Publicação Contínua
Recepción: 27 Septiembre 2022
Aprobación: 25 Noviembre 2022
Publicación: 20 Diciembre 2022
DOI: https://doi.org/10.20952/revtee.v15i34.18288
Resumo: A pesquisa relatada neste artigo teve como objetivo investigar aspectos didáticos envolvidos na produção de vídeos digitais por licenciandos em matemática visando a participação no Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática. Os dados foram produzidos na disciplina “Didática da Matemática” com duas turmas de um curso de Licenciatura em Matemática de uma universidade pública estadual. O processo de produção de vídeos esteve fundamentado na noção denominada “performance matemática digital”. Com base nas orientações do docente, os grupos produziram seis vídeos, sendo quatro deles submetidos ao Festival, explorando diferentes conteúdos matemáticos da Educação Básica e utilizando diferentes linguagens artístico-narrativas. A proposta é inovadora considerando-se a interface envolvendo o uso de tecnologias digitais e as artes em Educação Matemática, com destaque à multimodalidade. A participação no Festival ofereceu meios para construção de imagens alternativas sobre a matemática e de experiências matemáticas estéticas de futuros professores.
Palavras-chave: Educação Matemática, Experiência Matemática Estética, Performance Matemática Digital, Vídeos Digitais.
Abstract: The research reported in this article aimed to investigate didactic aspects involved in the production of digital videos by mathematics pre-service teachers for the participation in the Festival of Digital Videos and Mathematics Education. The data were produced in the course named "Didactics of Mathematics" with two classes of an undergraduate course in Mathematics at a public state university. The video production process was based on the notion of “digital mathematical performance”. Based on the instructor's supervision, the groups produced six videos, four of which were submitted to the Festival, exploring different elementary and high school mathematical contents and using different artistic-narrative languages. The didactic proposal is innovative considering the interface involving the use of digital technologies and the arts in Mathematics Education, with emphasis on multimodality. Participation in the Festival offered the means to build alternative images of mathematics and aesthetic mathematical experiences for future teachers.
Keywords: Aesthetic Mathematics Experience, Digital Mathematical Performance, Digital Videos, Mathematics Education.
Resumen: La investigación de este artículo tuvo como objetivo indagar aspectos didácticos en la producción de videos digitales por estudiantes de matemáticas con el objetivo de participar en el Festival de Videos Digitales y Educación Matemática. Los datos fueron producidos en la disciplina "Didáctica de las Matemáticas" con dos clases de un curso de Licenciatura en Matemáticas en una universidad pública estatal. La producción del video se basó en la noción “desempeño matemático digital”. Con las orientaciones del docente, los grupos produjeron seis videos, cuatro de ellos se presentaron al festival, explorando contenidos matemáticos de la Educación Básica y utilizando lenguajes artístico-narrativos. La propuesta es innovadora considerando la interfaz que involucra el uso de las tecnologías digitales y las artes en la Educación Matemática, principalmente en la multimodalidad. La participación en el Festival ofreció los medios para construir imágenes alternativas de las matemáticas y experiencias estéticas matemáticas para los futuros docentes.
Palabras clave: Educación Matemática, Experiencia Matemática Estética, Rendimiento Matemático Digital, Vídeos digitales.
INTRODUÇÃO
O objetivo geral da pesquisa relatada neste artigo foi investigar aspectos didáticos envolvidos na produção de vídeos digitais por licenciandos em matemática visando a participação no Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática. O objetivo específico foi investigar o engajamento de licenciandos em Matemática (a) em processos formativos voltados ao uso de tecnologias digitais para produção de vídeos digitais no contexto da Didática da Matemática; (b) no desenvolvimento de narrativas multimodais que envolvessem linguagens artísticas como cinema e a música; (c) na produção fílmica de modo que seus produtos multimodais fossem publicados em espaços sociais e mobilizassem seus conhecimentos para além da sala de aula.
A relevância da presente pesquisa pode ser justificada em dois eixos principais. O primeiro eixo diz respeito a uma das metodologias de ensino utilizada na disciplina, baseada no uso de tecnologias digitais e das artes, visto que na produção dos dados foi proposto aos licenciandos produzirem vídeos digitais sobre matemática. De acordo com Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014), o uso de internet rápida, de tecnologias portáteis, de redes sociais e a produção de vídeos são elementos que caracterizam a quarta fase do uso de tecnologias digitais em Educação Matemática a partir da década de 2010. Nesse cenário, a cibercultura traz ao fazer educacional uma dimensão performática (Lévy, 2000). As possibilidades de, não somente utilizarmos vídeos, mas também produzirmos narrativas fílmicas com câmeras/smartphones e editores de vídeos com interfaces amigáveis, nos insere em cenários educacionais multimodais e cinematográficos, ou seja, em contextos pedagógico-artístico-tecnológicos. Tratam-se de aspectos relevantes da cultura digital na educação do Século XXI (Lucena & Oliveira, 2014).
Também de acordo com Borba, Scucuglia e Gadanidis (2014), o uso de tecnologias informáticas ou digitais possui uma história de décadas na Educação Matemática. Já o uso e produção de vídeos (digitais) em processos de ensino e aprendizagem de Matemática, em particular, possuem uma história recente nessa área (Oescheler, 2018, Domingues, 2020). A partir da década de 1980, era possível que professores tivessem acesso a televisores e videocassetes como recursos didáticos em sala de aula ou salas de recursos audiovisuais em escolas. A partir da década de 2000, com a popularização de computadores pessoais concomitantemente ao surgimento da Internet, o acesso a vídeos digitais foi se intensificando. Além disso, o acesso a dispositivos de registros audiovisuais portáteis (câmeras de vídeos digitais, câmeras fotográficas com recurso de filmagem, smartphones com câmeras, notebooks e tablets) e programas de edição de vídeos com interfaces amigáveis (e.g., Microsoft MovieMaker) oferece meios para que usuários se tornassem também produtores audiovisuais.
A produção audiovisual no Ensino permite que professores e alunos utilizem perspectivas do cinema para produzir vídeos em sala de aula. De acordo com Boorstin (1990), um bom filme deve buscar oferecer à audiência, de maneira equilibrada, três tipos de prazeres ou olhares. São eles: (a) voyeur: trata-se do olhar racional; elementos fulcrais acerca do entendimento da narrativa fílmica; (b) vicário: diz respeito às emoções, quando sentimos o que os personagens sentem. Tipos de planos e trilhas sonoras podem ser usados para potencializar esse olhar; (c) visceral: quando sentimos nossas próprias sensações como sudorese e palpitações, considerando-se a intensidade de algumas cenas.
Embora exista uma dimensão evidentemente subjetiva no desenvolvimento dessas categorias, Scucuglia (2012) utiliza as lentes de Boorstin (1990) para propor um modelo conceitual de performances matemáticas digitais (PMD). Nesse cenário, performance matemática é definida como o processo de comunicação de ideias matemáticas por meio das artes e PMD como a representação digital de performances matemáticas. Em plataformas como YouTube, podemos encontrar diversos vídeos nos quais alunos e professores comunicam suas ideias matemáticas por meio de músicas, do teatro, da dança, da poesia, etc. Vídeos dessa natureza são entendidos como tipos de PMD. O modelo de PMD conceituais proposto por Scucuglia (2012) é composto por quatro categorias complementares. São elas: surpresa, sentido, emoção e sensação. Uma boa PMD deve, portanto, oferecer à audiência surpresas matemáticas, sentido/raciocínio claro e coerente, emoções matemáticas vicárias por meio da narrativa e sensações viscerais por meio da elementos estéticos. Essas categorias foram apresentadas e exploradas pelos licenciandos participantes da presente pesquisa para criarem suas PMD. De maneira geral, Gadanidis e Borba (2006) argumentam que:
Performance acontece no teatro, em leituras de poesia. O que aconteceria se os matemáticos e os educadores matemáticos começassem a se mover além do domínio da avaliação (onde performance assume um significado diferente), e usassem uma lente artística para “realizar performance” matemática? Se nós olharmos a matemática como expressão performática, o que veremos? Como nós podemos expressar e investigar conceitos matemáticos através do drama ou através das ferramentas digitais multimodais? Pensamento matemático como performance pode ajudar a reorganizar nosso pensamento sobre o que significa fazer, ensinar e aprender matemática com tecnologias (Gadanidis & Borba, 2006, para.1, tradução nossa).
A multimodalidade também pode ser destacada nesse cenário de produção de vídeos em Educação Matemática (Neves, 2020), incluindo aspectos sobre PMD. Comumente, os matemáticos e os estudantes de Matemática comunicam suas ideias por meio da linguagem escrita. Isso faz sentido, considerando-se que a Matemática é fundamentalmente simbólica. No entanto, do ponto de vista da cognição corporificada, diversos modos de comunicação compõem o discurso matemático. A gestualidade e a oralidade, por exemplo, desempenham um papel fundamental quando professores buscam explicar um determinado conteúdo em sala de aula. Gestos, sons e espaços oferecem meios para que alunos compreendam os significados envolvidos na construção de gráficos de funções, por exemplo. Os vídeos digitais permitem que sejam explorados simultaneamente diversos modos de comunicação (imagens, movimentos, escrita, sons, espaços, etc.). Portanto, o uso/produção de vídeos atribui complexidade semiótica ao discurso matemático (em sala de aula) (Scucuglia, 2012).
O segundo eixo de relevância da pesquisa se refere à submissão das PMD dos licenciandos ao IV Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática. A literatura tem apontado que a Matemática possui uma Imagem Pública negativa e, dentre diversos aspectos, isso se deve a natureza das experiências matemáticas escolares. No ensino “tradicional” a atividade Matemática em sala de aula é propulsionada por ações como a memorização de fórmulas e algoritmos, pela repetição da resolução de muitos exercícios, pela descontextualização da realidade, etc. Além disso, a Matemática dos estudantes tende a permanecer nos confins das salas de aula (Gadanidis & Borba, 2008). Raramente, pais ou responsáveis perguntam aos alunos o que eles aprenderam sobre Matemática na escola. E, geralmente, as principais respostas dos alunos são “nada” e “não sei”. Por que os estudantes não conversam (socialmente) sobre suas ideias matemáticas favoritas da mesma maneira como falam de suas músicas e suas séries favoritas?
Nesse sentido, é fundamental que a Matemática dos estudantes extrapole as salas de aulas e seja disseminada em ambientes sociais diversos. Ao criarem vídeos digitais para comunicar suas ideias Matemáticas utilizando linguagem artísticas, a atividade Matemática em sala de aula se torna pedagogicamente diferenciada. Além disso, quando os vídeos são submetidos a fórum sociais do ciberespaço como o YouTube ou o Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática, os autores dos vídeos passam a dialogar sobre Matemática com amigos, familiares e outros agentes. Portanto, a produção de PMD e a participação no Festival contribuem significativamente com a construção de imagens alternativas sobre a Matemática e sobre a aprendizagem matemática. É também um processo de construção de identidades como matemáticos performáticos (Gadanidis & Borba, 2008). Cabe destacar que no Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática os critérios de avaliação dos vídeos são os seguintes: (1) natureza da ideia Matemática; (2) criatividade e imaginação; e (3) aspectos artísticos e tecnológicos. Tais critérios também foram concebidos com base na pesquisa desenvolvida por Scucuglia (2012) sobre PMD conceituais.
METODOLOGIA
Esta pesquisa é de natureza qualitativa (Bicudo, 1993), com destaque a noção denominada estudo de caso qualitativo (Ponte, 2006). A produção de dados foi desenvolvida durante o primeiro semestre de 2020 em duas turmas na disciplina “Didática da Matemática” do curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Estadual Paulista (Unesp), campus de São José do Rio Preto. As disciplinas, com duração de 60 horas, foram iniciadas em março de 2020 e finalizadas em agosto de 2020. A turma do curso diurno/integral era composta por 10 licenciandos e a turma do curso noturno era composta por 28 licenciandos. A disciplina contou com a participação de uma estagiária de docência da graduação (mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Processos Formativos da Unesp), e de um monitor bolsista (discente do curso de licenciatura em Matemática da Unesp de São José do Rio Preto).
A disciplina teve início na modalidade presencial, com 4 horas de aulas por semana. No entanto, devido a pandemia da Covid-19, as aulas presenciais foram suspensas a partir de março de 2020, sendo as disciplinas reestruturadas de modo a serem ministradas na modalidade à distância (ensino remoto). No modelo remoto, 50% das aulas foram realizadas de maneira síncrona, com videoconferências via Google Meet. Os outros 50% das atividades foram desenvolvidos de maneira assíncrona, via Google Classroom.
O Festival de Vídeo Digitais e Educação Matemática (www.festivalvideomat.com/) foi também cenário fulcral do contexto em que este estudo foi desenvolvido. A gênese deste Festival está relacionada à realização de um Festival internacional intitulado Math + Science Performance Festival, desenvolvido de 2008 a 2015. O Math + Science Performance Festival (www.mathfest.ca) foi organizado por um pesquisador canadense da Western University chamado George Gadanidis em parceria com o docente Marcelo C. Borba, da Unesp campus de Rio Claro. O Math + Science Performance Festival contou com o apoio de instituições como a Sociedade Canadense de Matemática e o Fields Institute da Universidade de Toronto. Nesse Festival internacional, alunos, professores, pais/responsáveis e artistas submetiam anualmente suas PMD, as quais eram avaliadas por matemáticos, educadores e artistas. As PMD selecionadas pelo júri eram premiadas e os autores dos vídeos recebiam medalhas. A proposta do Festival não era criar um tipo de “competição”, mas celebrar a possibilidade de se fazer Matemática de uma maneira diferente por meio do uso das artes e das tecnologias digitais. O trabalho de Scucuglia (2012), orientado por George Gadanidis na Western University, foi a primeira tese de doutorado sobre PMD, sendo o Math + Science Performance Festival o cenário dessa pesquisa.
Tendo o Math + Science Performance Festival realizado sua última edição em 2015, o docente Marcelo C. Borba iniciou a organização de um Festival de mesma natureza no Brasil. O I Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática, organizado pelo Grupo de Pesquisa em Informática, outras Mídias e Educação Matemática (GPIMEM), ocorreu em 2017, sendo o evento de premiação realizado na Unesp, campus de Rio Claro. Para participar do Festival, alunos e professores podem submeter seus vídeos sobre Matemática a diferentes categorias por nível de ensino: Ensino Fundamental, Ensino Médio, Ensino Superior e Outros. Os vídeos submetidos são inicialmente avaliados pelos organizadores e, se classificados, são publicados no Canal YouTube do GPIMEM. Nesse processo de classificação são considerados critérios presentes no Regulamento como tempo de duração limite do vídeo e coerência/rigor matemático. Com base nos vídeos classificados, os jurados selecionam finalistas e é realizada a premiação dos vencedores em cada categoria. As três primeiras edições do evento de premiação (2017, 2018 e 2019) foram realizadas presencialmente. A quarta e a quinta edições do Festival (2020 e 2021) foram realizadas à distância devido a pandemia da Covid-19. No júri artístico, o Festival contou com a participação de Hélio de la Peña e do cartunista Camilo Riani. O Festival, que é um projeto de extensão universitária da Unesp, é apoiado pela Sociedade Brasileira de Educação Matemática e pelo Conselho Nacional de Pesquisa Científica e Desenvolvimento Tecnológico.
No presente estudo, desenvolvido com as duas turmas na disciplina “Didática da Matemática”, foram produzidos seis vídeos pelos licenciandos, sendo quatro deles submetidos ao IV Festival e classificados na categoria Ensino Superior em 2020. Os títulos dos vídeos classificados são: (1) A Matemagia dos Aniversários; (2) Didática Metafórica; (3) Ondas Sonoras e Funções Trigonométricas; e (4) Gazeta da Informação. O vídeo (1) foi finalista e vencedor na categoria júri popular, tendo obtido mais de 5.500 visualizações e 1.500 curtidas. Dois vídeos produzidos pelos licenciandos não foram submetidos ao Festival, devido ao prazo (9 de maio de 2020). Foi permitido aos licenciandos submeter posteriormente seus vídeos ao docente para avaliação.
RESULTADOS
Primeiramente, é importante esclarecer quais conteúdos do Plano de Ensino da disciplina de “Didática da Matemática” foram explorados nesta pesquisa pelos licenciandos na realização da proposta desenvolvida por meio da produção audiovisual. São eles:
Unidade I. A Didática: conceituação e características
Unidade II. Concepções de ensino e de aprendizagem.
Unidade III. Projetos educacionais: Conceito e especificidades de planejamento e de plano de ensino. Elaboração de plano de aula.
Unidade IV. Projetos educacionais. Conceito e especificidades de planejamento e de plano de ensino.
Unidade V. O Processo de ensino e de aprendizagem. Organização da dinâmica em sala de aula. Relação professor/aluno/conhecimento. Métodos, técnicas, recursos didáticos, dispositivos tecnológicos, redes sociais e o ensino. O papel das mídias e das linguagens no ensino.
Além da realização dessas atividades mobilizar os conteúdos supracitados, cada vídeo também mobilizou conteúdos específicos, tanto do ponto de vista matemático como relacionado à produção audiovisual (técnicas de produção de vídeos e desenvolvimento de linguagens artísticas). A seguir, apresenta-se uma descrição de cada um dos vídeos produzidos pelos licenciandos, submetidos ao Festival.
O vídeo “A Matemagia dos Aniversários” (Figura 1), disponível em https://youtu.be/wVRBcovZHvs, possui 5 minutos e 59 segundos e aborda o conteúdo de Probabilidade. A narrativa é de natureza cênica/animação, na qual é representada uma sala de aula tradicional, sendo a narração feita pelos próprios licenciandos (cada um narra seu próprio avatar). O problema proposto parte do interesse dos estudantes e se refere ao cálculo da probabilidade de duas pessoas fazerem aniversário no mesmo dia. Alguns alunos discutem possíveis soluções do problema e, em seguida, a explicação detalhada da resolução é narrada e apresentada em uma lousa à audiência. O vídeo apresenta outras possibilidades de quantidades de alunos em uma sala de aula e suas respectivas probabilidades de soluções. Além disso, a animação leva a aprendizagem para fora do espaço escolar, mostrando um levantamento de dados feito pelos autores através de uma rede social utilizando uma enquete. Dez licenciandos participaram da produção, roteiro, animação e edição. Do ponto de vista matemático, o vídeo explora conteúdos de probabilidade. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular, os conteúdos explorados no vídeo mobilizam a seguinte habilidade: “(EF08MA22) Calcular a probabilidade de eventos, com base na construção do espaço amostral, utilizando o princípio multiplicativo, e reconhecer que a soma das probabilidades de todos os elementos do espaço amostral é igual a 1” (Brasil, 2018, p. 35).
O vídeo “Didática Metafórica” (Figura 2), disponível em https://youtu.be/ac7W0nfXfj0, possui 5 minutos e 59 segundos de duração. A narrativa é apresentada de forma cênica e aborda a resolução do problema de duas situações matemáticas. A primeira é a situação problema do “Conto dos 35 camelos” que é baseado em uma passagem do livro “O Homem que Calculava”, de Malba Tahan. O público alvo deste conteúdo se refere aos alunos do 6° ano do Ensino Fundamental, com o conteúdo de Soma de Frações. A apresentação do problema é feita através de uma imagem em livro com o conto escrito e acompanhado da narração do texto. O vídeo engendra a imagem do livro com a dos alunos em suas respectivas casas. Logo após é iniciada uma nova aula, em um novo dia, com a temática Operação entre Conjuntos, conteúdo destinado a alunos do Ensino Médio. O texto do conteúdo matemático é apresentado com a narração do que está escrito. Três licenciandos participaram da produção, roteiro e edição do vídeo. Os conteúdos matemáticos explorados nesse vídeo se referem à Números e Operações, principalmente com relação a operações com frações, ou seja, números Racionais. De acordo com a Base Nacional Comum Curricular, os conteúdos explorados no vídeo mobilizam habilidades de diferentes anos do Ensino Fundamental e Médio, como por exemplo: “(EF05MA03) Identificar e representar frações (menores e maiores que a unidade), associando-as ao resultado de uma divisão ou à ideia de parte de um todo, utilizando a reta numérica como recurso” (Brasil, 2018, p. 295) e “(EF06MA07) Compreender, comparar e ordenar frações associadas às ideias de partes de inteiros e resultado de divisão, identificando frações equivalentes” (Brasil, 2018, p. 301). De acordo com o Currículo de Matemática do Estado de São Paulo: “Compreender a necessidade das sucessivas ampliações dos conjuntos numéricos, culminando com os números irracionais” (São Paulo, 2019, p. 63).
O vídeo “Ondas Sonoras e Funções Trigonométricas” (Figura 3), disponível em https://youtu.be/bWP27H4t2t8, possui 5 minutos e 50 segundos, é apresentado de forma cênica abordando o conteúdo de Ondas Sonoras e Funções Trigonométricas. No início do vídeo dois amigos conversam, através de uma chamada de vídeo, sobre acordes de violão e acabam discutindo ideias sobre funções trigonométricas e ondas sonoras, exemplificando através do som da corda do violão. Além da exemplificação sobre notas musicais através do som do violão, o vídeo traz uma narrativa acompanhada de imagens à explicação sobre frequência e cita que foi Pitágoras que observou essas relações ao observar ferreiros martelando bigornas em uma oficina. A narrativa aborda o conceito de fenômenos periódicos encontrados nas funções trigonométricas estudadas de forma aprofundada pelo matemático Jean Fourier (1768 - 1830). Oito participantes compuseram o grupo que desenvolveu o vídeo. Do ponto de vista matemático, o vídeo explora conteúdos sobre trigonometria e funções trigonométricas. De acordo com o Currículo Paulista, o vídeo oferece meios para explorar a seguinte habilidade: “(EM13MAT306) Resolver e elaborar problemas em contextos que envolvem fenômenos periódicos reais (ondas sonoras, fases da lua, movimentos cíclicos, entre outros) e comparar suas representações com as funções seno e cosseno, no plano cartesiano, com ou sem apoio de aplicativos de álgebra e geometria” (Brasil, 2018, p. 536).
O vídeo “Gazeta da Informação” (Figura 4), disponível em https://youtu.be/VuvEhBZqD84, possui 5 minutos e 57 segundos, é apresentado de forma cênica abordando assuntos relacionados às dificuldades encontradas no Ensino Emergencial Remoto no momento da pandemia da Covid-19. O vídeo simula um telejornalismo citando relatos recebidos devido a enorme dificuldade em estudar e trabalhar durante a pandemia. Enquanto o personagem introduz o tema ao público, aparece escrito na parte inferior do vídeo a legenda “aluno manda áudio para a professora falando que está com saudade e que a mãe não sabe ensinar”. Em seguida, o âncora pede que mostre um vídeo referente a “problemas de conexão” durante as aulas remotas, aparecendo a seguinte legenda “mãe tem infarto ao tentar ensinar filho no EAD (Educação a Distância)”. É mostrada uma imagem de uma aluna desinteressada pela aula on-line, mas também é apresentada uma notícia em que um aluno ouve as aulas e ao mesmo tempo faz entregas de “bike no iFood” com a legenda: “Só não aprende quem não quer”. Ao retornar à cena para o personagem, aparece a legenda “professores encontram muitos desafios no ensino EAD”. Do ponto de vista matemático, o vídeo explora conteúdos sobre matrizes. De acordo com o Currículo de Matemática do Estado de São Paulo, o vídeo oferece meios para explorar a seguinte habilidade: “Compreender o significado das matrizes e das operações entre elas na representação de tabelas e de transformações geométricas no plano”.
Os títulos dos vídeos produzidos pelos licenciandos, mas que não foram submetidos ao Festival são: (a) “Uma longa viagem” e (b) “Aprendendo com as horas”. Neste artigo, optou-se em discutir os vídeos submetidos ao Festival.
DISCUSSÃO
Ao longo da disciplina, as aulas foram ministradas de maneira expositiva via Google Meet e com a proposição de atividades assíncronas via Google Classroom. O docente utilizou recursos como vídeos online e slides, sendo sugeridas leituras dirigidas. Foram também realizadas atividades síncronas utilizando-se o recurso “grupos temáticos” do Google Meet. Com essa ferramenta, grupos de 3-4 alunos se reuniam para discussão aprofundada de alguns do conteúdo em pauta na aula e depois compartilhavam suas reflexões com o grupo todo.
Com relação às ações de produção audiovisual com os licenciandos em Matemática, foram desenvolvidos do ponto de vista didático nove procedimentos/ações específicos no contexto descrito. Tais procedimentos consideraram as etapas propostas por Oechsler (2018) para produção de vídeos com estudantes em sua tese de doutorado intitulada “Comunicação Multimodal: produção de vídeos em aulas de Matemática”. As etapas são: “(i) Apresentação da proposta e de ideias de vídeos (animação, videoaula, encenação, vídeo com slides, entre outros); (ii) Elaboração do roteiro; (iii) Gravação das Imagens; (iv) Edição das cenas e (v) Exibição dos vídeos para a turma” (p. 8).
No início da disciplina foi proposto aos licenciandos produzirem uma PMD para ser submetida ao Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática. O vídeo poderia ser produzido individualmente ou em grupo. Em termos avaliativos, essa atividade comporia 50% da nota final. Os 50% restantes se referiram à participação (frequência nas aulas e realização/conclusão das atividades propostas). O Festival é genuinamente um projeto de extensão universitária da Unesp, mas que engendra aspectos diversos do ensino e da pesquisa, sendo um cenário pedagógico fértil para o desenvolvimento de processos formativos de licenciandos. Na tese de doutorado de Domingues (2020), intitulada “Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática: uma complexa rede de Sistemas Seres-Humanos-Com-Mídias”, o pesquisador destaca que:
A linguagem matemática presente nos vídeos e no discurso dos participantes manifesta-se como algo flexível, com certa plasticidade e humor, podendo favorecer a transformação da Imagem Pública da Matemática, muitas vezes vista como algo frio e difícil. De modo geral, (...) o I Festival foi um evento resultante de esforços coletivos de seus organizadores e participantes, em que adaptações foram necessárias para que vídeos fossem produzidos/submetidos à apreciação e pessoas se deslocassem para a solenidade presencial. Verificou-se, além disso, que o festival molda a sala de aula, assim como a sala de aula molda o festival (Domingues, 2020, p. 12).
Além disso, os licenciandos navegaram no site do Festival, buscando se familiarizar com vídeos classificados nas primeiras 3 edições do Festival. Eles puderam identificar os diversificados conteúdos matemáticos e as diversas linguagens artísticas/cinematográficas utilizadas nas narrativas. Puderam notar que as categorias eram determinadas pelos status dos autores, e não pelo conteúdo matemático do vídeo. Ou seja, mesmo que autores alunos do ensino superior explorem conteúdos matemáticos do Ensino Fundamental, estes deveriam se inscrever na categoria Ensino Superior. Puderam notar ainda que alguns vídeos eram do tipo videoaula, outras PMD (encenações/dramatizações, animações, musicais, etc.).
Na Matemática, tradicionalmente, usam-se o simbolismo, imagens gráficas e a linguagem verbal para expressar conceitos e teoremas, e esses modos foram os mais frequentes nos vídeos do I Festival, porém a criatividade e a técnica dos participantes tornaram possível que o conhecimento matemático fosse expresso a partir do uso de outros modos. Com isso, o discurso matemático produzido no vídeo explorou temáticas consideradas mais atrativas, como o humor, ou ainda, reflexões críticas sobre problemas sociais. Os vídeos mesclaram a Matemática com teatro, problemas do cotidiano, música, história e mesmo as videoaulas foram exploradas de diferentes formas, o que levou à elaboração de quatro subgrupos do grupo Videoaulas. A distribuição dos vídeos nos grupos que emergiram da codificação dos dados, destaca as diferentes dimensões criativas das produções, que incentivaram uma maior familiaridade dos alunos com a Matemática (Neves et. al., 2020. p. 14).
Além dos aspectos técnicos, foi também fundamental que os licenciandos conhecessem aspectos conceituais do cinema. Primeiramente, foi destacado o processo de produção cinematográfica como estruturado em pré-produção, produção e pós-produção. A pré-produção enfatizou a relevância da criação de roteiros, no qual deveriam ser definidos elementos essenciais como ideia matemática a ser explorada, linguagem narrativa artística (dramatização com atores, animações, musical, etc.), ordem de gravação de cenas em relação a exibição das cenas na narrativa. Sobre a produção, além dos aspectos comentados a seguir em (6.), destacou-se também a exploração de recursos como tipos de enquadramentos, utilização de trilhas e efeitos sonoros, utilização de legendas, etc. Com relação a pós-produção, discutiu sobre as ações de submissão dos vídeos ao Festival, participação no Festival, divulgação em redes sociais considerando o júri popular, etc. Engendrado a noção de pré-produção, produção e pós-produção, enfatizou-se as perspectivas de Boorstin (1990) e Scucuglia (2012) como referências em todas as etapas, principalmente na criação de do roteiro e na gravação/edição dos vídeos.
Foi atribuída grande ênfase ao conhecimento do Regulamento do IV Festival por parte dos licenciandos1. O Regulamento estabelece condições/regras importantes do ponto de vista ético como com relação ao direito de uso de imagens. Também, regras que condicionam diretamente a natureza do roteiro e vídeo propriamente, como o tempo limite de 6 minutos e a obrigatoriedade da inclusão de créditos. Há ainda diversos esclarecimentos técnicos/administrativos com relação ao processo de submissão. Conhecer o Regulamento foi fundamental para que os licenciandos se organizassem e definissem seus planos e estratégias de produção e submissão dos vídeos.
Autores como Oechsler, Fontes e Borba (2017) destacam ainda a relevância da elaboração de roteiros na produção de vídeos digitais após os autores terem definido a temática da narrativa e realizado algumas pesquisas iniciais sobre a temática. Seabra (2016) argumenta que o roteiro é uma composição escrita das cenas da história a ser contada usando descrições detalhadas das imagens, sons e outros elementos. Santiveri (2014) sugere que um roteiro pode ser composto pelos números das sequências, incluindo aspectos visuais, plano, imagem, música, efeitos e observações consideradas interessantes. Foram ministrados workshops de produção de vídeos durante as aulas de Didática. Os materiais de apoio à produção audiovisual disponibilizados pelo Festival foram intensamente utilizados2. Nesse repositório os licenciandos tiveram acesso à folders com excelentes sínteses sobre criação de roteiros, gravação de vídeos e edição de vídeos. Os licenciandos também puderam ter acesso a tutorias de diversos softwares gratuitos e não-gratuitos voltados à edição de vídeos como o Windows Movie Maker, YouTube Video Editor, Sony Vegas, Adobe Premiere Pro CC, Camtasia Studio, aTube Catcher, dentre outros. Tiveram ainda acesso a tutoriais sobre sites de aplicativos utilizados para criação de animações como o PowToon, Animaker, Biteable, Animoto, dentre outros. Com base nesses materiais, o docente desenvolveu explicações durante as aulas sobre alguns dos fundamentos de como criar um vídeo digital, tecendo relações com fundamentos do cinema e vídeos matemáticos.
Dos seis vídeos produzidos pelos licenciandos no Projeto, quatro foram submetidos ao Festival. Sendo 9 de maio de 2020 o prazo para submissão dos vídeos ao Festival, pode-se avaliar que houve “pouco tempo” para que os alunos produzirem seus vídeos, visto que a disciplina foi iniciada na primeira semana de março de 2020 (início da pandemia). Considera-se que, se os licenciandos tivessem mais tempo para criar seus vídeos, a qualidade conceitual matemática-artística-tecnológica dos vídeos poderia ter sido ainda mais aprimorada. Mesmo com um período de aproximadamente 60 dias, os licenciados produziram bons vídeos matemáticos. Por esse mesmo motivo, houve coerência por parte do docente em aceitar que dois grupos não puderam submeter seus vídeos no prazo do Festival tivessem seus vídeos avaliados pelo docente a posteriori. Cabe destacar que, com base no regulamento do Festival, é necessário que os autores se organizem com antecedência para submeterem seus vídeos, visto que existem exigências e questões administrativas-técnicas diversas envolvida no processo de submissão.
Todos os licenciandos da disciplina, com disponibilidade, participaram do evento de premiação do IV Festival ocorrido nos dias 27 e 28 de agosto de 2020 na modalidade online. O docente da disciplina, responsável pelo presente estudo, participou de uma mesa-redonda (“Bate-papo”) juntamente com a profa. Clarice Gualberto na qual foram discutidas temáticas diversas, principalmente sobre multimodalidade na produção de vídeos digitais educacionais.
Durante a disciplina, o docente, contando com a colaboração da estagiária de docência na graduação e do monitor bolsista, buscou orientar os licenciados de maneira contínua utilizando Google Meet, Whatapp, Google Classroom e e-mail. Esse processo de orientação ofereceu meios para uma avaliação formativa contínua dos licenciandos, visto que o docente pôde elaborar registros diversos do processo de produção audiovisual dos licenciandos (definição das temáticas e pesquisa, elaboração dos roteiros, gravação de imagens, seleção e uso de software, familiarização com o Regulamento do Festival, nível do engajamento/participação dos licenciando, etc.). No processo de produção audiovisual, os licenciandos assumiram papéis diversos, o que impactou diretamente seus níveis de engajamento nas diferentes etapas. Em alguns vídeos, o protagonismo dos autores foi equilibrado; alguns licenciandos se dedicam mais à elaboração do roteiro, outros a gravação/filmagens ou edição. Em contraste, alguns licenciandos assumiram protagonismo ao longo de todo processo e outros um “papel apenas figurante”. Nesse sentido, corroboramos com Domingues e Borba (2021), pois
Percebemos que os alunos produzem conhecimento matemático quando estudam algum conteúdo para expressá-lo com um vídeo, o que possibilita uma nova linguagem com menos rigor, mas com um objetivo mais claro, pois enfatiza o humor e a atenção dos alunos enquanto as preocupações emocionais e estéticas são reconsideradas. (...) fazer um vídeo de matemática não é “apenas entregar uma lista de exercícios de matemática”, para professores e alunos. O vídeo na Internet revela-se uma ferramenta para o ensino e aprendizagem da matemática (Domingues & Borba, 2021, p. 273, tradução nossa).
O modelo de PMD conceituais proposto por Scucuglia (2012) foi utilizado pelo docente para avaliar qualitativamente os vídeos dos licenciandos. Com base nisso, (1) Não foram identificados problemas matemáticos-conceituais nos vídeos (categoria voyeur). (2) As narrativas podem oferecer, por razões diferentes, alguns elementos considerados matematicamente surpreendentes (surpresa matemática). Esse aspecto talvez esteja mais presente no vídeo “A Matemagia dos Aniversários”, visto que o resultado do cálculo de probabilidade é, de certa forma, contra intuitivo. (3) Os vídeos oferecem emoções à audiência, principalmente devido a natureza artística das narrativas que, em algumas situações está associada às emoções relacionadas a atividade matemática dos personagens (prazer vicário). (4) A visceralidade foi um aspecto pouco explorado nos vídeos, embora alguns elementos como usufruto de recursos visuais para representar objetos matemáticos possam mobilizar essa categoria. De um ponto de vista geral, há ressalvas de natureza técnicas nos vídeos, mas que podem ser relativizadas mediante o tempo disponível para produzir os vídeos e os equipamentos disponíveis aos licenciandos.
Embora essa avaliação qualitativa oferecesse meios para atribuir diferentes “notas” aos vídeos, dado o caráter experimental/inovador e subjetivo desse processo, o docente optou em atribuir nota 10.0 a todos os autores de vídeos (50% da nota final). Contudo, houve variação nas notas finais dos licenciados na disciplina, pois foram consideradas a realização de outras atividades (50%) como a elaboração de planos de aulas de Matemática. Cabe também destacar alguns aspectos avaliativos ocorridos após o término das disciplinas:
(a) A maioria dos alunos da disciplina de Didática da Matemática em 2020 se tornaram alunos do mesmo docente em disciplinas de Estágio Supervisionado em 2021 e 2021. Após a experiência de participar do Festival e dos conhecimentos produzidos na disciplina de Didática da Matemática, os licenciandos demonstraram conhecimento, habilidade e interesse em produzir vídeos digitais enquanto atividade de regência do estágio supervisionado.
(b) Os licenciandos premiados com o vídeo “A Matemagia dos Aniversários” foram convidados a apresentar uma palestra no II Encontro de Educação estatística da Universidade do Recôncavo Baiano (ver https://youtu.be/fnYlgoAyehU). Os alunos destacaram aspectos diversos de suas aprendizagens durante a apresentação, inclusive fundamentando suas inferências na literatura sobre PMD e filosofia da educação Matemática ao discorrerem sobre a Imagem Pública da matemática.
(c) Foi mantido um grupo de WhatsApp das turmas de Didática da Matemática e outros grupos específicos de cada grupo/vídeo. Vejamos alguns depoimentos dos licenciandos acerca de suas aprendizagens de docência após a conclusão da disciplina:
“A contribuição foi enriquecedora para a docência. Conseguir desenvolver um aspecto de pré-produção, produção e pós-produção sem dúvidas nos faz pensar muito em toda a abordagem pedagógica [...]. Alguns tópicos chaves que sem dúvidas foram contemplados para nossa carreira seriam o dinamismo, criatividade, autonomia e aplicar a modernidade as nossas metodologias dentro da sala de aula... [Na disciplina] fomos incentivados, [o docente] foi nos auxiliado ferramentas que poderiam ser usadas, tivemos assistência e suporte em todas as etapas de produção, e ver o fruto do trabalho, que a tecnologia e a educação matemática podem sim surtir um efeito acredito que fecha com chave de ouro essa contribuição. Uma reflexão pessoal: a educação seria mais cobiçada por estudantes se desde o ensino fundamental eles pudessem não apenas serem assistidos pela tecnologia, produção de vídeos e afins, mas se também viabilizassem a construção dessa abordagem educacional, incentivassem festivais desse tipo e que promovessem a modernidade dentro da sala de aula, pois a realidade dos alunos hoje está mais perto disso tudo, logo ele se sente atraído por esse universo muito mais do que pelo tradicionalismo que tentamos impor”.
“Antes de fazer parte do Festival eu não conhecia o poder dele, não somente quanto alcance de pessoas, mas também quanto a disseminação de uma matemática mais amigável. Sendo assim, enquanto contribuição para a minha formação, eu pude trabalhar em grupo para produzir um trabalho preocupado com a compreensão, a surpresa matemática e a desmistificação da Imagem Pública da matemática. Acredito que produzir o vídeo me fez pensar em como transmitir uma ideia de uma maneira mais atrativa e buscando elementos do cotidiano do aluno, como a própria sala de aula e a enquete no Instagram. Além disso, pudemos conhecer novas abordagens de vários conteúdos matemáticos por meio dos outros participantes e compartilhar as expectativas e experiências durante o Festival.”
“Aprendi de maneira prática aquilo que muitos dos nossos professores de graduação nos dizem: não existe apenas um caminho, não se tem apenas um meio de se ensinar e se aprender matemática, podemos aprender muito enquanto nos divertimos produzindo/assistindo um vídeo matemático. Relacionar a matemática com as artes pode tornar as aulas mais leves e atrativas, além de que ilustrar ou produzir uma animação para exemplificar/definir um determinado conteúdo pode fazer a diferença na compreensão do aluno e facilitar a exposição/explicação do professor. [...] vimos que é possível produzir vídeos que agregam muito valor à prática docente de maneira simples, podendo engajar a turma para auxiliar na produção ou até propor que os alunos produzam os vídeos. Com certeza participar do festival agregou muito valor a minha formação docente.”
Portanto, foi avaliada a aprendizagem dos licenciandos participantes, principalmente com relação às suas habilidades/conhecimentos acerca da produção audiovisual de natureza educacional envolvendo Matemática. Dentre diversos aspectos do presente estudo que contribuíram para o desenvolvimento profissional do docente, destacam-se dois processos. O primeiro diz respeito a demanda por parte do docente em conhecer novos aplicativos/softwares de edição de vídeos. Embora o formador tenha experiência e familiaridade na produção audiovisual baseada no uso dos softwares Windows Movie Maker, Adobe Premiere e Final Cut, o interesse dos licenciandos em produzir uma animação ofereceu meios para que o docente pudesse conhecer e experimentar novos aplicativos de animação. Com isso, o formador aprendeu com os licenciados a utilizar recursos de edição de vídeos antes não utilizados por ele. Essa possibilidade foi significativa para as reflexões do docente no que diz respeito aos processos e as linguagens utilizadas na produção audiovisual. O formador tem assumido uma perspectiva epistemológica na qual as tecnologias moldam a produção de significados e conhecimentos. Nesse sentido, ao passar a pensar-com-FlipaClip, por exemplo, o formador produziu novos conhecimentos que embasam suas atividades didáticas futuras voltadas à produção de vídeos em Educação Matemática.
Houve ainda recursos utilizados pelos licenciados, como a criação de gifs com o PhotoShop, os quais o formador ainda desconhece. Esse reconhecimento é importante do ponto de vista da inteligência coletiva (Lévy, 2000). O formador que, por um posicionamento ideológico-autoritário, assume não ser possível que um professor aprenda com seus alunos, está fadado ao fracasso didático-pedagógico. A cibercultura reorganiza nossa relação com o conhecimento e com dinâmicas diversas de relações de poder, incluindo as micro relações em sala de aula. O uso de tecnologias digitais desconstrói nuances diversas das convencionais hierarquias da relação professor/aluno (formador/licenciandos) atribuindo ao conhecimento um caráter colaborativo. O professor deve assumir com responsabilidade seu papel de mediador em sala de aula, mas a horizontalidade/rimozaticidade do conhecimento é um advento que fomenta justiças diversas (sociais, econômicas, históricas, culturais e epistemológicas) e um posicionamento ético dos agentes de processos formativos.
O segundo processo destacado com relação ao desenvolvimento profissional do formador diz respeito ao acompanhamento e apreciação acerca das ações coletivas dos licenciados autores do vídeo “A Matemagia dos Aniversários” em compartilhar socialmente sua obra visando o engajamento na categoria “Júri Popular”. Os licenciandos criaram estratégias diversas para mobilizar grupos diversos o acesso a seus vídeos, buscando “curtidas”. Essas ações dos licenciados foram desenvolvidas em um nível de impacto e engajamento antes não experienciado pelo formador. O grande número de visualizações e curtidas obtidas por esse vídeo não só levou a Matemática dos licenciandos muito além das fronteiras da disciplina, mas colocou a Matemática no centro de um processo coletivo de apreciação estética.
E é justamente a concepção e os desdobramentos de uma possível Experiência Matemática Estética a principal contribuição deste estudo para o campo de formação docente. A palavra “estética” tem origem na expressão grega aisthésis que significa percepção, sensação e sensibilidade. Duarte Júnior (2003, p. 8) considera a estética como “[...] a parcela da filosofia (e também, mais modernamente, da psicologia) dedicada a buscar sentidos e significados para aquela dimensão da vida na qual o homem experiencia a beleza. Estética é a ‘ciência’ da beleza.”. Já Abbagnano (1970, p. 348) argumenta que o termo estética designa “a ciência filosófica da arte e do belo”. Pode-se considerar ainda, por exemplo, a estética como um elemento essencial da Matemática, como aponta Cifuentes (2005),
O estético não é apenas um olhar sobre a matemática, [...] existe um conteúdo estético na matemática, e esse conteúdo está ligado ao que pode ser “apercebido” pelo intelecto. [...] São valores estéticos da matemática, por exemplo, a perfeição, a simetria, a forma, o contexto, o contraste, a ordem, o equilíbrio, a simplicidade e a abstração, também a liberdade. (Cifuentes, 2005, p. 8)
Dewey (2010) aponta que a experiência estética se diferencia das demais por ser marcante e única, a qual “[...] só pode compactar-se em um momento no sentido de um clímax [...]” (p. 139). A estética, portanto, é uma dimensão da vida humana, sendo necessária para uma experiência completa do mundo. A experiência estética é uma experiência intensa, significativa, memorável e satisfatória. Embora o status quo escolar fomente convencionalmente experiências anestésicas, a produção audiovisual pode possibilitar experiências estéticas de professores e estudantes da Educação Básica. Considera-se fundamental que os processos formativos envolvendo licenciandos em Matemática ofereçam meios para que experiências estéticas sejam pedagogicamente criadas, desenvolvidas e sentidas, ou seja, que não são sejam eventos raros. Este posicionamento é fundamental para que a Imagem Pública da Matemática seja reconstruída como humana e sensível.
CONCLUSÃO
Conforme os levantamentos feitos nesta pesquisa, sabe-se que as tecnologias digitais e artes utilizadas na Educação Matemática podem ser uma ferramenta ou metodologia para otimizar o ensino e a Imagem Pública da Matemática. Sendo assim, a relevância deste trabalho pode ser vista no engajamento dos licenciandos que serão os futuros professores da sala de aula. As tecnologias digitais ainda são pouco presentes na escola, e as causas são diversas. Muitos professores não têm essa escolha, já que não possuem o aparato tecnológico suficiente, por conta da grande desigualdade social existente. Além disso, a falta desses recursos tecnológicos na formação inicial e continuada dos professores é também, uma das causas da não utilização (Javaroni & Zampieri, 2015). Sendo assim, é necessário que haja mais familiarização com as tecnologias atuais também durante a formação inicial de professores. Nesse sentido, esta pesquisa proporcionou um lócus de apropriação tecnológica e teórica sobre a produção de vídeos e os aspectos envolvidos, instigando o uso de vídeos em uma perspectiva performática como uma possibilidade didático-pedagógica para o ensino da matemática. Depois da experiência, os educandos puderam ter mais contato com o aprender e consequentemente o ensinar utilizando as tecnologias.
As narrativas multimodais utilizadas pelos licenciandos foram compostas das mais diversas formas de expressão e comunicação, incluindo a linguagem artística. Todos os vídeos contaram com efeitos visuais, linguagem verbal oral, verbal escrita e simbolismo matemático, além de efeitos sonoros e músicas. A linguagem visual pôde colaborar com a sistematização do conhecimento e a melhor visualização do conteúdo matemático, como a tabela que apresenta as porcentagens referentes aos aniversários coincidirem no mesmo dia quando foi aumentando o número de pessoas na sala de aula, o simbolismo na representação gráfica de uma matriz, no gráfico das funções trigonométricas, entre outros. Houveram também aspectos visuais artísticos, como na produção das imagens da sala de aula tradicional desenhada digitalmente pelos licenciandos, nos efeitos visuais e sonoros e transições. Já a utilização das músicas no começo dos vídeos, pôde trazer emoção para os espectadores e gerar expectativa sobre o que estaria por vir. Além disso, a explicação falada dos personagens proporcionou a melhor compreensão da matemática representada. As expressões faciais e gestos utilizados no vídeo ocasionaram em potencial uma sensação no espectador, sobre como a matemática é capaz de ser interessante e surpreendente, por exemplo na linguagem corporal da personagem ouvindo sobre a matemática das notas musicais. Dessa forma, as diversas formas de comunicar a matemática e de possibilitar a construção do conhecimento, que representa o caráter multimodal da matemática, estiveram presentes em todos os vídeos analisados. No ponto de vista didático, a multimodalidade usufruída nos vídeos pode contribuir para potencializar o entendimento de conceitos, sendo significativa sua discussão.
De maneira geral, o som, a música, os gestos, as expressões faciais, figurinos, os cenários, entre outros, são modos característicos da linguagem cinematográfica que estavam presentes nos vídeos. Além disso, o espaço de divulgação que o Festival de Vídeos proporcionou aos educandos, fez com que os vídeos extrapolassem a sala de aula e atingissem espaços sociais importantes para a desmistificação da Imagem Pública da Matemática. Em particular, a categoria Júri Popular engajou os licenciandos em divulgar seus conhecimentos para além da escola e da universidade.
É importante salientar que esta pesquisa realizada com os licenciandos não esgota as possibilidades didáticas de trabalhar a matemática com vídeos digitais ou a necessidade de investigação do engajamento proporcionado em futuros professores. Embora a produção de vídeos por parte dos educandos e o uso das tecnologias em sala de aula não sejam artifícios suficientes para preencher as lacunas existentes em nosso país no cenário da educação, mais especificamente na Educação Matemática, a produção de vídeos por licenciandos é uma questão que deve ser continuamente investigada. Quando licenciandos refletem sobre novas formas de ensinar a matemática, a imagem que ela tem dentro e fora da escola e experimentam um hall de atividades que proporcionam protagonismo e engajamento, as práticas pedagógicas futuras podem também envolver novas metodologias e ideias, como o uso dos vídeos, da música e das tecnologias digitais no ensino da matemática. Sendo assim, a pesquisa realiza contribuições acerca da produção audiovisual em Educação Matemática, em particular, submetidos ao IV Festival de Vídeos Digitais e Educação Matemática produzidos por futuros professores e acerca da relevância da multimodalidade.
REFERÊNCIAS
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Notas
Notas de autor
Información adicional
Como citar: Silva, R. S. R., Ianelli, A. C. C., & Carvalho, A. C. B. (2022). Didactic aspects involving the production of digital videos by pre-service Mathematics teachers. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e18288. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.18288
Contribuições dos Autores: Silva, R. S. R.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Ianelli, A. C. C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Carvalho, A. C. B.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.