Resumo: Esta pesquisa buscou analisar como o uso da Comunicação Alternativa em sessões de intervenção pode contribuir no processo de comunicação de crianças com deficiência intelectual na etapa da Educação Infantil. Como sujeitos, a pesquisa contou com a participação de duas crianças com deficiência intelectual com impedimentos comunicativos, estudantes de escolas públicas da cidade de Igarassu-PE. Realizou-se sessões de intervenção com recursos de Comunicação Alternativa. O estudo demonstrou que o uso dos recursos de comunicação alternativa contribuiu para a comunicação das crianças. A mediação dos recursos ajudou as crianças a progredirem no desenvolvimento da linguagem, diminuindo o uso dos gestos e ampliando a fala. Em suma, constatou-se que o uso de comunicação alternativa unida a atividades pedagógicas de estímulo à linguagem oral ainda na Educação Infantil podem potencializar a aquisição e desenvolvimento da linguagem das crianças com deficiência intelectual.
Palavras-chave: Aquisição da linguagem, Comunicação Alternativa, Deficiência Intelectual.
Abstract: This research sought to analyze how the use of Alternative Communication in intervention sessions can contribute to the process of communication of children with intellectual disabilities in the stage of Early Childhood Education. The research had the participation of two children with intellectual disability and communicative difficulties, students of public schools in the city of Igarassu-PE. Intervention sessions were held with the use of Alternative Communication resources. The study demonstrated that the use of alternative communication resources contributed significantly to these children's communication. It showed that the use of alternative communication coupled with pedagogical activities to stimulate oral language in early childhood education can enhance the acquisition and development of the language of children with intellectual disabilities, which in the classroom can allow children with ID to have as many opportunities for development as other children without disabilities.
Keywords: Acquisition of language, Alternative Communication, Intellectual Disability.
Resumen: Esta investigación buscó analizar cómo el uso de la Comunicación Alternativa en las sesiones de intervención puede contribuir al proceso comunicativo de los niños con discapacidad intelectual en la etapa de Educación Infantil. Como sujetos, la investigación contó con la participación de dos niños con discapacidad intelectual con deficiencias comunicativas, estudiantes de escuelas públicas de la ciudad de Igarassu-PE. Se realizaron sesiones de intervención con recursos de Comunicación Alternativa. El estudio mostró que el uso de recursos alternativos de comunicación contribuyó a la comunicación de los niños. La mediación de recursos ayudó a los niños a progresar en el desarrollo del lenguaje, disminuyendo el uso de gestos y ampliando el habla. En definitiva, se comprobó que el uso de la comunicación alternativa combinada con actividades pedagógicas para estimular el lenguaje oral incluso en Educación Infantil puede potenciar la adquisición y desarrollo del lenguaje en niños con discapacidad intelectual.
Palabras clave: Adquisición del lenguaje, Comunicación Alternativa, Discapacidad intelectual.
Publicação Contínua
Progressos na comunicação de duas crianças com deficiência intelectual na educação infantil: intervenções com o uso recursos de comunicação alternativa
Progress in communication of two children with intellectual disability in child education: interventions using alternative communication resources
Progreso en la comunicación de dos niños com discapacidad intelectual en la educación infantil: intervenciones utilizando recursos de comunicación alternativa
Recepción: 07 Marzo 2022
Aprobación: 22 Septiembre 2022
Publicación: 14 Diciembre 2022
A Educação Inclusiva propõe um novo olhar para a criança com deficiência. Visa práticas pedagógicas que atentam a todas as crianças em suas singularidades de aprendizagem, possibilitando o desenvolvimento integral de todos, com deficiência ou não.
A teoria histórico-cultural traz que cada criança tem um ritmo de aprendizagem, assim, também acontece com as crianças com deficiência, pois, as leis de desenvolvimento são iguais para todas as pessoas. Dessa forma, uma criança cujo desenvolvimento é complicado pela deficiência não é simplesmente uma criança menos desenvolvida que seus pares, e sim uma criança que se desenvolveu de outro modo. Conforme a teoria, o que dificulta o acesso da pessoa com deficiência à cultura não são tanto os impedimentos orgânicos, mas principalmente os impedimentos sociais, pois a cultura foi estruturada para um tipo específico de homem, no caso, sem deficiência. Por isso, faz-se necessário o uso de sistemas culturais artificiais para que se garantam condições necessárias para o desenvolvimento da pessoa com deficiência (Vygotski, 1997).
Dentre os alunos com deficiência, há aqueles que apresentam impedimentos comunicativos e que, consequentemente, têm seu processo de aprendizagem comprometido. O professor, por sua vez, apresenta dificuldade em criar e desenvolver estratégias de comunicação e de ensino que promovam o acesso do aluno às atividades e ao conhecimento.
Assim, as ferramentas de tecnologia assistiva se apresentam como recurso que podem potencializar o desenvolvimento e aprendizagem das pessoas com deficiência, fortalecendo a autonomia e a autoestima. No caso da criança que tem o desenvolvimento da fala comprometido, como as crianças com deficiência intelectual, um recurso de acessibilidade importante é a comunicação alternativa. Tetzchner (2005) diz que o que leva algumas crianças a precisarem de formas de comunicação alternativa é a ausência da fala ou a fala é tão ininteligível que elas não conseguem se fazer compreender.
Massaro e Deliberato (2013) discutem que existem alguns mitos sobre o uso de comunicação alternativa, dentre eles o de que crianças muito pequenas não são capazes de compreender tal sistema, portanto, não devem ser usuárias. Outro mito identificado pelas autoras é o de que a comunicação alternativa deve ser utilizada apenas para as crianças com cognição intacta, ou seja, não é adequada para crianças com deficiência intelectual. Este estudo buscou superar esses dois mitos ao objetivar analisar o uso de comunicação alternativa como recurso de mediação da linguagem, por crianças com deficiência intelectual na Educação Infantil, identificando possível evolução no nível de desenvolvimento das crianças, considerando o antes e depois de sessões de intervenção.
Massaro e Deliberato (2017) destacam ainda que as crianças com deficiência que tem necessidades complexas de comunicação também estão presentes nas salas de Educação Infantil, e tem todo direito de participar do processo educacional. E para que isso se efetive faz-se necessário um suporte de linguagem adequado as suas habilidades e necessidades.
A Educação Infantil tem sido apontada como um ambiente enriquecedor para a implantação de linguagens alternativas, já que possibilita a interação e a comunicação e pode facilitar a aquisição da competência comunicativa, quando se trata de elementos simbólicos. Por isso, se faz necessário o uso da Comunicação Alternativa (CA) para crianças com impedimentos na fala desde a Educação Infantil, unindo as funções conversacionais desse tipo de comunicação com atividades sociais e culturais típicas para a faixa etária. (Massaro & Deliberato, 2017; Tetzchner, 2005)
Sistemas, recursos e estratégias de comunicação alternativa podem possibilitar o desenvolvimento da linguagem da criança com deficiência e viabilizar brincadeiras e atividades pedagógicas na Educação Infantil. A estimulação precoce da linguagem com o uso da comunicação alternativa permite que as crianças da Educação Infantil desenvolvam competências necessárias que se sustentarão em outros níveis da educação (Massaro & Deliberato, 2017).
Santos (2012) afirma que, no caso das crianças com deficiência intelectual, o prejuízo cognitivo causa déficits no desenvolvimento da capacidade expressiva do indivíduo, principalmente a expressão oral. Dessa forma, a criança passa por dificuldades para interagir, pois por não ser compreendida acaba não insistindo em falar e por interagir pouco acaba não evoluindo na linguagem.
Cavalcante (2017) alerta para a necessidade de se considerar todas as possibilidades de comunição da criança com deficiência intelectual, tanto as verbalizações como a diversidade da linguagem gestual (apontar, olhar, expressão facial, dentre outros), bem como pelo auxílio de símbolos gráficos, como no caso da comunicação alternativa.
O estudo aqui reportado tem como objetivo analisar como o uso da Comunicação Alternativa em sessões de intervenção pode contribuir no processo de comunicação de crianças com deficiência intelectual na etapa da Educação Infantil.
Como base teórico-metodológica o estudo se apoia numa abordagem sociointeracionita da aquisição da linguagem, concebendo a língua como uma construção histórica, resultado de práticas sociocomunicativas e entendendo a aquisição da linguagem como um processo pelo qual a criança se coloca como sujeito da linguagem aprendendo sobre o mundo na interação com o outro (Scarpa, 2001).
Para Luria, a linguagem é a capacidade humana de compreender e utilizar um sistema dinâmico e complexo de símbolos convencionados em modalidades diversas para pensar e se comunicar. Uma habilidade complexa desde os tempos mais remotos, se aprimorando numa velocidade constante no intuito de melhorar cada vez mais a comunicação entre as pessoas e o meio que lhe cerca (Luria, 1987).
Para Vigotski (2001), a criança não nasce com o pensamento verbal, ou seja, o pensamento verbal não é uma forma natural e inata de comportamento, mas uma forma histórico-social. Nesse sentido, o desenvolvimento do pensamento e da linguagem depende das experiências socioculturais da criança. Para Vygotsky (2001), o desenvolvimento da lógica na criança é uma função direta de sua linguagem socializada. “O desenvolvimento do pensamento da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem” (p. 149).
Luria (1987) acredita que a interação humana é a propulsora dos processos de construção da significação, sendo que a linguagem, por integrar a estrutura dos processos cognitivos, encarrega-se de regular e mediar toda atividade psíquica.
A linguagem permite ao homem comunicar-se e transmitir conteúdo histórico durante sua interação, que somente acontece por ser a palavra o eixo fundamental da linguagem; é através dela que adquirimos os significados do mundo, acessamos os conhecimentos acumulados e mantemos relações com os outros indivíduos. Nesse sentido, Luria (1987) entende a palavra como um instrumento regulador dos processos psíquicos superiores, permitindo ao homem alcançar um nível abstrato de pensamento.
Conforme Bez e Passerino (2015), a palavra é um ato real e complexo do pensamento. Sendo assim, não é possível adquirir o símbolo linguístico pela simples memorização ou associação. A aquisição da palavra (símbolo) se dá por uma constante negociação entre os participantes em uma mediação triádica, em que vão construindo o significado de forma intersubjetiva.
A tecnologia assistiva se apresenta com um artefato cultural pelo qual a pessoa com deficiência pode garantir sua autonomia1, independência2 e poder de escolha (empoderamento)3, podendo participar plenamente da vida em sociedade. De acordo com Foscarini e Passerino (2014) os artefatos tecnológicos “favorecem o crescimento intelectual da pessoa com deficiência, por meio do fortalecimento da autoestima e autoconfiança, pois retira o foco da deficiência da pessoa e potencializa suas habilidades, possibilidades” (Foscarini & Passerino, 2014, p. 54).
Para Bersh (2013), o termo tecnologia assistiva – TA ainda é novo e é utilizado para identificar todo arsenal de recursos e serviços que contribuem para a ampliação das habilidades funcionais das pessoas com deficiência, promovendo vida independente e inclusão social.
Podemos dizer que o objetivo maior da TA é proporcionar à pessoa com deficiência maior independência, qualidade de vida e inclusão social, através da ampliação de sua comunicação, mobilidade, controle de seu ambiente, habilidades de seu aprendizado e trabalho (Bersh, 2013, p. 2).
Assim, as ferramentas de tecnologia assistiva são o meio de tornar a sociedade acessível para as pessoas com deficiência. Passerino e Bez (2015) alertam que as ferramentas de tecnologia assistiva devem ser concebidas como instrumentos culturais de adaptação de sistemas sociais e não de adequação de indivíduos. Ou seja, a tecnologia assisiva compensa uma deficiência que está na sociedade, não no indivíduo, já que a mesma não está estruturada para atender a todas as pessoas, com deficiência ou não.
Nesta pesquisa, os recursos de tecnologia assistiva foram considerados não como instrumentos que atuam externamente, mas como mediadores de aprendizagem e desenvolvimento para as pessoas com deficiência, ou como definem Foscarini e Passerino (2014), atuam como signos de mediação entre o homem e o mundo, reorganizando os processos cognitivos e ampliando as capacidades intelectuais.
Conforme Foscarini e Passerino (2014), as ações mediadoras possibilitam a Zona de Desenvolvimento Proximal - ZDP, ou seja, potencializa o desenvolvimento do sujeito. A ZDP é a diferença entre o que o sujeito realizava sozinho e o que ele realiza com a mediação, por exemplo, da tecnologia. Vygotski define a ZDP como:
A distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes. (Vygotski, 2007, p. 29)
Assim, o nível de desenvolvimento real corresponde à capacidade ou habilidade que o sujeito já desenvolveu, ou seja, aquilo que ele consegue realizar sozinho. Já o nível de desenvolvimento potencial corresponde às habilidades que o sujeito está prestes a alcançar, atividades que o sujeito consegue realizar com a ajuda de algo ou alguém mais experiente (Foscarini & Passerino, 2014).
O conceito de zona de desenvolvimento proximal é muito importante para o ensino, pois permite que o educador, ao verificar os ciclos de aprendizagem já completados pelo aprendiz, possa elaborar estratégias pedagógicas (ações mediadoras) que auxiliem o sujeito a progredir a níveis mais alto de desenvolvimento, pois para Vygotski (1997, p. 117)o bom aprendizado é somente aquele que se adianta ao desenvolvimento.
No caso das crianças com deficiência intelectual que apresentam impedimentos comunicativos, para que possam apoiar e desenvolver a linguagem, fazem-se necessárias ações mediadoras com o uso de tecnologia assistiva. De acordo com Tetzchner e Martinsen (2000), o uso de comunicação alternativa para crianças com DI pretende acelerar a aquisição da fala e melhorar a qualidade da interação. Ao mesmo tempo assegura-se uma linguagem alternativa para as poucas crianças que não desenvolvem ou quase não chegam a desenvolver a fala.
Optou-se aqui pela abordagem quantitativa, com foco nos progressos quantitativos das crianças investigadas. Contudo, o caminho metodológico nesse estudo percorrido não foi apenas quantitativo e teve também um enfoque qualitativo, mesmo que no presente manuscrito não seja possível apresentar os demais dados gerados. Conforme Moreira (2003), o qualitativo e o quantitativo se complementam e podem ser utilizados em conjunto nas pesquisas, possibilitando melhor contribuição para compreender os fenômenos educacionais investigados, que a cada vez mais se apresentam a partir de múltiplas facetas.
Esta é uma pesquisa do tipo intervenção que, conforme Damiani (2012), caracteriza-se como uma investigação que visa planejar, implementar e avaliar práticas pedagógicas inovadoras com base em um determinado referencial teórico, tendo como intuito maximizar as aprendizagens dos estudantes nela envolvidos, principalmente em situações pedagógicas nas quais essas aprendizagens se encontravam aquém do esperado, que é o que acontece com as crianças com deficiência intelectual. Nessa pesquisa buscou-se planejar, implementar e avaliar intervenções com o uso de uma tecnologia assistiva de comunicação alternativa, com a intenção de ampliar a comunicação e melhorar a interação de crianças com impedimentos comunicativos.
Teve como campo de pesquisa duas escolas municipais da cidade de Igarassu, cidade da região metropolitana do Recife-PE. Conforme a Secretaria de Educação do município a Rede de ensino de Igarassu vem, nos últimos cinco anos, se adequando as demandas das políticas de educação inclusiva. As salas especiais foram extintas e as crianças com deficiência incluídas em salas de aula regular. Dentre as medidas para a viabilização da inclusão, foram instaladas Salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE) nas escolas e contratados profissionais de apoio para as crianças em sala de aula.
Foram considerados sujeitos com perfil de pesquisa crianças com deficiência intelectual cursando a Educação Infantil que tivessem algum impedimento comunicativo. Foram selecionadas duas crianças que nesse estudo adotaram os nomes fictícios de Ana e Laura. Ana possui 5 anos e é do infantil 5; já Laura tem 4 anos e é do infantil 4.
Foram realizadas oito sessões de intervenção com Ana e seis intervenções individuais com Laura. As sessões com Ana aconteceram na sala de AEE (Atendimento Educacional Especializado) e com Laura, aconteceram no terraço da escola. As intervenções trataram-se de interações, com o uso de recursos de comunicação alternativa, entre a pesquisadora e a criança a partir de atividades de linguagem oral típicas da Educação Infantil, como contação de histórias, músicas, conversas, entre outras. Antes das intervenções foram realizadas entrevistas com professores e pais e, também, observações na sala de aula para a criação de um perfil comunicativo prévio das crianças com o objetivo de direcionar o planejamento das intervenções.
O planejamento das intervenções sempre contava com a colaboração das professoras da sala de aula regular. Para que acontecesse a parceria professora-pesquisadora houve necessidade de apresentar o recurso que seria utilizado nas intervenções. Antes mesmo de serem iniciadas as observações, as professoras tiveram contato com recursos de CA de baixo custo e com aplicativo aboard. Receberam informações sobre a importância de utilização e também, foram disponibilizados artigos sobre o uso dos recursos. Para organização das intervenções, uma semana antes de cada sessão era combinado com a professora o tema das intervenções, que era sempre de acordo com seu planejamento da semana. Dessa forma, as atividades de estímulo à linguagem realizadas nas sessões estavam sempre em harmonia com o que a professora estava trabalhando em sala de aula.
A partir do acesso ao planejamento da professora foram planejados e construídos os recursos de comunicação alternativa que foram utilizados em cada sessão. Como atividades, durante as intervenções, foram realizadas: contação de histórias, reconto, conversas livres e dirigidas, construção de sequência de músicas infantis, recorte e colagem, jogos, entre outras. A realização das atividades era sempre mediada pela comunicação alternativa, que foi apresentada para as crianças de diferentes formas: a partir de ilustrações, de cartões com cenas visuais compostas, de sequência de imagens, de cartões com figuras e pictogramas, como suporte foram utilizadas pranchas feitas com material simples de baixo custo e um aplicativo de comunicação alternativa instalado em tablet, o aBoard.
Os dados gerados pelas intervenções foram coletados a partir de videografias. O uso desse instrumento de observação amplifica a capacidade de análise, já que possibilita ao observador repensar o observado (Vianna, 2003). As filmagens em vídeo permitem documentar o progresso das crianças que têm um desenvolvimento mais lento, como é o caso das crianças com deficiência intelectual. Assim, também “a observação de uma gravação em vídeo pode sugerir ideias interessantes sobre novas situações de comunicação que se podem criar e sobre novas medidas de intervenção que se pode tomar” (Tetzchner & Martisen, 2000, p. 98) Para a pesquisa, possibilitou a captura de gestos, expressão facial e outros meios de comunicação verbal e não verbal dos participantes, o que foi essencial para a análise.
Como equipamento de gravação de som e imagem utilizou-se a câmera de um tablet exclusivo para essa função. O equipamento foi instalado em um mini tripé em cima da mesa em que pesquisadora e as crianças realizavam as atividades. A câmera foi posicionada de maneira que enquadrasse rosto e tronco da criança com a intenção de capturar o máximo possível dos movimentos e gestos. Para os momentos em que pesquisadora e criança utilizavam para a atividade o aplicativo aBoard, instalado em um segundo tablet, utilizou-se, também, um aplicativo de captura de tela, o Mobizen Screen Recorder4. O aplicativo permitiu capturar toda movimentação que criança e pesquisadora fizeram para escolher os pictogramas na tela do aBoard.
Como suporte, o aBoard pode ser instalado em qualquer dispositivo móvel, como tablets. Também compõe o aplicativo o aBoard Editor, utilizado em computador conectado à internet, permite aos usuários e mediadores personalizar os vocabulários e conteúdos do aplicativo; e também o aBoard Server para armazenar os conteúdos personalizados e controle de acesso do usuário, serviço em nuvem (Fidalgo & Cavalcante, 2017; Cavalcante & Aquino, 2020).
Utilizou-se para a análise alguns conceitos desenvolvidos por Vigotsky (1997), sendo este um dos principais teóricos da abordagem sociointeracionista. Os dados foram analisados à luz de conceitos de deficiência, concebida não como um déficit centrado no impedimento orgânico dos sujeitos, mas como a falta de oportunidades sociais para que esses sujeitos se desenvolvam.
Em Vigotski (2001) a análise dos dados se apoia nas discussões sobre a relação entre pensamento e linguagem, explora-se o conceito de mediação que é tido como a ação de estimular a criança a alcançar níveis mais altos de desenvolvimento dentro do que já está perto de alcançar, ou seja, sair da zona de desenvolvimento real e alcançar a zona de desenvolvimento proximal.
Os dados gerados pelas videografias das intervenções foram transcritos para melhor interpretação dos fenômenos ocorridos, para isso utilizou-se sinais baseados na obra Análise da Conversação de Marcuschi (2000). Foram transcritas três sessões de intervenção de cada criança: uma inicial, outra do meio do processo e a última sessão.
A linguagem, além de regular as funções psicológicas superiores, tem função mediadora, ou seja, permite trocas entre o indivíduo e o mundo (Luria, 1987). No caso das crianças que apresentam barreiras comunicativas, a dificuldades de estabelecer relações de trocas com outras pessoas no ambiente escolar acaba excluindo a criança das atividades, prejudicando significativamente a aprendizagem.
Para oportunizar a aprendizagem e o desenvolvimento desses sujeitos são necessárias ações mediadoras, no caso, a inserção de ferramentas de tecnologia assistiva que permitam a acessibilidade comunicativa. Esta investigação demonstra que as ações mediadoras com a comunicação alternativa, modalidade específica de tecnologia assistiva, possibilitou a troca comunicativa entre as crianças e pesquisadora.
O estudo buscou avaliar se a mediação dos recursos de comunicação alternativa utilizados nas intervenções, como apoio à linguagem, permitiu progressos no desenvolvimento das crianças participantes. Em outras palavras, objetivou-se verificar se o uso de recursos de comunicação alternativa contribuiu para a evolução da linguagem dos sujeitos, considerando que todos os momentos de interação foram organizados e planejados para desenvolver atividades que as crianças não realizavam com autonomia.
Conforme Foscarini e Passerino (2014), as ações mediadoras com a comunicação alternativa favorece a ampliação da zona de desenvolvimento proximal dos sujeitos. Vigotski (2001) define a zona de desenvolvimento proximal como a distância entre o que o sujeito realiza com autonomia (zona de desenvolvimento real) e o que ele pode realizar com a mediação/ajuda de algo ou alguém (zona de desenvolvimento potencial).
Considerou-se aqui como características de progressos na linguagem a diminuição do uso de gestos e o aumento de fala (oral) ou tentativas de fala. Para tanto, analisou-se as transcrições de três intervenções de cada criança: a primeira, uma do meio do processo e a última intervenção. Os momentos nas transcrições em que as crianças se comunicaram (turnos de fala) foram contabilizados e categorizados como: fala (linguagem oral), gestos (linguagem não verbal), e fala e gestos (momentos em que as crianças se comunicaram utilizando concomitantemente fala e gestos).
Ana, primeiro sujeito da pesquisa, antes das intervenções, apresentava linguagem quase que exclusivamente gestual. A criança conseguia falar algumas palavras, porém, muitas vezes, a fala era incompreensível. As intervenções com o uso de recursos de comunicação alternativa além de ampliarem a comunicação da criança de maneira geral gerou segurança para que a mesma produzisse mais tentativas de fala (oral). O Gráfico 1 demonstra o aumento expressivo das tentativas de fala de Ana durante as intervenções com o uso de CA.
As tentativas de fala (oral) de Ana na primeira intervenção foram de 22% dos turnos de fala da criança; na quarta intervenção as tentativas de fala subiram para 41% e na última 42% dos turnos. O uso de gestos, de 44% na primeira intervenção, caiu para 25% na quarta intervenção e 30% na última. Já a utilização concomitante de fala e gestos pela criança para se comunicar com a pesquisadora quase não se alterou. Os dados demonstram que o uso dos recursos de comunicação alternativa utilizados nas sessões de intervenção colaborou para que a criança aumentasse as tentativas de fala, ou seja, as ações de mediação com esses recursos contribuíram para que a criança se sentisse mais confiante para se expressar oralmente. Esse aspecto dialoga com a teoria histórico-cultural, ao enfatizar a importância da mediação e do uso dos artefatos culturais, nessas mediações (Vigotsky, 2007). Além disso, corrobora com o pressuposto de que as pessoas com deficiência precisam traçar outros percursos para inserção social (Vigotsky, 1997), que atualmente se torna materializada com o uso de recursos de Tecnologia Assistiva, como é o caso da Comunicação Alternativa. Lembramos, sobretudo, que dentro da Política de Implantação das Salas de Recurso Multifuncionais cabe ao professor especialista pensar nos recursos de tecnologia assistiva, para implementar com estudantes específicos, como é o caso da comunicação alternativa.
Até mesmo o uso de gestos por Ana apresentou mudanças no período das intervenções, como apresenta o Gráfico 2. Categorizou-se como gestos de balançar com a cabeça as respostas de sim e não dadas pela criança; já os gestos classificados como uso da CA representam os gestos de apontar, mostrar, grudar e colar, no caso das pranchas e outros recursos de baixo custo e o gesto de clicar, no caso do uso de aplicativo de comunicação alternativa; Expressões faciais representam os gestos de sorrir, olhar, franzir a testa e outras expressões; por fim, denominou-se de Imitar ações os gestos semelhantes à mímica, como por exemplo, imitar uma cobra serpenteando as mãos ou movimentando a língua.
Dos gestos utilizados por Ana para se expressar na primeira intervenção os mais utilizados foram os de imitar ações, 25% e os gestos relacionados ao uso da comunicação alternativa, 52%. Na quarta intervenção a preferência por esses gestos se mantém, tanto os gestos relacionados ao uso da CA quanto os de imitar ações representaram igualmente 34%. Já na última intervenção o uso de gestos relacionados ao uso da CA representou expressivos 70%, enquanto a imitação de ações não alcançou 10% dos gestos de Ana.
Os dados apontam certa preferência de Ana pelo uso de gestos relacionados ao uso de CA, principalmente na última intervenção. Nesse sentido, mesmo que a escolha dos gestos pela criança possa ter sofrido influências do tipo de atividades propostas e/ou das perguntas feitas pela pesquisadora durante as intervenções pode-se considerar que houve progressos na qualidade comunicação, já que a mensagem transmitida pelos gestos com apoio da comunicação alternativa pode ser mais clara para o interlocutor do que os gestos de imitar ações que é mais passível de interpretações equivocadas. Esse aspecto ajuda também a corroborar o que Reily (2004) fala sobre o mito acerca da comunicação alternativa: de que pode fazer com que o usuário se acomode e não queira falar. Não foi isso que se viu com Ana, bem como com Laura, conforme veremos a seguir.
Laura, segundo sujeito da pesquisa, conseguia expressar desejos a partir da linguagem oral, porém, apresentava dificuldades em manter um diálogo. A criança não interagia muito, na maioria das vezes, apenas balançava a cabeça positiva e negativamente para responder alguma pergunta que lhe faziam e apresentava dificuldades de se concentrar, se distraia com facilidade. As intervenções com o uso dos recursos de comunicação alternativa tiveram o objetivo de incentivar a criança a se comunicar auxiliando-a na organização e planejamento da fala. Para analisar os progressos na comunicação de Laura elaborou-se o Gráfico 3.
Na primeira intervenção o uso de gestos representou quase 60% dos turnos de fala de Laura; já na terceira intervenção representou mais 55% enquanto na última intervenção o uso de gestos caiu para 31%. A linguagem oral representou quase 20% na primeira intervenção, um pouco mais de 30% dos turnos de fala na terceira intervenção e na última alcancou mais de 55%. Já os momentos em que a criança utilizou fala e gestos para se comunicar representaram um pouco menos de 5% na primeira intervenção, 10% na terceira intervenção e um pouco mais de 10% na última. Outra variável que aparece no caso de Laura é a sem resposta, representa os momentos em que a criança ou não sabia responder as perguntas da pesquisadora ou não quis responder, na primeira intervenção esses momentos representaram quase 20% dos turnos de fala da criança, na terceira não houve e na última 2%.
Os resultados apresentados demonstram que os momentos sem respostas, em que a criança não interagia diminuíram, indicando que Laura, a partir das intervenções, se sentiu mais estimulada à se comunicar e a comunicação alternativa colaborou para que ela elaborasse melhor suas falas. Assim, a criança passou a interagir melhor com a pesquisadora e a utilizar mais a linguagem oral para se comunicar. Dos gestos utilizados pela crinaça ao longo das intervenções tem destaque os gestos relacionados à comunicação alternativa, como demonstra o Gráfico 4.
No caso de Laura não houve muita variação no uso dos gestos entre a primeira e a última intervenção, porém, vale lembrar que antes das intervenções a criança apresentava certa resistência para interagir, em alguns momentos ela respondia a professora apenas sim ou não com gestos de balançar a cabeça. Com as intervenções, já no primeiro encontro, a criança demonstrou expressiva preferência pelo uso de gestos relacionados com a comunicação alternativa, como: apontar, olhar, mostrar ou clicar nos cartões para se expressar, isso quando não se comunicava oralmente.
Ambas as crianças progrediram em relação à linguagem, as intervenções contribuíram para que Laura elaborasse melhor suas falas e se sentisse motivada a interagir tanto a partir dos recursos de CA como a partir da linguagem oral; já com Ana, as intervenções possibilitaram a criança aumentar as tentativas de fala e apoiar a linguagem não verbal. Nesse sentido, é possível afirmar que a mediação proporcionada pelo uso da comunicação alternativa potencializou a comunicação das crianças, ou seja, permitiu a ampliação da zona de desenvolvimento proximal (ZDP). As crianças saíram de um nível em que os imedimentos comunicativos dificultavam a interação para um nível em que com o apoio da comunicação alternativa conseguiram se expressar e interagir melhor, o que, por consequencia fortaleceu a autoestima e a autonomia das mesmas.
A escola inclusiva é aquela que está apta a receber todo e qualquer aluno, com deficiência ou não. Conforme a teoria histórico-social a educação da pessoa com deficiência deve ser baseada não no que ela é incapaz de fazer, mas nas suas possibilidades de desenvolvimento, no que pode realizar mesmo que demande mais tempo e estratégias diferenciadas. Nesse sentido, para que a inclusão se efetive, dentre as ações necessárias, está o uso de artefatos tecnológicos que amplie as habilidades funcionais dos sujeitos com deficiência.
No caso das pessoas com deficiência intelectual, em que os prejuízos cognitivos, dentre outros fatores, afetam o desenvolvimento da capacidade expressiva, principalmente a linguagem oral, a Comunicação Alternativa se apresenta como um recurso adequado para a acessibilidade, já que a pessoa com DI pode utilizar os recursos para se expressar a partir da linguagem gestual.
Como resultado as intervenções demonstraram que o uso dos recursos de comunicação alternativa contribuiu significativamente para a comunicação das crianças. Permitiu que criança e pesquisadora compartilhassem atenção nas atividades desenvolvidas; e possibilitou as crianças planejar e produzir linguagem mais significativa e funcional. Assim, a mediação dos recursos ajudou as crianças a progredirem no desenvolvimento da linguagem, diminuindo o uso dos gestos e ampliando a fala.
Os achados desta pesquisa trazem uma discussão importante no que se refere a inclusão da criança com deficiência intelectual no âmbito escolar. Sabe-se que por muito tempo as pessoas com DI foram estigmatizadas como incapazes de aprender, a escola tradicional com suas práticas homogeneizadoras reforçavam ainda mais a deficiência, excluindo essas crianças.
A pesquisa colabora com as discussões a respeito da inclusão escolar à medida que constata a necessidade de estratégias pedagógicas que permitam o desenvolvimento de todas as crianças, com ou sem deficiência. O que só é possível se ao olhar para a criança com deficiência se enxergue suas capacidade e habilidades, não apenas suas impossibilidades. Só valorizando o potencial das crianças que será possível planejar os próximos passos para seu desenvolvimento.
Também que as ações interventivas com tecnologias assistivas, como o uso de comunicação alternativa, deve ser implantado desde cedo. A estimulação precoce pode fazer toda diferença no desenvolvimento das crianças com deficiência.
No caso do desenvolvimento comunicativo, a pesquisa demonstrou que o uso de comunicação alternativa unida a atividades pedagógicas de estímulo à linguagem oral ainda na Educação Infantil pode potencializar a aquisição e desenvolvimento da linguagem das crianças com deficiência intelectual, o que, em sala de aula, pode permitir que as crianças com DI tenham tantas oportunidades de desenvolvimento quanto às demais crianças sem deficiência.
Como citar: Aquino, A. B., & Cavalcante, T. C. (2022). Progress in communication of two children with intellectual disability in child education: interventions using alternative communication resources. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17368. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17368
Contribuições dos Autores: Aquino, A. B.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Cavalcante, T. C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Todas as autoras leram e aprovaram a versão final do manuscrito.
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