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Aprendendo sobre pandemia: um estudo a partir do jogo Plague inc e seus jogadores
Daniela Karine Ramos; Tayanara Rúbia Campos; Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
Daniela Karine Ramos; Tayanara Rúbia Campos; Fernando Silvio Cavalcante Pimentel
Aprendendo sobre pandemia: um estudo a partir do jogo Plague inc e seus jogadores
Learning about pandemic: a study from the game Plague inc and its players
Aprendiendo sobre la pandemia: un estudio del juego Plague inc y sus jugadores
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17847, 2022
Universidade Federal de Sergipe
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Resumo: A pandemia do Covid-19 instigou pesquisadores do mundo inteiro para buscar alternativas educacionais com as tecnologias, entre elas estão os jogos digitais. Este artigo parte dos pressupostos teóricos que apoiam o uso de jogos como promotores de aprendizagem e apresenta uma pesquisa de cunho exploratório e qualitativo, com o objetivo de analisar as experiências, aprendizagens e sentidos expressos por jogadores em uma comunidade on-line sobre o jogo Plague inc. no contexto da pandemia do COVID-19. A coleta dos dados foi realizada em uma comunidade online de jogadores, sendo validadas 545 avaliações do jogo e contribuições feitas de forma espontânea. Os resultados da análise do conteúdo dos dados coletados, codificados em categorias, indicam que o jogo oportunizou o desenvolvimento de novos saberes, reflexões sobre o contexto da pandemia, questionamento sobre as informações científicas veiculadas no jogo, além de promover a interação em meio ao isolamento. Assim, entende-se que experiência de jogar permite problematizar a realidade e oferece oportunidades para significar as experiências e conhecimentos.

Palavras-chave: Aprendizagem baseada em jogos digitais, Covid 19, Educação científica.

Abstract: The Covid-19 pandemic instigate researchers from around the world to seek educational alternatives with technologies, among them are digital games. This article is based on the theoretical assumptions that support the use of games as learning promoters and presents an exploratory and qualitative research, with the aim of analyzing the experiences, learning and meanings expressed by players in an online community about the game Plague inc. in the context of the COVID-19 pandemic. Data collection was performed in an online community of players, and 545 game evaluations and contributions were performed spontaneously. The results of the analysis of the content of the collected data, coded in categories, indicate that the game has provided the development of new knowledge, reflections on the context of the pandemic, questioning about the scientific information conveyed in the game, besides promoting interaction in the midst of isolation. Thus, it is understood that playing experience allows to problematize reality and offers opportunities to signify experiences and knowledge.

Keywords: Digital game-based learning, Covid 19, Scientific education.

Resumen: La pandemia de Covid-19 instiga os investigadores de todo el mundo a buscar alternativas educativas con las tecnologías, entre ellas se encuentran los juegos digitales. Este artículo se basea en los supuestos teóricos que sustentan el uso de los juegos como promotores del aprendizaje y presenta una investigación exploratoria y cualitativa, con el objetivo de analizar las experiencias, aprendizajes y sentidos expresados por los jugadores en una comunidad online sobre el juego Plague inc. en el contexto de la pandemia de COVID-19. La recolección de datos se realizó en una comunidad online de jugadores, y 545 evaluaciones y contribuciones de juegos se realizaron espontáneamente. Los resultados del análisis del contenido de los datos recopilados, codificados en categorías, indican que el juego ha proporcionado el desarrollo de nuevos conocimientos, reflexiones sobre el contexto de la pandemia, cuestionamientos sobre la información científica transmitida en el juego, además de promover la interacción en medio del aislamiento. Así, se entiende que la experiencia de juego permite problematizar la realidad y ofrece oportunidades para significar experiencias y conocimientos.

Palabras clave: Aprendizaje basado en juegos digitales, COVID 19, Educación científica.

Carátula del artículo

Publicação Contínua

Aprendendo sobre pandemia: um estudo a partir do jogo Plague inc e seus jogadores

Learning about pandemic: a study from the game Plague inc and its players

Aprendiendo sobre la pandemia: un estudio del juego Plague inc y sus jugadores

Daniela Karine Ramos1
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Tayanara Rúbia Campos1
Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil
Fernando Silvio Cavalcante Pimentel2
Universidade Federal de Alagoas, Brasil
Revista Tempos e Espaços em Educação, vol. 15, núm. 34, e17847, 2022
Universidade Federal de Sergipe

Recepción: 08 Julio 2022

Aprobación: 02 Noviembre 2022

Publicación: 22 Diciembre 2022

INTRODUÇÃO

O jogo digital não precisa ter compromisso com a realidade cotidiana. Ele pode partir da fantasia, subverter as regras e a lógica do mundo real, por meio de narrativas e representações livres, criadas para garantir o engajamento e a jogabilidade. Conceitualmente, a partir dos pressupostos de Juul (2003), o jogo digital é composto de regras, narrativa, desafios, resultados variáveis e quantificáveis, que valorizam o desfecho e o esforço do jogador.

Em muitos jogos as narrativas ficcionais criam situações e regras que se descolam da realidade. Ramos (2012) destaca que o jogo pode lidar com um universo de valores e uma ética que se desprende da realidade do dia a dia, tendo regras que podem contrapor ao que é aceito em nossa sociedade ou não. Há jogos que se propõe a simular a realidade e outros que criam narrativas ficcionais. Diante disso, segundo a autora, os jogadores distinguem essas duas possibilidades e adequam seus comportamentos às regras que são estabelecidas, inclusive ampliando suas percepções sobre a vida e sua realidade.

Em tempos de pandemia de coronavírus, jogos antes associados mais fortemente à ficção científica parecem ter antecipado a realidade vivida, como é o caso do jogo Plague inc., que tem como objetivo principal a criação de doenças para acabar com a humanidade. Durante o desenvolvimento do jogo, a doença gera consequências como o fechamento de fronteiras e aeroportos, uma variedade de sintomas que afetam as taxas de mortalidade da população humana, bem como respostas dos governos para contenção da pandemia. Assim, o jogador pode atribuir sentidos muito próximos ao que se viveu na realidade, permitindo estabelecer relações e refletir sobre o vivido.

No intercâmbio entre a realidade e o universo ficcional dos jogos digitais os jogadores significam suas experiências e atribuem sentido. Ante o exposto, procedeu-se a seleção de um jogo que pudesse estar associado aos conteúdos de ciências, com base em critérios previamente definidos o jogo Plague inc. foi selecionado. Este artigo tem como objetivo analisar as experiências, aprendizagens e sentidos expressos por jogadores em uma comunidade on-line sobre o jogo Plague inc. no contexto da pandemia do COVID-19. Tem-se como problemáticas norteadoras: como a experiência de jogar o Plague inc. foi relacionada à pandemia? O que os jogadores aprenderam jogando? Como os jogadores relacionam os conteúdos científicos do jogo digital com a realidade vivida por eles?

Esta pesquisa foi desenvolvida no contexto da pandemia do COVID-19, causada pelo SARS-CoV-2, identificada e declarada como pandemia pela Organização Mundial da Saúde em março de 2020. A doença levou ao isolamento físico como uma das formas eficazes para conter seu avanço. Em muitas situações, a interação com as tecnologias de comunicação e informação tornou-se condição para ampliar as interações sociais, estudar e trabalhar durante o isolamento. Ao mesmo tempo em que as formas de entretenimento mediadas por essas tecnologias receberam destaque, dentre as quais destaca-se a interação com jogos digitais.

Segundo Dubreil (2020) durante o distanciamento buscou-se alternativas que minimizassem o isolamento físico e o afastamento das crianças e adolescentes da sala de aula, assim o uso dos jogos digitais configurou-se como uma estratégia para garantir a aprendizagem tanto de conteúdos como para o aprimoramento de competências e atitudes.

OS JOGOS DIGITAIS NO CONTEXTO DA PANDEMIA

Segundo Gee (2003), os jogos digitais conseguem materializar vários tipos de conceitos, visões de mundo e valores e veiculá-los para diferentes públicos, por meio de recursos audiovisuais interativos, tornando possíveis experiências imersivas variadas. Assim, em um mundo onde as tecnologias digitais, principalmente àquelas ligadas a informação e comunicação, fazem parte marcante da vida da maioria das pessoas, esse tipo de iniciativa para a divulgação e abertura do debate científico se torna essencial e até mesmo estratégica, pois hoje o acesso facilitado a informações faz com que o consumo de conteúdo, inclusive científico, fique muitas vezes a um clique de distância (Cunha & Garcia, 2019). Assim, os jogos digitais e espaços relacionados a eles podem configurar uma forma interativa de se vivenciar, pensar e discutir a ciência, principalmente a que aparece no cotidiano em variados contextos e de diferentes maneiras.

No contexto da pandemia, vários estudos abordam os jogos digitais como artefatos relevantes para aprendizagem, interação e entretenimento. Dentre eles, destacam-se as pesquisas de Demers (2020), Zhu (2020), Apriloka e Suyadi (2020), Chung e Lee (2020), entre outros. A situação de pandemia, conforme Wannigamage e colaboradores (2020), tem afetado o consumo de jogos digitais, pois as pessoas ficaram mais tempo em casa. Segundo os autores, os jogos de aventura, corrida, tabuleiro e de multiplayer foram os mais populares durante a pandemia, podendo configurar uma disposição da indústria dos jogos para as próximas produções.

O aumento no número de jogadores foi observado em relação ao jogo digital Plague inc., que durante a pandemia de COVID-19 teve uma ampliação expressiva de jogadores, passando inclusive os números do jogo digital Minecraft (Bald, 2020). O autor complementa que algo similar aconteceu com o jogo durante a epidemia de Ebola1 na África, que estava sendo bastante noticiada na época. Evidencia-se, assim, um aumento no interesse pelo jogo por causa de seu conteúdo que era próximo da realidade que os jogadores estavam vivenciando e eram divulgadas nas mídias, como a televisão e as redes sociais.

Dessa maneira, devido ao número crescente de jogadores, os desenvolvedores optaram por manter contato pelas redes sociais, direcionando as pessoas a buscar informações sobre a pandemia em fontes confiáveis, ressaltando que o jogo, apesar de ser baseado em estatísticas econômicas e epidemiológicas, não é confiável para simular a pandemia de coronavírus de forma realista. Diante disso, os desenvolvedores trabalharam em uma versão do jogo onde o jogador cria a cura e desenvolve estratégias de combate a pandemia (Mamiit, 2020). Atualmente, essa versão do jogo se encontra disponível para computador e smartphone.

Segundo a publicação da Pesquisa Game Brasil (2020), 73,4% dos brasileiros jogam jogos digitais. Mesmo com os problemas de acessibilidade no país cerca de 67 milhões de brasileiros jogam (CNN, 2020). Os jogos digitais aparecem como entretenimento preferido em uma indústria que atualmente movimenta mais dinheiro do que o cinema (ABBADE, 2019). Dentro do contexto da pandemia, é notável um expressivo aumento no consumo de mídia no Brasil que, segundo a pesquisa realizada pelo COMSCORE (Uckus, 2020), 20% a mais de pessoas visitaram sites de jogos digitais, aumentando também o tempo de navegação em 15% em relação com o período anterior à pandemia.

De acordo com Braga (2020), a pandemia exigiu que as pessoas passassem mais tempo online. Este aumento do acesso às tecnologias também colaborou para que mais pessoas, inclusive professores, buscassem novas alternativas educativas, como os jogos digitais. Entretanto, um dos desafios para a incorporação dos jogos no contexto de aprendizagem é o de ultrapassar a percepção preconceituosa e fundamentada no senso comum de que os jogos estão restritos ao entretenimento, têm conteúdo violento ou não promovem a aprendizagem.

Na pesquisa realizada por Apriloka e Suyadi (2020) sobre os jogos durante a pandemia, os dados atestam que o jogo digital pode ser utilizado tanto para a comunicação entre as crianças, como também para que sejam esclarecidas sobre o que acontece no mundo. Além disso, o uso de jogos digitais educacionais específicos sobre a temática de pandemias tem relevância nessa questão do jogo como recurso pedagógico. Nascimento et al. (2020, p. 25926), em pesquisa realizada com o jogo digital Plague Inc., concluem que o uso do jogo “pode ter um papel positivo na construção de uma visão crítica sobre o que é a saúde pública e o significado e importância de aprender conceitos e fundamentos da epidemiologia”. Algo similar foi identificado por Cheng et al. (2018) ao utilizar o jogo com universitários em aulas de epidemiologia onde afirmam que a sua dinâmica auxiliou no entendimento dos alunos sobre causa e efeito no espaço-tempo dos sintomas e características dos organismos infecciosos, além de incentivar a compreensão dos dados e suas representações gráficas.

Outro trabalho, descrito por Jacques (2015), discutiu o incentivo à criatividade que o jogo promove com seu modo de criação de cenários, onde os jogadores podem criar e compartilhar suas próprias fases, muitas delas baseadas em assuntos que não são doenças, como os cenários sobre filosofia, política, guerras históricas, entre outros.

Para além dos conteúdos, ressalta-se que os jogos digitais podem se constituir “como espaços de ressignificação, de catarse que possibilitam aos gamers elaborar seus medos, perdas e outras diferentes emoções, sem transpor o limite da tela” (Alves, 2006, p. 76). Desde a identificação com um personagem ou a configuração de um avatar, os jogos digitais permitem experimentar diferentes emoções e sentimentos sem que o jogador comprometa sua segurança física. Nesse sentido, os jogos também podem ser utilizados como meio de socialização, diminuindo a sensação de solidão e desamparo, afinal a interação com o jogo pode ter a função de auxiliar a lidar com o contexto da pandemia e elaborar o vivido.

Nesse contexto, o presente estudo volta-se às avaliações dos jogadores de Plague inc., um jogo sobre pandemias, compartilhadas em uma comunidade online da plataforma de venda de jogos digitais Steam. Assim, a pesquisa procurou ampliar a compreensão sobre como os jogadores relacionam os conteúdos científicos do jogo digital com a realidade a partir de suas contribuições espontâneas e participações na comunidade de jogadores. Os temas, as problematizações e as contextualizações presentes em jogos digitais que se relacionam com a realidade abrem possibilidades de aplicação de conhecimentos e reflexões sobre o vivido, o que apresenta possibilidades de serem integrados a processos de ensino e aprendizagem.

METODOLOGIA

A pesquisa realizada caracteriza-se como exploratória e de abordagem qualitativa (Mattar & Ramos, 2021), pois teve como propósito possibilitar uma maior familiaridade e entendimento sobre o assunto ao estudar a experiência vivida pelos jogadores em seus ambientes sociais e de aprendizagem. Assim, entendemos que os jogos digitais não são somente uma ferramenta ou um produto, mas também fazem parte da cultura, sendo um fenômeno de caráter social.

A seleção do jogo digital analisado considerou alguns aspectos que possibilitassem sua integração em contextos educacionais. Os critérios para essa seleção foram: a disponibilidade de versão em português e gratuita ou parcialmente gratuita, ser um jogo estratégico que desse várias alternativas ao jogador, compatível com computadores e tablets comumente utilizados em escolas e aderência a conteúdos transversais do currículo escolar. Além disso, o jogo precisaria ter uma comunidade online, pois a análise pautar-se-ia nas contribuições feitas pelos jogadores nas mesmas, o que levou a busca para a plataforma de venda de jogos digitais Steam, que conta com fóruns onde os jogadores podem interagir.

A aplicação desses critérios em relação aos jogos divulgados e comercializados na plataforma Steam resultou na seleção do jogo Plague inc., cuja temática se volta a criação de uma doença que terá que se tornar pandêmica e destruir a humanidade.

As avaliações feitas pelos jogadores e postadas na comunidade de jogadores dentro da plataforma Steam foram coletadas manualmente, incluindo contribuições em inglês e em português, tanto do Brasil como de Portugal, publicadas entre janeiro de 2015 e agosto de 2020.

O total de avaliações coletadas somaram 1734, sendo 680 pelo filtro de linguagem em inglês, 990 em português do Brasil e 64 em português de Portugal. Após a leitura flutuante do material, 1189 avaliações foram excluídas com base nos critérios estabelecidos, resultando em 545 avaliações que foram analisadas, destas 133 foram codificadas na categoria “reflexões sobre a realidade” que será apresentada neste artigo.

A análise das avaliações postadas pautou-se na análise de conteúdo descrita por Bardin (2011), observando três etapas para a organização: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Na pré-análise realizou-se o contato inicial com o material pela leitura flutuante, para formular hipóteses e elaborar indicadores que nortearam a análise. Na exploração do material os dados foram codificados, trabalhando de forma sistemática e progressiva com unidades do discurso. Para então, na última etapa organizar e preparar a apresentação dos resultados.

Na pré-análise algumas das mensagens foram excluídas da análise final seguindo os seguintes critérios: restringiam-se a elogios, referiam-se a xingamentos, mensagens que não abordavam aprendizagem e conteúdos de ciências, limitavam-se a expressões, palavras ou letras sem sentido.

A partir dessa leitura flutuante foram feitas anotações iniciais que resultaram na criação de códigos focados nos temas centrais de enxertos (que tinham como limite no mínimo uma frase e no máximo um parágrafo) das avaliações coletados, que levaram a criação de categorias iniciais, sendo uma delas denominada “ciências”, que englobou os temas: comparação com a realidade, relatos sobre a pandemia, identidades assumidas ao jogar e ideias sobre ciências.

Assim, o passo seguinte foi proceder com a codificação e o agregamento dos códigos em categorias intermediárias pela análise da repetição de palavras, frases e temas. A categorização foi refinada progressivamente até resultar na categoria final denominada “reflexões sobre a realidade” e a aplicação de categorias para classificar os discursos escritos pelos jogadores (Santos, 2012),

Essa categoria incluiu subcategorias relacionadas às reflexões sobre a realidade, como notícias, sentimentos relacionados à pandemia do COVID-19, erros do jogo baseados nas observações e conhecimentos dos jogadores, entre outros, que os jogadores descreviam em suas análises do jogo. A categoria final e suas subcategorias podem ser visualizadas no quadro 1.

Quadro 1
Categoria e subcategorias relacionadas às reflexões sobre a realidade

Fonte: Elaborado pelos autores (2020)

Os resultados são apresentados a seguir, sendo que os nomes de usuário dos jogadores foram transformados em códigos para proteger a confidencialidade e anonimato. Os enxertos das avaliações são utilizados para exemplificar os resultados e os que estavam em inglês foram traduzidos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De modo geral, na plataforma Steam os jogadores não só expunham suas opiniões sobre o jogo digital Plague inc. como descreviam suas ações, apontavam características do jogo que pensavam que outros jogadores apreciariam e, também, compartilhavam aspectos de sua realidade e como a enxergavam. Desse modo, a categoria de análise pautou-se nos relatos que traziam reflexões sobre a pandemia do coronavírus, menções a outras doenças, reclamações sobre os erros do jogo e qual identidade os jogadores se enxergavam ao jogar (Gráfico 1).


Gráfico 1
Frequência do registro nas subcategorias de reflexões sobre a realidade
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)

Como já citado, houve um aumento expressivo no fluxo de jogadores de Plague inc. em decorrência da pandemia de coronavírus. Dez jogadores comentam ter lembrado do mesmo por causa do fenômeno, afirmando a relevância diante dos acontecimentos reais que os cercavam, como pode ser visto no exemplo abaixo:

Comprei o jogo quando lançou na steam em 2016 porém na época pensei que o jogo era chato e sem sentido. Assustador! […] Solicitei o reembolso pensando, quem teria coragem de jogar isso? Pois é!! Jogando hoje 4 anos depois e no meio de uma pandemia você repensa tudo! Como um jogo pode transmitir tanto a realidade? Realmente impactante viver o que estamos vivendo e jogar um jogo desse gênero. Tudo parece tão pequeno e simples de ser destruído (Jogador PBR717, 15 de abril de 2020).

Apesar das relações feitas pelos jogadores entre os elementos do jogo e a realidade, quatro deles foram firmes em relembrar que o jogo não é realista e não deveria ser utilizado como modelo para a COVID-19. O jogador P572 ainda alerta para tomar cuidado com as informações sobre o vírus que tomavam espaço na internet:

Aviso para quem vai jogar por causa do Covid-19: Este jogo NÃO é 100% realista, nem mesmo 50%. Os desenvolvedores tentaram avisar sua base de jogadores várias vezes. Se você usar este jogo como uma simulação do que vai acontecer com o coronavírus, você acredita em quase tudo que vê na internet e na mídia (Jogador P572, 20 de março de 2020, tradução dos autores).

Esse fenômeno foi tão intenso que em 2019, a Organização Mundial da Saúde alertou para o que chamou de “infodemia”, ou seja, a onda de informações, falsas ou não, relacionadas com a pandemia que surgiriam e que tornariam o trabalho de verificação das mesmas mais difícil (Organização Pan-Americana de Saúde, 2020). Ainda assim, os jogadores comparavam o que acontecia no jogo digital com a realidade que estavam enfrentando:

Nunca um jogo retratou tão bem a nossa realidade […] O fechamento de aeroportos e de fronteiras para impedir a importação da doença te lembra alguma coisa? Sim, meus amigos. Quando joguei esse game, alguns anos atrás, não faria ideia do que estava por vir em 2020. Como gamer, sempre tive vontade de fazer parte de um jogo. Um sonho que até Novembro de 2019, era literalmente IMPOSSÍVEL, mas em Março de 2020, o sonho (ou seria pesadelo), através da doença chamada de COVID-19, uma nova forma da antiga SARS, se tornou realidade. A situação do mundo, na data em que esta análise foi escrita, era a seguinte: mais de 1 milhão e 200 mil infectados ao redor do mundo. Quase 70 mil mortos pelo planeta. Quase 500 mortes somente no Brasil. As cidades do planeta se tornaram desertas. A crise é considerada a pior desde a 2ª Guerra Mundial (PBR714, 5 de abril de 2020).

A grande difusão de informações, incluindo falsas e pautadas no conhecimento científico, segundo Malloy-Diniz et al. (2020) afetam o modo como as pessoas compreendem a situação vivida e atribuição de sentido. Porém, as informações difusas, contraditórias e alarmantes contribuíram para gerar comportamentos e respostas disfuncionais. Diante disso, o jogo também pode ser entendido como um difusor de informações e as comunidades de jogadores mostraram ter um papel na discussão e melhor entendimento das informações veiculadas, contribuindo para ampliar a compreensão sobre a pandemia. De outro forma, os jogadores P582 e P584 ponderam que jogar os faz sentir mais em controle da situação, diferente do que acontece no mundo real:

No nosso clima atual com a COVID-19 fechando o planeta, um pouco de controle sobre a pandemia te faz sentir um pouco mais em uma posição de poder (Jogador P582, 14 de abril de 2020, tradução dos autores).

Dado isso, PI: E não é um simulador de COVID-19, e é injusto reduzir este jogo a esse rótulo. Eu acredito que este jogo chamou a atenção que tem atualmente porque as pessoas estão procurando maneiras de entender o caos em nosso mundo, e elas o encontraram aqui [grifos nossos]. PI: E oferece um ambiente seguro, no qual as pessoas podem enfrentar seus medos e buscar algum controle nestes tempos imprevisíveis. [...] É catártico porque sinto que tenho algum controle sobre uma pandemia quando o jogo. [...] Eu entendo que PI: E é um jogo com um modelo de simulação simplificado que não reflete verdadeiramente as realidades e relações complexas da biologia, epidemiologia, política, comércio, bem como a resiliência, engenhosidade e - vamos ter que admitir – estupidez humana. [...] O nível de dificuldade normal também não é tão realista, com apenas 67,3% das pessoas lavando as mãos, os médicos trabalhando apenas 3 dias na semana e os doentes sendo ignorados. Não é assim que se responde a uma pandemia! Os níveis de dificuldade brutais e mega brutais do jogo são mais parecidos com a nossa vida real agora, com pessoas lavando as mãos compulsivamente, médicos investindo em pesquisas e nunca indo para casa, e check-ups médicos aleatórios acontecendo, etc. (Jogador P584, 28 de abril de 2020, tradução dos autores).

Além das comparações e relações feitas, seis jogadores comentaram sobre o banimento do jogo na China e três sobre a doação que os desenvolvedores fizeram para o combate contra o coronavírus:

Manter o jogo atualizado e à tona apesar de ter sido banido na China [...] doando parte de seus ganhos para os esforços de pesquisa para a cura e agora, conscientizar sobre questões-chave com sua futura atualização "Salve o Mundo" (que será gratuita até uma vacina para COVID ser descoberta) (Jogador P601, 26 de junho de 2020, tradução dos autores).

Os caras doaram $250 mil na ajuda ao combate ao Covid-19, se isso não é motivo pra recomendar o jogo, não sei mais o que pode ser! (JOGADOR PBR649, 20 de março de 2020).

Nota-se que os jogadores trazem em suas avaliações sobre o jogo comparações de seus elementos com o que estavam vivenciando na pandemia, inclusive com o que viam na televisão e nas redes sociais, comentando sobre notícias relacionadas ao jogo e a pandemia. Assim, para alguns jogadores esses acontecimentos são importantes o suficiente para que os coloquem em suas avaliações e postem na comunidade, compartilhando suas experiências durante esse momento e construindo outros sentidos ao compararem com o mundo do jogo digital e com postagens de outros membros. Dessa forma, a aprendizagem do jogador requer que ele “mergulhe na experiência, que estabeleça conexões com suas vivências e construam a partir da interação, novos saberes e conhecimentos” (Pimentel, 2018, p. 14). Algo que, em contextos formais de educação, pode e deve ser mediado pelo professor durante o uso dos jogos, considerando a quantidade de informações erradas acerca dessa temática e que podem ser notadas nos enxertos analisados.

Zagal (2008) chama a atenção para as práticas de aprendizagem que acontecem dentro de comunidades de jogadores. Para o autor, a habilidade de jogar um jogo digital é mais que saber as regras, objetivos e a interface do jogo, incluindo também participar das práticas sociais e comunicacionais provenientes do mesmo, como, por exemplo, utilizar linguagem específica, produzir e contribuir com os conteúdos abordados e se engajar em outras práticas.

Na subcategoria “outras doenças” foram reunidas as menções a doenças que os jogadores disseram lembrar ao jogar, resultando em 10 relatos ao todo. Outras falas também mencionavam doenças, contudo, em contextos diferentes e foram colocadas em outras subcategorias.

Seis relatos mencionavam o Zika vírus, todos prevenientes do filtro de linguagem em português do Brasil e em grande parte de 2016, o que é explicado pelo fato do Zika vírus ter sido muito noticiado e discutido nessa época no país (Cunha & Garcia, 2019). As outras quatro falas eram relacionadas ao vírus da Ebola, cuja epidemia na África foi noticiada exaustivamente pela mídia durante 2013 a 2016 (Ruprecht, 2020).

Outras doenças foram citadas em outras subcategorias, como a peste-negra (n = 11), a mononucleose (n = 1), a gripe aviária (n = 1), a disenteria (n = 1), a doença da vaca louca (n = 1), a gripe comum (n = 3), a gripe suína ou H1N1 (n = 5), a varíola (n = 5) e o próprio coronavírus ou Covid-19 (n = 47). O jogador P701 afirma o caráter educativo de poder simular e vivenciar doenças, inclusive dizendo que as pragas e doenças se relacionam com a história da humanidade. Assim, há o benefício de poder visualizar as relações entre as variáveis socioeconômicas e climáticas dos países com as doenças pandêmicas que podem ser simuladas, como pode ser visto abaixo:

numerosos cenários, variando da peste negra até a gripe suína. […] Dados e informações incrivelmente acurados disponíveis para localizar, ver e aprender como essas doenças afetam diferentes países e climas (Jogador P401, 10 de julho de 2018, tradução dos autores).

Cabe destacar que o jogo estimula o jogador a olhar o mundo pela visão do agente biológico causador da pandemia. Então na subcategoria denominada “identidades” foram reunidos 52 relatos de identidades, personagens e papéis que os jogadores afirmam assumir ao jogar.

Trinta jogadores relatam que o jogo os faz sentir como se fossem a doença (n = 15) ou como os patógenos que aparecem no jogo (n = 7), sendo utilizados diversos nomes diferentes para referenciá-los como “germe”, “micróbio”, “parasita”, “vírus” e “microrganismos”. Esse resultado já era esperado considerando que o jogo se refere ao jogador como se ele fosse o patógeno, com frases como “você deve modificar seu DNA” que o colocam na perspectiva do personagem, nesse caso, do organismo patogênico. Essa observação leva a um problema de entendimento de moralidade relacionado a microrganismos, muitas vezes retratados pelos jogadores como “organismos do mal”, que teria que ser contemplado e desmistificado durante o uso e discussão em sala de aula.

O jogador P447 afirma que “Talvez de fora (sic) seja cruel, mas o jogo realmente faz você se sentir como uma doença” (Jogador P447, 17 de janeiro de 2019, tradução dos autores). Outros exemplos são:

Em 2020, você é o vilão do jogo, e enfrenta uma situação bastante crítica no mundo real, que pode valer, literalmente, a sua vida. Em 2020, você descobre que o sonho de fazer parte do jogo era, na verdade, um pesadelo. […] No jogo, seu personagem é uma forma de vida parasitária (vírus, bactéria, verme, etc...) que deve infectar algum infeliz aleatoriamente, ao redor do mundo (Jogador PBR714, 5 de abril de 2020).

Porque em Plague Inc: Evolved você pode SE TORNAR o vírus. Você pode se tornar como a Peste Negra (Jogador P417, 20 de agosto de 2018, tradução dos autores).

Dezoito jogadores relatam que o jogo os fez sentir como um personagem do mal, um vilão ou antagonista, fazendo até referências a personagens da cultura pop, como o jogador PBR873 que afirma que o jogo o faz sentir como “...um sayajin…” (Jogador PBR873, 19 de janeiro de 2015), personagens do desenho japonês Dragon Ball que têm fama de conquistar e destruir planetas. Outra figura recorrente da cultura pop é o cientista ou gênio do mal que aparece em doze relatos. Além disso, pelo menos cinco jogadores relatam se sentirem como se fossem Deus. As falas abaixo exemplificam:

Me sinto meio mal por ter gostado desse jogo, de verdade....ele te coloca como vilão uma praga de vários gêneros e você basicamente tem que acabar com a humanidade, isso mesmo, nada de impérios, nada de super soldados, só uma doença para acabar com tudo (Jogador PBR313, 26 de abril de 2018).

Plaque Inc. é um jogo que te permite viver a fantasia de ser o melhor cientista maluco existente (Jogador P44, 9 de maio de 2016, tradução dos autores).

jogue como se você fosse Deus com uma lupa e a população da Terra as formigas (Jogador P128, 30 de janeiro de 2017, tradução dos autores).

A segunda maior subcategoria dessa categoria final é a de “erros apontados pelos jogadores”, onde 44 jogadores comentam sobre os erros que identificaram no jogo, entre eles o mais mencionado é o fato de ter uma “estratégia de ouro”, ou seja, uma estratégia que funciona na maioria das situações, o que torna o jogo repetitivo e sem graça (n = 26), como pode ser visto no exemplo abaixo:

porém se torna repetitivo pois as estratégias de contaminação mundial são basicamente as mesmas mudando apenas alguns dos meios, depois que você pega o macete se torna algo fácil (Jogador PBR349, 15 de setembro de 2018).

Dois erros que também foram mencionados foram os erros do mapa mundial presentes no jogo (n = 8) e a cura da doença ser distribuída muito rapidamente (n = 6).

Mandei ao suporte informando que a alguns países faltando, assim espero que eles durante essa análise tenha incluído no jogo principal!! (Jogador PBR406, 26 de maio de 2019)

sobre a cura eu acho que eles conseguem administrar para o mundo todo muito rápido, de novo realisticamente ela nunca seria erradicada tão rápido, talvez em países desenvolvidos, mas nunca em países pouco desenvolvidos. […] esse jogo chora por algoritmos melhores, as infecções aparecem aleatoriamente dentro de um país, mas somente depois de um tempo ela começa a se espalhar para além das fronteiras, realisticamente deveria ter uma maior concentração de infecções em uma mesma cidade invés de ter um primeiro caso em um canto do país e um segundo no meio (Jogador PPT37,8 de fevereiro de 2020, tradução dos autores).

Os erros relacionados aos conteúdos biológicos que os jogadores apontaram foram: questões de imunologia que não estão presentes no jogo (n = 1), mutação genética simplificada (n = 2), sintomas que deveriam modificar as variáveis de outras formas (n = 1) e as rotas de transmissão da doença (n = 5).

fiz ela matar uns milhares então o jogo me diz que estão fazendo a cura então eu pensei justo então eu tentei atrasar ela fazendo mais algumas cepas na doença isso não realmente desacelerou muito o processo então eu continuei fazendo o que eu estava fazendo e chegou em 80% completo eu entrei em pânico mas já era muito tarde então o jogo me disse que a doença tinha sido erradicada o que me deixou pensando isso não é totalmente possível antes de eu ser totalmente erradicado eu adicionei um gene para olhos irritados que modificaria o meu vírus completamente então eles teriam que refazer a cura você não acha? Olhe para a gripe comum por exemplo eles não conseguem curá-la...muda o tempo todo! (Jogador P725, 12 de setembro de 2015, tradução dos autores).

a insanidade global é muito menos perturbadora do que deveria. Recomendo aos desenvolvedores que leiam sobre a síndrome de descontinuação de SSRI e imaginem o que isso faria a uma sociedade se todos tivessem. Veja também o filme Crazies. […] Além disso, os caminhos de avião e barco precisam ser muito mais aleatórios. A Califórnia nunca recebe navios de acordo com esse modelo do mundo. E a Groenlândia sempre envia navios para a Rússia. Heh. Não. [...] O jogo também respeita as fronteiras. Não vivemos em cidades-estado muradas em sua maior parte. E certas nações precisam reagir mais rápida e drasticamente do que outras (Jogador P222, 24 de novembro de 2017, tradução dos autores).

Apesar de James Vaughan, criador do jogo, utilizar informações públicas sobre epidemiologia e economia para determinar as tendências e interações das variáveis que foram utilizadas nos algoritmos do de Plague Inc. (Rath, 2013), estes erros identificados pelos jogadores podem estar relacionados a uma possível ausência de especialistas na área de epidemiologia na equipe de desenvolvedores. Contudo, o criador considerou o aspecto lúdico e a jogabilidade, ajustando a velocidade da infecção, a vulnerabilidade dos humanos (ignorando alguns pontos sobre o sistema imunológico) e modificando a forma que uma mutação funciona para criar uma experiência aproximada, mas que ainda prioriza os elementos imersivos e de diversão dos jogos digitais.

Desse modo, nota-se a troca constante entre os saberes dos jogadores e os que estão contidos no jogo dentro do espaço da comunidade. Nessa interação observa-se que muitos jogadores se sentem empoderados para traçar paralelos entre conhecimentos, apontar erros e, inclusive, dar sugestões em como melhorar o jogo (GEE; HAYNES, 2012). Essa dinâmica tira os jogadores de um papel de consumidores passivos, pois agora constroem e produzem conhecimento dentro e fora do jogo digital.

Em relação aos jogos digitais que são desenvolvidos para o uso em sala de aula, Jantke (2006) aponta que um dos maiores desafios em sua criação é o conflito entre a jogabilidade e o conteúdo a ser aprendido, que devem ser conectados entre si para que assim o jogador aprenda enquanto joga e interage com o mundo do jogo. Eck (2015) complementa que o ensino baseado em jogos digitais não deve utilizar os jogos para enganar os estudantes ou para fingir que a aprendizagem é divertida e sim, deve integrar os elementos e características dos mesmos para esse fim. Além disso, Gee (2003) também aponta o que chama de “problema do conteúdo” que é a ideia de que alguns conteúdos e aprendizados não são “da escola” e outros são. Esse entendimento pode ser danoso já que excluí formas diferentes de aprender e conteúdos do cotidiano que são de interesse dos estudantes, podendo também influenciar criadores de jogos digitais escolares a tornar os jogos muito simples e somente voltados a memorização de fatos e conceitos.

O jogo digital Plague inc. não foi criado com a intenção de ser utilizado na escola e sim de entreter seus jogadores. Ele tem embasamento em noções de epidemiologia e economia, contudo, não tem a obrigação de ser realista, tendo sua jogabilidade ajustada para criar uma melhor experiência lúdica. Contudo, pelas observações feitas pelos próprios jogadores, os eventuais erros não necessariamente invalidam ou diminuem o caráter educativo do jogo, pois estes são discutidos e problematizados entre eles. Algo que pode ser extensivamente explorado pelo professor na sala de aula.

Diante disso, problematiza-se que os jogos digitais não são a solução milagrosa para a educação, tendo limites no que podem ou não fazer, demonstrar e representar (Eck, 2015). Assim, seria mais produtivo perguntar o que os jogos digitais ensinam e como eles ensinam. Nesse caso, o jogo digital Plague inc. demonstra, de modo lúdico, simplificado e multidisciplinar, uma pandemia, onde o jogador pode controlar as características econômicas, sociais e culturais além das biológicas para chegar no objetivo final.

Nesse sentido, as mecânicas e dinâmicas interativas e o compartilhamento de experiências pelos jogadores na comunidade online podem estimular o aprendizado, a reflexão e o debate sobre questões relacionadas à ciência e a sociedade. Sua utilização durante o ensino remoto e na sala de aula poderia visar uma experiência reflexiva e desafiadora sobre essas relações, onde o professor poderia fazer a mediação entre o real e o mundo do jogo, utilizando outras atividades, como debates, análises e outros tipos de produções envolvendo o jogo digital de formas diversas em sua prática, incentivando uma atitude investigativa e o olhar crítico sobre o conteúdo veiculado, o aprendido e os significados contruídos individual e coletivamente

CONCLUSÃO

Essa investigação teve como objetivo analisar as contribuições realizadas em uma comunidade online de jogadores do Plague inc. na plataforma Steam, buscando identificar as relações que são estabelecidas entre a experiência com o jogo digital e a realidade cotidiana. Na análise dos dados foi possível fazer essa identificação, especificamente ao considerar que os jogadores fazem uma relação direta entre o jogo e o contexto da pandemia do COVID-19.

Ao analisar as contribuições dos jogadores observou-se que eram mais do que avaliações da qualidade do jogo, mas também envolviam trocas de experiências e saberes, fazendo paralelos entre os conhecimentos já existentes, os que estão contidos no jogo e a realidade vivenciada. Assim, os espaços da comunidade, que viabiliza o encontro entre jogadores com interesses similares, fazem com que eles se sintam empoderados o suficiente para compartilhar opiniões, construir e reconstruir conhecimentos, apontar erros e dar sugestões em como melhorar o produto. Observou-se que discutem a realidade, incluindo relações entre o jogo e o vivido, bem como problematizando informações e o que é divulgado nas mídias. Assuntos como fake news, movimento antivacina e outros se faziam presentes em suas falas.

Dessa forma, os jogadores não podem ser considerados apenas consumidores passivos, pois constroem e produzem conhecimento dentro e fora do jogo digital, o que acaba por tornar a comunidade online em um espaço informal de aprendizado, nesse caso de um tema relacionado com ciências e que os afeta no cotidiano. Isso pode indicar que ao jogar eles não simplesmente seguem uma série de passos mecânicos, mas comparam aprendizagens passadas, conhecimentos anteriores, reflexões e suposições provenientes das experiências vividas na vida real ou através da ficção e, até mesmo, sua própria imaginação.

Os jogadores utilizavam a nomenclatura científica presente no jogo em suas avaliações, contudo, algumas vezes de forma equivocada, como na caracterização dos organismos do jogo, assim como ideias relacionadas com a moralidade deles (por exemplo, “organismos patogênicos são maldosos”). Diante disso, reconhece-se como necessidade e, também, limitação do trabalho, reforçando-se a necessidade de continuidade da pesquisa para entender melhor como os jogadores pensam sobre esses temas. De qualquer forma, possíveis desentendimentos que os jogadores possam ter em relação ao conteúdo representado podem ser trabalhados pelos professores, quando utilizados em ambiente educativo, gerando discussões sobre o papel da ciência, saúde pública e outros temas relevantes.

Nas avaliações mais recentes, o tema da pandemia de COVID-19 trouxe o sentimento de medo. Assim, o jogo poderia preparar as pessoas para lidarem com seus medos e angústias como um treino mais seguro para lidar com a realidade, ou seja, podem promover uma catarse, uma reconfiguração do entendimento da vida. Ainda nesse contexto, é visível o papel da comunidade em criar um espaço onde podem até mesmo compartilhar tais emoções e discuti-las com outras pessoas com interesses iguais.

Para finalizar, nota-se que os jogos digitais se constituem em um recurso potente para a aprendizagem, pois, podem veicular conteúdos e passá-los ao jogador de forma interativa e interessante, criando e recriando significados. Além disso, percebe-se que o espaço da comunidade incentiva troca de experiências, opiniões e conhecimentos entre os pares, no caso os jogadores bem como um olhar mais crítico, ativo e construtivo em relação aos conteúdos presentes e a sua forma de apresentação. Essa riqueza de sentidos, significados, conteúdos e interações pode ser explorado e ampliado de formas diversas e a partir de atividades variadas em sala de aula.

Material suplementario
Información adicional

Como citar: Ramos, D. K., Campos, T. R., & Pimentel, F. S. C. (2022). Learning about pandemic: a study from the game Plague inc and its players. Revista Tempos e Espaços em Educação, 15(34), e17847. http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v15i34.17847

Contribuições dos Autores: Ramos, D. K.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Campos, T. R.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual; Pimentel, F. S. C.: concepção e desenho, aquisição de dados, análise e interpretação dos dados, redação do artigo, revisão crítica relevante do conteúdo intelectual. Todos os autores leram e aprovaram a versão final do manuscrito.

Aprovação Ética: Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Catarina. CAAE: 37188720.3.0000.0121.

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Notas
Notas
1 Ebola, ou febre hemorrágica, é uma zoonose causada por vírus do gênero Ebolavirus, possuindo atualmente quatro subtipos. Ela é uma doença grave e potencialmente letal. De 2013 a 2016 ocorreu um surto do vírus na África Ocidental, caracterizando-se como uma das mais letais, gerando muitas mortes e problemas socioeconômicos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021).
Notas de autor
1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
1 Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, Santa Catarina, Brasil.
2 Universidade Federal de Alagoas, Maceió, Alagoas, Brasil.

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Quadro 1
Categoria e subcategorias relacionadas às reflexões sobre a realidade

Fonte: Elaborado pelos autores (2020)

Gráfico 1
Frequência do registro nas subcategorias de reflexões sobre a realidade
Fonte: Elaborado pelos autores (2020)
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