NO COTIDIANO DE UMA PROFESSORA
Primeiro ato – março de 2020

Estávamos no início do ano letivo, era uma terça-feira nublada em um dia de verão, dia não tão ensolarado como o esperado para a estação. Aproximava-se a hora do almoço e resolvi abrir a internet. No meu site de capa, estava estampado que o estado de São Paulo havia suspendido as aulas e que, a partir do dia 23 de março, as escolas estariam fechadas.

“Fechadas? Como assim?”, pensei. Em toda a minha vida, nunca havia ouvido dizer do fechamento das escolas por qualquer motivo.

A manchete da reportagem dizia, de forma clara e objetiva: “Suspensão completa das aulas nas redes públicas e particulares deve ocorrer na outra segunda-feira (23). Mas, dizia o secretário de educação: “Nós não faremos uma interrupção das aulas de qualquer maneira”.

Não deu nem tempo de ler direito a reportagem e o celular já estava cheio de mensagens, os grupos de WhatsApp estavam fervorosos, afinal, em uma semana tudo estaria fechado.

De repente, bateu um desespero porque as escolas iriam fechar. Na realidade, quase tudo iria fechar, só funcionariam os serviços considerados essenciais. Já vinha sendo noticiado há dias que o novo vírus era perigoso, contagiante e poderia ser letal. Todos precisavam se cuidar.

Alguns professores e professoras estavam conhecendo seus alunos e fazendo sondagens, outros iniciando os conteúdos, quando se deu essa pandemia. Passamos a viver uma mistura de medo e ansiedade por algo que estava prestes a acontecer, mas que ninguém sabia dizer o que era e nem o que esperar.

Como seria tudo agora?

Um vírus novo chegava ao Brasil, os primeiros casos de infecção e mortes começavam a surgir.

“Eventos desportivos, shows, festas estão sendo cancelados para evitar aglomerações. As aulas serão suspensas de forma gradativa. Cinemas, teatros e museus serão fechados por 15 dias. Essas medidas serão tomadas para evitar a propagação do vírus. No mundo já passam de 5 mil mortos por este vírus...”, dizia a repórter do jornal da tarde.

“E agora, o que vamos fazer?”, dizia uma professora preocupada e sem saber para onde ir.

Na escola, ainda havia muitas crianças, afinal, ninguém estava preparado para uma notícia dessa. Muitos burburinhos se ouviam nos corredores das escolas, mas ninguém tinha a informação oficial.

Dias depois... Era por volta das 10h, estávamos ansiosos aguardando a chegada do comunicado que mexeria de uma vez por todas com a vida de todos os professores da cidade de Santo André, quando, finalmente, ele chegou.

“Urgente, boletim informativo – orientações COVID-19”, recebemos este documento que continha todas as informações de um futuro bem próximo. Nela dizia que um Decreto Municipal havia sido publicado neste dia, 17 de março, dispondo sobre as medidas temporárias para o enfrentamento da emergência de saúde pública, de importância internacional, decorrente da pandemia do COVID-19.

O decreto dizia que estas eram medidas temporárias. Todos nós tínhamos certeza de que seriam mesmo, que dentro de 15 ou 20 dias tudo teria sido controlado e estaríamos retomando a vida que deixamos ao se fecharem os portões das escolas. Mas não foi bem isso o que aconteceu...

Segundo ato - setembro de 2020

Foi numa tarde de setembro que demos início às nossas discussões. Aproximava-se a primavera, uma estação clara, alegre e cheia de vida. Mas, neste ano, ela não tinha tanta claridade, tanta alegria. O Brasil já havia perdido aproximadamente 135 mil vidas. Sem dúvidas, o ano de 2020 era um ano diferente dos demais!

A essa altura do ano, muitos professores estavam exaustos, com muitas incertezas e grandes angústias. Afinal de contas, todos esperávamos que o fechamento das escolas fosse por 15 ou 20 dias. A cada mês, as estimativas sinalizavam que seria estendido por mais 30 dias e a esperança ressurgia.

Em julho, estava claro que não teríamos mais as escolas abertas e isso causou grande estranheza para todos nós. Desde então, as dúvidas passaram a ser sobre: O que avaliar? Como saber o que meu aluno aprendeu? Como será a aprovação ou a reprovação?

Em meio a estes questionamentos, se deu o nosso primeiro encontro de estudos sobre o desenho universal para aprendizagem... Estávamos ansiosas para iniciar as discussões porque o ano de 2020 estava sendo desafiador, exaustivo, angustiante... Mas, por outro lado, as oportunidades de estudos vieram em larga escala com o formato online.

“Vou apresentar a vocês um pouquinho da proposta da pesquisa e, em seguida, gostaria que vocês apontassem os desafios e as dificuldades encontradas no ensino remoto emergencial”, disse eu, conduzindo esse encontro.

Assim foi feito. Apresentei o trabalho que seria realizado e começamos as conversas. As professoras foram contando suas angústias e desafios... Uma fala chamou muito minha atenção, quando uma professora do ensino regular disse:

“Nós estamos trabalhando com agrupamentos para as atividades, nossas turmas estão divididas em três...”

Logo pensei: “três equipes? Como assim?”

Elas explicaram que, no início do ano, por meio das sondagens, agruparam as crianças por nível de dificuldade. Além dos três grupos, ainda, havia o grupo dos alunos com deficiência, os mais comprometidos cognitivamente...

Naquele momento, estava claro que a pandemia havia atravessado a proposta inclusiva com um retrocesso. Voltamos à já conhecida prática da classificação e segregação em grupos... Mais uma vez se dava a discriminação e exclusão. Mas, agora, no ensino remoto...

Triste constatação... Persistente segregação... Inaceitável exclusão!

DE VOLTA AO CENÁRIO DO PARADIGMA DA INCLUSÃO: APROXIMAÇÕES COM O DESENHO UNIVERSAL PARA APRENDIZAGEM

O paradigma da inclusão concebe a educação como direito humano e a diferença como condição antropológica. Neste sentido, a diferença não se limita a uma identidade fixa e estável, marcada por rótulos de diagnóstico, mas caracteriza a mais legítima e importante identidade – sermos humanos (Orrú, 2020).

Lutar por uma educação inclusiva na e pela diferença envolve “a consciência de que nós, os humanos, somos diferentes de fato..., mas somos também diferentes de direito. É o chamado direito à diferença, o direito à diferença cultural, o direito de ser, sendo diferente” (Pierucci, 1999, p. 7). Assim, o paradigma da inclusão vem para romper as fronteiras e limites curriculares que segregam os ditos “especiais”, abrindo-se ao amplo respeito às diferenças: sociais, individuais, culturais, étnicas, religiosas etc. (Fontella Santiago, 2006).

Para que seja possível garantir a equidade no acesso, participação e aprendizagem de todos os estudantes, independentemente de suas condições físicas, sociais e mentais (Heredero, 2010), a escola necessita repensar seus espaços, concepções e práticas. Na busca pelo atendimento dos aspectos universais e particulares, é preciso ter em vista a superação de barreiras físicas, comunicacionais e atitudinais que eventualmente possam prejudicar o aprendizado e o desenvolvimento dos estudantes. Neste sentido, com o advento do ensino remoto emergencial, ficou mais evidente a necessidade de se romper com a exclusão digital. Sem acesso à rede de computadores (internet), como seria possível um ensino inclusivo? Impossível!

A inclusão, assim, deve provocar uma crise de identidade institucional responsável por abalar a identidade dos professores e ressignificar a identidade do estudante que, sujeito da aprendizagem, não mais deve ser definido a partir de modelos ideais e imutáveis (Mantoan, 2003). Sobre essa mudança de foco analítico, ocasionada pelo viés inclusivo, importa esclarecer os desafios a serem enfrentados pelo novo paradigma.

A inclusão total e irrestrita é uma oportunidade que temos para reverter a situação da maioria de nossas escolas, as quais atribuem aos estudantes as deficiências que são do próprio ensino ministrado por elas — sempre se avalia o que o estudante aprendeu, o que ele não sabe, mas raramente se analisa ‘o que’ e ‘como’ a escola ensina, de modo que os estudantes não sejam penalizados pela repetência, evasão, discriminação, exclusão, enfim. (Mantoan, 2003, p. 18).

Numa perspectiva complementar à de Mantoan, apresenta-se a concepção de inclusão menor (Orrú, 2020), segundo a qual a educação inclusiva necessita reinventar-se no sentido de oportunizar a professores e aprendizes chances de construir caminhos alternativos, democráticos e includentes, tendo por base uma educação que seja alcançada por todos como direito fundamental e social. Entende-se, aqui, não uma inclusão menor sob o sentido de ser inferior, mas no sentido de ocorrer às margens dos territórios, em diversos tempos e espaços de aprendizagem, independentemente da lei maior que, muitas vezes, é contraditória e excludente. Algo ainda mais evidenciado no ensino remoto.

Neste cenário de discussão, insere-se também o Desenho Universal para Aprendizagem, que surge como uma alternativa aos modelos que pensam a inclusão a partir do diagnóstico da deficiência. Ele rompe com a ideia de um planejamento para a turma e outro para o estudante elegível aos serviços da educação especial (conforme evidenciado na crônica inicialmente apresentada). Ou, ainda, quando recursos acessíveis somente adentram os contextos escolares pela existência desse estudante (Bock et al., 2018).

Desenvolvido por David Rose, Anne Meyer e outros pesquisadores atuantes no Center for Applied Special Technology (CAST, 2013), o Universal Design for Learning (UDL), conhecido como Desenho Universal para Aprendizagem em português, busca romper com a utilização de metodologias, espaços e recursos específicos para estudantes elegíveis aos serviços da educação especial, baseando-se em princípios norteados pela multiplicidade de formas e materiais para o ensino inclusivo, inclusive em ambientes virtuais de aprendizagem tal qual exigiu o ensino remoto emergencial.

O DUA propõe e apoia a construção e institucionalização de um currículo escolar flexível e narrativo que, altamente influenciado pelos aprendizes (Costa-Renders et al., 2021), supere o currículo “tamanho único” (Rose & Meyer, 2002), marcado por oferecer uma única resposta a todos os estudantes, desconsiderando a diversidade de interesses, necessidades, tempos e modos de aprendizagem. Entende-se por aprendizagem narrativa aquela que “. . . procura mudar o foco da aprendizagem da prescritividade de um currículo fortemente definido para acomodar estilos narrativos pessoais e, assim, incentivar o envolvimento e a motivação no processo de aprendizagem” (Goodson, 2010, on-line).

A abordagem curricular proposta pelo DUA vem ao encontro do modelo social de deficiência, compreendendo o ser humano como um ser social, cuja deficiência origina-se da interação das pessoas com o meio ambiente e da relação entre pessoas com e sem deficiência nos diferentes contextos sociais (Costa-Renders, 2018). Deste modo, o DUA alinha-se à premissa segundo a qual se faz necessário transferir a responsabilidade de promover adequações escolares ao próprio ambiente de aprendizagem (Bock et al., 2018).

Sob este viés, os pesquisadores do CAST (2018) apoiaram-se sobre os estudos da neurociência para elaborar os princípios norteadores do Desenho Universal para Aprendizagem, a saber, oferecer: i) múltiplas formas de apresentação do conteúdo; ii) múltiplas formas de ação e expressão do conteúdo pelo aprendiz; e iii) múltiplas formas de engajamento na realização das atividades educativas.

Esses princípios do DUA fundamentam-se no reconhecimento das variadas redes neurais envolvidas no processo de construção de saberes, como as redes de reconhecimento – “o quê” aprender –, as redes estratégicas – o “como” aprender – e as redes afetivas – o “porquê” aprender (CAST, 2018). Dotadas de funções específicas, as redes encontram-se localizadas em diferentes regiões do cérebro, manifestando-se de maneiras distintas em cada sujeito (Rose et al., 2014).

Os princípios norteadores do DUA visam formar expert learners (CAST, 2011), aprendizes “engenhosos e conhecedores, estratégicos e focados em seus objetivos, com propósito e motivados” (CAST, 2018, on-line), ou seja, são “indivíduos que sabem aprender, que já aprenderam muito e que desejam aprender mais” (Rose et al., 2014, p. 49). Mas tal caracterização leva-nos a diversos questionamentos.

Como ficariam os aprendizes que não se encaixam nos adjetivos do expert learn - engajado, engenhoso, conhecedor, estratégico, direcionado, etc.? Todo estudante carregaria em si os adjetivos do expert learner? Faltaria no DUA a perspectiva da vulnerabilidade como condição humana? Ser um expert learn é uma imposição a todos os estudantes ou esse objetivo se coloca como um horizonte utópico dos professores e professoras? De que maneira a demanda pelo expert learner articula-se aos princípios de universal/singular? (Costa-Renders et al., 2020, p. 13).

Importa perguntar, portanto, como todos contemplariam as características de um expert learner e em que medida o DUA considera os limites e possibilidades peculiares a cada indivíduo. Mas, neste texto, enfocou-se a relação entre a educação inclusiva e o DUA.

Partindo-se do modelo social que perspectiva a deficiência como fenômeno resultante das interações sociais, planejar o ensino por intermédio da aplicação dos princípios do DUA oportuniza, aos docentes, a chance de construir recursos e estratégias que favoreçam a variabilidade presente nos e entre os aprendizes.

O DUA, entretanto, não corresponde a uma receita para a efetivação da aprendizagem de todos, visto que o processo educativo ocorre a partir da parceria entre educadores e aprendizes dotados de especificidades, necessidades e desejos singulares. Entende-se que buscar uma única alternativa para a aprendizagem de todos acarretaria a homogeneização do ensino e o retorno às práticas tradicionais de educação, caminho oposto à prática dos princípios da inclusão escolar (Zerbato & Mendes, 2018). Desse modo, compreende-se que o DUA fornece subsídios vitais ao movimento de ressignificação da atuação docente, instigando novas reflexões acerca da organização e do planejamento do ensino, do currículo e da avaliação numa perspectiva inclusiva.

As estratégias de ensino necessitam ser diversificadas, considerando as diferentes necessidades e contextos de aprendizagem dos estudantes. Traçar e instituir experiências educativas interessantes e desafiadoras a todos os aprendizes, exige que o professor, segundo o National Center on Universal Design for Learning (2018), atente-se: i) aos diferentes modos como os estudantes se envolvem e realizam as tarefas; ii) aos recursos sociais e emocionais a que recorrem; iii) à avaliação dos progressos; e iv) ao ambiente de sala de aula. No caso do ensino remoto, implicaria a mesma consideração. Logo, seria possível falar de ensino inclusivo também no ambiente virtual de aprendizagem demandado pelo ensino remoto emergencial.

Nesta perspectiva, todos aprendem, mas de modos distintos. Os materiais e recursos, por sua vez, devem apresentar-se sob diversas formas e em variadas linguagens, possibilitando aos estudantes a elaboração de saberes e competências por intermédio de diferentes canais, compatíveis a suas preferências e interesses.

A avaliação do aprendizado e desenvolvimento dos educandos, nesta abordagem, é utilizada como referência para os processos de ajuste do ensino e maximização da aprendizagem de todos (Hitchcock et al., 2002). Adequadamente flexíveis, também as práticas avaliativas necessitam considerar os avanços coletivos e individuais promovidos pelos estudantes, valorizando os múltiplos percursos e estratégias utilizados pelos mesmos rumo à concretização dos objetivos pedagógicos. Rompe-se, assim, com o caráter seletivo e excludente historicamente conferido às avaliações escolares. Como exemplo, pode-se citar a avaliação formativa e somativa dos conhecimentos expressos de variadas maneiras, como por intermédio da oralidade, da escrita, de desenhos, gestos, entre outros. Algo possível, portanto, também no ensino remoto, seja qual forma tome. Todavia, o ensino remoto emergencial também foi atravessado pela realidade das desigualdades socioeconômicas em nosso país e, muitas vezes, teve seu alcance limitado por elas, como demonstrado a seguir.

O ENSINO REMOTO EMERGENCIAL E OS DESAFIOS DA ABORDAGEM CURRICULAR INCLUSIVA

Identificado pela primeira vez em Wuhan, na província de Hubei, China, no final do ano de 2019, a nova COVID-19 (SARS-CoV-2) disseminou-se intensa e rapidamente ao redor de todo o mundo, provocando a declaração de estado de pandemia por parte da Organização Mundial da Saúde em 11 de março de 2020. Neste cenário, os países limitaram a circulação interna de cidadãos e decretaram o isolamento social, o que afetou bruscamente diversos sistemas sociais, dentre esses, a escola.

Em março de 2020, o Decreto nº 64.864 do Governo do Estado de São Paulo determinou a suspensão das aulas presenciais nas escolas da rede estadual, a fim de prevenir e combater a disseminação da doença. Desde então, os tempos, modos, veículos e planos de trabalho das escolas paulistas foram sofrendo grandes e rápidas modificações. O isolamento social levou as escolas a buscarem meios remotos de funcionamento, o que afetou a vida de estudantes, professores, famílias e gestores educacionais.

Sujeitos a aulas, atividades e materiais pouco flexíveis e pouco diversificados no ensino remoto emergencial, milhares de educandos do Brasil e do mundo – com destaque àqueles inseridos em núcleos familiares socioeconomicamente vulneráveis – sofreram com o ineficiente atendimento prestado pelas instituições escolares às suas diferentes necessidades, ritmos e modos de aprendizagem. Segundo pesquisa de 2020,

A análise por renda mostra que quanto mais pobre é o indivíduo, menos ele/ela frequenta a escola, menor foi a quantidade de exercícios que ele/ela recebeu da escola e, para piorar, menos ele/ela se dedicou a esses exercícios recebidos. Consequentemente, menor foi o indicador de tempo para a escola estimado. (Neri & Osorio, 2020, p. 6).

Deste modo, a pandemia da COVID-19 e o ensino remoto emergencial revelaram a inconclusão do processo de universalização do acesso à educação escolar no Brasil, mesmo diante de seu reconhecimento como direito constitucional (Pereira, 2020). Eles colocaram luzes sobre a desigualdade social e a exclusão digital. Ainda mais, mostraram que a distância entre o desempenho escolar alcançado por ricos e pobres agravou-se.

Invisíveis nas políticas públicas criadas durante a pandemia, os estudantes elegíveis aos serviços da educação especial também foram lidando com situações de desigualdade de acesso às diferentes possibilidades tecnológicas e culturais existentes. Logo, novamente foi necessário reconhecer a importância de repensar e reestruturar a educação inclusiva, considerando esse atual cenário, caracterizado por relações humanas virtuais e pela negação de direitos (Silva et al., 2020).

O novo formato do ensino, distante de princípios como a equidade no acesso e êxito no processo educativo, também escancarou a necessidade de se propor diversificadas maneiras de pensar e fazer educação no Brasil e no mundo. Tornou-se perceptível a urgente necessidade de lançar mão de múltiplas linguagens e maneiras de apresentar o mesmo conteúdo aos aprendizes (elegíveis ou não aos serviços da educação especial), explorando recursos para além dos tradicionais textos verbais, com destaque para textos multimodais (com o uso de imagens, vídeos, áudios, softwares, aplicativos e jogos digitais), devidamente planejados para corresponder às demandas de todos os estudantes.

Deste modo, docentes e gestores passaram a perceber a necessidade de se adotar uma abordagem curricular mais acessível e inclusiva, fundamentada na influência dos aprendizes, como demandado pelo Desenho Universal para Aprendizagem. Associadas às variadas formas de se apresentar os conhecimentos, diferentes atividades, dinâmicas e formas de engajamento foram sendo pensadas pelos professores atuantes no ensino remoto a partir dos estudos do DUA. Desafiados a flexibilizarem os planejamentos e as estratégias formativas, os profissionais da educação precisaram, portanto, estreitar as relações com os educandos, buscando contribuir efetivamente para o aprendizado e desenvolvimento de todos e cada um.

Importa, então, voltar-se para a discussão das teorias de currículo. Currículo, palavra originada do termo em latim Scurrere, significa correr, o que nos conduz a um caminho no qual os sujeitos constroem saberes e, sobretudo, identidades. O currículo tradicional, como um percurso apresentado ou a ser seguido (Goodson, 1997), reúne os conhecimentos que devem ser ensinados na escola, selecionados com base no indivíduo que se pretende formar (Silva, 2010). No entanto, evitando limitar-se a pacotes enrijecidos de conteúdos, o currículo inclusivo, como trajetória fundamentada na valorização e respeito às diferenças, busca prestigiar as vivências, saberes e culturas construídas por educandos e educadores em espaços escolares e não escolares. O currículo alinhado ao paradigma inclusivo preza, assim, pela multiplicidade de conhecimentos para o acesso e êxito no processo de aprendizagem e desenvolvimento dos indivíduos (Costa-Renders et al., 2020).

Deixar o currículo prescritivo e seletivo (tradicionalmente entendido) rumo ao currículo vivido e acessível implica ofertar variadas possibilidades de trajetórias educativas, reconhecendo as necessidades, saberes e interesses peculiares dos sujeitos aprendentes. Em tempos de ensino remoto emergencial, educadores e gestores, consolidando relações mais estreitas com os educandos e suas famílias, precisaram (e ainda precisam) variar, flexibilizar e reformular metodologias, recursos e concepções pedagógicas a fim de se aproximar dos saberes e das diferentes realidades vivenciadas pelos estudantes, evitando fixar um caminho padronizado aos mesmos.

Teria o cenário pandêmico levado redes, sistemas e instituições escolares a abandonarem o currículo “tamanho único”? O ensino remoto, potencializado pelo reconhecimento da dimensão social da educação, tal qual o ensino presencial, exige que:

. . . se atenda não apenas ao o quê e como ensinar e aprender, mas também ao porquê e para quê ensinar e aprender, isto é, implica, ao nível do currículo, que não o percepcionemos apenas como o conjunto de matérias a ensinar em pacotes pré-fabricados de informação, ou mesmo como o conjunto de programas escolares muito estruturados que permitem obter destrezas desejadas, mas sim que o pensemos enquanto conjunto de intenções, meios e ações que permitem aos estudantes participarem activamente na construção dos seus saberes e desenvolverem-se de uma forma positiva, tanto pessoal como socialmente. (Leite, 2000, p. 21).

Elaborar e implementar currículos acessíveis, sob a perspectiva educacional inclusiva, demanda uma metodologia direcionada à aprendizagem significativa, na qual o sujeito aprendente participa desse processo de maneira narrativa e flexível. Ou seja, o currículo acessível demanda o alargamento do grau de influência do aprendiz no percurso proposto (Costa-Renders, 2019).

O Desenho Universal para Aprendizagem, como uma abordagem que considera as diferenças “fora de uma classificação hierárquica de capacidade/deficiência” (Costa-Renders, 2019, p. 170), não se firma nos movimentos de diferenciação e adaptação curricular. O DUA, pelo contrário, busca minimizar a adaptação curricular a partir da efetivação de três princípios baseados no oferecimento de múltiplos modos de representação dos conteúdos, de ação/expressão e de engajamento. Portanto, sob a perspectiva do DUA, professores e gestores precisam reformular seus planejamentos de acordo com a variabilidade de aprendizes e nos aprendizes (CAST, 2018).

A procura e efetivação de metodologias e atividades capazes de corresponder aos variados modos de aprender, motivar-se e expressar-se dos estudantes mostram-se, ainda, mais urgentes no ensino remoto emergencial. Nos modelos síncrono e assíncrono, o novo formato educativo foi exigindo das unidades escolares e dos profissionais da educação pesquisas e reflexões acerca do atendimento às múltiplas demandas, ritmos e modos de aprendizagem dos estudantes elegíveis, ou não, aos serviços da educação especial.

Garantir as variadas maneiras de apresentação e expressão dos conteúdos curriculares, no sistema de ensino remoto, não se fez suficiente para respeitar a complexidade das redes neurais envolvidas na aprendizagem. Seria necessário também fornecer aos aprendizes as variadas opções de autorregulação, no sentido de promover expectativas, bem como proporcionar momentos de autoavaliação sobre os percursos de aprendizagem traçados. Nos termos do DUA, considerando a autonomia e a autorregulação dos estudantes, cabe ao educador lançar desafios ajustáveis, possíveis de serem cumpridos de maneira colaborativa e estratégica pelo grupo e pelos indivíduos, conferindo-lhes feedbacks orientados (Zerbato, 2018).

De acordo com Zimmerman (1989), a autorregulação da aprendizagem equivale a um processo multidimensional, composto por aspectos cognitivos, pessoais, emocionais, comportamentais e contextuais. Promovê-la implica compreender que o ato de ensinar “não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 2002, p. 21) pelos educandos. Seria necessário, portanto, oferecer ferramentas e condições para que os aprendizes assumissem seu protagonismo no processo educativo.

Aprendendo a aprender, o estudante que investe em sua autorregulação, encontra-se motivado para fazê-lo. Ao apropriar-se gradativamente de suas capacidades e limitações num movimento de autoconhecimento, o educando consegue controlar seus processos de aprendizagem, de modo a considerar os objetivos de cada tarefa, alinhando-os aos distintos contextos em que são aplicados (Vieira, 2013).

A escola, como instituição responsável por propiciar a construção ativa e autônoma do conhecimento, necessita, portanto, adotar uma cultura que privilegie o aprender a aprender, a metacognição, a organização e a sistematização da aprendizagem, providenciando cenários e condições através dos quais o estudante exerça seu protagonismo. Neste sentido, medidas de autorregulação tornaram-se imprescindíveis também no ensino remoto emergencial, considerando que os profissionais da educação precisaram repensar e reconstruir seus métodos, recursos, estratégias e objetivos pedagógicos, visando ao atendimento de todos os aprendizes a distância, com o apoio das famílias e dos próprios estudantes. Inseridos de modo mais ativo no processo de (re)formulação das estratégias formativas, os educandos poderiam ter seu protagonismo ampliado e valorizado no novo formato de ensino. No entanto, muitas vezes, pela imposição de um currículo prescritivo ou pela falta de acessibilidade, isso não aconteceu.

Entende-se que o DUA, como uma abordagem curricular acessível, flexível e inclusiva, traz decisivas contribuições à efetivação do ensino inclusivo com recursos, atividades e aulas remotas interessantes e acessíveis para todos os envolvidos. Investindo em múltiplas formas de representação dos conteúdos, de ação/expressão e de engajamento na aprendizagem, educadores e educadoras podem reconhecer e atender às variadas necessidades, ritmos e modos de aprender de todos os educandos – elegíveis ou não aos serviços da educação especial – também no ensino remoto emergencial, aproximando os conteúdos curriculares a suas respectivas realidades. Não obstante, o DUA, ao oportunizar também a aplicação pedagógica das tecnologias digitais de informação e comunicação, bem como a promoção de estudos e pesquisas em plataformas virtuais, mostra-se imprescindível à formação de sujeitos autônomos e digitalmente letrados, com habilidades indispensáveis para a construção da cidadania na sociedade contemporânea.

ENFRENTAMENTOS NO PROCESSO

As pesquisas demonstraram que, muitas vezes, considerando a situação socioeconomicamente desfavorecida dos moradores de determinada região, a maioria dos estudantes optou por continuar os estudos com o uso de materiais e atividades impressas, entregues quinzenalmente às famílias. Em contrapartida, o restante dos educandos foi recebendo conteúdos e exercícios por intermédio de canais digitais. Nesses dois cenários diferentes, foi possível observar que o contingente de aprendizes que preferiu recorrer aos materiais impressos foi drasticamente prejudicado em comparação aos demais. Além de contarem com recursos insuficientes à apreensão e construção dos conhecimentos, eles não recebiam devolutivas de seus professores, o que tornou impossível o reconhecimento e correção de erros cometidos nas atividades propostas. Cenário em que não era possível a autorregulação da aprendizagem e a oferta do suporte por parte dos professores. Percebia-se que muitos estudantes tinham preenchido os exercícios apenas para fins burocráticos. O Desenho Universal para Aprendizagem, portanto, confronta o ensino remoto assíncrono realizado exclusivamente por meio de material impresso.

Foi possível perceber que a exploração de múltiplos recursos e linguagens, como áudios, vídeos e jogos educativos, não era viável no ensino remoto assíncrono feito por meio de materiais impressos, formato escolhido por grande parte dos aprendizes contemplados por uma das escolas pesquisadas. Logo, a implementação dos princípios do DUA revela-se pouco possível nessa vertente do ensino remoto assíncrono que, por sua vez, mostrou-se altamente insuficiente ao atendimento das distintas demandas de aprendizagem dos educandos.

As instituições escolares municipais do grande ABC Paulista, ao entregarem quinzenalmente atividades impressas às famílias ou enviarem atividades digitais através de plataformas virtuais, apontaram, ainda, que os educandos elegíveis aos serviços da educação especial preferiam realizar aulas virtuais síncronas individuais com seus professores. Espaço no qual foi possível aplicar os princípios do DUA, mas em meio aos desafios do enfrentamento à marcação das deficiências por intermédio do agrupamento desses aprendizes.

A efetivação das múltiplas formas de representação, ação/expressão e engajamento na aprendizagem, estabelecida pelo DUA, no entanto, foi aprimorando a acessibilidade e eficácia dos materiais elaborados no ensino remoto assíncrono promovido a partir de canais digitais. Oportunizando o uso de diversas mídias lúdicas e audiovisuais, o ensino remoto assíncrono em plataformas virtuais oferece maiores possibilidades de aplicação dos princípios do Desenho Universal para Aprendizagem.

Mediante a análise das narrativas concedidas pelas professoras participantes das pesquisas, conclui-se que, apesar do formato de ensino remoto assíncrono diminuir os impactos ocasionados pelo fechamento das escolas, lacunas podem ser ocasionadas por ele. A mera realização de atividades – impressas ou virtuais – revela-se pouco eficaz para a aprendizagem e real avaliação dos saberes elaborados pelos estudantes. Em contrapartida, as aulas virtuais síncronas possibilitam a livre interação entre discentes e docentes que, por sua vez, acompanhavam e intervinham diretamente no processo de desenvolvimento das atividades – o qual era traçado pelos aprendizes juntamente com seus familiares e professores. Além disso, a aplicação dos princípios do DUA no ensino remoto síncrono, ao propor a utilização de variadas mídias e recursos digitais, mostrou-se capaz de contemplar as diferentes necessidades e modos de aprender dos educandos.

Para futuras investigações, será importante realizar movimentos de pesquisa e análise das eventuais maneiras de implementar os princípios do Desenho Universal para Aprendizagem no ensino remoto assíncrono, realizado em ambientes virtuais de aprendizagem.

CONCLUSÃO

O tratamento analítico dos problemas elencados pelas professoras participantes das pesquisas aqui consideradas revelou que o atendimento às variadas necessidades, tempos e modos de aprender dos educandos tornou-se ainda mais desafiador no ensino remoto, com destaque para as demandas dos estudantes elegíveis aos serviços da educação especial. As instituições escolares municipais do grande ABC Paulista, ao entregarem quinzenalmente atividades impressas às famílias ou enviarem atividades digitais por uma plataforma virtual, depararam-se com a opção dos educandos elegíveis aos serviços da educação especial (ou de suas famílias) por realizar aulas virtuais síncronas individuais com seus professores. Isso demandou um retrocesso pelo persistente agrupamento desses estudantes fora do convívio com os demais colegas.

Outro aspecto em destaque foi que o advento do ensino remoto emergencial requereu a construção de competências pedagógicas digitais por parte dos professores. Entretanto, importa pontuar que a utilização de equipamentos tecnológicos para a produção de aulas e materiais educativos precisa vir acompanhada por uma nova e inclusiva maneira de fazer educação. Ou seja, é preciso atribuir sentido inclusivo a toda tecnologia educacional utilizada, especialmente no ensino remoto emergencial.

Neste cenário, também se colocou o equivocado entendimento do que seria o sistema de ensino híbrido. O sistema implementado pela maioria dos estabelecimentos escolares brasileiros, para além de exigir dupla atuação docente, foi ocasionando acentuadas rupturas no processo de aprendizagem dos educandos que, presentes na escola em dias esporádicos, não receberam adequado atendimento às suas necessidades, interesses e modos de aprender. O suposto modelo de ensino híbrido vem representando grande risco ao paradigma educacional inclusivo, fenômeno este destacado pelas narrativas de uma das professoras entrevistadas. Ela atendia os estudantes com dificuldades de aprendizagem em espaços e tempos segregados da turma regular. Os educandos elegíveis aos serviços da educação especial foram excluídos dos ambientes e tempos regulares de ensino-aprendizagem.

Dessa forma, entende-se que o DUA pode trazer contribuições indispensáveis à elaboração de materiais, atividades e aulas remotas mais inclusivas. Seguindo os princípios de representação; ação/expressão; e engajamento na aprendizagem, as professoras conseguiram reconhecer e corresponder às variadas necessidades, ritmos e modos de aprender de todos os educandos – elegíveis ou não aos serviços da educação especial. Porém, como indicado ao longo das rodas de conversa com as professoras, não se pode conceber o DUA como um manual ou um receituário a ser seguido linearmente pelos docentes, mas como uma abordagem curricular acessível, flexível e inclusiva, orientada por tempos cíclicos, baseados nos estilos de aprendizagem singulares de cada estudante.

É notório que a pandemia da COVID-19 ocasionou mudanças inesperadas no planejamento curricular das redes de ensino e escolas, fenômeno que denunciou a intercepção das escolas pelas incertezas da vida e a necessidade de se pensar um currículo narrativo, flexível e diretamente influenciado pelos educandos. Com a análise dos problemas relatados pelas professoras nas entrevistas narrativas e nas rodas de conversa, as pesquisas constataram a maior possibilidade de aplicação dos princípios do DUA no ensino remoto síncrono, considerando as diversas mídias e ferramentas virtuais ofertadas pelas tecnologias digitais de informação e comunicação, as quais oportunizam maior interatividade entre os sujeitos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem. Portanto, os princípios de representação, ação/expressão e engajamento propostos pelo Desenho Universal para Aprendizagem podem apoiar decisivamente as práticas da educação especial inclusiva no ensino remoto, com destaque ao ensino remoto síncrono.

Como uma abordagem curricular fundamentada no paradigma da inclusão, o DUA promulga a ideia de que todos podem aprendem, mas de maneiras distintas. Sob essa ótica, é fundamental pensar a acessibilidade e a flexibilidade para os estudantes elegíveis ou não aos serviços da educação especial, também no ensino remoto emergencial.

Material suplementario
Información adicional

Como citar: Costa-Renders, E. C., Sous, D. L. S., & Valverde, A. C. B. (2022). Remote teaching and inclusive education: approximations with Universal Design for Learning. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17508. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17508

Contribuições dos Autores: Costa-Renders, E. C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Sous, D. L. S.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Valverde, A. C. B.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.

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Notas
Notas de autor
1 Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil.
1 Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil.
1 Universidade Municipal de São Caetano do Sul, São Caetano do Sul, São Paulo, Brasil.

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